Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
48/15.0T8VNC.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
POSSE
USUCAPIÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
ARTIGO 278 Nº 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- a aquisição de um direito por usucapião é uma “ faculdade” concedida por lei ao possuidor, nos termos das normas legais regulamentadoras de tal instituto jurídico, e que carece de ser invocada e pedido o reconhecimento do direito em causa, não nascendo este “ope legis” na esfera jurídica do beneficiário por mero efeito da posse.

II- o nº 3 do artº 278º do Código de Processo Civil introduzido pelo Dec. Lei nº 180/96, de 25/9, na redacção da norma do anterior artº 288º, veio consagrar um regime francamente inovador de prevalência das decisões de fundo sobre as de mera forma.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

A. A., intentou contra H. M., e G. M., acção de processo comum, peticionado que:

a) Seja declarada nula de nenhum efeito a escritura lavrada no dia 25 de Novembro de 2014, de folhas 74 a folhas 75 verso, do livro XX do Cartório Notarial, da Notária A. C., com Cartório na Rua …, Cidade do Porto;
b) Seja decretado o cancelamento da inscrição de aquisição de 1/2, a favor da ré, efectuada pela apresentação número n.º … de 25 de Novembro de 2014, que incide sobre o prédio …/19920825 da freguesia de …, da Conservatória do Registo Predial.
Alegando o Autor, nomeadamente, que sobre o imóvel objecto da indicada escritura pública exerce posse em nome próprio há mais de catorze anos, e em nome de seus antepossuidores, há mais de cem anos, e, que assim exercida e mantida ininterruptamente, até à presente data, faculta ao autor a aquisição do direito correspondente à sua actuação sobre o imóvel, como proprietário, por usucapião, como se prevê no artigo 1287º do Código Civil.
Tendo sido realizado julgamento e proferida sentença a julgar a acção improcedente, absolvendo-se os Réus do pedido, inconformado veio o Autor recorrer, interpondo recurso de Apelação.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula as seguintes Conclusões:

- Deve ser alterada a resposta do n.º 8 dos fatos provados para a seguinte redação:
“ O filho I. M., por indicação do autor, por escritura de 25 de Janeiro de 2010, lavrada de folhas 30 a folhas 31 do livro …-E do Cartório Notarial, declarou vender o prédio da alínea a) do artigo 1º do articulado, a A. D..”
- Deve ser alterado a decisão do ponto 9 dos factos provados, para a seguinte redação:
A A. D., seguindo ordens e instruções do autor, por escritura de 6 de Maio de 2010, lavrada de folhas 95 a folhas 96 do livro ..-E do cartório Notarial, declarou vender ao filho do autor H. M., o prédio da alínea a) do artigo 1º.
- Devem ser declarados provados todos os fatos dos artigos 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º e 22º da petição inicial, como sendo:
“- O autor, após a compra em nome do filho I. M., entrou imediatamente na posse do prédio, inicialmente rústico, e posteriormente urbano.”
“- Desde então. O autor vem exercitando e ainda exercita a posse do bem, com a convicção de usar direito próprio, ignorando lesar o direito de outrem, à vista de toda a gente, e sem oposição de quem quer que seja.”
“-Posse que se transmitiu dos promitentes-vendedores para o autor, por aquisição derivada, e a título oneroso”.
“- Caraterizada por ser titulada, de boa fé, pacífica, e pública, traduzida em atos materiais de domínio, administração, conservação, beneficiação, fruição, bem como no pagamento de impostos e de taxas que lhe respeitam.”
“- Posse que o autor exercita em nome próprio, há mais de catorze anos, em nome próprios e de cem anos em nome dos seus antepossuidores.”
“- E que assim exercida e mantida ininterruptamente, até à presente data, faculta ao autor a aquisição do direito correspondente ao da sua atuação, sobre o imóvel como proprietário, por usucapião.
- Os fatos dos artigos 5 e 6 dos fatos não provados devem ser considerados provados, como se indicou nas conclusões 1ª e 2ª que antecedem.
- Os fatos dos números 8 e 9 dos fatos não provados devem ser alterados para provados
- Os factos decididos como não provados nos pontos 1, 2, 21,22 e 23 dos fatos provados devem ser modificados para fatos provados.
- Devem ser aditados aos fatos provados os seguintes:
“-O autor, por carta registada com AR com data de 28 de Maio de 2014 insistiu perante o Senhor Presidente do Conselho de Administração da CA, na prorrogação do prazo por mais nove meses que lhe possibilitariam a venda e o pagamento.”
“-A CA, por carta de 5 de Junho de 2014 propôs ao autor a reestruturação do pagamento do empréstimo de € 30.000.00.”
“-O autor, por carta registada com data de 12 de Junho de 2014 pediu à CA que lhe mantivesse o prazo pedido para pagamento do valor vencido e vincendo até à venda da casa.”
“-Na resposta à carta do autor de 12 de Junho de 2014, a CA admitiu a reestruturação do crédito em causa, sob a condição da aceitação da fiadora, aqui ré.”
“-Na resposta, por carta de 3 de Julho de 2014, autor e ré remeteram à CA o consentimento para a prorrogação do prazo de pagamento.”
“-O ilustre mandatário da CA, por carta registada com data de 16 de Dezembro de 2014, concedeu 7 dias para o autor pagar os dois créditos no montante de € 71.694,30.”
“-O autor por carta registada com data de 22 de Dezembro de 2014 solicitou ao ilustre mandatário da CA a prorrogação do prazo de liquidação da dívida, por mais 60 dias.”
“ - O ilustre advogado da CA, por carta de 03-01-2015 comunicou ao autor que a ré assumiu o pagamento da globalidade da dívida do autor.”
- Os fatos dos artigos artigos 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 69º da petição inicial são essenciais para a boa decisão da causa.
- Não são matéria conclusiva.
10º- Estão provados por documentos e pela declaração das testemunhas.
12ª- Os réus e todas as testemunhas do autor declaram que o prédio é propriedade do autor.
13ª- As declarações do réu prestadas na escritura de compra e venda à ré não correspondem à vontade real do outorgante.
14ª- O réu, embora tenha declarado que vendia metade do prédio ao autor, quis, apenas, que o prédio constasse em nome dela, salvaguardando a propriedade como sendo do pai.
15ª- A ré quis adquirir o prédio, sem pagar o preço.
16ª- A ré não entregou o preço ao réu.
17ª- O réu não quis transmitir a propriedade à ré.
18º- O autor continua, como antes da escritura, com a posse do prédio.
19ª- A ré quis ficar com o prédio sem nada pagar, substituindo as hipotecas em nome que oneravam o prédio a favor do autor, por uma hipoteca que garante o pagamento das anteriores e pagar de acordo com o nela estipulado o valor do distrate das hipotecas dos mútuos do autor.
20ª- A ré deixa de se obrigar pela fiança nos mútuos do autor e fica obrigada a um pagamento em prestações, mas com o prédio titulado a seu favor, podendo dele dispor como bem entende, passando a ser a proprietária exclusiva.
21ª- Está enriquecida do que o prédio a mais vale do que o valor de € 78.000,00 da hipoteca sobre o prédio.
22ª- A ré não pagou nada ao réu, nem à mãe, nem lhe garantiu qualquer valor, por meio válido, como sendo uma hipoteca sobre o próprio prédio.
23ª- A ré enganou a mãe e o filho para beneficiar do prédio do autor.
24ª- A ré sabia que o prédio é propriedade do autor.
25ª- Agiu quando ele estava ausente.
26ª- A presunção do registo está ilidida em contrário.
27ª- A venda efetuada pelo réu é venda de coisa alheia.
28ª- A venda deve ser anulada com fundamento em dolo da ré e de constituir venda de coisa alheia.
29ª- A declaração do réu é viciada por erro por intenção de querer um negócio simulado para evitar a venda do imóvel.
30ª- A douta sentença viola, além de outros normativos, o disposto no artigo 574º e 607º do Código de Processo Civil, e nos artigos 252º, 253º n.º 2, 254º, 286º, 287º e 892º do Código Civil.

Foram proferidas contra-alegações, impugnando os recorridos, a título subsidiário, e nos termos do nº2 do artº 636º do CPC, a decisão da matéria de facto sobre os artº 58º e 77º da contestação da Ré G. M. e artº 33º, 34º, 36º e 44º da contestação do Réu H. M..

