Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
17838/10.0TBGMR-A.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: AVALISTA
INSOLVÊNCIA
MEIOS DE DEFESA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - O avalista de uma livrança não se obriga perante o avalizado, mas sim perante o titular da letra ou livrança, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo como obrigado cartular, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança. Por força desta autonomia, o avalista não pode servir-se de qualquer dos meios de defesa que pertencem ao avalizado, por via das relações imediatas entre este e o subscritor do título de crédito.
II - Mas já estará naquelas relações imediatas, podendo defender-se com os vícios da relação fundamental perante o credor-emitente-portador da livrança, se, tendo assinado o título em branco, for envolvido por esse emitente no pacto de preenchimento, ou com ele participar numa relação extra-cartular que interfira nas condições para esse preenchimento.

III - Declarada a insolvência, todo o património do insolvente constitui a massa insolvente, que se destina a satisfazer os créditos da insolvência.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I-Relatório

Na execução a que se refere a presente oposição, a exequente C…, SA, executou o ora opoente A…, na qualidade de avalista das duas livranças que constituem os títulos executivos.

Para tanto alegou a exequente na petição da execução, nos seguintes termos:

“III - A C…, S.A. é legítima portadora de duas livranças, a saber:

a) livrança do montante de € 209.031,73 (duzentos e nove mil e trinta e um euro e setenta e três cêntimos), emitida em 24.JUN.1998 e com vencimento em 24.MAR.2008 - cfr. doc.nº 1 ora junto e dado por integralmente reproduzido;

b) livrança do montante de € 88.451,49 (oitenta e oito mil quatrocentos e cinquenta e um euro e quarenta e nove cêntimos), emitida em 02.OUT.2003 e com vencimento em 15.MAI.2007 -

IV - As livranças supra identificadas foram assinadas pelo legal representante da sociedade "G…, Ldª" (subscritora) no lugar próprio para o efeito, ou seja, no anverso do lado direito.

V - Foram ainda as livranças em questão assinadas por M…, A… e A… no local próprio para o aval, ou seja, no verso do título.

VI - As referidas livranças foram subscritas para financiamento da sociedade subscritora "G…, Ldª".

VII - Apresentadas a pagamento nas datas dos respectivos vencimentos não foram as ditas livranças pagas pelos seus obrigados cambiários, nem nessa data, nem posteriormente, nem se presume o seu pagamento, apresar de todos terem sido devidamente interpelados para o efeito.

VIII - A partir das datas dos respectivos vencimentos, e sobre o montante em capital, vencem-se juros calculados à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento.

IX - Encontra-se, pois, em dívida, à data de 23.ABR.2010, a quantia global de € 325.271,01 (trezentos e vinte e cinco mil duzentos e setenta e um euro e um cêntimo), calculada nos termos que se discriminam infra.

X - A sociedade subscritora foi declarada insolvente no âmbito do processo nº 1577/07.5TJVNF, a correr temos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, pelo que não vai a mesma aqui executada.

XI - A avalista M… foi declarada insolvente no âmbito do processo 290/08.0TBGMR, que correu termos no 5.º Juízo Cível do Tribunal de Guimarães, pelo que também não vai a mesma aqui executada.”

Para fundamentar a oposição à execução alegou o opoente que, o B…, que veio a ser incorporado na C… e a sociedade subscritora da livrança, em 1998, celebraram um contrato de prestação de garantia bancária, no valor de 41.466.000$00 a favor do IAPMEI, obrigando-se o banco a pagar tal quantia a esta entidade, á primeira interpelação; para garantia da obrigação do pagamento daquele valor, a dita sociedade constituiu a favor do B…, um penhor da aplicação financeira de 20.733.000$00; para além disso foi também subscrita pela sociedade uma livrança em branco, identificada em III a) do requerimento executivo, avalizada pelo oponente e por outros, estabelecendo-se entre a subscritora, avalistas e o banco, que este ficaria autorizado a preenchê-la no que respeita à data do vencimento, e pela importância correspondente ´diferença entre o valor da garantia bancária e daquela aplicação financeira de 20.733.000$00, acrescida dos juros.

