Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
59/16.9T8MNC-B.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
BENFEITORIA
DIREITO DE RETENÇÃO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
“Face ao disposto no art. 860º/3 do CPC, quando a execução para entrega de coisa certa se baseie em sentença, os executados apenas poderão deduzir-lhe oposição com fundamento em benfeitorias e no inerente direito de retenção, caso não tenham tido a oportunidade de fazer valer esse direito na acção declarativa; se, na acção declarativa, não fizeram valer esse direito, apesar de terem tido oportunidade de o fazer, não poderão vir invocá-lo, posteriormente, em sede de oposição à execução, para paralisar os efeitos decorrentes da sentença condenatória que serve de base à execução e para obstar à imediata entrega da coisa que foi determinada por tal sentença, sendo irrelevante, para esse efeito, a circunstância de os executados terem instaurado, posteriormente, uma nova acção com vista ao reconhecimento daqueles direitos e com vista à condenação dos exequentes ao pagamento de indemnização pelas benfeitorias realizadas”.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 – RELATÓRIO

Manuel e mulher, I. P., deduziram embargos de executado(1) à execução para entrega de coisa certa movida por José e mulher, Maria, alegando, em síntese, que têm direito de retenção sobre o imóvel cuja entrega é peticionada, porquanto pretendem o pagamento de benfeitorias realizadas no mesmo, no valor de € 103.000,00.

Concluem, peticionando a “suspensão da execução até decisão final do processo com o nº 2988/17.3T8VCT, que corre termos no Juízo Central Cível de Viana do Castelo (J2); que seja decidido que os embargantes exercem legitimamente o direito de retenção sobre o imóvel e que seja ordenado aos exequentes que se abstenham de praticar actos de destruição dos bens e benfeitorias, perturbando o direito de retenção dos embargantes”.

Por despacho liminar de 10-01-2018, nos termos do art. 590º/1 do CPC, foram indeferidos os embargos de executado, por falta de fundamento legal.
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Inconformados com essa decisão, vieram os executados/embargantes interpor recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

1. Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do Código do Processo Civil e os artigos 423º e 425º do Código do Processo Civil resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção.
2. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.
3. Tal documento, extraviado há anos e só encontrado há poucos dias, configura por parte dos recorridos uma autorização expressa dada aos recorrentes para residirem no imóvel em causa nos autos, cuja junção só agora é possível.
4. Importa reter que o documento em causa só não foi junto antes pelos recorrentes (em seu claro e inequívoco benefício), por impossibilidade absoluta na sua localização, razão pela qual estes nem sequer o podiam referir, muito menos levar a juízo.
5. Na verdade, trata-se de um documento, que independentemente do seu nomen júri, na sua essência e conteúdo é um perfeito contrato de comodato.
6. Em tal contrato, os recorridos permitem e autorizam os recorrentes a habitar e usar o imóvel até à partilha dos seus bens, tendo em conta a especial relação de parentesco de pais e sogros dos recorrentes.
7. Assim, tendo em conta a sua relevância, e o facto de só agora ser possível a sua junção, requerem aos Venerandos Desembargadores, que seja admitida a junção aos autos do referido documento.
8. O presente recurso de Apelação é interposto da Sentença proferida nos autos que correm termos por apenso ao Processo Executivo nº 59/16.9 T8MNC-A, para entrega de coisa certa, decisão que indeferiu liminarmente os embargos deduzidos à execução por falta de fundamento legal.
9. Nos embargos deduzidos, os recorrentes invocam o seu direito de retenção do imóvel em causa, com base nas benfeitorias que ali realizaram.
10. Contudo, entendeu o Tribunal "a quo" que o pagamento de tais benfeitorias não havia sido reclamado oportunamente pelos recorrentes na acção principal, (como o não foi de verdade), apesar da sua referência e valoração num contexto de enriquecimento do imóvel que então reclamavam seu.
11. Assim, o recurso agora interposto pelos executados/embargantes visa tão só que este alto Tribunal da Relação de Guimarães aprecie e decida da admissibilidade dos embargos tempestivamente deduzidos, alterando a decisão proferida pelo Tribunal "a quo" e ordenando o prosseguimento dos autos, ou então, ao contrário, mantenha a decisão de indeferimento liminar dos embargos deduzidos por falta de fundamento legal, previsto no disposto no artigo 860º nº 3 do Código do Processo Civil.
12. Os recorrentes/embargantes são o genro e a filha dos embargados e residem há mais de 30 anos num imóvel composto de logradouro e casa de habitação com rés-do-chão e andar situado na Estrada …, na Freguesia de …, Concelho de Monção, o que fizeram com autorização expressa dos embargados que assim o autorizaram, tendo até em conta os laços familiares existentes.
13. No referido imóvel os recorrentes decidiram investir todas as suas economias, construindo e reconstruindo a exígua habitação original, efectuando obras avultadas, realizadas à vista de todos, principalmente dos recorridos que as acompanharam diariamente e nelas consentiram sem qualquer proibição ou reparo.
14. Os recorridos sempre fizeram crer que aos recorrentes, durante mais de 30 anos, que estes podiam ali residir com a promessa sempre adiada de doação, para agora os expulsarem do imóvel com a clara intenção de enriquecer à custa destes, fazendo suas as benfeitorias.
15. Por decisão deste Tribunal da Relação de Guimarães, proferida no Processo nº 59/16.9T8MNC.G1 e já transitada em julgado, os recorrentes foram condenados a entregar o imóvel aos recorridos, o que farão com prontidão, logo que seja decidida a questão em aberto das benfeitorias.
16. No referido Acórdão ficou assente que os recorrentes fizeram diversas benfeitorias num correlativo enriquecimento dos embargados sem causa que o justifique, que os recorridos se recusam agora pagar.
17. Assim, perante a posição e intransigência dos recorridos, outra solução não restou aos embargantes se não intentar a acção adequada que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, no Juízo Central Cível de Viana do Castelo - Juiz 2, no Processo nº 2988/17.3T8VCT, na qual manifestaram intenção de exercer o seu direito de retenção enquanto os recorridos não pagarem o valor das benfeitorias.
18. Na verdade, sem outros meios económicos e financeiros, os recorrentes estão obrigados a viver "debaixo da ponte" porque não podem operar a mudança de habitação e consequentemente entregar o imóvel aos recorridos.
19. São estes os factos nos quais assenta o direito dos recorrentes ao pagamento das benfeitorias por via do instituto do enriquecimento sem causa, fundamento para o direito de retenção invocado nos embargos deduzidos.
20. Refere o artigo 860º nº 1 do CPC que o executado pode deduzir oposição à execução com fundamento nas benfeitorias a que tenha direito.
Acrescenta o nº 3 do referido normativo que "a oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em Sentença, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas."
21. Sabe o embargante que a jurisprudência dominante entende que tal reivindicação do pagamento das benfeitorias deve ser feita na acção da qual emerge a decisão que se dá à execução.
22. Contudo, salvo melhor opinião por douto entendimento, entendem os recorrentes que quando foi dada à execução a Sentença proferida, estes haviam intentado já a acção declarativa autónoma com base no instituto do enriquecimento em causa, fazendo assim valer, oportunamente, o seu direito a tais benfeitorias.
23. Sem que se pretenda a impertinência de dar lições de direito aos Venerandos Desembargadores, cujo saber superior é inquestionável, importa referir o seguinte:

Também sobre o direito de retenção, que o artigo 754º do Código Civil refere o seguinte:

"O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados."

No mesmo sentido refere o artigo 755º, nº 1 alínea e) do Código Civil que:

e) O depositário e o comodatário, sobre as coisas que lhes tiverem sido entregues em consequência dos respectivos contratos, pelos créditos deles resultantes;
24. Na verdade, na acção principal, os embargantes relacionaram as benfeitorias na sua contestação, não peticionando o seu pagamento, convictos que estavam do seu direito de propriedade sobre o imóvel.
25. Nem se suscitava a questão da formulação de um pedido alternativo na convicção da existência do direito, fundado até nos documentos escritos com declarações tranquilizadores por parte dos recorridos.
26. Nesse sentido, tendo em conta que os recorrentes fizeram valer oportunamente o seu direito à indemnização por benfeitorias em acção autónoma, deve ser admitida a oposição à presente execução.
27. Em defesa da dignidade dos ora Recorrentes a uma condigna habitação e atendendo que os mesmos sempre residiram naquele imóvel e cumpriram com as suas obrigações legais e, máxime, face aos mesmos não deterem condições para poder mudar-se para outra habitação deve o Tribunal constituí-los arrendatários do imóvel com renda compatível com o mercado.
28. Com efeito, ficou provado nos autos que os recorridos vivem e possuem uma outra habitação própria sem necessidade do imóvel onde vivem os recorrentes.
29. Por outro lado, em diversos documentos escritos e assinados, nos quais se encontrava o que se junta em anexo, os recorridos autorizam os recorrentes a habitar no imóvel.
30. Em total respeito com a Lei fundamental, conforme o estatuído no art. 65º nº 1 da CRP, deve o Tribunal, para a garantia e defesa da validade do direito permitir, aos ora recorrentes que a estes seja arrendado o imóvel em apreço melhor identificadas no requerimento executivo.
31. Dispõe no nº 1 do artº 65 que todos têm direito para si e para a sua família a uma habitação, de dimensão adequada ... e os recorrentes não têm outra, nem meios económicos para a adquirir ou sequer possibilidade de pedir um empréstimo para esse fim.
32. Salvo melhor por douta opinião contrária, a Sentença recorrida entre outras, violou o artigo 65º nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa.
33. A douta Sentença ao indeferir liminarmente a oposição à execução e consequente entrega imediata é manifestamente inconstitucional por violar a Constituição da Republica Portuguesa no citado preceito.
34. Deve ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência:

a) Ser revogada a douta sentença proferido pelo Tribunal "a quo",
b) Ser admitida a oposição deduzida pelos recorrentes.
35. A douta Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 754º e 755º, nº 1 alínea e) do Código Civil; artigo 860º nº 1 e 3 do Código do Processo Civil; e artigo 65º nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa.

Nestes termos e no mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por decisão em
conformidade com as conclusões e a fundamentação das mesmas contidas nestas alegações.

Assim se Fazendo Justiça.
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Notificados do recurso interposto pelos executados/embargantes, os exequentes responderam à alegação dos recorrentes, pugnando pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida.
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A Exmª Juíz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, estes entendem não ter sido acertada a tese seguida na decisão recorrida, isto é, que a reivindicação do pagamento das benfeitorias deve ser feita na acção da qual emerge a decisão que se dá à execução. Contrapondo que tendo em conta que os recorrentes fizeram valer oportunamente o seu direito à indemnização por benfeitorias em acção autónoma, deve ser admitida a oposição à presente execução.

Assim, a questão a decidir consiste em aferir se a decisão em causa deve ser revogada e substituída por outra, nos termos pedidos pelos recorrentes.
Diga-se ainda que, para além das conclusões das alegações 8. a 26. que se referem à aludida questão a decidir, nas conclusões 1. a 7. referem-se como questão prévia à junção de um documento nunca antes referido porque extraviado há anos e só encontrado há poucos dias e que seria apto a modificar a decisão recorrida (não se entendendo a que decisão se referem) e nas conclusões 27. a 33. referem-se ao direito constitucional à habitação, pretendendo que o Tribunal os constitua arrendatários do imóvel com renda compatível com o mercado. Tratando-se de questões novas, nunca antes sujeitas a contraditório nem abordadas nos articulados das diversas acções instauradas pelas partes, estando em execução no processo a que estes embargos correm por apenso uma sentença já transitada em julgado, não é o presente recurso o meio próprio para se discutir estas questões. Não se ignorando também que tendo estado em causa um indeferimento liminar, os exequentes não chegaram a ser notificados para contestar os embargos. Não visando os recursos criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” (2).
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, para os quais se remete.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Entendem os recorrentes não ter sido acertada a tese seguida na decisão recorrida, já que os recorrentes fizeram valer oportunamente o seu direito à indemnização por benfeitorias em acção autónoma, tendo intentado acção declarativa autónoma com base no instituto do enriquecimento em causa antes dos exequentes terem dado à execução a sentença proferida. E isto apesar de saberem que a jurisprudência dominante entende que tal reivindicação do pagamento das benfeitorias deve ser feita na acção da qual emerge a decisão que se dá à execução.
Ora, antecipando desde já a decisão, assumimos estar com a referida jurisprudência dominante. Pelo que iremos seguir de perto o expendido no Ac. da RC de 16-06-2015 (3), que foi invocado na decisão recorrida e relativa a uma situação similar.

