Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5439/12.6TBBRG.G2
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
COMPROPRIETÁRIO
FACTO JURÍDICO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- A titularidade do direito de preferência legalmente outorgado ao comproprietáario de coisa indivisa pressupõe que o preferente tenha a posição jurídica de comproprietário, não apenas no momento da celebração do contrato de compra e venda, como também no momento «substantivo» em que se subjectiva o direito a exercer a referida preferência.
II - Por outra banda, porque a qualidade de comproprietário integra a fattispecie constitutiva do direito de prelação que emerge do artº 1409º, nº1, do CC, constituindo assim verdadeira condição da acção a que alude a norma substantiva imediata ( a do artº 1410º, do CC ), então inevitável é que o demandante a possua logo à data da respectiva propositura , que não tão só num momento posterior, e em razão v.g. de uma situação hipotética e futura, designadamente porque, na sequência por exemplo da celebração de uma escritura de partilhas, veio então a obter a acima referida qualidade de comproprietário.
III- Todavia, porque a celebração de uma escritura de partilhas no decurso da acção consubstancia facto jurídico superveniente atendível, vindo a Autora a obter através da mesma a qualidade de comproprietária invocada logo na petição como integrando a causa petendi , a qual de resto detinha já aquando do contrato de alienação que é objecto do direito de prelação invocado [ logo, a celebração da escritura de partilhas posteriormente à propositura da acção não teve por desiderato único a atribuição do referido direito à autora, antes o respectivo facto constitutivo já existia na titularidade da Autora ao tempo da alienação ] e porque em razão do artigo 2119º, do Código Civil, após a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, o reconhecimento do direito de preferência à Autora é inevitável.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Guimarães
*
1.Relatório.
M.., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra
J.. e mulher M.., L.. e mulher M.. , J.. e mulher M., peticionando que, na sequência da procedência da acção intentada, seja declarado e reconhecido que :
I - A autora é a dona e legítima possuidora de metade indivisa de prédio;
II - O direito de preferência da autora sobre a outra metade indivisa desse mesmo prédio, conforme causa de pedir supra alegada, e , consequentemente:
II.I - A substituição dos 1.ºs réus pela autora na transmissão de tal quota-parte do prédio urbano efectuada pelos 2.ºs réus; e
II.II - O respectivo cancelamento de todos os eventuais registos conflituantes com tal direito da autora;
Subsidiariamente, quando assim se não entenda,
Deverá declarar-se e reconhecer-se:
III - O direito de preferência da autora sobre a metade indivisa e transmitida desse mesmo prédio, conforme causa de pedir supra legada, e, consequentemente:
III.I - A substituição dos 3ºs réus pela autora na transmissão de tal quota-parte do prédio urbano efectuada pelos 2.ºs réus em 31/Janeiro/1991; e
III.II - O respectivo cancelamento de todos os eventuais registos conflituantes com tal direito da autora;
IV - A condenação de todos os réus no reconhecimento do direito de propriedade pleno e exclusivo da autora sobre a totalidade do prédio descrito em 1.º da petição, abstendo-se de, por alguma forma, o perturbar ou esbulhar.
Para tanto, alegou a Autora na petição e em síntese, que :
- É dona ( por compra efectuada em 30/1/1970, juntamente com o seu falecido marido ) e legítima possuidora de metade indivisa do prédio urbano composto de duas moradas de casas de dois andares, sito no lugar de Mãe d’Água, freguesia de Tenões, concelho de Braga, descrito na 1.ª conservatória do registo predial de Braga com o n.º.. e inscrito na respectiva matriz predial urbana com os artigos .. e .., sendo que os 2.ºs réus, L.. e mulher M.. , foram, na mesma e referida data, os adquirentes da outra metade indivisa desse mesmo prédio;
- Porém, já os 1ºs RR, porque arrendatários do referido prédio desde 14/1/1987, vieram a obter decisão judicial transitada em julgado em 2012 e que lhe reconheceu o direito de preferência na aquisição da metade indivisa do mesmo prédio, e no âmbito da compra e venda outorgada em 31/Janeiro/1991, entre os ora 2.ºs réus, então comproprietários, e o 3º R. J..;
- Sucede que, também à ora Autora não foi dado qualquer conhecimento e possibilitado exercer o direito de preferência, quer na transmissão da metade indivisa que pertencia aos 2.ºs réus e a favor de J.. ( não tendo os 2.ºs réus comunicado à autora o negócio que projectaram e concretizaram em 1991, com J.., nomeadamente o preço do mesmo, a data em que seria outorgado o respectivo título e a identificação do comprador ), quer também na acção intentada pelos 1.ºs réus, pois que, certo é que apenas em Junho de 2012 veio a ter conhecimento de ambos os “acontecimentos” ;
- Ora, porque está ainda em tempo para exercer o seu direito de preferência, pretende, assim, por via da acção, ver reconhecido e judicialmente declarado tal direito, o qual , de resto, se encontra graduado, ex vi legis, acima de todos os demais direitos de preferência, maxime do direito que foi reconhecido aos 1.ºs réus .
1.1.- Pretensamente citados todos os RR, vieram os 1ºs , J.. e mulher M.. contestar, o que fizeram por excepção ( excepcionando a ilegitimidade activa, a caducidade da acção de preferência e o abuso de direito) e por impugnação motivada, e seguindo-se depois a réplica e a apresentação de articulado de intervenção principal espontânea, designou-se dia para a realização de uma audiência preliminar.
1.2.- Tendo sido junta aos autos certidão de óbito do Réu L.. ( falecido a 24/10/2011), por despacho de 31-01-2013 foi declarada a nulidade da citação do referido Réu e anulados todos os actos praticados após as citações dos restantes RR, sendo que, após habilitação dos sucessores da parte falecida, veio a 12/11/2013 o Exmº Juiz titular dos autos a proferir despacho que, considerando que não terem os RR - após a anulação de todos os actos praticados após a citação dos RR - voltado a apresentar contestação, nem renovado a inicialmente oferecida, consideravam-se confessados os factos articulados pela A. nos termos do artigo 567º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho.
1.3.- Por fim, satisfeito o contraditório, e em sede de despacho saneador, proferiu-se nos autos decisão - a 17/1/2014 - que pôs de imediato termo ao processo, julgando-se a petição inicial inepta , e , em consequência, absolveu-se os réus da instância.
1.4.- Inconformada com a referida decisão ( a indicada em 1.3. ), de imediato e em tempo atravessou nos autos a Autora requerimento de interposição de apelação, e , admitido o recurso e remetidos os autos a este Tribunal da Relação, veio o tribunal ad quem , por Ac. de 29/4/2014, a revogar a decisão recorrida e a determinar o prosseguimento dos autos, com vista ao conhecimento - se tal se justificar - ex officio de quaisquer outras excepções dilatórias ( que a lei adjectiva obriga a conhecer ) e/ou, permitindo-o o estado do processo, conhecer de imediato do mérito da causa.
1.5.- Prosseguindo os autos, no seguimento da decisão proferida por este Tribunal da Relação, veio em 10/7/2014 a ser proferida sentença que, conhecendo do mérito da causa, julgou a acção improcedente, sendo os RR absolvidos do pedido.
1.6.- Novamente inconformada com a referida sentença ( a indicada em 1.5.), de imediato e em tempo atravessou nos autos a Autora M.. o competente instrumento recursório, que admitido foi, aduzindo nele as seguintes conclusões:
1.° - A sentença revidenda errou, por um lado, no julgamento da questão de facto e, por outro, no enquadramento jurídico que fez dos que, com acerto, teve por assentes, bem como na interpretação do direito que julgou aplicável.