Já a segunda livrança, referida em III b) do requerimento executivo, também avalizada pelo opoente, em branco, destinou-se a garantir o pagamento de um empréstimo concedido pelo banco à mesma sociedade subscritora, que também estava garantido por hipoteca, ficando o mesmo banco autorizado a preenche-la, em caso de incumprimento, pelo valor do empréstimo e juros.

Assim e quanto á primeira livrança, alega que, quer quanto á data de vencimento, quer quanto ao valor, a exequente preencheu a livrança em desconformidade com o contrato.

No que respeita á data do vencimento, o mesmo não correspondeu á data em que o banco pagou a quantia ao IAPMEI por via da garantia acima constituída a seu favor, sendo certo que o mesmo banco não interpelou para pagamento, nem a sociedade subscritora, nem os avalistas, até á data de vencimento que consta do título.

Já no que respeita ao valor, ao contrário do acordado a exequente não utilizou o valor da aplicação financeira objecto de penhor, utilizando essa aplicação para outros fins, pelo que deve ser deduzido, à quantia exequenda, o valor da aplicação financeira.

Quanto à segunda livrança alega também que a exequente preencheu a livrança em desconformidade com o pacto de preenchimento, quer quanto á data do vencimento, pois que o título não foi apresentado a pagamento na data aposta, sendo certo que nem executou a hipoteca acima referida, tendo o bem hipotecado sido apreendido e vendido no processo de insolvência da sociedade subscritora da livrança.

Pede assim e a final, que se julgue extinta a execução na parte da quantia exequenda que é indevida à exequente.

A exequente contestou, impugnando o alegado pelo oponente, alegando, para além do mais, que, contrariamente ao alegado pelo oponente, a livrança não se destinava a garantir a diferença entre o valor daquela aplicação financeira que foi objecto de penhor e o valor da garantia bancária, mas sim a garantir todas as responsabilidades da sociedade “ordenadora” decorrentes de garantias bancárias em benefício do IAPMEI até ao limite de cinquenta e cinco milhões oitocentos e vinte um mil e quinhentos escudos, acrescidos dos competentes juros compensatórios, moratórios e despesas. Sucede que, quando o IAPMEI reclamou o pagamento do valor da garantia que a exequente pagou posteriormente, já havia sido declarada a insolvência da sociedade subscritora das livranças, o que determinava a indisponibilidade dos seus bens, designadamente da aplicação financeira objecto do penhor.

Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e a regularidade da instância, seleccionando-se a matéria de facto assente e organizando-se a base instrutória.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância de todo o formalismo legal.

Após, decisão que incidiu sobre a matéria de facto controvertida, foi proferida sentença, decidindo-se julgar parcialmente procedente a presente oposição à execução e determinando-se, em consequência, o prosseguimento da execução, salvo quanto ao valor da aplicação financeira objecto do aludido penhor, e juros sobre o mesmo, à taxa de 4%, desde o dia 6/5/2010, que se entendeu ser de deduzir à quantia a executar.

Inconformada, a exequente C…, SA interpôs recurso de apelação da sentença, apresentando alegações das quais se extraem as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em sede de apenso de oposição à execução, na parte em que o Tribunal a quo ordenou a dedução à quantia exequenda do valor da aplicação financeira onerada com penhor a favor da Exequente - € 103.415,77 – acrescida de juros à taxa de 4% desde 06.05.2010.

2. O Tribunal olvidou, porém, que está vedada à C… a possibilidade de usar e/ou dispor do valor da aplicação

financeira sobre a qual incide penhor a seu favor.

3. A garantia bancária referida na al. d) da fundamentação de facto foi paga em 11.04.2008 – v.g. al. ac) da fundamentação de facto.

4. Sendo certo que, só após o pagamento da garantia bancária, ou seja, a partir de 11.04.2008, poderia a C… accionar as respectivas contra-garantias, designadamente o valor da aplicação financeira onerada com penhor.

5. Sucede que, nessa data, já há muito – desde 16.05.2007 – que a sociedade devedora e titular daquela aplicação financeira se encontrava declarada insolvente.

