Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
224/09.5TBBRG.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: EXECUÇÃO
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
INÉRCIA DAS PARTES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- O artigo 3º, nº 1), do Decreto-Lei 4/2013, de 11/01, que determina a extinção da instância executiva em face da inércia das partes em promover o andamento do processo, é baseado na ideia de presunção de abandono da instância processual pelas pessoas oneradas com o impulso processual e pelo interesse público da não duração indefinida dos processos.
II- O prazo aí previsto inicia-se e decorre por exclusivo efeito da paralisação do processo, por inércia da parte, ou seja, opera op legis, sendo, por isso, desnecessário que, jurisdicionalmente, e de modo expresso, se ajuíze e aquilate da existência da mencionada incúria.
III- Em virtude do poder de direcção do processo e do princípio do inquisitório (art. 265º, do CPC), não pode o tribunal omitir ou deixar de se pronunciar sobre uma qualquer diligência que, por qualquer das partes, lhe seja requerida, considere-a ou não fundada e pertinente.
IV- O preenchimento da causa de extinção da instância executiva assenta e pressupõe que os autos estejam a aguardar um impulso processual cuja iniciativa caiba ao exequente e que este esteja ciente da necessidade de tal iniciativa, sendo que, fora desse duplo condicionalismo, não é possível concluir pela inércia do exequente, legitimadora do preenchimento da presunção de desinteresse e abandono da instância, subjacente a este normativo.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – Relatório.
Recorrente: B…, S.A..
Recorridos: C… e esposa, D…..
Tribunal Judicial de Braga - 4º Juízo.

Por despacho proferido a fls. 191, e com fundamento no decurso do respectivo prazo sem que se tenha verificado o impulso processual da Exequente, foi declara extinta a presente instância executiva.
Através de requerimento apresentado a fls. 197 e seguintes, veio a Exequente requerer a aclaração e reforma do aludido despacho, com os fundamentos aí invocados, tendo sobre tal requerimento recaído o despacho de fls. 205, que, indeferindo esse requerimento, manteve, nos seus precisos termos, aquele despacho em que se declarou extinta a instância.
Dessa decisão interpôs a aqui Recorrente recurso, recebido por despacho de 24/09/2013, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Em 27/05/2011 apresentou o agravante as respectivas alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:
“1. A B… instaurou a presente execução para pagamento de quantia certa, com processo comum, contra D… e C… para haver deles a quantia de € 10.869,32, acrescida de juros vincendos desde 30 de Dezembro de 2008 até efectivo e integral pagamento.
2. No âmbito do presente processo de execução foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra “F”, descrita na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Braga sob o n.º …/São Vítor-“F” e inscrita na respectiva matriz sob o art. ….º-“F”, hipotecada para garantia da dívida dada à execução.
3. A 28 de Junho de 2011 realizou-se diligência de abertura das propostas em carta fechada apresentadas com vista à aquisição do bem em apreço.
4. Certo é que, por não ter sido apresentada qualquer proposta, foi determinado que o processo de venda seguisse a modalidade de venda por negociação particular, nos termos do n.º2 do art. 895.º do CPC (na redacção que lhe era dada pelo Decreto-Lei n.º 44 129 de 28 de Dezembro de 1961).
5. Para o efeito, foi designada encarregada de venda a Agente de Execução em exercício de funções.
6. Que, por sua vez, chamou a sociedade “N… – Sociedade de Leilões do Norte” ao exercício de tais funções.
7. Era precisamente esta a fase processual em que os presentes autos se encontravam, quando foi proferido o despacho objecto de sindicância, mediante o qual se determinou a extinção da presente instância executiva ao abrigo e nos termos do art. 3.º/n.º1 do Decreto-Lei n.º 4/2013 de 11 de Janeiro.
8. Não podemos concordar com tal apreciação, a qual, salvo o devido respeito, faz errónea interpretação e aplicação do art. 3.º/n.º1 do Decreto-Lei n.º 4/2013 de 11 de Janeiro.
9. Da articulação do preceito legal vindo de aludir com o relatório do Diploma Legal em que se insere, decorre que a extinção dos processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa, nos termos do art. 3.º/n.º1 do Decreto-Lei n.º 4/2013 de 11 de Janeiro, supõe que os autos estejam a aguardar um impulso processual cuja iniciativa caiba ao Exequente e que este esteja ciente da necessidade de tal iniciativa.