2.° - Na verdade, a decisão tomada relativamente à matéria de facto afigura-se deficitária, já que, se, por um lado, nada há a apontar aos que integram o rol dos assentes, por outro, existe manifesta incompletude da sentença quando elenca apenas os 5 factos provados nela consignados.
3.° - Não existindo qualquer contestação validamente apresentada nos autos, como resulta do despacho proferido em 12/Novembro/2013 e da própria sentença revidenda, então , os factos articulados pela autora na petição estão confessados no processo, nos termos previstos no artigo 484.º, n.º 1, do anterior C.P.C., cuja disciplina se encontra reproduzida no artigo 567.º, n.o 1, do N.C.P.C ..
4.° - Assim sendo, deveriam ser seleccionados e levados ao elenco dos factos provados da sentença proferida em 1.a instância - além dos que integram os 5 pontos acima aludidos - todos os demais factos alegados na petição inicial.
5.° - Ao não decidir assim, o Tribunal a quo proferiu sentença que se afigura deficitária quanto à matéria de facto com relevância para questão decidenda, em contravenção do disposto nos artigos 607.°, n.os 3, 4 e 5, do N.C.P.C., o que configura violação das normas constantes dos artigos 567.°, n.º 1. , 574.°, n.º 2, 1.a parte, do C.P.C., e a nulidade prevista no artigo 615.°, n.º 1, al. d) do mesmo código.
Por outro lado,
6.° - Decidiu mal o Tribunal a quo quando absolveu os réus dos pedidos sustentando que a recorrente não era, à data da propositura da presente acção, a comproprietária do prédio descrito no artigo 1.° da petição, atento o falecimento adquirido para o ponto 4 do rol de factos assentes, já que a quota ideal desse prédio integrava herança que não se mostrava partilhada.
7.° - Sucede que, pese embora a circunstância de à data da propositura da presente demanda o direito sobre o prédio descrito em 1.° da petição integrar a comunhão hereditária, a que concorriam a aqui apelante e os seus 8 filhos, o certo é que, ainda no decurso desta mesma acção, se procedeu à partilha, d' entre outros, desse direito.
8.° - Essa partilha e a adjudicação que pela mesma se fez do direito que incidia sobre o referido prédio à aqui recorrente, com exclusão de outrem, está devidamente provada nos autos, como resulta do ponto n.º 5 do elenco dos factos provados.
9.° - Por força da referida partilha, outorgada em 13/Fevereiro/2014, a recorrente é a única e exclusiva titular do direito que, antes da morte do seu ex-marido, pertencia a ambos no contexto da sociedade conjugal, e, depois desse decesso, se encontrava disperso no seio da comunhão hereditária.
10.0 - Este circunstancialismo fáctico corresponde à facti species prevista no artigo 2119.° do Código Civil.
11.° - Consigna-se, para os efeitos previsto nessa norma, que o J.., ex marido da apelante, se finou em 15/Abril/2009 ( conf. o facto provado n.º 4), data que corresponde, nos termos do disposto no artigo 2031.° do Códígo Civil, ao momento da abertura da herança.
12.° - Consigna-se, também, que essa data (a da abertura da sucessão) é notoriamente anterior à da propositura desta acção (que se verificou a 24/Julho/2012).
13.° - Assim, por força do artigo 2119.° do Código Civil, a apelante é a titular única do direito que esteve em partilha - ln casu, de metade do prédio descrito no artigo 1.° do libelo inicial - e é-o desde a abertura da sucessão, ou seja, desde 15/Abril/2009, donde deriva, notoriamente, que o era já aquando da data em que se iniciaram os presentes autos
14.0 - Parece, por isso, no entender da recorrente, que a manifesta improcedência com que se sentenciou a acção que agora se submete à apreciação desse Venerando Tribunal não se verificará, por efeito da retroacção estipulada no artigo 2119.° do Código Civil.
15.° - A sentença em crise padecerá, assim, de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, em especial do adquirido para o rol dos factos provados sob o n.º 5, e na interpretação da norma julgada aplicável ao caso, o artigo 2119.° do Código Civil.
16.° - A apelante acompanha inteiramente o ensinamento de Pires de Líma e Antunes Varela (in "Código Civil Anotado", vol. VI, Coimbra Editora, pág, 195 ) quando comentam essa norma dizendo que [na sua versão definitiva, o Código aceitou no artigo 2119.º o efeito retroactivo da partilha, em perfeita sintonia, aliás, com o disposto no artigo 2050.º, acerca dos efeitos da aceitação da herança em geral ( a apelante convoca para este sede, também, toda a demais doutrina e jurisprudência que citou no corpo das alegações que precedem estas conclusões).
17.° - O melhor julgamento dos factos imporia, parece à recorrente, que se considerasse que adquirida em partilha a metade indivisa que íntegra a herança directamente do autor da sucessão, tudo se passando como se esses bens tivessem sido sempre seus (vide Pereira Coelho, na obra acima citada), a mesma será a titular única de tal bem desde a morte do de cujus (acompanhando Capelo de Sousa).
18. ° - Assim, em face da factualidade assente e da que parece ser a adequada interpretação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice, será de concluir que a recorrente é a titular única da metade indivisa no prédio acima identificado que integrava o acervo da herança aberta por óbito do marido ( conf. o ponto 5.° do factos assentes).
19,° - E é-o desde 15/Abril/2009, data da morte do de cujus (vide o ponto 4.° do rol dos factos provados).
20.° - Donde deriva que, por força do disposto no artigo 2119.° do Código Civil, aquando da entrada da petição em juízo lhe assistia inteira legitimidade para pedir nos termos em que pediu nesse seu articulado, uma vez que deve ser considerada herdeira única do direito em partilha desde 15/Abril/2009.
21,° - A questão da procedência, ou não, da acção, nomeadamente do direito de preferência arguido e invocado pela apelante, deveria ser analisada, portanto, à luz dos efeitos legalmente determinados para a abertura da herança, sua aceitação, partilha e retroacção do direito, conforme o disposto nos artigos 2031.°, 2050.° e 2119.° do Código Civil - normas que o entendimento perfilhado na sentença a quo violou.
22,° - Por outro lado, deve ter-se por devidamente convalidada qualquer irregularidade que se entendesse existir, já que se se devem ter por válidos actos de disposição de bens que tinham, antes da partilha, a natureza de bens alheios relativamente ao transmitente, então, por maioria de razão, deve ter-se por inteiramente válido um mero acto de defesa de um direito e estatuto (in casu, o de preferência que radica nessoutro de compropriedade) que configura a presente acção.
23.° - A respeito da convalidação, ensinam Pires de Uma e Antunes Varela, quando comentam o artigo 895,° do C.C., que “ com a aquisição fica eliminada a única circunstância que determinara a invalidade do acto. A aquisição da propriedade da coisa ou do direito, como diz o artigo 895.º, pode dar-se por qualquer modo. Tanto pode dar-se por meio de negócio entre vivos, como provir de sucessão por morte (a título de herança ou de legado), de usucapião, ou acessão. ( in "Código Civil Anotado", voI. II, Coimbra Editora, 4.a ed. revista e actualizada, pág. 188)
24.º - Outra não poderá, portanto, ser a interpretação das normas citadas, que se conjugam todas no sentido de que a aqui apelante é, como articula na sua petição, a titular única do direito de compropriedade que incide sobre o prédio descrito no artigo 1.° desse libelo.
Por outro lado,
25.º - Foi com alguma surpresa que a apelante viu sustentar-se na sentença revidenda que “ nem se argumente que o tribunal pode valorar nesta fase a partilha entretanto realizada através da escritura pública cuja certidão instruiu o recurso interposto do despacho sanador revogado (...) “, já que o caso sub judice deve ser apreciado precisamente ao contrário.