6. Assim, e atento o disposto nos arts. 36º, al. g) e 149º/1, al. a), ambos do CIRE, desde essa data que a Exequente estava impedida de utilizar o valor constante da aplicação financeira da sociedade insolvente, sem prévia apreensão a favor da respectiva massa insolvente, e tendo unicamente em vista a amortização parcial do seu crédito com menosprezo por todos os demais credores.

7. Outra alternativa não, resta, pois, senão a de o valor da aplicação financeira sub iudice ser apreendida à ordem do processo insolvencial.

8. Circunstância que até à data só não ocorreu por absoluta inércia da respectiva Administradora de Insolvência.

9. Consideramos inegável que, o valor constante da aplicação financeira deverá ser reduzida ao valor da quantia exequenda.

10. Mas isso só poderá vir a suceder se e quando esse valor for efectivamente entregue à Exequente para amortização parcial do seu crédito.

11. Uma coisa é o crédito da Exequente; outra diversa é a garantia do seu crédito!

12. E o valor da garantia prestada não pode ser deduzido ao valor do crédito antes de operada a sua excussão, pois pode até suceder que essa garantia se perca ou nunca chegue a ser excutida!

13. E a ser assim, como de facto é, a decisão recorrida é precipitada ao ordenar a redução da quantia exequenda pelo valor de uma garantia ainda não excutida e cuja excussão só pode ter lugar por via do processo insolvencial em curso e pelo valor efectivamente recebido.

14. É que, bem atento o disposto no art. 172º do CIRE, depois de apreendido a favor da massa insolvente, uma parte do valor da aplicação financeira em causa nos autos, vai servir o pagamento das dívidas da massa.

15. E nem se diga que à quantia exequenda deverão, igualmente, ser deduzidos os juros à taxa de 4% sobre esse valor desde a data do trânsito em julgado da sentença de graduação de créditos proferida em sede de insolvência.

16. É que o trânsito em julgado dessa decisão não libera ao estrito cumprimento do disposto no art. 36º, al. g) do CIRE.

17. Nem a circunstância de essa sentença não graduar os créditos reclamados para pagamento pelo produto da aplicação financeira significa que essa aplicação financeira deixou de poder ser apreendida para os autos de insolvência, mas apenas que essa apreensão não se verificou até então.

18. Nesta conformidade, não se vê qual o fundamento legal para a decisão recorrida, a qual viola frontalmente o disposto nos arts. 36º, al. g), 146º/1, al. a) e 172º, todos do CIRE.

Não consta dos autos qualquer resposta às alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

OBJECTO DO RECURSO

Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações, a questão a decidir é a de saber se deve ser deduzido da quantia exequenda, o valor da aplicação financeira objecto de penhor prestado a favor da exequente, pela sociedade subscritora da primeira livrança dada à execução.

A factualidade que fundamentou a sentença apelada é a seguinte:

a) A C…, S.A. é portadora de duas livranças, a saber:

I) livrança do montante de € 209.031,73, emitida em 24-06-1998 e com vencimento em 24-03-2008, dela constando a expressão «garantia bancária n.º 00352000 049753 093»;

II) livrança do montante de € 88.451,49, emitida em 02-10-2003 e com vencimento em 15-05-2007, dela constando a expressão «empº nº 0035 9760 017115 291». (alínea A) dos factos assentes)---

b) As livranças supra identificadas foram subscritas pela G…, Ldª e assinadas por M…, A… e A… no verso do título, sob as expressões «Dou o meu aval» e «Bom para aval ao subscritor».(alínea B) dos factos assentes)---

c) A livrança referida em a) I), foi assinada por preencher, quanto à data de vencimento e importância, em algarismos e por extenso e a representar valor daquela garantia bancária nº PT 00352000 049753 093 e entregue ao B…, S.A. (alínea C) dos factos assentes)---