10. Com efeito, e tal qual se conclui no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02 de Maio de 2013 (proc. n.º 30638/05.3YYLSB.L1-2, disponível in www.dgsi.pt) consideramos que «(...) fora desse duplo condicionalismo, não é possível concluir pela inércia do exequente, assim legitimadora do tal “juízo acerca do interesse no próprio processo”» (sublinhado nosso).
11. Revertendo ao caso dos autos, temos que os mesmos se encontravam na fase de venda do bem imóvel aqui penhorado mediante negociação particular.
12. Fase essa, diga-se, absolutamente alheia à iniciativa e impulso da aqui Exequente.
13. Não incumbe à Exequente, ora Recorrente, promover a venda do imóvel aqui visado, nem tão pouco é obrigação sua apresentar proposta com vista à respectiva aquisição.
14. Forçoso é, portanto, concluir que no caso dos autos não era, como não é, exigível à aqui Exequente, sobre quem não recai o ónus de diligenciar pela venda do imóvel penhorado nos autos que, sponte sua, tome qualquer iniciativa que conduza ao alcançar de tal fito.
15. Acresce que, tendo o valor mínimo de venda do imóvel aqui penhorado sido fixado em € 18.200,00 (dezoito mil e duzentos euros), tão pouco se poderia exigir à aqui Exequente que peticionasse o prosseguimento dos autos com a penhora de outros bens, dada a impossibilidade legal suscitada pelo n.º 1 do art. 835.º do CPC (na redacção que lhe era dada pelo Decreto-Lei n.º 44 129 de 28 de Dezembro de 1961).
16. Em suma, e diversamente do julgado no despacho aqui sindicado, entendemos que não cobrava aplicação, no caso sub iudice, o disposto no art. 3.º/n.º1 do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro.
17. A decisão recorrida perfilha-se, assim, como redutora e totalmente desprovida de critérios de aplicação da lei e de interpretação jurídica, resultando numa solução material onerosa e desproporcionadamente onerosa para a B... que vê, por conta da não prática de um acto/impulso que não é devido, nem se adivinha qual se configure ser, a execução por si instaurada, e em que tem absoluto interesse, extinta.
18. É, pois, violadora da disposição legal constante do n.º1 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2013 de 11 de Janeiro, devendo, por isso, ser substituída por outra que determine o prosseguimento da execução e, bem assim, que determine a reposição do registo de penhora realizado à ordem destes autos (Ap. 3283 de 2010/09/14), caso o mesmo venha, entretanto, a ser cancelado.”
Os Agravados não apresentaram contra-alegações.
A Mmª. Juiz manteve o despacho recorrido.

II – Delimitação do objecto do recurso - questões a apreciar.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 685º-A, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
Circunscreve-se a questão a decidir à questão de saber se existe ou não a causa que serviu de fundamento à declaração de extinção do presente processo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentação.
Fundamentação de facto.
O despacho recorrido contém a matéria de facto já demonstrada nos autos, razão pela qual se procede à sua transcrição:
- A 25/06/2013, foi proferido o seguinte despacho:
“Nos presentes autos não é praticada qualquer diligência executiva há mais de seis meses.
Por outro lado, não foi dado impulso processual pelo exequente.
Por isso, com a entrada em vigor do Dec.-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro, encontram-se verificados os requisitos para a extinção da instância, nos termos do seu art. 3º, n.º 1.
Assim, declaro extinta a instância.
(…)
- A 12/07/2013, foi proferido o seguinte despacho:
“Não foi proferido despacho judicial sobre o requerimento apresentado pela exequente a solicitar o prosseguimento da venda por negociação particular porque não foi requerida a prática de qualquer acto da competência do juiz de execução.
Tal requerimento foi notificado ao agente de execução, competente para as diligências de venda.
Por outro lado, com o devido respeito por opinião diferente, não pode entender-se que o simples requerimento a pedir o prosseguimento das diligências de venda possa ser compreendido como capaz de dar impulso processual num processo onde não está demonstrada a prática de qualquer diligência de venda desde Julho de 2011, sendo as únicas informações prestadas pelo agente de execução com o seguinte teor: “aguardam os autos a apresentação de propostas para a aquisição do imóvel penhorado”.