26.° - O Tribunal a quo ao enjeitar o teor do facto provado n.º 5, isto é, a partilha e adjudicação do direito, fere os artigos 363.°, n.os 1 e 2 e 371.0, n.º 1 do Código Civil, já que a escritura em que se corporiza essa partilha constitui um documento autêntico cujo valor probatório é pleno.
27° - De igual modo, mostra-se violada a norma do artigo 611°, n.º 1, in fine, do C.P.C., cujo paradigma é o da prossecução da justiça e da verdade material, em preterição de decisões de matriz mais formal.
28.º - Na verdade, por força dessa norma, que o Tribunal interpreta erradamente, a partilha - e respectivas adjudicações - deveria ser levada em conta na decisão final, já que nenhuma alteração ou modificação se produziu na causa de pedir.
29.° - É que o fundamento da acção, tal qual resulta da causa de pedir alegada, é a relação de compropriedade estabelecida com o prédio e subsequente declaração do direito de prelacção, já não a forma como se estabeleceu essa relação.
30.º - Parece, por isso, que a escritura de partilha visa apenas demonstrar a existência desse estatuto, isto é, constitui a mera comprovação dessa condição e qualidade da apelante, que se mostravam já alegadas na petição.
31.° - Coisa diferente seria, parece à recorrente, se a relação de compropriedade não houvesse sido alegada, posto que é esse estatuto que configurará um fundamento da acção que, por sua vez, constitui fundamento do direito de preferência estabelecido no artigo 1409.º do Código Civil.
32.° - Assim, a partilha não representa, s.m.e., qualquer alteração, ampliação ou modificação da causa de pedir, antes revela, apenas, o modo como, in casu, a recorrente acedeu à plenitude da quota sobre o prédio.
33° - A apelante junta o título de partilha como forma de provar a causa de pedir que alegou na sua petição, isto é, que lhe assiste o direito de preferência qualificado, nos termos do disposto no artigo 1409.0 do Código Civil, por ser comproprietária do prédio - já que a escritura apenas demonstra como é que a apelante acedeu à plenitude desse direito de compropriedade.
34.° - De igual modo, fica invocada a nulidade consistente na omissão de pronúncia pelo a quo da matéria vertida no requerimento que a apelante fez entrar nos autos em 23/Junho/2014, no qual, acautelando entendimento diverso quanto à aplicação, pura e simples, do artigo 611.º, n.º 1, do C.P.C, articulou, nos termos do disposto no artigo 588.º do mesmo Código de Processo, tal facto enquanto realidade superveniente - nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.C.
35.° - Não existe, também, a lobrigada violação do princípio da igualdade das partes, como se diz no último parágrafo da sentença, antes da parte decisória, já que se os réus não contestaram, tal comportamento apenas a eles deve ser imputado.
36.° - De resto, não poderá perder-se de vista que tendo, ou não, contestado a acção, o facto cuja atendibilidade é enjeitada pelo Tribunal a quo foi, como bem se deliberou no mui douto Acórdão dessa Veneranda Relação já proferido nestes autos, sujeito ao contraditório na forma das contra-alegações dos réus J.. e mulher (que sobre essa matéria se voltaram a pronunciar, sob convite da 1ª instância, através do requerimento que fizeram entrar nos autos em 04/Julho/2014.
Por fim,
37.° - A decisão revidenda, ao absolver os réus dos pedidos formulados mostra-se, em derradeira análise, violadora dos artigos 1409.° e 1410.° do Código Civil, já que, por um lado, inibe o fomento da propriedade plena, que facilita a exploração mais equilibrada e mais pacífica dos bens, e , por outro, nega o exercício de um direito de preferência que tem, até, natureza potestativa.
38.º - O Prof. Antunes Varela (conforme citação feita no corpo das alegações) escreve, a propósito de situação semelhante à destes autos, que ( ... ) se, pelo contrário, o preterido - in casu, a recorrente - invoca um direito de preempção com prioridade sobre o daquele que intentou e venceu a acção de preferência, ele terá de intentar contra este uma outra acção de preferência, na qual não há lugar a licitação entre os litigantes, mas que obrigará ao depósito preliminar do preço prescrito no artigo 1410.º, nº 1, do C.C..
39.° Ora, a sentença proferida, ao absolver os réus dos pedidos impede que se alcance o desiderato, que é de ordem pública, presente nas previsões das normas vertidas nos artigos 1409.° e 1410,° do Código Civil, assim violando e ferindo tais normas.
Nestes termos,
E noutros que V. Exas. suprirão, concedendo-se a apelação e revogando a sentença revidenda, substituindo-a por outra que condene os réus nos pedidos formulados, far-se-á JUSTIÇA.
1.7.- Em sede de contra-alegações, os apelados J.. e mulher M.. ,vieram impetrar a manutenção da decisão recorrida, aduzindo para tanto as seguintes conclusões:
1 - A douta sentença recorrida não infringiu qualquer preceito legal.
2 - Contrariamente ao alegado pela Apelante no artº. 1° de que é legitima dona e legitima possuidora de metade Indivisa do prédio urbano composto de duas moradas de casas de dois andares, sito no lugar de Mãe d'Água. freguesia de Tenões, concelho de Braga, descrito na 1ª conservatória do registo predial de Braga com o nº .. e Inscrito na respectiva matriz predial urbana com os artigos.. e .., na realidade a Apelante é cônjuge meeira e herdeira conjuntamente com os outros filhos na herança aberta por óbito do seu falecido marido J..
3 - À data da propositura da presente acção e a herança aberta por óbito de J.. é que é a titular da metade indivisa do prédio Identificado no artigo 1º da petição inicial, na qual o direito da cônjuge meeira e dos herdeiros se integram, não detendo a apelante qualquer direito sobre uma parte concreta e determinada do imóvel.
4 - A Apelante apresentou a sua Réplica mantendo a causa de pedir e o pedido, não tendo procedido a qualquer alteração que a lei lhe atribuía nessa fase processual.
5 - A Apelante quer na p.i entrada em juízo no dia 27/07/2012, quer na Réplica apresentada em 29/10/2012 e os restantes herdeiros na qualidade de intervenientes e associados da Apelante nos requerimentos que ora apresentaram nos autos nunca alegaram a hipótese de acordo ou acordo de partilhas .
6.- O documento de 13/02/2014 titula escritura de partilhas e foi concebido dois dias antes do prazo de conclusão para as alegações do recurso da douta sentença que julgou inepta a p.i. no âmbito dos presentes autos.
7.- A apelante construiu uma causa de pedir nova em sede do mencionado recurso de apelação da sentença que julgou inepta a p.i..
8.- Apesar do documento de partilhas ter sido admitido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no douto Acórdão que recaiu sobre a sentença que Julgou inepta a p.i., o que se comprova documentalmente é que “ na data da propositura da acção em Dezembro de 2012 a A não era juridicamente comproprietária da metade indivisa do prédio pelo que não se podia formular o pedido nos termos em que foi requerido, pelo que a petição não sendo inepta poderia ser uma petição inviável, com as necessárias adaptações “,. veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que recaiu sobre a sentença que Julgou inepta a p.i.. já no âmbito dos presentes autos
9 - Pelo que, o mencionado documento Junto e admitido aos autos não prova os fundamentos da acção.
10 - Conforme douto entendimento do Mto. Juiz “a quo“ a apelante pretende uma alteração a causa de pedir que está actualmente regulamentada pelos artigos 264° e 265° do N.C.P.C.