d) Por escrito de 24 Junho de 1998, o B…, S.A. em nome e a pedido da empresa G…, Lda, designado por ordenador, declarou prestar «garantia bancária autónoma» nº PT 00352000 049 753 093 (ou garantia n.º 49009800033 – contrato n.º 98/4172.62.82), no montante de 41.466.000$00 [€ 206.831,54], a favor do I.A.P.M.E.I – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, «que corresponde a 50% (…) do incentivo atribuído ao ordenador por força do contrato datado de 4/05/1998 a que acrescem os respectivos juros à taxa contratual até integral pagamento, responsabilizando-nos, como principais pagadores perante o IAPMEI, por fazer a entrega no prazo de 20 dias, das importâncias que este nos solicitar ao primeiro pedido escrito, sem apreciar da justiça ou direito de reclamação do ordenador, se a empresa acima identificada não cumprir qualquer uma das condições ou das obrigações que resultam do referido contrato ou de quaisquer compromissos assumidos em consequência do mesmo. Esta garantia abrange assim o montante do incentivo entregue e ainda os juros respectivos. (alínea D) dos factos assentes)---

e) Por escrito de 2 de Outubro de 2003, em que intervieram como avalistas o opoente, M… e A…, a G…, Ldª e a exequente C…, S.A. celebraram o contrato de empréstimo nº 97600005210820019, a que depois coube o Nº PT 00359760017115291, até ao montante de € 110.270,00, destinado a apoio à tesouraria daquela e pelo prazo global de amortização de 72 meses, a por ela pagar à exequente, em prestações mensais, acrescidas do valor dos juros e demais encargos estipulados nesse contrato; foi estabelecido que, para garantia do pagamento desse empréstimo, juros e despesas, até ao montante em capital de € 110.278,00, a G…, Ldª hipotecaria o seu prédio urbano, composto de sub - cave, cave, rés-do-chão e primeiro andar e de logradouro, situado no lugar de Sequeiros, da freguesia de Caldas S. João, do concelho de Vizela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vizela sob o nº 855/dessa freguesia. (alínea E) dos factos assentes)---

f) Nesse escrito referido em e), mais convieram G…, Ldª, a exequente, o opoente, M… e A…, que à exequente era entregue em branco um impresso de livrança, subscrito por essa sociedade e avalizada pelo opoente, M… e A…; que a exequente ficava autorizada a preencher, no que respeita à data do seu vencimento, em caso de incumprimento pela G…, Ldª das obrigações assumidas; e no que concerne à sua importância, pelo valor correspondente «ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente, em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança (…)».(alínea F) dos factos assentes)---

g) Nesse mesmo dia 2 de Outubro de 2003 e no Cartório Notarial de Lousada, a sociedade G…, Ldª outorgou a escritura de hipoteca, referida em e), a favor da exequente, nos termos constantes do doc. de fls. 78-84, cujo teor dou aqui por integralmente reproduzido. (alínea G) dos factos assentes)---

h) A livrança referida em a) II) foi assinada por preencher, quanto à data do seu vencimento e à importância, em algarismos e por extenso e a representar valor daquele empréstimo Nº PT 00359760017115291, mencionado em e). (alínea H) dos factos assentes)---

i) No dia 23 de Novembro de 2007, o IAPMEI reclamou à exequente o pagamento do montante de € 206.831,54 [41.466.000$00] referente à «garantia bancária autónoma» descrita em d). (alínea I) dos factos assentes)---

j) A exequente, até ao dia 3 de Março de 2008, não pagou ao IAPMEI aquela reclamada quantia de € 206.831,54 e só lha pagou posteriormente. (alínea J) dos factos assentes)---

l) M… foi declarada insolvente por sentença, proferida no dia 22 de Janeiro de 2008, transitada em julgado em 03-03-2008, no processo n.º 290/08.0 TBGMR do 5.º juízo cível do Tribunal Judicial de Guimarães. (alínea L) dos factos assentes)---

m) A G…, Ld.ª foi declarada insolvente, por sentença proferida no dia 16 de Maio de 2007, transitada em julgado em 23-07- 2007, no processo n.º 1577/07.5TJVMF do 1.º juízo cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão. (alínea M) dos factos assentes)---