Mantém-se assim o despacho que declarou a extinção da instância, com os mesmos fundamentos – a instância está parada há mais de seis meses e não foi dado impulso processual, capaz de fazer prosseguir a instância.
Indefere-se assim o requerido.
(…)
- No âmbito do presente processo de execução foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra “F”, descrita na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Braga sob o n.º …/São Vítor-“F” e inscrita na respectiva matriz sob o art. ….º-“F”.
- A 28 de Junho de 2011 realizou-se diligência de abertura das propostas em carta fechada apresentadas com vista à aquisição do bem em apreço.
- Por não ter sido apresentada qualquer proposta, foi determinado que o processo de venda seguisse a modalidade de venda por negociação particular.
- Para o efeito, foi designada encarregada de venda a Agente de Execução em exercício de funções, que, por sua vez, chamou a sociedade “N… – Sociedade de Leilões do Norte” ao exercício de tais funções.
- Na sequência de notificação que lhe foi efectuada, a 06/02/2012, a Agente de Execução veio aos autos informar o seguinte:
“(…) Aguardam os autos a apresentação de propostas para a aquisição do imóvel penhorado no âmbito do presente processo.”
- Na sequência de notificação que lhe foi feita, a 04/05/2012, a Agente de Execução veio aos autos informar o seguinte:
“(…) Aguardam os autos a apresentação de propostas para a aquisição do imóvel penhorado no âmbito do presente processo.”
- Em 25/10/2012, foi a Exequente notificada:
- Do teor da informação da Agente de Execução, de 04/05/2012, onde a mesma referia que ”aguardam os autos a apresentação de propostas para a aquisição do imóvel penhorado (…)”;
- E ainda para, sem prejuízo do disposto no artigo 285, do C.P.C., vir requerer o que tiver por conveniente.
- Na sequência dessa notificação, a 25/10/2012, veio a Exequente apresentar requerimento com o seguinte teor:
“A B…, S.A., (…) vem aos autos de processos identificados em epígrafe, em que é Exequente, e em face da notificação que antecede, requer prossigam os presentes autos com a venda por negociação particular do bem imóvel aqui penhorado por um período adicional de 120 dias.”
- Na sequência de nova notificação efectuada, a 05/11/2012, a Agente de Execução veio aos autos informar o seguinte:
“(…) Aguardam os autos a apresentação de propostas para a aquisição do imóvel penhorado no âmbito do presente processo.”
- Em 12/02/2013, 13/03/2013 e 8/06/2013, a Agente de Execução informou no processo o seguinte:
“Diligência de venda em curso.
Estão em curso as diligências para a venda de bens penhorados.”
Fundamentação de direito.
Como é consabido, através da acção executiva a ordem jurídica concede ao credor de prestação não satisfeita a faculdade de satisfazer o interesse patrimonial correspondente ao seu direito (art. 4º, nº 3 do C.P.C.) [1], consistindo a sua primordial finalidade na obtenção do interesse patrimonial contido na prestação não cumprida, sendo o seu objecto, sempre (e apenas) um direito a uma prestação[2].
Ora, como supra se referiu, nos presentes autos, a questão a decidir circunscreve-se à de saber se se verifica ou não a existência do fundamento que alicerçou o proferimento do despacho de extinção da presente instância executiva, por falta de impulso processual.
E, para declarar extinta a presente execução considerou-se no despacho impugnado encontrar-se verificada a situação prevista no artigo 3, nº 1, de Decreto-Lei 4/2013, de 11/01, no qual se prescreve que “os processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa que se encontrem a aguardar impulso processual do exequente há mais de seis meses extinguem-se”.
À semelhança do que sucede com os regimes plasmados nos artigos 285 e 291, do Código de Processo Civil, que determinam a interrupção e a deserção da instância, respectivamente, também este dispositivo é inspirado pela ideia de presunção de abandono da instância processual pelas pessoas oneradas com o impulso processual e pelo interesse público da não duração indefinida dos processos, em face da constatada, reiterada e prolongada inércia das partes em promover o seu andamento.