11 - Face à oposição adoptada pelos apelados. não se verificaram os requisitos de qualquer acordo para a modificação da causa de pedir, conforme resulta do disposto na lei
12 - Pelo que os fundamentos alegados pela Apelante em sede do presente Recurso não devem merecer acolhimento por parte de Vª (s) Exa (s).
*
Thema decidendum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir resumem-se a saber :
a) Se a sentença apelada padece do vício de nulidade, previsto no artigo 615.°, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil .
b) Se a sentença apelada incorre em error in judicando ao julgar a acção improcedente, não reconhecendo à Autora o direito de preferência em concreta transmissão de quota-parte de prédio urbano.
***
2. - Motivação de Facto.
Pelo tribunal a quo foi fixada a seguinte factualidade:
A) PROVADA
2.1. - Por escritura pública outorgada em 31 de Janeiro de 1991 no Primeiro Cartório Notarial de Braga, os RR L.. e mulher, M.., declararam vender ao Réu J.., casado com M.., que, por sua vez, declarou comprar àqueles, metade indivisa do prédio urbano composto por duas moradas de casas de dois andares situado no lugar de Mãe de Água, freguesia de Tenões, neste concelho e comarca de Braga, inscrito na matriz sob os artigos .. e .. e actualmente descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º.., mediante uma contrapartida pecuniária de 6.000.000$00;
2.2. - A aquisição, por compra que dela fizeram a A.. e mulher, M.., da outra metade indivisa desse prédio mostra-se inscrita no registo predial a favor da ora A. M.., e do seu marido J.., por apresentação datada de 20 de Fevereiro de 1991;
2.3.- Por sentença, transitada em julgado, proferida em 30 de Junho de 2011 no âmbito da acção que sob o n.º 6542/08.2TBBRG correu termos por esta Vara Mista, foi reconhecido ao ora Réu J.. o direito de preferência na venda feita pelos RR L.. e mulher, M.., a favor de J.., casado com M.., da metade indivisa que lhes pertencia no ajuizado prédio;
2.4. - Por escritura pública outorgada em 2 de Novembro de 2012, a ora A. e os intervenientes M.., J.., M.., B.., J.., M.., J.. e M.. foram habilitados, aquela na qualidade de viúva e estes de filhos, como únicos herdeiros de J.., falecido no dia 15 de Abril de 2009;
2.5. - Por escritura pública de partilha outorgada em 13 de Fevereiro de 2014, foi adjudicada à ora A. a metade indivisa no prédio acima identificado que integrava o acervo da herança aberta por óbito do marido.
B) Da alteração oficiosa da decisão de facto.
Ao abrigo do disposto no artº 662º, nº1, do CPC, e porque de dever se trata que recai sobre o tribunal ad quem, constam dos autos os elementos necessários para o efeito e em causa está a mera aplicação ao caso de regra de direito probatório material ( cfr. artº 355º, nº1, do CC e artº 567º, do CPC ), importa integrar a decisão de facto do tribunal a quo da seguinte factualidade :
2.6.- A autora e marido J.., por escritura outorgada a 30/1/1970, adquiriram metade indivisa do prédio urbano identificado em 2.1., sendo que, na mesma data, a outra metade indivisa foi adquirida por L.. e mulher, M..;
2.7.- Aos 1.ºs réus J.. e mulher M.., porque arrendatários do prédio descrito em 2.1., foi reconhecida judicialmente - em acção judicial que, com o n.º 6542/08.2TBBRG, tramitou pela Vara Mista do Tribunal de Braga - por decisão transitada em julgado em fins de Maio/2012, o seu direito de preferência na aquisição - de metade indivisa de prédio - identificada em 2.1. ;
2.8.- À Autora não foi dado preferir na transmissão da metade indivisa que pertencia aos 2.ºs réus L.. e mulher M.., fosse aquando da transmissão a favor de J.., fosse aquando da acção a que se alude em 2.7. , sendo que da referida e subjacente factualidade apenas tomou conhecimento em meados de inícios de Junho de 2012 ;
2.9.- A autora procedeu ao depósito da quantia de PTE 6.089.214$, a que corresponde o contravalor de EUR. 30.372,87€, quantia a que se alude na escritura identificada em 2.1. acrescido do custo estimado da mesma ;
2.10.- Os RR L.. e mulher M.. nada comunicaram à autora acerca do negócio que projectaram e concretizaram em 1991, com J.., nomeadamente o preço do mesmo, a data em que seria outorgado o respectivo título e a identificação do comprador;
2.11.- Vindo a autora a ter conhecimento do negócio e condições referidas em 2.10 apenas em Junho do ano de 2012;
*
3.- Da invocada NULIDADE DA SENTENÇA, à luz do nº1, alínea d), primeira parte do artº 615º, do CPC .
Considera a apelante M.., que padece a sentença recorrida do vício de nulidade subsumível à primeira parte da alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, essencialmente por duas ordens de razões, a saber :
Primo - A sentença apelada mostra-se deficitária no tocante à fixação da matéria de facto provada, pois que apenas nela foram contemplados 5 factos provados, que não a totalidade dos que foram alegados na petição inicial e que, porque não impugnados ,antes confessados, devem ter-se como provados;
Secundo - O tribunal a quo não se pronunciou sobre a matéria vertida em requerimento que a apelante fez entrar nos autos em 23/Junho/2014, no qual, acautelando entendimento diverso quanto à aplicação, pura e simples, do artigo 611.º, n.º 1, do C.P.C, articulou, nos termos do disposto no artigo 588.º do mesmo Código de Processo, um facto superveniente ;
Ora bem.
Em primeiro lugar, pertinente é não olvidar que as causas de nulidade da sentença são de previsão/enumeração taxativa (1), estando as mesmas ( quais nulidades especiais (2) discriminadas no nº1, do artº 615º, do actual CPC, razão porque forçoso é que qualquer vício invocado como consubstanciando uma nulidade da sentença, para o ser, deve necessariamente integrar o tatbestand de qualquer uma das alíneas do nº1, da citada disposição legal.
Depois, importante é outrossim ter sempre em atenção que, como é consabido, não faz de todo qualquer sentido incluir-se no âmbito das nulidades de sentença um qualquer erro de julgamento ( de facto e/ou de direito) , sendo que, em rigor, integra igualmente um erro de julgamento a desconsideração v.g. de uma qualquer regra vinculativa extraída do direito probatório, maxime o não atendimento de determinado acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto, vício este que pode pela parte interessada ser invocado em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto ( cfr. artºs 640º,nº1 e 662º,nº1, ambos do CPC ).
Isto dito, reza a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento “.
O vício/nulidade referida, mostra-se em consonância com o dever que recai sobre o Juiz de, em sede de sentença , resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, servindo de cominação ao seu desrespeito (3).
Sobre o Juiz recai , portanto, no dizer de Lebre de Freitas e outros (4) , a obrigação de apreciar/conhecer “ todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (…), sendo que, a ocorrer uma tal omissão de apreciação/conhecimento, e , não estando em causa a mera desconsideração tão só de eventuais “(…) linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença e que as partes hajam invocado (…) “, então o “ não conhecimento do pedido , causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outras questões, constitui nulidade”.
Porém, importa não olvidar que, como há muito advertia José Alberto dos Reis (5), não se devem confundir factos (fundamentos ou argumentos) com questões (a que se reportam os artigos 608.º, n.º 2, e 615º, n.º 1, alínea d), do CPC) a resolver, pois que uma coisa é não tomar conhecimento de determinado facto invocado pela parte, e , outra completamente distinta, é não tomar conhecimento de determinada questão submetida à apreciação do tribunal.