n) No processo referido em m) foi proferida sentença de verificação e graduação créditos em 21-09-2009, transitada em julgado em 6-05-2010, que homologou «a lista de credores reconhecidos elaborada pela administradora da insolvência e rectificações e aditamentos efectuados na tentativa de conciliação» e graduou os créditos reconhecidos, nos termos constantes de fls. 205 e 206, cujo teor dou aqui por integralmente reproduzido. A referida sentença foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto. (alínea N) dos factos assentes)---

o) Nos autos referidos em l), a exequente reclamou créditos no montante global de €304.817,73, reportados à data de 22-01-2008 e respectivos juros vencidos e vincendos decorrentes dos seguintes contratos, nos termos por si aí alegados:

«a) contrato de empréstimo n.º PT 00359760017115291 (…) até ao montante de €110.270,00, formalizado em 02.10.2003 (…);

b) contrato de prestação de garantia bancária a favor do IAPMEI n.º 00352000049753093 (…) contra-garantido por penhor de aplicação financeira de 20.733.000$00, correspondente a 50% do capital garantido, no montante de 41.456.000$00 (€206.831,54), formalizado em 24.06.1998 (…).

A C… foi interpelada pelo IAPMEI, em 23.11.2007, para proceder ao pagamento do montante de 206.831,54, da referida garantia bancária, não tendo ainda sido paga nesta data, sê-lo-á contudo no decurso do próximo mês de Março (….)».(alínea O) dos factos assentes)---

p) No processo de insolvência referido em m) o prédio referido em e) foi vendido pelo preço de dois milhões e cem mil euros. (alínea P) dos factos assentes)---

q) Por carta datada de 8 de Junho de 2008, a G…, Ld.ª remeteu ao banco carta pela qual autorizava o então B… a: «cativar as quantias de 20.733.000$00 (…) e de 7.178.000$00 (…) referentes a 50% do valor das garantias prestadas, no recebimento do primeiro adiantamento dos subsídios reembolsáveis a fundo perdido atribuídos pelo IAPMEI (…). Com as quantias acima referidas devem V. Exas constituir uma aplicação financeira ao melhor preço e nas condições mais favoráveis à empresa. (…)».(alínea Q) dos factos assentes)---

r) Em 09 de Setembro de 1998 a G…, Ld.ª, dirigindo-se ao então B… declarou: «Em garantia do cumprimento das responsabilidades emergentes das garantias bancárias solicitadas a esse Banco, em 23-06-98 e 24-06-98, nomeadamente do pagamento do capital de Esc. 27.911.000$00, respectivos juros e demais encargos e despesas, sejam judiciais ou extra-judiciais oferecemos a aplicação financeira em certificado depósito especial, na Vossa Agência (…) na conta nº 4900.510.0050086, no montante de € 27.911.000$00 (…).Havendo incumprimento de qualquer das nossas obrigações assumidas no referido contrato, caso em que o B… poderá considerar, imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades emergentes do mesmo, fica esse Banco com o direito de proceder à imediata liquidação da aplicação financeira por qualquer das formas juridicamente possível (…)».(alínea R) dos factos assentes)---

s) A exequente não utilizou o valor da aplicação financeira de €103.415,77 (20.733.000$00) e o valor dos juros que entretanto rendera para se pagar parcialmente daquela quantia de € 206.831,54. (alínea S) dos factos assentes)---

t) A exequente não entregou à massa insolvente da sociedade referida em M) a quantia de €103.415,77 e respectivos juros gerados desde Junho de 1998. (alínea T) dos factos assentes)---

u) A C…, SA incorporou, por fusão, o B…, SA, estando tal fusão registada desde 2/9/1993. (alínea U) dos factos assentes)---

v) Como contra – garantia à obrigação de pagamento do montante referido em D), a G…, Ldª constituíu a favor do B…, S.A., que aceitou, penhor de aplicação financeira de 20.733.000$00, equivalente a metade daquele montante, a vencer juros, correspondentes aos de contrato de depósito a prazo, a pagar-lhe pelo B…, S.A. e que ficavam a acrescer a essa aplicação financeira de 20.733.000$00. (resposta aos quesitos 1º e 2º)---