Referindo-se à deserção da instância, que, como é sabido, também ocorre por virtude de o processo se encontrar parado por inércia total da parte, já Alberto dos Reis encontrava a sua justificação em função da necessidade de se não manter indefinidamente parados nos tribunais, como um congelador, inúmeros processos em relação aos quais as próprias partes se tinham desinteressado.[3]
E, assim sendo, com total pertinência, poderão colocar-se, com relação ao regime de extinção da instância previsto no citado dispositivo legal, questões idênticas àquelas que se colocaram com relação aos requisitos necessários à extinção da instância por deserção, dada a analogia de situações.
Dúvidas, no entanto, não podem restar de que, à semelhança do que sucede com a deserção da instância – que também opera pelo decurso do tempo - para que estejamos perante esta causa de extinção da instância executiva - por falta de impulso processual -, necessário se torna também que se conclua pela existência de revelada incúria de modo que as partes possam verificar, inequivocamente, que ocorreu no processo este desleixo na acção e que a parte a quem se atribui este descuido merece a punição prescrita na lei.
Como incontroverso se nos afigura igualmente que, contrariamente ao que sucede com a interrupção da instância, em que, por decorrência do disposto no artigo 285, do C.P.C., se sanciona apenas a paragem imputável às partes, e, portanto, se manifesta necessário e imprescindível que, jurisdicionalmente, se ajuíze e aquilate da existência da mencionada incúria, que, assim, opera op judicis, nesta causa de extinção - prevista no citado artigo 3, do D.L.4/2013 - não se verifica a necessidade de que esta circunstância processual - a inércia ou incúria processual - seja acolhida por despacho, porquanto, e à semelhança do que sucede com a deserção da instância, ela é automaticamente conferida – operando op legis - quando o processo está paralisado por inércia total da parte, encontrando o seu fundamento “na especificada particularidade de que não tem sentido que os termos da acção possam sobrestar na sua prossecução, interrompidos no armário da secretaria do tribunal, em contradição com a fogosidade da hodierna sociedade, a justificar cada vez maior implementação e dinamismo social.[4]
Na verdade, e à semelhança do que tem sido entendimento maioritário e, actualmente, praticamente pacífico, com relação à interrupção da instância, em situações como a presente, para que se verifique a extinção da instância bastará tão-somente constatar a existência de incúria processual, pois que, como impressivamente se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.02.2009 – a propósito da interrupção –[5], “o despacho de interrupção visa apurar e declarar se o prazo … já decorreu, acompanhado de negligência da parte onerada com o impulso processual em promover os termos do processo ou os de algum incidente de que dependa o seu andamento, limita-se a declarar a verificação dos requisitos da interrupção, … constata que esta já se produziu antes dele, … não constituindo … elemento constitutivo do instituto da interrupção da instância, nem sendo … o ponto de partida para contagem do prazo de interrupção de dois anos conducente à deserção”. Por conseguinte, nesta tese, como se assinala no Acórdão desta secção de 2005 acima referido, a interrupção da instância verifica-se “não quando é proferido o despacho (a declará-la), mas logo que termina o prazo de um ano previsto no respectivo normativo legal (artº 285º). Por outras palavras: a omissão do despacho a declarar interrompida a instância não evita o decurso do prazo dessa interrupção”.
Assim se constata que, mesmo nestas situações, para que se verifique a deserção bastará, tão-somente, o decurso do período de tempo assinalado na citada norma, independentemente de qualquer decisão judicial, operando, por consequência, a deserção, sem necessidade de prolação de decisão judicial que a reconheça.
Mas, e contrariamente do que sucede com a deserção da instância, cujo regime fixado no artigo 291, do C.P.C., que prescreve como pressupostos da sua verificação que a instância “esteja interrompida durante dois anos”, o artigo 3, do D.L. 4/2013, de 11/01, não prevê um regime idêntico para a extinção da instância executiva, limitando-se a prescrever que a instância se extingue, se o processo se encontrar a aguardar o impulso processual do exequente por mais de seis meses.
Destarte, à evidência se constata que, nesta última situação, para produção dos efeitos extintivos, releva apenas o decurso do período de tempo prescrito na norma, sem necessidade de verificação de qualquer outro pressuposto, designadamente, o proferimento e notificação de qualquer despacho, não se afigurando, por isso, sequer de grande pertinência, colocar a questão, para esta situação, nos mesmos moldes supra descritos e em que foi jurisprudencialmente discutida com relação ao regime da deserção da instância, em que se exige a verificação da interrupção da instância por um determinado período de tempo, como pressuposto da ocorrência da deserção.