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “ ( artº 635º-nº3 e 608º-nº2 do Código de Processo Civil ) - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 21/10/93, CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, tomo 3, pg.84, e, de 12/1/95, in CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano III, tomo I, pg. 19.
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5º do Código de Processo Civil, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:

- reapreciação da matéria de facto
- do mérito da causa

FUNDAMENTAÇÃO
I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida ).

1. H. M., e a ré, G. M., por escritura de 25 de Novembro de 2014, lavrada de folhas 74 a folhas 75 verso do Cartório Notarial da Notária A. C., ele como primeiro outorgante e ela como segunda outorgante declararam:

O PRIMEIRO OUTORGANTE que pelo preço de TRINTA E NOVE MIL EUROS, já recebido, venda à segunda metade indivisa do prédio urbano destinado a habitação, composto por casa de dois pisos e logradouro, com a área total de dois mil e duzentos e cinquenta metros quadrados, sito no Lugar …, freguesia de …, Concelho de Vila Nova de Cerveira, descrito na Conservatória do registo predial sob o número …, da freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo … (anterior artigo urbano …, da freguesia de …), com o valor patrimonial tributário de 68.700,00€, sendo correspondente a metade indivisa 34.350,00€. (…)
Ambos os outorgantes declararam que sobre o prédio incidem duas hipotecas voluntárias a favor da Banco W, CRL.(…)
A SEGUNDA OUTORGANTE que aceita a venda nos termos exarados. (…)
2. A aquisição não foi objecto de intervenção de mediador imobiliário.
3. O autor, por contrato-promessa de compra e venda, de vinte e oito de Novembro de dois mil, que se dá por totalmente reproduzido, prometeu comprar a M. L., e a A. O., os seguintes prédios:

a) RÚSTICO, de mato, sito no lugar de …, freguesia de …, Vila Nova de Cerveira, inscrito na matriz respectiva sob os artigos 100º e 102 e descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o número …;
b) RÚSTICO, de mato, sito no mesmo lugar, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 117º e descrito na citada Conservatória sob o número …; e
c) RÚSTICO no mesmo lugar, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 118º e descrito sob o número …. (Doc. 1 junto com a pi)
4. Pagou o preço previsto na promessa de compra e venda, aos promitentes vendedores, e, em consequência do cumprimento da sua prestação, os promitentes conferiram-lhe poderes de representação para realizar a escritura de compra e venda prevista na promessa, de acordo com a cláusula II, a favor da pessoa que indicasse, para o efeito.
5. Como procurador dos promitentes-vendedores, e por si, celebrou a compra e venda dos bens prometidos, com seu filho, I. M., na qualidade de comprador, por escritura do dia 7 de Outubro de 2004, lavrada de folhas 65 a 66 do livro … do Cartório Notarial. (Doc. 2)
6. O filho, I. M., por ordem do autor, por escritura de 1 de Abril de dois mil e cinco, lavrada a folhas 59 a folhas 64 do livro … do 8º Cartório Notarial, deu os prédios de hipoteca ao Banco P, para garantia de responsabilidades até ao limite do capital de trinta e quatro mil e quinhentos euros, assumidas ou a assumir pela sociedade EMPRESA X- COMÉRCIO DE CALÇADO E SUA IMPORTAÇÃO, LDA, da que o autor detém o capital social de 75% (Doc. 3 e doc. 4)
7. O Autor intentou contra a mãe do filho I. M., a acção do processo número 1768/06.6TVPRT da 3ª Secção da 6ª Vara Cível do Porto, em cuja transacção a ré obrigou-se, por si, a através do filho, a transmitir, para o autor, os prédios identificados no artigo primeiro que antecede. (Doc. 5)
8. O filho I. M., por escritura de 25 de Janeiro de 2010, lavrada de folhas 30 a folhas 31 do livro … do Cartório Notarial, declarou vender o prédio da alínea a) do artigo 1º deste articulado, a A. D.. (Doc. 6)
9. A. D., por escritura de 6 de Maio de 2010, lavrada de folhas 95 a folhas 96 do livro … do Cartório Notarial, declarou vender ao filho do autor, H. M., o prédio da alínea a) do artigo 1º da petição inicial. (Doc. 7 e Doc. 8)
10. Após a reconstrução e ampliação o prédio foi transformado de rústico em urbano, e passou a descrever-se, como sendo:
PRÉDIO URBANO, sito no lugar de …, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Cerveira, composto de casa de rés-do-chão e andar, para habitação, com a área coberta de 225 m2, anexos com 252 m2 e quintal com a área de 1772,80 m2, a confrontar do norte com Caminho Público, do sul com J. A., do nascente com Caminho de Servidão, e do poente com herdeiros de A. R., descrito sob o número …/19920825 e inscrito na matriz sob o artigo … (correspondente ao anterior artigo … urbano). (Doc. 9 e 10)
11. O Autor pediu dois empréstimos à Banco W, garantidos por hipotecas, em que o filho H. M. figura como onerante do prédio, e a ré como fiadora. (Doc. 9)
12. O filho H. M., no dia 1 de Agosto de 2014, subscreveu uma procuração ao autor com poderes de representação de administrar, onerar e alienar os imóveis da promessa inicial, ainda com a identificação rústica, e com os dois bens alienados, por defeito de redacção, com base em cópia através do contrato-promessa. (Doc. 11)
13. O autor, por carta registada com data de 17 de Janeiro de 2015, remetida à ré, que a recebeu no dia no dia 28 de Janeiro de 2015, informou-a de que trazia o prédio à venda, pediu-lhe a conta do que despendeu pelo pagamento dos mútuos, e uma declaração escrita de que o prédio é do autor. (Doc. 13)