Em rigor, para nós e em termos conclusivos, dir-se-á que as questões a que alude a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mais não são do que as que alude o nº2, do artº 607º, e artº 608º, ambos do mesmo diploma legal, e que ao Tribunal cumpre solucionar, delimitando-se e emergindo as mesmas da análise da causa de pedir apresentada pelo demandante e do seu confronto/articulação com o pedido que na acção é formulado.
Ou seja, e dito de um outro modo, não se confundindo é certo as questões a resolver pelo juiz em sede de sentença com quaisquer argumentos e razões que as partes invoquem em defesa das suas posições, o correcto/adequado será em rigor considerar-se que o vocábulo “questões” a que alude a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mostra-se empregado na lei adjectiva com o sentido equivalente a “questões jurídicas” ainda carecidas de resolução, impondo-se que no âmbito das mesmas seja dada prioridade às questões de natureza processual que ainda estejam por resolver (nulidades, excepções dilatórias ainda por apreciar ou outras questões de natureza processual que interfiram no resultado), e , sem embargo da apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso, deve o juiz limitar-se a apreciar as que foram invocadas, evitando, deste modo, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos temos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine. (6)
Postas estas breves considerações, e em razão das mesmas, manifesto se nos afigura, desde logo, que a circunstância de a primeira instância, em sede de sentença, ser parca na enunciação da factualidade provada [ apenas verteu na sentença os factos que possibilitavam e serviam à partida a prolação de concreta e única decisão de mérito - alicerçada em juízo de direito pré-concebido - , que não os factos relevantes para a decisão da causa e segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, como é nossa convicção que devia ter sucedido ] , está longe de consubstanciar vício susceptível de integrar a previsão da alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, podendo, quando muito, e a verificar-se uma total/absoluta ausência de especificação dos fundamentos de facto [ o que in casu não sucede ] , cair-se sob a alçada da alínea b) do nº1, da mesma disposição legal.
É que, estando em rigor a única “questão jurídica” a apreciar e a decidir na sentença e em sede de julgamento de mérito , relacionada com a aferição da pertinência de se reconhecer à Autora o direito de preferência em concreta transmissão de metade indivisa de prédio, inquestionável é que foi a mesma - questão - abordada e julgada/decidida.
Por outra banda, ao prever expressamente o CPC a obrigatoriedade de o Tribunal da Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto - e ademais sem necessidade de a mesma ter sido sequer requerida por uma qualquer das partes ( cfr. nºs 1 e 2, do artº 662º, do CPC ) - quando a mesma se revele deficiente [ o que sucede quando determinado ponto da matéria de facto ou algum seu segmento não tenha sido objecto de resposta positiva ou negativa (7) ] , inevitável é concluir-se que o vício invocado pela apelante e ora em análise não pode de todo implicar a nulidade da sentença, antes deve caber na previsão do artº 662º, nº2, alínea c), do CPC, podendo quando muito a questão ser suscitada pela parte recorrente em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto ( cfr. artº 640º, do CPC ).
Em razão do acabado de expor, improcedem portanto as conclusões recursórias da apelante interligadas com a invocada nulidade da sentença em razão de a factualidade provada na mesma vertida se mostrar deficitária.
Passando de seguida à análise do invocado vício de nulidade de sentença com fundamento na omissão de pronúncia pelo a quo do requerido pela apelante em sede de instrumento atravessado nos autos em 23/Junho/2014, também o mesmo não se verifica de todo, pois que, como é consabido ( e para além do já acima aduzido no tocante ao carácter taxativo das nulidades especiais discriminadas no nº1, do artº 615º, do actual CPC, e conteúdo do conceito de questões empregue na alínea c) do nº1, do referido dispositivo legal ), neste conspecto importa não confundir nulidades da sentença com nulidades processuais, realidades que são completamente distintas e com regimes legais adjectivos totalmente diversos, sendo que, no que a estas últimas concerne ( cfr. artºs 195º a 202º , do CPC ), impõe-se que a parte interessada as reclame directamente junto do tribunal que as cometeu, e , do despacho que as apreciar , então sim, poderá - em face do artº 630º, do CPC - eventualmente caber recurso.
Ora, não tendo a apelante arguido a referida nulidade processual por pretensa omissão de acto que a lei prescreve junto do tribunal de primeira instância e pelo meio adequado, vedado está-lhe vir invocá-la em sede de recurso de apelação da sentença, razão porque, a existir, deve considerar-se sanada.
Em conclusão, improcedem portanto todas as conclusões recursórias atinentes com pretensas nulidades da sentença apelada.
4.- Se a sentença apelada incorre em error in judicando ao julgar a acção improcedente, não reconhecendo à Autora o direito de preferência em concreta transmissão de quota-parte de prédio urbano.
Nos presentes autos, invocando a “qualidade” de dona de metade indivisa de prédio urbano sito na freguesia de Tenões, concelho de Braga, e alegando que os 2.ºs réus, L.. e mulher M.., aquando da venda que ambos outorgaram em escritura pública do dia 31/Janeiro/1991 , eram então e por sua vez os donos da outra metade indivisa do mesmo prédio ( logo, era a Autora e ambos os referidos 2ºs réus os comproprietários do referido prédio urbano ) , vem invocar ter sido preterida no direito - de preferência - que lhe assistia à data da referida venda - de metade indivisa do referido prédio - e realizada pelos indicados 2ºs RR a J.. e no dia acima mencionado de 31/Janeiro/1991.
Recordando, a acção veio a ser julgada improcedente, considerando-se para tanto em sede de sentença, e designadamente, que reconhecendo a autora que adquiriu a quota ideal do prédio dos autos juntamente com o seu marido, entretanto falecido, e que a herança deste - à qual, para além de si própria, concorriam oito filhos - ainda não se encontrava partilhada à data da propositura da acção ( desiderato que só ocorreu na sequência do despacho que julgou inepta a petição inicial ), então era “ evidente que a A., não obstante a qualidade de cônjuge meeira e herdeira do seu falecido marido, não era detentora de um direito especificado sobre qualquer um dos bens que integravam o património comum do seu dissolvido casal, pelo que jamais poderia ser reconhecida como comproprietária do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, nem, a esse título, preferir na transmissão da quota ideal que os RR L.. e mulher nele possuíam”.
Acresce que, diz-se ainda na sentença apelada, sendo certo que já no decurso da presente acção foi concretizada a partilha realizada por escritura pública de 13 de Fevereiro de 2014, tendo sido adjudicada à ora A. a metade indivisa no prédio acima identificado que integrava o acervo da herança aberta por óbito do marido, a verdade é que não pode tal facto novo ser atendido na acção, e isto porque, esclarece-se também na sentença, não se olvidando o disposto no artigo 611º, do CPC, apenas pode todavia a causa de pedir ser alterada desde que verificadas determinadas condições ( cfr. artºs 264º e 265º, ambos do CPC ), as quais não estão in casu presentes.
Apreciando.
Em razão do pedido deduzido pela apelante na presente acção e respectiva causa petendi, e tal como esta última se mostra delineada na petição inicial pela autora, manifesto é que tem a mesma por desiderato o reconhecimento de um direito legal de preferência - direito real de aquisição (8) -, porque deriva o mesmo directamente da lei ( in casu do artº 1409º, do Cód.Civil ), e está a respectiva exercibilidade dependente tão só da verificação dos pressupostos nela estabelecidos.