Aqui basta, sem mais, que a parte mantenha a sua inércia pelo período de tempo previsto na norma.
E que isto assim é, com linear evidência resulta também, e desde logo, do disposto nos números 3) e 4), do mesmo artigo 3, do mencionado Decreto-Lei, cujo teor é o seguinte:
- “Nos processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa instaurados antes de 15 de Setembro de 2003 e extintos por força do disposto nos números anteriores não há lugar a sentença de extinção, cabendo à secretaria notificar o exequente, o executado, apenas nos casos em que este já tenha sido citado pessoalmente nos autos, e os credores que tenham deduzido reclamação;
- Nos processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa instaurados a partir de 15 de Setembro de 2003 e extintos por força do disposto nos números 1) e 2), a extinção é comunicada electronicamente pelo agente de execução ao tribunal, cabendo-lhe notificar o exequente, o executado, apenas nos casos em que este já tenha sido citado pessoalmente nos autos, e os credores que tenham deduzido reclamação”.
Daqui se infere que, nestas situações, não só não se exige o proferimento de qualquer despacho prévio, como até deixou mesmo de ser exigido o proferimento de decisão de extinção, sendo que, na última das situações referidas, ao tribunal será tão-somente comunicada electronicamente a extinção, ou seja, a constatação e verificação da inércia da parte a quem incumbia o ónus do impulso processual.
Destarte, e, atentando em que, sendo na actualidade o ritmo de vida moderna acentuadamente mais intenso, e, por decorrência, significativamente mais forte a procura judicial, incontroverso resulta que muito maior acuidade assumem hoje as preocupações desta natureza, não sendo, por isso, de estranhar que, fruto e com vista à prossecução de objectivos e necessidades de conferir maior eficácia e celeridade ao sistema de justiça, o legislador tenha criado novos mecanismos processuais em ordem a que se não perpetuem, pelo menos, formalmente, discussões e causas judiciais “estéreis”, designadamente, por, eventualmente, terem deixado de ser do interesse daqueles a quem incumbia promover os respectivos termos, extraindo novas e mais alargadas ilações da inércia processual da parte, como causa de extinção de instâncias processuais – na situação, executivas -, depurando – ou contribuindo para depurar -, dessa forma, os tribunais de muitas causas cuja exclusiva “utilidade” em mais não consistiria do que em dar um contributo para um maior entorpecimento do sistema, já de si significativamente saturado, e com manifesta dificuldade, nos moldes em que tem funcionado, em dar uma resposta satisfatória e eficaz à crescente e, cada vez mais, multifacetada e complexa, conflitualidade social.
Definidos os pressupostos e o respectivo âmbito de aplicação do regime plasmado no dispositivo legal em apreço, cumpre agora reverter à análise da situação vertente, em ordem a indagar e esclarecer se se verifica ou não a existência de incúria ou inércia processual imputável à Recorrente, passível de alicerçar a declarada extinção da presente instância executiva.
Ora, como resulta da materialidade relevante supra exposta, por não ter sido apresentada qualquer proposta, a 28/06/2011, foi determinado que o processo de venda do imóvel penhorado nos autos seguisse a modalidade de venda por negociação particular, tendo, para o efeito, sido designada encarregada de venda a Agente de Execução em exercício de funções, que, por sua vez, encarregou a sociedade “N… – Sociedade de Leilões do Norte”, do exercício de tais funções.
Mais se demonstrou que, após essa designação, a Agente de Execução, na sequência de notificação que lhe foi efectuada, com vista a esclarecer o estado em que se encontrava a diligência de venda, a 06/02/2012, 04/05/2012 e 5/11/2012, veio aos autos informar que se encontrava a aguardar a apresentação de propostas para a aquisição do aludido imóvel.
A 25/10/2012, sem prévia precedência de despacho judicial, foi a Exequente notificada do teor da informação da Agente de Execução, de 04/05/2012, onde se referia que a diligência de venda aguardava a apresentação de propostas para a aquisição do imóvel, bem como, para, sem prejuízo do disposto no artigo 285, do C.P.C., vir requerer o que tiver por conveniente.