II) O DIREITO APLICÁVEL
I. reapreciação da matéria de facto

1. Impugnando o apelante a matéria de facto fixada na sentença não indica nas Conclusões do recurso de apelação quais os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversos da recorrida, limitando-se a declarar que os factos estão provados por documentos e pela declaração de testemunhas e os réus e todas as testemunhas do autor declaram que o prédio é propriedade do autor ( cfr. Cls. 10º e 11 ), não cumprindo, deste modo, o recorrente, e, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente nos termos do artº 635º-nº3 do Código de Processo Civil, o ónus imposto pelo artº 640º-nº1-al. b) do Código de Processo Civil, ocorrendo causa de rejeição do recurso da matéria de facto.
2. Ainda, e, de qualquer modo, e, ainda que assim se não entendesse, a requerida reapreciação da matéria de facto mostra-se absolutamente irrelevante para o desfecho da acção e decisão do recurso de apelação, como infra se irá expor, nestes termos se demonstrando inútil, e, assim, prejudicada.

Termos em que não procede à reapreciação da matéria de facto.
II. – do mérito da causa

Tendo presente que, no nosso Ordenamento Jurídico, cabe aos pretensos titulares, alegar e demonstrar, em sede de acções onde sejam deduzidas pretensões que versem sobre direitos reais, os factos donde emerge a aquisição originária do direito de que se arrogam, bem como as derivadas até à posição titulada pelos requerentes se esse for o caso, como decorre dos arts. 342º - n.º1 do Código Civil e artº 581º - n.º4 do Código de Processo Civil, assim se consagrando o que, na doutrina, se denomina por “Teoria da Substanciação” (cfr., a propósito, Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 711), e, alegando o Autor, no caso sub judice, que sobre o imóvel objecto da escritura pública em referência nos autos, e relativamente á qual formula pedido de nulidade, “exerce posse em nome próprio há mais de catorze anos, e em nome de seus antepossuidores, há mais de cem anos, e, que assim exercida e mantida ininterruptamente, até à presente data, faculta ao autor a aquisição do direito correspondente à sua actuação sobre o imóvel, como proprietário, por usucapião, como se prevê no artigo 1287º do Código Civil”, para reconhecimento judicial da aquisição pelo Autor do direito de propriedade dos imóveis por usucapião, o mesmo teria de ser pedido em sede de petição inicial da acção, não o tendo sido, no caso em apreço, tendo o Autor formulado, tão só, os pedidos que supra se indicam, designadamente: - que a) Seja declarada nula de nenhum efeito a escritura lavrada no dia 25 de Novembro de 2014, de folhas 74 a folhas 75 verso, do livro … do Cartório Notarial, da Notária A. C., com Cartório na Rua …, Cidade do Porto; b) Seja decretado o cancelamento da inscrição de aquisição de 1/2, a favor da ré, efectuada pela apresentação número n.º … de 25 de Novembro de 2014, que incide sobre o prédio …/19920825 da freguesia de …, da Conservatória do Registo Predial; pedidos estes que em nada correspondem á alegada titularidade do imóvel por parte do Autor, ainda, não beneficiando o Autor da presunção do registo decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial, de que beneficia a 2ª Ré G. M..
Com efeito, como decorre do art.º 1287º do Código Civil a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, “faculta” ao possuidor, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião; dispondo o art.º 1288º, do citado código, que “ invocada” a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse, e, nos termos do art.º 1289º-n.º1, a usucapião “aproveita” a todos os que podem adquirir.