Em causa está uma execução para entrega de coisa certa, baseada em sentença, à qual os executados vieram deduzir oposição com fundamento em benfeitorias que haviam realizado no imóvel cuja entrega era pedida e no direito de retenção que alegadamente lhes assistia, por força dessas benfeitorias.
A decisão recorrida indeferiu liminarmente os embargos de executado, por falta de fundamento legal, considerando, face ao disposto no art. 860º do CPC, que, baseando-se a execução em sentença, era na acção declarativa que os executados deveriam ter feito valer o seu direito emergente das benfeitorias e que, não o tendo feito, não poderiam agora invocar tais benfeitorias para se opor à execução.

Os apelantes insurgem-se contra essa decisão, dizendo, em primeiro lugar, que já havia sido dado por assente na acção declarativa que os recorrentes haviam feito diversas benfeitorias no imóvel cuja entrega está em causa, e, em segundo lugar, que a decisão recorrida não tomou em consideração a circunstância de os apelantes terem intentado antes da instauração da acção executiva pelos exequentes uma nova acção declarativa onde reclamam o seu direito às benfeitorias e o reconhecimento do seu direito de retenção sobre o imóvel enquanto o seu valor não for pago.

Vejamos então esses assuntos.

No que toca à execução para entrega de coisa certa (como é aqui o caso), determina o nº 1 do art. 860º do CPC que “o executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos especificados nos artigos 729º a 731º, na parte aplicável, e com fundamento em benfeitorias a que tenha direito”. Mas, determina o nº 3 da norma citada que “a oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas”.
É certo, portanto, que, quando a execução se baseia em sentença condenatória (como é aqui o caso), não é admitida oposição à execução com fundamento em benfeitorias quando o executado não tenha feito valer, oportunamente, o seu direito a elas e tal não poderá deixar de significar que o executado não poderá invocar, para efeitos de oposição à execução da sentença, quaisquer benfeitorias que, não obstante ter a oportunidade de o fazer, não tenha invocado na acção declarativa onde foi proferida a sentença.

Ao preceituar nesses termos, pretendeu o legislador adoptar para este fundamento de oposição, que é específico da execução para entrega de coisa, a regra ou doutrina que já havia estabelecido no art. 729º/1, g), segundo a qual, sempre que a execução seja baseada em sentença, é na acção declarativa que o réu deve invocar os fundamentos de que disponha para se opor à pretensão do autor, sob pena de não os poder invocar em sede de oposição à execução que, com fundamento nessa sentença, venha a ser instaurada.

O disposto no citado art. 729º/1, g) encontra a sua justificação no respeito devido ao caso julgado formado pela sentença e no âmbito do qual se devem considerar abrangidos todos os meios de defesa – designadamente as excepções – que podiam ter sido invocados, ainda que o não tenham sido (cfr. princípio da concentração da defesa (4)). Com efeito, tendo em conta o disposto no art. 573º – segundo o qual toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado, bem como as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que se deva conhecer oficiosamente –, impõe-se concluir que, em relação à pretensão formulada pelo autor e eventualmente considerada procedente na sentença, ficam precludidos, quer na acção, quer fora dela, todos os meios de defesa que o réu tenha invocado ou pudesse ter invocado contra ela (5) e esse efeito preclusivo de alegação dos meios de defesa que podiam e deviam ter sido deduzidos na contestação tem sido integrado, pela doutrina, no caso julgado, por se entender que o caso julgado abrange não só aquilo que foi objecto de controvérsia na acção, mas também os assuntos ou factos que o réu tinha o ónus de trazer à colação (6).