E é em decorrência desta notificação que a Exequente, a 5/11/2012, veio, “em face da notificação que antecede”, requerer o prosseguimento dos autos com a venda por negociação particular do bem imóvel, “por um período adicional de 120 dias.”
Ora, se directamente sobre um tal requerimento nunca recaiu qualquer despacho, sucedeu ainda que, a 13/03/2013 e 8/06/2013, a Agente de Execução informou no processo estarem em “curso as diligências para a venda de bens penhorados”.
E, assim sendo, salvo o devido respeito, inelutável se nos afigura que de uma tal materialidade se não pode extrair a existência de inércia em promover o andamento do processo, por parte da Exequente, passível de alicerçar o incumprimento de um ónus de impulso processual com que estivesse onerada ou que sobre ela impendesse decorrente da verificação de uma presunção de abandono da instância processual.
Na verdade, como se deixou dito e é referido nas alegações de recurso, a extinção dos processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa, ao abrigo do mencionado preceito legal, “supõe que os autos estejam a aguardar um impulso processual cuja iniciativa caiba ao Exequente e que este esteja ciente da necessidade de tal iniciativa”, sendo que, efectivamente, “fora desse duplo condicionalismo, não é possível concluir pela inércia do exequente, assim legitimadora do tal juízo acerca do interesse no próprio processo.”
Na situação vertente a Exequente requereu a prorrogação do prazo para venda do bem penhorado, por um período de 120 dias, sobre o qual, contudo, nunca recaiu qualquer despacho.
E, como é evidente, o conceito de inércia apenas será preenchido pela total passividade na promoção do impulso processual e não também por aquelas situações em que seja requerida diligência tida por inadequada ou irrelevante para a prossecução dos ulteriores termos de uma qualquer instância.
Assim, e com o devido respeito, porque se nos afigura padecer de insanável incongruência, não se poderá concordar com o despacho proferido a 12/07/2013, quando refere não ter sido “proferido despacho judicial sobre o requerimento apresentado pela exequente a solicitar o prosseguimento da venda por negociação particular porque não foi requerida a prática de qualquer acto da competência do juiz de execução”, sendo, por isso, tal requerimento, ”notificado ao agente de execução, competente para as diligências de venda”.
Com feito, surgem aqui algumas interrogações, designadamente, as seguintes:
- Se tal requerimento foi notificado ao agente de execução não se poderá legitimamente concluir que isso assim terá sucedido porque o tribunal o considerou idóneo para o prosseguimento dos termos do processo?
- E mesmo que o comportamento do tribunal não tenha tido esse fundamento ou intenção, não estará a parte que requereu a prática do acto – a venda -, em decorrência dessa notificação ao agente de execução, legitimada para interpretar, conferir ou extrair de um tal acto a efectuação, por parte de tribunal, de um juízo tácito de anuência ou de adequação processual da diligência que requereu para o prosseguimento dos ulteriores termos do processo?
- Considerando a parte, em qualquer destas situações, cumprido o impulso processual que sobre si impendia?
Acrescenta-se ainda nesse mesmo despacho que “(…) não pode entender-se que o simples requerimento a pedir o prosseguimento das diligências de venda possa ser compreendido como capaz de dar impulso processual num processo onde não está demonstrada a prática de qualquer diligência de venda desde Julho de 2011, sendo as únicas informações prestadas pelo agente de execução com o seguinte teor: “aguardam os autos a apresentação de propostas para a aquisição do imóvel penhorado”.
(…)
Realmente também a nós se nos afigura muito normal que, em face da demonstrada falta de diligência, ou, pelo menos, total ineficácia, do encarregado da venda, em promover os respectivos termos, a Exequente nada tenha requerido em ordem a indagar das razões dessa mesma ineficácia e se tenha bastado com a simples e repetida informação de que “aguardam os autos a apresentação de propostas para a aquisição do imóvel penhorado”.
Mas, se isto nos parece indubitável, é igualmente verdadeiro que, sempre o tribunal, por sua própria iniciativa, poderia ter indagado dessas razões e, se necessário, proceder à remoção ou substituição desse encarregado, uma vez que, como, em face do largo lapso de tempo decorrido, sem qualquer resultado útil materializado, se impunha aventar por hipótese, resultasse demonstrada eventual e absoluta inércia, da sua parte, na promoção dos termos da venda.