Assim, dos indicados preceitos legais decorre que a aquisição de um direito por usucapião é uma “ faculdade” concedida por lei ao possuidor, nos termos das normas legais regulamentadoras de tal instituto jurídico, e que carece de ser invocada e pedido o reconhecimento do direito em causa, não nascendo este “ope legis” na esfera jurídica do beneficiário por mero efeito da posse.
E, no caso em apreço, tal pedido de reconhecimento não se verificou, sendo totalmente inoperante à declaração do direito a mera alegação de factos correspondentes na causa de pedir ( a verificar-se ), ou os pedidos concretamente formulados na acção.
E, assim, o pedido pelo Autor formulado na acção, no sentido de ser declarada nula e de nenhum efeito a escritura lavrada no dia 25 de Novembro de 2014 e decretado o cancelamento da inscrição de aquisição de 1/2, a favor da Ré G. M. mostra-se manifestamente improcedente, não demonstrando o Autor legitimidade material ou substancial a ver declarada e apreciada a nulidade invocada, revelando-se, ainda, a falta de sentido útil ou possível da decisão que se visa obter, por via do presente recurso, como salientam já, e, bem, em nosso entender, os apelados em sede de contra-alegações de recurso, questionando estes: “O Autor pretende obter a declaração de nulidade do contrato de compra e venda da metade do prédio que o Réu H. M. vendeu à Ré G. M.. Admitindo que a acção fosse julgada procedente, qual a vantagem que o Autor tiraria da invalidade daquele contrato? A metade do prédio vendido voltaria à posse do Réu H. M. e ficaria tudo como dantes. Tal situação não teria qualquer reflexo no património do Autor. Aliás, o Autor não peticiona nada para si na injunção final da petição, como se lê a fls 8 verso e a fls 148 dos autos”, concluindo-se, porém, já, distintamente, pela improcedência material da acção, e não por verificação vício de índole processual gerador da absolvição da instância, que, ainda, a ter existido se julga ter-se sanado nos termos dos artº 198º e 200º e artº 278º-nº3 todos do Código de Processo Civil - “ Relativamente ao nº 3 do artº 278º citado, e conforme se declara no preâmbulo do Dec. Lei nº 180/96, de 25/9, que o introduziu na redacção da norma do anterior artº 288º, “ Razões de economia processual decorrentes da necessária prevalência das decisões de fundo sobre as de mera forma (...) levaram á consagração no nº3 do artº 288º, de um regime francamente inovador, segundo o qual a simples ocorrência de uma excepção dilátória não suprida não deverá conduzir irremediavelmente à absolvição da instância: assim se o pressuposto processual em falta se destinar à tutela do interesse de uma das partes, se nenhuma outra circunstância obstar a que se conheça do mérito e se a decisão a proferir dever ser inteiramente favorável à parte em cujo interesse o pressuposto fora estabelecido, faculta-se ao juiz o imediato conhecimento do mérito da causa” ( no mesmo sentido v. Lopes Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, vol I, anotação ao artº 288º, e, ainda, citando Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, pg. 83 e sgs. )
Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência dos fundamentos da apelação, mostrando-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo apelante, mantendo-se a sentença recorrida.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida
Custas pelo apelante

Guimarães, 16 de Novembro de 2017