É certo que essa justificação não procederá inteiramente relativamente ao direito de indemnização por benfeitorias que, configurando um direito com existência autónoma, não se extingue pela mera circunstância de não ter sido invocado em determinada acção; tal direito não fica abrangido pelo caso julgado formado pela decisão proferida numa acção onde ele não foi invocado e, portanto, o seu exercício não ficará precludido pelo facto de não ter sido invocado na acção declarativa onde era pedida a entrega da coisa onde foram realizadas tais benfeitorias.

Importa notar, de qualquer forma, que a relevância das benfeitorias, enquanto meio de oposição à execução para entrega de coisa certa, se reconduz, no essencial, ao direito de retenção que, por regra, lhe anda associado (art. 754º do CC), já que é este direito – e não a mera existência de um direito de indemnização por benfeitorias – que tem a virtualidade de obstar à entrega imediata da coisa cuja entrega está a ser pedida na execução. E, nesta medida, justifica-se que, tal como acontece com as demais excepções, o executado não possa invocar esse direito em sede de oposição à execução, quando podia tê-lo invocado na acção declarativa, no sentido de paralisar (pelo menos em termos imediatos) o direito do autor e evitar que fosse proferida sentença que o condenasse, sem consideração de qualquer direito de retenção decorrente da existência de um direito de indemnização por benfeitorias, a entregar de imediato a coisa de que era detentor. E, se não o fez, nessa altura, não será legítimo que venha depois invocar esse direito para obstar à execução da sentença que foi proferida.

Poder-se-á entender – é certo – que, ao admitir a possibilidade de oposição, neste tipo de execução, com fundamentos em benfeitorias, o legislador não terá pretendido limitar-se aos casos em que elas atribuem um direito de retenção, uma vez que não o disse expressamente (embora nos pareça que, inexistindo direito de retenção, tal oposição não será susceptível de impedir a efectiva entrega do imóvel e, como tal, não traduzirá uma verdadeira oposição à execução). Mas, seja como for, o que estaria em causa seria sempre o reconhecimento e a definição de um direito de indemnização por benfeitorias que o legislador entendeu apenas poder ter lugar em sede de oposição à execução quando o executado não tenha tido a oportunidade de o invocar em prévia acção declarativa, em virtude de os factos em que ele assenta serem supervenientes relativamente ao momento em que aí poderia ser exercido.

Conclui-se, portanto, face ao disposto no art. 860º/1 e 3 do CPC, que, quando a execução para entrega de coisa certa se baseie em sentença, o executado apenas poderá deduzir-lhe oposição com fundamento em benfeitorias e no inerente direito de retenção, caso não tenha tido a oportunidade de fazer valer esse direito na acção declarativa; se, na acção declarativa, não fez valer esse direito, apesar de ter tido oportunidade de o fazer, não poderá vir invocá-lo, posteriormente, em sede de oposição à execução, para paralisar os efeitos decorrentes da sentença condenatória que serve de base à execução e obstar à imediata entrega da coisa que foi determinada por tal sentença (7).

Ora, parece não haver dúvidas que os executados, ora apelantes, não fizeram valer, oportunamente (ou seja, na acção declarativa), o seu direito a benfeitorias, porquanto, não invocaram aí qualquer direito relativamente a benfeitorias realizadas, não reclamaram aí qualquer indemnização a esse título e não invocaram o direito de retenção decorrente desse direito. E tiveram oportunidade de o fazer, já que, como decorre das suas alegações de recurso, foi dado por assente na acção declarativa que os recorrentes haviam feito diversas benfeitorias no imóvel cuja entrega está em causa, donde decorre que tais benfeitorias já existiam à data e, portanto, já estavam verificados os pressupostos que eram necessários para fazer valer os direitos delas emergentes. Mas, não obstante terem deduzido reconvenção, os executados limitaram-se a pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel em causa, bem como o pagamento de indemnização por danos morais, sem que tenham pedido – e podiam tê-lo feito, a título subsidiário – o reconhecimento de qualquer direito emergente de benfeitorias, e apesar de alegarem terem efectuado benfeitorias no prédio em causa e discriminarem as obras feitas e os valores das mesmas, não efectuaram qualquer pedido de pagamento do crédito relativo às referidas benfeitorias e o inerente direito de retenção para o efeito de paralisar e impedir (em termos imediatos) a pretensão dos ali autores (ora exequentes) que se reconduzia à condenação dos executados a entregar o imóvel em questão.