Aquilo que se nos não afigura legítimo fazer, por parte do tribunal, é que, omitindo o proferimento de despacho sobre a pertinência ou não da diligência requerida pela parte, legitimando, dessa forma, que esta última, fundadamente, pudesse concluir ter dado adequado e pertinente impulso processual, vir mais tarde, não obstante esse silêncio, e sem mais, proferir despacho fundamentado que, conferindo relevância positiva, por considerada impertinência ou inadequação processual da diligência requerida, para a determinação do prosseguimento dos normais termos do processo, declara extinta a instância executiva, sem dar à parte oportunidade de vir promover, relevante e adequadamente, do ponto de vista dos critérios do tribunal, o normal e eficaz andamento do processo.
Por parte do tribunal não podem ter relevância positiva ou consequência processuais as omissões ou silêncios, devendo antes e sempre, serem tornados claros e inequívocos os seus entendimentos para que as partes possam adequar e conformar – mesmo que deles, eventualmente, discordem, e até para isso - a sua actuação processual com tais posições, em ordem, designadamente, à prossecução simultânea de um duplo desiderato, ou seja, em que a par de uma mais cabal e objectiva defesa dos seus próprios interesses, simultaneamente, se promova também uma boa e transparente realização e administração da justiça, que sempre deve estar presente e subjacente à actuação de um qualquer tribunal.
Na verdade, e conforme se dispõe nos artigo 265, do C. P. Civil, subordinado à epigrafe “poder de direcção do processo e principio do inquisitório”, uma vez iniciada a instância, e sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, convirá não esquecer que ao juiz cumpre providenciar pelo andamento regular e célere do processo, “promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e/ou recusando o que for impertinente ou meramente dilatório”, do que, obviamente decorre com linear evidência, que o tribunal deixará de cumprir as suas obrigações processuais, se e sempre que omitir a pronúncia sobre uma qualquer diligência que, por qualquer das partes, lhe seja requerida, considere-a ou não fundada e pertinente.
E assim sendo, facilmente se poderá entender que, ao se não pronunciar, em tempo apropriado e útil, sobre o teor requerimento apresentado pela Exequente, nomeadamente, sobre a pertinência ou adequação da diligência processual requerida em ordem a que fosse determinado o prosseguimento dos autos, tornou legítima ou, diríamos mesmo, induziu ou poderá ter induzido naquela última, e de modo consistente, a fundada convicção de que o tribunal teria considerado relevante e adequada tal diligência, ao cumprimento do impulso processual que sobre si impendia.
E isto assim se nos afigura, tanto quanto é certo que, não obstante essa omissão de pronúncia positiva sobre o teor do requerimento, o tribunal, notificou esse requerimento ao agente de execução, como de resto se reconhece no despacho proferido a 12/07/2013, onde expressamente se refere que “tal requerimento foi notificado ao agente de execução, competente para as diligências de venda”.
Contudo, e não obstante essa notificação, no mesmo despacho proferido a 12/07/2013, onde se explicita as razões por que se entendeu não ser de conferir relevância ao requerimento da Exequente, refere-se expressamente que, ”não pode entender-se que o simples requerimento a pedir o prosseguimento das diligências de venda possa ser compreendido como capaz de dar impulso processual num processo onde não está demonstrada a prática de qualquer diligência de venda desde Julho de 2011”.
Ora, óbvio resulta que se não reveste de grande lógica ou pertinência que se notifique um interveniente processual - agente de execução -, ao qual se reconhece competência para a prática de um determinado acto - no caso, a venda do bem penhorado -, quando, por outro lado, se não considera a prática desse mesmo acto adequada ou congruente, do ponto de vista da sua conformação e sustentação processual, ou, dito de outro modo, quando se considera o acto requerido como processualmente inidóneo para a promoção dos ulteriores termos do processo.
De duas, uma:
- Ou o acto requerido é adequado e idóneo à promoção dos termos do processo e então faria sentido ter sido, como efectivamente o foi, notificado o agente de execução para proceder à sua prática nos moldes requeridos;
- Ou, se assim se não entendia, e se considerava o acto processualmente inidóneo para esse efeito, como parece ter sido o entendimento do tribunal, deveria ter-se dito de imediato isso mesmo, não se entendendo por que razão foi o mesmo notificado ao agente de execução.