x) A exequente não utilizou o valor da aplicação financeira de €: 103.415,77 e juros, mantendo-se tais quantias depositadas na instituição bancária. (resposta ao quesito 6º)---

z) A exequente remeteu as cartas juntas a fls. 448 a 459, tendo as cartas enviadas ao oponente, para a morada indicada no requerimento executivo, sido devolvidas com indicação de “Mudou-se”. (resposta aos quesitos 7º, 8º e 9º)--- aa) O oponente foi citado em 26/5/2010 para os termos da execução. (resposta aos quesitos 10º e 14º)--- ab) Mais de um ano antes do dia 15 de Maio de 2007, a G…, Ld.ª deixou de pagar à exequente as respectivas prestações mensais de amortização do empréstimo de €110.270,00, referido em E). (resposta ao quesito 11º)---

ab) A livrança referida em a) I) destinava-se ao caucionamento de todas as responsabilidades contraídas pela sociedade ordenadora junto do banco e decorrentes de garantias bancárias em benefício do IAPMEI até ao limite de capital de cinquenta e cinco milhões oitocentos e vinte e um mil e quinhentos escudos, acrescidos dos competentes juros compensatórios, juros moratórios e despesas. (resposta ao quesito 15º)---

ac) A garantia referida em d) foi paga pela C… em 11 de Abril de 2008 (cfr. doc. de fls. 41) sendo que o lapso de tempo decorrido entre o pedido de pagamento e o pagamento efectivo é o normal no seio da instituição bancária em causa, atendendo às diversas autorizações que no âmbito da sua estrutura interna são necessárias obter até à concretização desse pagamento. (resposta ao quesito 16º)---

ad) Apenas após o pagamento da garantia poderia a C… accionar as respectivas contra-garantias. (resposta ao quesito 17º)---

ae) A C… viu-se impedida de utilizar o penhor sobre aplicação financeira para amortização do crédito decorrente do pagamento da garantia, porque a garantia em apreço foi paga (e o seu pagamento foi solicitado) já após a declaração de insolvência da G…, Ld.ª. (resposta ao quesito 18º)---

af) De Julho de 2006 a Maio de 2007 a C… procurou junto da G…, Ldª obter soluções comerciais de pagamento que evitassem o recurso à via judicial e o accionamento das garantias pessoais prestadas pelos avalistas, sendo que as negociações tendentes à obtenção de tal solução comercial de pagamento se frustraram definitivamente. (resposta ao quesito 19º)---

DECIDINDO

Como resulta dos autos, para garantia de todas as responsabilidades contraídas pela Sociedade G…, LDA junto do banco exequente, decorrentes de garantias bancárias em benefício do IAPMEI, até ao limite de capital de cinquenta e cinco milhões oitocentos e vinte e um mil e quinhentos escudos, acrescidos dos competentes juros compensatórios, juros moratórios e despesas. (resposta ao quesito 15º), o ora executado, na qualidade de avalista, assinou uma livrança em branco. Tal livrança foi subscrita pela dita Sociedade.

Tendo o IAPMEI reclamado o pagamento do valor da garantia, que foi efectivamente paga pelo Banco, procedeu este ao preenchimento da livrança, que apresentou a pagamento ao ora apelado. Fê-lo, inequivocamente, de acordo com o documento de fls 37 dos autos assinado pelos avalistas da livrança, o qual determinava os termos em que podia ser preenchida a dita livrança em branco como se deu como provado nos autos (cf. Facto provado ab).