E, se não fizeram valer, na acção declarativa, o seu direito por benfeitorias realizadas, também não poderão fazê-lo agora, em sede de oposição à execução, como decorre do disposto no já referido art. 860º/3.
E, ao contrário do que sustentam os apelantes, essa conclusão não é afectada pela circunstância de terem instaurado, entretanto, uma nova acção com vista ao reconhecimento do seu direito a benfeitorias e do direito de retenção e com vista à condenação dos réus (aqui exequentes) ao pagamento do respectivo valor.

Com efeito, na interpretação que temos por correcta do citado art. 860º/3 o que releva, para efeitos de inadmissibilidade da oposição à execução com fundamento em benfeitorias, é a circunstância de os executados, não obstante terem a oportunidade de o fazer, não terem feito valer esse direito na acção declarativa em que foi produzido o título executivo (sentença) que serve de base à execução ou em anterior acção que, à data, se encontrasse pendente ou já decidida. Assim, se tinham a oportunidade de fazer valer esse direito nessa acção declarativa – seja pela efectiva reclamação do direito, seja pela invocação de decisão anterior já proferida ou pendência de acção com esse objectivo – e se não o fizeram, tanto basta para que não possam opor-se à execução com esse fundamento, sendo totalmente irrelevante, para esse efeito, a circunstância de terem instaurado, entretanto, outra acção com o objectivo de fazer valer esse direito.

Nesta conformidade improcedendo o recurso.
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

Face ao disposto no art. 860º/3 do CPC, quando a execução para entrega de coisa certa se baseie em sentença, os executados apenas poderão deduzir-lhe oposição com fundamento em benfeitorias e no inerente direito de retenção, caso não tenham tido a oportunidade de fazer valer esse direito na acção declarativa; se, na acção declarativa, não fizeram valer esse direito, apesar de terem tido oportunidade de o fazer, não poderão vir invocá-lo, posteriormente, em sede de oposição à execução, para paralisar os efeitos decorrentes da sentença condenatória que serve de base à execução e para obstar à imediata entrega da coisa que foi determinada por tal sentença, sendo irrelevante, para esse efeito, a circunstância de os executados terem instaurado, posteriormente, uma nova acção com vista ao reconhecimento daqueles direitos e com vista à condenação dos exequentes ao pagamento de indemnização pelas benfeitorias realizadas.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
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Guimarães, 10-05-2018

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Maria Cristina Cerdeira)



1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Monção – Juízo C. Genérica
2. Neste sentido, vd. o Ac. do STJ de 22-02-2017, prolatado no proc. n.º 1519/15.4T8LSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj.nsf.
3. Prolatado no proc. n.º 967/15.4T8PBL-A.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.nsf.
4. O princípio da concentração da defesa na contestação implica que todos os meios de defesa contra a pretensão devem ser deduzidos na contestação, salvo os casos de defesa superveniente. Por via de tal princípio, apresentada a contestação, fica, a partir desse momento, precludida a invocação de outros meios de defesa, designadamente excepções, mesmo no caso de suprimento, esclarecimento ou aditamento (ou respectivas respostas) aos articulados, previstos no art. 590º nº 4 e 5 CPC, uma vez que se trata de complementos dos articulados.
5. Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 713, nota 2.
6. Cfr. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, págs. 178 a 186 e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 324.
7. Vejam-se, a propósito, o Acórdão do STJ de 19/10/99, processo nº 99A673 os Acórdãos da Relação do Porto de 19/11/2009, 03/12/1997 e 02/07/1997, proferidos nos processos nº 144-B/2001.P1, 9820585 e 9830348, respectivamente; o Acórdão da Relação de Évora de 17/03/2011, proc. nº 449/06.5TBEVR-B.E1 e Acórdão da Relação de Guimarães de 23/10/2014, processo nº 917/13.2TBGMR-A.C1.