O referido direito, como ensina Henrique Mesquita, “atribui ao respectivo titular a prioridade ou primazia na celebração de determinado negócio jurídico, desde que ele manifeste vontade de o realizar nas mesmas condições ( tanto por tanto) que foram acordadas entre o sujeito vinculado à preferência e um terceiro“, e , sendo criado directamente pela lei, tem por desiderato “ proporcionar ao titular respectivo a aquisição de um direito real “. (9)
E, no caso dos autos, porque prima facie conferido à autora na qualidade de comproprietária de imóvel, tem por objectivo favorecer a propriedade perfeita ou redução do fraccionamento do mesmo, impedindo o ingresso na contitularidade do direito, de pessoas estranhas aos consortes, ou seja, a preferência é-lhe conferida legalmente “ em função de razões ligadas às qualidades objectivas dos bens, criando condições para uma exploração (…) mais racional e rentável “ (10)
Ora, porque como vimos a apelante ancora ab initio o direito legal de preferência que alega assistir-lhe no artº 1409º, do Cód. Civil ( cfr. artº 49º da petição ), importa ter presente que o respectivo nº 1 reza que “ O comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes. ”.
Por sua vez, a norma substantiva seguinte, logo acrescenta no respectivo nº 1, que “ O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção”.
Em razão do disposto nas disposições legais acabadas de citar, inquestionável é que o comproprietário a quem não é conferida a possibilidade de exercer o direito de prelação , de preempção ou de opção, ou seja, o direito real de aquisição (11) que lhe assiste no caso v.g. de venda a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes, e além do direito de indemnização dos danos decorrentes do não cumprimento da obrigação a que o vinculado à preferência se encontra adstrito, “tem o poder de, por via judicial, haver para si a coisa alienada, mediante o pagamento do prelo da alienação“, bastando para tanto que se mostrem verificados os pressupostos condicionadores da acção de preferência , e não podendo o exercício do referido direito ser impedido por quem quer que seja .(12)
Incidindo de seguida a nossa atenção sobre os pressupostos legais do direito de preferência do qual a Autora/apelante se arroga titular, duas questões urge de seguida esmiuçar, sendo a primeira - mais clara e simples - atinente aos respectivos elementos , e , a segunda - mais intrincada - e que no caso dos autos se revela relevante para o respectivo desfecho, sobre o momento em que o facto constitutivo invocado pelo preferente se deve verificar, e se devem os mesmos e respectivos pressupostos existirem outrossim quando o titular da preferência visa efectivar o seu direito.
Começando pela primeira, o direito de preferência é conferido ao comproprietário, sendo que, segundo o nº1, do artº 1403º, do CC, “Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultâneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”, ou seja, alude o conceito em causa a uma situação de contitularidade num único direito de propriedade sobre a coisa comum..
Depois, o direito de prelação existe no caso de venda, ou dação em cumprimento, de quotas por parte de algum, ou alguns, dos comproprietários, que não já nos casos em que o conjunto de consortes decida alienar o bem na sua totalidade a terceiro ou terceiros, não abrangendo ainda quaisquer outros e diferentes negócios de alienação de quotas. (13)
Por fim, o direito de preferência pressupõe que o vinculado à prelação pretenda vender ou dar em cumprimento a quota a estranhos, não existindo já quando v.g. a alienação projectada tenha como adquirente um outro consorte.
Seguindo-se a questão do momento em que o facto constitutivo - e seus elementos - invocado pelo preferente se deve verificar, para que o direito de preferência lhe seja reconhecido, é inquestionável que devem os respectivos pressupostos existir ao tempo v.g. da alienação, constituindo-se o respectivo direito quando o sujeito passivo decide celebrar com certo terceiro o negócio objecto da preferência . (14)
Dito de uma outra forma (15), “ existindo embora antes de efectuada a alienação da coisa, só no momento desta alienação é que se radica no seu titular e ingressa no património deste , desencadeando a “ procedência da acção de preferência a substituição, com eficácia ex-tunc, do adquirente pelo preferente” .
Aqui chegados, e apetrechados das considerações acabadas de tecer, a primeira conclusão que importa desde já retirar é a de que, em razão da factualidade provada [ itens 2.1.,2.2., 2.6. e 2.8. , todos da motivação de facto ] , inquestionável é que a autora, aquando da escritura realizada em 31/1/1991 ( de quota de prédio urbano ), e que foi celebrada pelos RR L..e mulher M.., era efectivamente comproprietária [ sendo metade indivisa propriedade de L.. e mulher M.., e , outra metade indivisa, propriedade de património colectivo/comunhão conjugal de M.. e J..(16) ] do prédio urbano cuja metade indivisa foi então objecto de venda por consorte a estranho.
Logo, porque ( cfr. itens 2.10 e 2.11 ) os consortes L.. e mulher M.., nada lhe comunicaram no tocante ao negócio que projectaram e concretizaram em Janeiro de 1991, com o estranho J.., dúvidas não se justificam existir com referência à verificação, à data, de todos os pressupostos exígiveis que permitiam à ora apelante o direito de haver para si a quota alienada.
E, por outra banda, existindo então o facto constitutivo do direito de prelação da ora autora, há-de ele manter-se - para poder ser exercido - enquanto subsistir também a situação jurídica de onde emerge a relação de preferência em apreço, ou seja, “enquanto se mantiver a relação de compropriedade, extinguindo-se, por exemplo, no caso de divisão de coisa comum“. (17)
Sucede que, in casu, quando a Autora M.. vem intentar a presente acção ( em Julho de 2012 ), em rigor, e em razão do falecimento do marido J.., no dia 15 de Abril de 2009, já não lhe assiste a qualidade de comproprietária - porque titular de ½ indivisa - do prédio urbano situado no lugar de Mãe de Água, freguesia de Tenões, comarca de Braga, antes a quota em apreço era pertença da herança aberta por óbito de J.. .
É que, como é consabido, e integra de resto jurisprudência unânime no STJ (18), adquirido um prédio por marido e mulher, logo entrando ele na comunhão conjugal e ficando a constituir um bem comum do casal, falecendo v.g. o cônjuge marido, a respectiva herança - como comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica, e que não se confunde com a compropriedade - e enquanto se mantiver no estado de indivisão, é que passa a ser a titular do referido direito.
Na verdade, e enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um” , sendo que, só “ depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança”, pois que “converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo de uma parcela determinada do todo “. (19)
Em razão do acabado de expor, forçados somos em retomar a questão do momento de aferição dos pressupostos do direito de preferência, maxime se devem os mesmos verificarem-se tão só aquando da outorga do contrato de compra e venda, ou devem outrossim ocorrer aquando da decisão judicial definitiva de reconhecimento da preferência.
A referida matéria, recorda-se, tem sido debatida com maior intensidade a propósito do direito de preferência que assiste ao arrendatário na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado (20), sendo que, na base das diversas posições perfilhadas, e no essencial, estão sempre concepções diferenciadas acerca da própria natureza e funcionalidade das preferências legais, interligadas por sua vez com o entendimento praticamente unânime na nossa doutrina e jurisprudência no sentido de que, a decisão judicial que reconheça o ganho de causa ao preferente, tem como efeito a substituição do adquirente pelo titular do direito de preferir , substituição essa com eficácia «ex tunc» à data da celebração do contrato entre o sujeito passivo e o adquirente, tudo se passando como se o contrato tivesse sido originariamente celebrado entre aquele e o titular da prelação. (21)
Pela nossa parte, e tendo sobretudo em consideração a ratio que levou o legislador a atribuir ao comproprietário o direito de preferência ( fomentar a propriedade plena ), temos para nós que, no seguimento do entendimento perfilhado no acima citado Ac. do STJ de 4/2/2010 ( Proc. nº 3370/05.0TBPVZ.P1.S1), e com as devidas adaptações, o êxito da acção de preferência pressupõe, necessariamente, que o preferente assuma a qualidade jurídica de comproprietário, não apenas no momento da celebração do contrato de compra e venda, como também no momento «substantivo» em que se subjectiva o direito a exercer a referida preferência, e que é, por força do estipulado no art. 1410º do CC, aquele em que o titular do direito real de aquisição teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, ficando, consequentemente, colocado em condições de exercitar o seu direito, já se impondo a exclusão da possibilidade de exercício da preferência quando o seu originário titular alega ter tido conhecimento dos elementos essenciais da alienação apenas numa data em que já não detinha a qualidade jurídica de comproprietário, nenhuma conexão tendo, nesse momento, com o imóvel que funciona como objecto mediato do seu direito.