Entendeu o oponente que, à importância inscrita neste título deve ser deduzida do valor de uma aplicação financeira da sociedade subscritora, que a subscritora do título em causa deu de penhor ao Banco, também para garantia do pagamento das obrigações emergentes da dita garantia bancária prestada pelo banco a favor do IAPMEI a pedido daquela sociedade, pois que, até agora, tal garantia não havia sido accionada

Ora, ao contrário do que alegou, o opoente, não logrou provar qualquer acordo de preenchimento da livrança em causa, no sentido de que, a quantia a preencher no título em caso de incumprimento das obrigações por parte da subscritora, seria a diferença entre o montante da garantia bancária - € 206.831,54- e o valor da aplicação financeira objecto do penhor - 20.733.000$00 - que nunca foi accionado. Efectivamente o que se provou foi que: “A livrança… destinava-se ao caucionamento de todas as responsabilidades contraídas pela sociedade ordenadora junto do banco e decorrentes de garantias bancárias em benefício do IAPMEI até ao limite de capital de cinquenta e cinco milhões oitocentos e vinte e um mil e quinhentos escudos, acrescidos dos competentes juros compensatórios, juros moratórios e despesas.”

A questão que se coloca é a de saber se a exequente tinha de accionar o penhor e pagar-se parcialmente com o valor desta garantia, preenchendo em conformidade a livrança, ou seja, deduzindo ao valor da garantia bancária a favor do IAPMEI o valor da dita aplicação financeira.

Analisemos, em primeiro lugar, a natureza do aval prestado na livrança.

A função do aval é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor cambiário, a cobri-la e caucioná-la.

O fim específico do aval é o de garantir o cumprimento pontual do direito de crédito cambiário. É uma garantia prestada à obrigação cartular do avalizado. O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o seu avalizado.

O art. 32 da LULL, determina que o dador de aval é responsável da mesma forma que a pessoa por ele afiançada.

O aval é um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma. A obrigação do avalista é uma obrigação materialmente autónoma, ainda que formalmente dependente da do avalizado, pois o avalista responsabiliza-se pela pessoa que avaliza, assumindo a responsabilidade, abstracta e objectiva, pelo pagamento do título.

Com efeito, a obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida, salvo se a nulidade desta provier de um vício de forma – art. 32 da LULL.

O avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado, mas tão só ao pagamento da quantia titulada no título de crédito.

A obrigação firmada pelo avalista é perante a obrigação cartular e não perante a relação subjacente.

Do que ficou dito supra, o avalista não se obriga perante o avalizado, mas sim perante o titular da letra ou livrança, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo como obrigado cartular, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança.

Verdadeiramente, a acessoriedade do aval face à obrigação garantida, que alguns autores classificam de acessoriedade típica, só tem expressão quando a obrigação avalizada é nula por vício de forma e, bem assim, quando o avalista paga o título e adquire os direitos do portador contra o avalizado e obrigados para com este (art.º s 77 e 32, III, da LULL).

No mais, a obrigação derivada do aval é um valor patrimonial que se soma ao da obrigação avalizada, estando totalmente autonomizada diante do credor cambiário.

Por força desta nota de perfeita autonomia, o avalista não pode servir-se de qualquer dos meios de defesa que pertencem ao avalizado.

E, pelo exposto, pode entender-se que a constituição do penhor em causa, está no âmbito das relações imediatas, ou seja, naquelas que se estabelecem entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador-sacado, sacador- 03-03-2005 tomador, tomador-primeiro endossado, etc.), pelo que, a garantia de penhor não interfere na obrigação cambiária. É que, como se refere no Acórdão do STJ de 03-03-2005, publicado em www.dgsi.pt, por regra, o avalista da subscritora de uma livrança posiciona-se fora das relações imediatas que se estabelecem entre o emitente desta e a subscritora, encontrando-se apenas numa relação de imediação com a subscritora avalizada. Mas já estará naquelas relações imediatas, podendo defender-se com os vícios da relação fundamental perante o credor-emitente-portador da livrança, se, tendo assinado o título em branco, for envolvido por esse emitente no pacto de preenchimento, ou com ele participar numa relação extra-cartular que interfira nas condições para esse preenchimento. Ora apesar de o oponente ter alegado que o contrato de preenchimento quanto ao valor da livrança tinha em conta a dita garantia do penhor, não logrou provar tal factualidade.

Acresce que, mesmo no domínio das relações imediatas, entre e exequente e a sociedade subscritora, como bem refere a apelante nas suas alegações, não há obrigação legal de a exequente usar a garantia do penhor, pois nada impede que o credor garanta o seu crédito por vários meios, podendo, em caso de incumprimento, accionar os que melhor entender, sem prejuízo de convenção em contrário que no caso nem foi alegada. O que não pode é receber mais do que lhe é devido.

