Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
321/09.7TBGMR-A.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACÇÃO PAULIANA
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A procedência da impugnação pauliana faculta a execução do bem no património do obrigado à restituição, ou seja o adquirente.
2. Tal execução – que declarou a ineficácia do acto impugnado - deve ser proposta contra o adquirente, carecendo o credor de título executivo para demandar o devedor, nomeadamente para obter o pagamento da dívida com a penhora de bens deste.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório;

Recorrente: Empresa … SA (exequente);
Recorrida: Francisco … (oponente/executado);

*****
Na petição de oposição à execução veio o oponente dizer, além do mais, que a sentença dada à execução não condenou os executados a pagarem à exequente qualquer quantia de €: 64.726,99, pelo que aquela sentença não é exequível, atento o disposto no artº 41º, nº1, do Código Processo Civil (doravante CPC).

Recebida a oposição, contestou o embargado, dizendo que a execução tem por base um título executivo, que é uma sentença, da qual resulta a existência do aludido crédito exequendo e destinando-se a execução a excutir o património do obrigado à restituição do bem, por força da condenação que julgou ineficaz a doação do mesmo a terceira pessoa.
A Mmª Juiz a quo proferiu despacho saneador-sentença em que julgou a oposição procedente e extinta a execução, quanto ao oponente apenas, por inexistência de título executivo.

Inconformado com tal decisão, dela recorre a exequente/oponido, extraindo as seguintes conclusões, em suma, das suas alegações:

1ºO título dado à execução è uma sentença.
Não se verificam os fundamentos legais para a procedência da oposição ao título executivo sentença.
No título executivo é reconhecido o direito de crédito da quantia de € 64.726,99 da recorrente sobre o oponente.
Foi violado o artigo 814º do Código de Processo Civil.


Houve contra alegações, pugnando-se pelo julgado.


II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, ex vi do artigo 749º, todos do CPC.

A questão a apreciar é a seguinte:

- Se inexiste título executivo contra o opoente.

Colhidos os vistos, cumpre decidir:


III – Fundamentos;

1. De Facto;

1. Por sentença, transitada em julgado foram o opoente, a sua mulher C… e a sua filha S… , enquanto donatária/terceira, condenados na acção de impugnação pauliana que, a aqui exequente, intentou contra aqueles, a ver declarado (como se declarou) ineficaz o contrato de doação dos autos, em relação à A., conforme certidão judicial cujo teor consta de fls. 154 a 183 e aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
2. Resultou provado na dita sentença que “ Para cobrança da quantia de € 64.726,99 Euros e juros, a Autora instaurou…a execução… onde é executado o aqui Réu Francisco…”.
3. Mais se provou que:
“ O Réu Francisco… deve à Autora a quantia de € 64.726,99, desde data anterior a 15.10.2004”.
“ Resultando tal dívida do fornecimento de mercadorias da Autora ao referido Réu”.
“ O Réu contraiu tal dívida no exercício do comércio”.


2. De Direito;

a) - Se inexiste título executivo contra o opoente.