Por outra banda, porque como se nos afigura evidente e incontroverso, integra a qualidade de comproprietário a fattispecie constitutiva do direito de prelação que emerge do artº 1409º, nº1, do Cód.Civil, constituindo assim verdadeira condição da acção a que alude a norma substantiva imediata ( a do artº 1410º, do CC ), então inevitável é que o demandante a possua logo à data da respectiva propositura, que não tão só num momento posterior, e em razão v.g. de uma situação hipotética e futura, designadamente porque, na sequência por exemplo da celebração de uma escritura de partilhas, veio então a obter a acima referida qualidade de comproprietário.
Em conclusão, e servindo-nos de seguida dos sábios ensinamentos de Manuel Henrique Mesquita (22), dir-se-á que o direito de preferência, consubstanciando uma relação jurídica complexa, integrada por direitos de crédito e direitos potestativos, que visam proporcionar e assegurar v.g. ao preferente comproprietário uma posição de prioridade na aquisição, por via negocial ( v.g. venda) , de certo direito, logo que se verifiquem os pressupostos que condicionam o exercício da prelação, pressupõe:
- numa primeira fase , que o preferente comproprietário, porque o é , tem ; a) o direito ( creditório) de ser notificado dos termos essenciais do projecto de alienação ; b) o direito ( potestativo), na sequência da referida notificação, de declarar que pretende preferir ; c) o direito ( creditório) de exigir , após ter declarado a vontade de exercer a preferência, que o obrigado à mesma realize com ele a venda projectada;
- numa segunda fase, que o preferente comproprietário, porque o é, e o obrigado à prelação não lhe proporcionou, de acordo com o regime legal, a possibilidade de, em igualdades de condições, adquirir o bem para si, tem então o direito potestativo de, por via judicial - acção de preferência - se substituir ou subrogar ao adquirente da coisa, no contrato por este celebrado com o obrigado à prelação.
Isto dito, e em razão de toda a factualidade provada, se é verdade que à Autora assistia todos os direitos acima indicados e conferidos ao preferente na primeira fase da relação jurídica complexa do direito de preferência, já não dispunha porém, na segunda fase da mesma, do direito potestativo de, por via judicial - acção de preferência - se substituir ou subrogar ao adquirente da coisa, no contrato por este celebrado com o obrigado à prelação, e isto porque, em rigor não detinha já - quando a propõe - a qualidade de comproprietária.
De resto, e no seguimento do entendimento sufragado no Ac. do STJ de 4/2/2010 acima indicado, também no momento em que a Autora vem a ter conhecimento dos elementos essenciais da alienação ( em Junho do ano de 2012, cfr. item 2.11 ), não era comproprietária do prédio identificado no item 2.1. da motivação de facto do presente Ac. .
Em razão de tudo o acabado de expor, a conclusão que a seguir se impunha aduzir seria a de que, não tendo a autora logrado provar ( cfr. artº 342º,nº1, do CC ) a fattispecie constitutiva do direito de prelação que emerge do artº 1409º, nº1, do Cód.Civil, a improcedência da acção era inevitável.
Porém, decorre da factualidade assente ( item 2.5. da motivação de facto ) que, por escritura pública de partilha outorgada em 13 de Fevereiro de 2014, foi adjudicada à A. M..a metade indivisa no prédio acima identificado e que integrava o acervo da herança aberta por óbito do seu marido, o que equivale a dizer que, no decurso da acção, e muito antes de ter sido proferida a sentença apelada, a herança indivisa deixada em aberto por óbito de J.., foi partilhada pelos seus herdeiros, tendo sido adjudicado à autora e ora apelante a metade indivisa no prédio urbano situado no lugar de Mãe de Água, freguesia de Tenões, concelho e comarca de Braga.
O referido facto, ainda que em rigor não carreado para os autos na sequência de cumprimento pela primeira instância do procedimento adjectivo a que alude o artº 588º, do CPC [ na sequência de articulado apresentado a 23/6/2014 ] , a verdade é que foi atendido em sede de fundamentação de facto da sentença apelada, integrando a respectiva factualidade assente, o que equivale a dizer que foi o mesmo considerado como fazendo parte da matéria de facto adquirida ( cfr. artº 607º, nº4, do CPC ), e , para todos os efeitos, não foi tal decisão relativa à matéria de facto objecto de impugnação pelos ora apelados.
Assim, nada obstava a que, verificados os pressupostos de atendibilidade previstos no artº 611º, do CPC, fosse o facto jurídico - superveniente - vertido no item 2.5. do presente Ac. devidamente apreciado e valorado em sede de julgamento de mérito.
Ora Bem.
O nº1, do artº 611º, do CPC, sob a epígrafe de “ Atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes“, estabelece que “Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. “
Por sua vez, o nº2, da citada disposição legal, logo acrescenta que “Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida”.
Em face do disposto na norma adjectiva acabada de transcrever parcialmente, temos assim que, para que um facto jurídico superveniente possa ser atendido em sede de sentença, como susceptível de influenciar designadamente o sentido do julgamento de mérito, necessário é que , por um lado, sejam observadas as regras adjectivas que introduzem limitações no tocante às possibilidades de se introduzirem modificações da causa de pedir , e , por outra banda, e agora com referência ao direito substantivo, imperioso é que o facto posterior tenham alguma influência sobre a existência ou o conteúdo v.g. da pretensão deduzida pelo autor.
Ora, porque in casu ambos os referidos pressupostos se verificam, obrigado estava a primeira instância, em sede de sentença, a atender ao facto jurídico superveniente ora em apreço, repercutindo na decisão de mérito as inevitáveis consequências que a sua existência necessariamente implicam.
Senão vejamos.
Desde logo, surgindo a partilha, no decurso da presente acção, como facto superveniente, e através do qual passa a autora a poder ser considerada como comproprietária, em razão de lhe ter sido adjudicada metade indivisa do prédio acima identificado, a verdade é que o referido facto mantém inalterada a causa de pedir invocada aquando da propositura da acção, ou seja, precisamente a verificação de fattispecie subsumível aos artºs 1409 e 1410º, ambos do CC.
Ou seja, invocando a autora já em sede de petição inicial a sua “qualidade” de comproprietária - porque alegadamente dona de metade indivisa de prédio urbano sito na freguesia de Tenões, concelho de Braga - , quando em rigor o não era, a verdade é que com a partilha passa já a poder invocar a referida e mesma qualidade, não introduzindo nenhuma modificação na causa de pedir.
Dir-se-á, assim, que repercutindo-se é certo o facto superveniente partilha na causa de pedir invocada na acção, porque apto a constituir o direito invocado pela autora, como de resto é exigível para efeitos do artº 611º, do CPC, em rigor não introduz ele porém uma qualquer modificação na referida causa de pedir , visando-se v.g. a defesa de um outro direito.
Depois, porque em razão do artigo 2119º, do Código Civil, após a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos“ , o que equivale a dizer, como bem nota CAPELO de SOUSA (23) , que " Juridicamente, tudo se passa como se cada um dos herdeiros fosse desde a morte do "de cuius" titular
único dos direitos emergentes da sucessão hereditária relativamente aos bens corporizados na partilha”, então inquestionável é que a partilha, como facto jurídico superveniente, tem inequívoca influência sobre a existência da relação controvertida ( cfr. nº2, do artº 611º, do CPC), logo , deve ser atendido.