Ademais, a obrigação cambiária não beneficia da excussão prévia como sucede na fiança.

E, dada a solidariedade das obrigações de avalista e avalizado e correspectiva faculdade de o credor/portador de uma letra ou livrança poder accionar qualquer deles, em conjunto ou singularmente, sem vinculação a qualquer ordem, há que concluir que o executado, na qualidade da avalista, se apresenta perante o credor - o exequente - como um devedor autónomo, respondendo por uma obrigação própria. Com efeito, tratando-se de responsabilidade solidária, nos termos do art. 512º nº1 do Código Civil, cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera.

Independentemente destas considerações, é certo que, mesmo a verificar-se a obrigatoriedade da execução do penhor dado pelo subscritor, temos de concordar com o apelante quando afirma que a aplicação financeira objecto de penhor não está na sua disponibilidade.

Está provado que, quando foi reclamado pelo IAPMEI o valor da garantia bancária constituída a seu favor que a exequente pagou posteriormente, a sociedade subscritora já tinha sido declarada insolvente.

Assim sendo e como decorre do art.º 46.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), decretada a insolvência da sociedade a quem pertencia a aplicação financeira todo o património desta sociedade à data da declaração de insolvência, fica a fazer parte da massa insolvente, pelo que, o valor da dita aplicação não está na disponibilidade da exequente, como aliás se deu como provado, pois que a mesma se destina á satisfação dos credores insolvência, com respeito pelo princípio da igualdade entre eles que seria violado caso a exequente accione o penhor, uma vez que o crédito resultante da prestação da garantia bancária a favor do IAPMEI, foi reclamado tal crédito.

O facto de tal aplicação não ter sido apreendida como impõem os art.ºs 36 al. g) e 149.n.º 1 do CIRE, não significa que a mesma não constitua a massa insolvente, sendo certo que, o acto de apreensão não pode ser assacado à exequente, mas antes ao Administrador da Insolvência, que ainda pode e deve efectivar tal apreensão.

E, como resulta do exposto, a exequente pode exigir o crédito em causa à sociedade, aos avalistas da livrança, nem sequer ficando impedida de o fazer em dois processos judiciais distintos, designadamente no processo de insolvência no que respeita á sociedade insolvente. E mais, caso vier a obter pagamento no processo de insolvência, a única consequência seria, verificado esse pagamento, a extinção da execução movida contra os demais obrigados (ou a redução da quantia exequenda, na proporção do pagamento obtido, se este não fosse integral) – cfr. art. 523º do Código Civil.

Nestes termos, deve ser revogada a sentença, decidindo-se pela total improcedência da presente oposição á execução, devendo pois ser executada contra o oponente o valor da livrança em causa, com vencimento em 24-03-2008 (cf. Facto provado A) I).

Em conclusão:

I - O avalista de uma livrança não se obriga perante o avalizado, mas sim perante o titular da letra ou livrança, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo como obrigado cartular, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança. Por força desta autonomia, o avalista não pode servir-se de qualquer dos meios de defesa que pertencem ao avalizado, por via das relações imediatas entre este e o subscritor do título de crédito.

II - Mas já estará naquelas relações imediatas, podendo defender-se com os vícios da relação fundamental perante o credor-emitente-portador da livrança, se, tendo assinado o título em branco, for envolvido por esse emitente no pacto de preenchimento, ou com ele participar numa relação extra-cartular que interfira nas condições para esse preenchimento.

III - Declarada a insolvência, todo o património do insolvente constitui a massa insolvente, que se destina a satisfazer os créditos da insolvência.

DECISÃO

Por tudo o exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a apelação procedente, revogando a sentença apelada, decidindo-se julgar totalmente improcedente a oposição à execução.

Custas pela parte vencida a final.

Guimarães, 6 de fevereiro de 2014

Isabel Rocha

Moisés Silva

Jorge Teixeira