Dispõe o art. 45º, nº 1, do CPC, que a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
Por sua vez, o artº 55º, nº 1, do CPC, preceitua que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
O título aqui em causa é uma sentença judicial, no âmbito de uma acção pauliana, na qual se condenou todos os RR., aqui executados, a ver declarada a ineficácia do contrato de doação celebrado entre os doadores (o ora opoente e mulher) e a donatária (sua filha, também executada).
O imóvel, objecto da impugnação pauliana que se julgou procedente e se pretende penhorar na presente execução, não faz parte da massa falida dos recorrentes José… e mulher.
Com a transmissão, ora impugnada com êxito, que os 1º e 2º réus fizeram à 3ª ré, o imóvel passou a fazer parte do património desta.
Como é consabido, a procedência da acção pauliana não destrói o negócio formalizador da transmissão que se pretende atacar; apenas concede ao credor o direito de se fazer pagar até ao limite do seu crédito pela execução do bem transmitido (artigo 616, nº 1, do Código Civil ).
Na lição de Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação a este mesmo artigo ( CCIVAnotado ), «...sacrificando o acto apenas na medida do interesse do credor impugnante, mostra-se claramente que ele não está afectado por qualquer vício intrínseco, capaz de gerar a sua nulidade, pois se mantém de pé, como acto válido, em tudo quanto excede a medida daquele interesse ».
Por isso que a sentença tenha sido proferida no sentido de declarar a transmissão ineficaz em relação ao autor e de condenar os réus a reconhecer o direito do autor a executar o bem transmitido no património dos 3º e 4º réus até integral pagamento de todos os seus créditos].
Em suma, o título executivo da embargada incide sobre o bem transmitido à 3ª executada, sendo esta quem deve cumprir tal obrigação exequenda, ou, na linguagem normativa do nº1, do citado artº 616º, do C.Civ., a obrigada à restituição é a referida 3ª executada.
Este mesmo preceito prescreve que, com a procedência da impugnação, o credor pode executar o bem em causa (e só este) no património do obrigado à restituição, ou seja, o terceiro adquirente – cfr. ainda artº 821º, nº 2, do CPC.
Segundo Vaz Serra, Direito das Obrigações, in BMJ 99º- 38, “ o direito de impugnação destina-se a fazer valer um crédito à restituição. Os bens não têm que sair do património do obrigado à restituição, onde o credor poderá executá-los”.
“ A acção pauliana é dada aos credores somente para obterem contra um terceiro, que procedeu de má fé ou se locupletou, a eliminação do prejuízo que sofreram com o acto impugnado. Daqui resulta o seu carácter pessoal ou obrigacional. O autor na acção exerce contra o réu um direito de crédito, o crédito de eliminação daquele prejuízo.
Entendidas assim as coisas pode afirmar-se que a acção se destina a fazer valer o direito de eliminação do prejuízo causado pelo acto ou de restabelecimento da possibilidade de satisfação sobre os bens objecto do acto.
Desde que a acção se destina a evitar o prejuízo sofrido pelo credor, o acto, nas relações entre o autor e o terceiro de má fé, torna-se ineficaz em relação àquele (…), ou antes, o terceiro é obrigado a restituir ao credor aquilo que, em virtude do acto impugnado, saiu do património do devedor, na medida exigida pelo prejuízo desse credor. A restituição pode consistir apenas em dever o réu tolerar que o autor execute os bens ou exerça em relação eles os demais direitos de credor” Neste sentido, vide J.F.Rodrigues dos Santos, Das Obrigações em Geral, vol. III, pág. 231-232., Consulte-se ainda o Ac. do STJ de 10.12.1991, proc. nº 0181496, in www.dgsi.pt..
Perante tais considerações, importa então analisar o fim e os limites da sentença dada à execução, ou seja, a função desse título executivo.
Desde logo, importa assinalar que é a parte vinculativa (dispositiva) da sentença e não o que consta dos fundamentos da sentença que tem o alcance de título executivo, independentemente de se entender ser este ou não a causa de pedir na execução.
No caso em apreço, na parte decisória da sentença, determinou-se tão só que os RR. são condenados a ver declarado como ineficaz o contrato de doação dos autos.
Assim sendo, uma vez que, quanto aos efeitos em relação ao credor, (nomeadamente o de excussão do bem no património de terceiro), tal declaração de ineficácia do acto de doação atinge apenas o adquirente, os limites desse título executivo (sentença) repercutem-se apenas na esfera patrimonial desse terceiro.
Em suma, por força dessa sentença, apenas está sujeito a execução o referido bem de terceiro, carecendo o credor de título, por força da dita sentença, para executar bens do devedor, aqui oponente.
Nesta perspectiva, não existe título judicial contra o opoente – cfr. artº 814º, al. a), do CPC.
Destarte, pelas razões expendidas é de manter a decisão recorrida.
Apenas se acrescenta que, contrariamente ao afirmado pela exequente, o decidido não esvazia de conteúdo útil o instituto de impugnação pauliana, consagrado no artº 610º a 618º, do CPC.
Ao invés, in casu, a execução contra a adquirente do bem, afim de ser excutido no seu património, prossegue, sendo precisamente esta a eficácia jurídica da procedência da acção pauliana que deriva do apontado artº 616º, nº 1, do CC.

Sintetizando:
1. A procedência da impugnação pauliana faculta a execução do bem no património do obrigado à restituição, ou seja o adquirente.
2. Tal execução – que declarou a ineficácia do acto impugnado - deve ser proposta contra o adquirente, carecendo o credor de título executivo para demandar o devedor, nomeadamente para obter o pagamento da dívida com a penhora de bens deste.


IV – Decisão;


Em face do exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

*****


Guimarães, 2 de Junho de 2011
António Sobrinho
Isabel Rocha
Manuel Bargado