E, quer ao assim ter actuado – omitindo o proferimento do aludido despacho -, quer ainda ao terem sido prestadas pela agente de execução, a 05/11/2012, 12/02/2013, 13/03/2013 e 8/06/2013 (ou seja, em datas posterior à da apresentação do requerimento em apreço, e anteriores àquela em que foi proferido o despacho de extinção da instância – que data de 25/06/2013), informações no sentido de que os autos se encontravam a aguardar a efectuação de diligências no sentido de proceder e concretizar a venda do bem penhorado, sem que o tribunal sobre elas tenha tomado qualquer posição, nomeadamente, no sentido de indagar das razões por que, não obstante o largo lapso de tempo decorrido, a venda se não tinha ainda concretizado, indubitavelmente resulta que, e mais uma vez, legitimou, induziu ou contribuiu para induzir, ou, pelo menos, tornou justificada e consistente, a eventual convicção da Exequente de que o tribunal terá concordado e anuído – mesmo que tão só tacitamente - ao deferimento do prazo adicional por si requerido, para a realização da venda, na sequência da notificação que lhe foi feita no sentido de promover o impulso processual que sobre si recaía.
E, assim sendo, de modo algum pode afirmar-se que a Exequente, durante todo o lapso de tempo decorrente entre a apresentação do seu requerimento e a data de proferimento do despacho recorrido, que declarou extinta a presente instância, tivesse ou devesse ter pleno conhecimento e consciência de que os autos se encontravam a aguardar um impulso processual cuja iniciativa sobre si impendesse, ou seja, que estivesse ciente da necessidade de tal iniciativa.

Destarte, pelas razões expostas e em sua decorrência, uma vez que compulsados os autos se constata não ter decorrido o período de tempo previsto no supramencionado artigo 3, nº 1, do Decreto-Lei 4/2013, de 11/01, sem que a Recorrente tenha procedido ao impulso processual, decide-se revogar o douto despacho recorrido, determinando-se o prosseguimento dos presentes autos.

Sumário do acórdão - artigo 713º, nº 7 do C.P.C.
I- O artigo 3, nº 1), do Decreto-Lei 4/2013, de 11/01, que determina a extinção da instância executiva em face da inércia das partes em promover o andamento do processo, é baseado na ideia de presunção de abandono da instância processual pelas pessoas oneradas com o impulso processual e pelo interesse público da não duração indefinida dos processos.
II- O prazo aí previsto inicia-se e decorre por exclusivo efeito da paralisação do processo, por inércia da parte, ou seja, opera op legis, sendo, por isso, desnecessário que, jurisdicionalmente, e de modo expresso, se ajuíze e aquilate da existência da mencionada incúria.
III- Conforme se dispõe nos artigo 265, do C. P. Civil, subordinado à epigrafe “poder de direcção do processo e principio do inquisitório”, uma vez iniciada a instância, e sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, ao juiz cumpre providenciar pelo andamento regular e célere do processo, “promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção e/ou recusando o que for impertinente ou meramente dilatório”, do que decorre que, não poderá o tribunal omitir ou deixar de se pronunciar sobre uma qualquer diligência que, por qualquer das partes, lhe seja requerida, considere-a ou não fundada e pertinente.
IV- O preenchimento desta causa de extinção da instância executiva assenta e pressupõe que os autos estejam a aguardar um impulso processual cuja iniciativa caiba ao exequente e que este esteja ciente da necessidade de tal iniciativa, sendo que, fora desse duplo condicionalismo, não é possível concluir pela inércia do exequente, legitimadora do preenchimento da presunção de desinteresse e abandono da instância, subjacente a este normativo.

IV- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a presente apelação e, em consequência, decidem revogar o douto despacho recorrido, que deverá ser substituído por um outro determinando o prosseguimento dos respectivos termos dos presentes autos.
Sem custas.
Guimarães, 24 de Outubro de 2013
Jorge Teixeira
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
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[1] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, p. 603.
[2] Cfr. Autor e obra citados, p. 606.
[3] Cfr. “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. III, págs. 434 e segs.
[4] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10/05/06, nº 746/06, in www.dgsi.pt.
[5] Citado no acórdão da Relação do Porto, de 13/12/12, in www.dgsi.pt.