Em conclusão, em razão de toda a factualidade assente, nele se incluindo o facto superveniente, temos assim que :
- quer no momento do contrato de compra e venda identificado em 2.1., quer no momento em que a autora teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação ( cfr. item 2.11 ), quer ainda aquando da propositura da acção e quer finalmente à data da prolação da sentença pelo tribunal a quo, era a ora apelante comproprietária ( porque titular de metade indivisa ) do prédio urbano composto por duas moradas de casas de dois andares situado no lugar de Mãe de Água, freguesia de Tenões, neste concelho e comarca de Braga, inscrito na matriz sob os artigos 4º e 5º e actualmente descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º 557/Tenões.
Ou seja, e ao invés da situação que foi objecto de decisão do STJ de 23/3/1982, a celebração da escritura de partilhas posteriormente à propositura da acção destinada a obter o reconhecimento do direito de preferência não teve por desiderato único a atribuição do referido direito à autora, antes o respectivo facto constitutivo já existia na titularidade da Autora ao tempo da alienação de 31 de Janeiro de 1991.
Da conclusão última, importa de seguida retirar as necessárias consequências.
4.1. - Do direito potestativo que à apelante assiste de, por via judicial - acção de preferência - se substituir ou subrogar ao adquirente da coisa, no contrato por este celebrado com o obrigado à prelação.
Como vimos supra, o comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.
Da factualidade vertida nos itens 2.1.,2.9,2.10 e 2.11, da motivação de facto do presente Ac., e tendo presentes as considerações tecidas em 4., forçoso é concluir que se verificam in casu todos os elementos constitutivos do direito alegado pela ora apelante, mostrando-se ainda depositado o preço devido , ou seja, o valor em dinheiro a pagar como contrapartida da aquisição do bem sujeito à preferência, e o qual corresponde ao beneficio económico ajustado entre o sujeito passivo e o adquirente, como contrapartida da alienação do bem (24) .
Por outra banda, não olvidando que a existir mais do que uma alienação que contrarie o direito do comproprietário estabelecido no artº 1409º, do CC , qualquer uma delas confere um direito de prelação autónomo (25), assistindo ao preferente ponderar qual a venda em relação à qual convém/interessa exercer o seu direito , nada obsta a que o pedido principal seja atendido ( cfr. artº 469º, do CPC pretérito ).
A apelação, portanto, procede in totum.
*
5.- Concluindo ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC):
I- A titularidade do direito de preferência legalmente outorgado ao comproprietáario de coisa indivisa pressupõe que o preferente tenha a posição jurídica de comproprietário, não apenas no momento da celebração do contrato de compra e venda, como também no momento «substantivo» em que se subjectiva o direito a exercer a referida preferência.
II - Por outra banda, porque a qualidade de comproprietário integra a fattispecie constitutiva do direito de prelação que emerge do artº 1409º, nº1, do CC, constituindo assim verdadeira condição da acção a que alude a norma substantiva imediata ( a do artº 1410º, do CC ), então inevitável é que o demandante a possua logo à data da respectiva propositura , que não tão só num momento posterior, e em razão v.g. de uma situação hipotética e futura, designadamente porque, na sequência por exemplo da celebração de uma escritura de partilhas, veio então a obter a acima referida qualidade de comproprietário.
III- Todavia, porque a celebração de uma escritura de partilhas no decurso da acção consubstancia facto jurídico superveniente atendível, vindo a Autora a obter através da mesma a qualidade de comproprietária invocada logo na petição como integrando a causa petendi , a qual de resto detinha já aquando do contrato de alienação que é objecto do direito de prelação invocado [ logo, a celebração da escritura de partilhas posteriormente à propositura da acção não teve por desiderato único a atribuição do referido direito à autora, antes o respectivo facto constitutivo já existia na titularidade da Autora ao tempo da alienação ] e porque em razão do artigo 2119º, do Código Civil, após a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, o reconhecimento do direito de preferência à Autora é inevitável.
*
6. Decisão.
Em face de todo o supra exposto, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em , concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado pela autora:
6.1. - Revogar a sentença apelada;
6.2. - Reconhecer à Autora o direito de preferência sobre a venda da metade indivisa do prédio e que foi objecto da venda realizada por escritura pública outorgada a 31 de Janeiro de 1991, razão pela qual se substitui a A/apelante, como compradora , aos aqui 1.º RR., ali compradores em razão do decidido por sentença, transitada em julgado, proferida em 30 de Junho de 2011 no âmbito da acção que sob o n.º 6542/08.2TBBRG correu termos por Vara Mista do Tribunal de Braga;
6.3. - Determinar o cancelamento de todos os eventuais registos conflituantes com o direito da autora ora reconhecido ;
Custas da apelação pelos apelados.
***
(1) Cfr. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984 , Coimbra Editora, págs. 668 e segs..
(2) Cfr. Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas Ao Regime dos Recursos Em Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, pág. 33.
(3) Cfr. v.g. o Ac. do STJ de 6/5/2004, disponível in www.dgsi.pt.
(4) In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 670.
(5) In Código do Processo Civil Anotado, vol.V, Coimbra Editora, págs. 143-145.
(6) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, in sentença Cível, texto-base da intervenção efectuada nas “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de Janeiro de 2014).
(7) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, Pág. 332.
(8) Cfr. Manuel Henrique Mesquita, in Obrigações Reais e Ónus Reais, Colecção Teses, Almedina, 1990, pág. 187.
(9) Ibidem, pág. 189 e 191.
(10) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Cód. Civil anotado, Vol. III, 1972, pág. 333 e Agostinho Cardoso Guedes, in “O Exercício do Direito de Preferência”, Teses. 2006, pág. 189
(11) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Cód. Civil anotado, Vol. III, 1972, pág. 336 e 340.
(12) Cfr. Manuel Henrique Mesquita, ibidem, pág. 217.
(13) Cfr. Agostinho Cardoso Guedes, ibidem, pág. 129,141
(14) Cfr. Agostinho Cardoso Guedes, ibidem, pág. 142.
(15) Cfr. Ac. do STJ de 4/4/1995, Proc. nº 086968, in www.dgsi.pt
(16) Cfr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, In Curso de Direito de Família, Vol. I, 2ª ed, pág. 507.
(17) Cfr. Agostinho Cardoso Guedes, ibidem, pág. 411.
(18) Vide, de entre muitos outros, o Ac. do STJ de 21/4/2009, Proc. nº 09A0635, in www.dgsi.pt
(19) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. VI, págs 195 -196 e 203, citado no Ac. do STJ de 21/4/2009.
(20) Vide v.g. os Ac.s do STJ de 9/10/2003 ( Proc. nº 98B057 ) e de 4/2/2010 ( Proc. nº 3370/05.0TBPVZ.P1.S1 ), ambos in www.dgsi.pt.
(21) Cfr. Agostinho Cardoso Guedes, ibidem, pág. 665 e segs..
(22) Ibidem , págs. 225 e segs. .
(23) In Lições de Direito das Sucessões, volume II, 2. edição, págs 359 e segs..
(24) Cfr. Agostinho Cardoso Guedes, ibidem, pág. 658.
(25) Cfr. Manuel Henrique Mesquita, ibidem, pág. 223, e Ac. do STJ de 29/4/2014, Proc. nº 353/2002.P1.S1, in www.dgsi.pt
***
Guimarães, 19/02/2015.
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte