Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1638/02-2
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
SERVIDÃO LEGAL
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/29/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE A DOS AUTORES
PARCIALMENTE PROCEDENTE A DOS RÉUS
Sumário: Servidão legal de passagem - Pressupostos
Decisão Texto Integral: 10

Apelação n.º 1638-02 – 2ª secção
Relator: Leonel Serôdio – ( n.º 97)
Adjuntos: Des. Manso Raínho e Des. Rosa Tching

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

"A" e mulher intentaram, no Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo, acção declarativa com processo sumário contra "B" e outros, pedindo que se reconheça que são proprietários do prédio identificado no art. 1º da p.i. do qual faz parte o terreno que os RR. estão a utilizar e para o qual fizeram aberturas e que o mesmo não está onerado com qualquer servidão de passagem a favor dos RR.
Pedem também que se condene os RR. a reconhecer o referido direito de propriedade, a fechar o portão que abriram, a proceder à vedação do muro que deitaram a baixo, a fechar a abertura munida de cancela e a pagar-lhes uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais a liquidar em execução de sentença.

Alegam, em síntese, que são proprietários do prédio que identificam no art. 1º da p.i., que confronta de nascente com o prédio dos RR. e que estes fizeram uma abertura e nela colocaram um portão, num anexo que construíram que deita directamente para o seu terreno e que, para além disso, demoliram cerca de 5 metros do muro que divide ambas as propriedades, a sul do referido anexo, invadindo o prédio deles ( AA.).
Alegam ainda que os RR. transitam sobre o prédio deles com camiões de terra que tiraram do seu terreno para fazer os alicerces da casa que estão a construir e que estes factos lhes têm causado incómodos.


Os RR. contestaram, alegando que o prédio dos réus Isidro e mulher, com o artigo matricial 513º, confronta a poente não com o prédio dos AA mas com um caminho público, de forma que as aberturas que efectuaram são legítimas.
Subsidiariamente, os RR. Isidro e mulher deduzem reconvenção, alegando que, tal como estão construídas, a sua casa e a oficina estão encravados entre o prédio dos AA. e o prédios com as matrizes 514 e 515 e que só podem ter acesso e comunicação com a via pública através do caminho em causa.
Pedem que se declare que o seu prédio identificado nos artigos 5º e 31º da contestação não tem comunicação com a via pública e que têm a faculdade de exigir a constituição de uma servidão de passagem sobre a parcela de terreno referida no artigo 39º, mediante o pagamento de uma indemnização a fixar.

Os AA. responderam à reconvenção, impugnando os factos alegados e concluindo pela sua improcedência.
O processo prosseguiu os seus ulteriores termos e, a final, foi proferida sentença que decidiu:
“ a) - Declarar que os autores são legítimos donos do prédio identificado no ponto 1 dos factos provados e que desse prédio faz parte o terreno onde foram praticados pelo réu Isidro e mulher os factos constantes dos pontos 17, 18 e 19;
b) - E que o mesmo prédio não estava onerado com qualquer servidão de passagem a favor dos prédios dos réus;
c) - Absolver os réus do pedido de indemnização por danos patrimoniais;
d) - Condenar os réus Isidro ... e Laurinda ... a pagar aos autores uma indemnização por danos não patrimoniais pelos factos enunciados nos pontos 17 a 20, a liquidar em execução de sentença;
e) - Declarar que os réus Isidro ... e Laurinda ... são os proprietários do prédio urbano descrito no ponto 4 dos factos provados;
f) E que o prédio referido no ponto 4 não tem comunicação com a via pública;
g) Declarar que os réus Isidro e mulher tem direito à constituição de uma servidão de passagem sobre a propriedade dos AA. a definir em execução de sentença;
h) Relegar para execução de sentença a decisão sobre qual das aberturas efectuadas pelos réus Isidro e mulher será fechada.”

AA. e RR. Isidro... e mulher apelaram.


Os AA. terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1 – Resulta dos autos que os RR. reconvintes não alegaram factos que possam comprovar a constituição de servidão sobre o prédio dos recorrentes.
2 – Bem pelo contrário, dos autos resulta com clareza que da divisão do prédio dos recorridos em três novos, com os artigos 513, 514 e 515, tendo estes dois últimos prédios acesso, com a via pública através do caminho inicial e traçado junta pelos recorridos aquando da contestação, nada obsta a que o artigo 513 se sirva também pelo dito caminho primitivo, já que nenhum dano causa;
3 – No seu pedido reconvencional, não foram alegados factos concludentes ao seu reconhecimento.
4 – Concretamente que entre o prédio dos AA. e os três prédios dos RR. resultante da subdivisão do prédio inicial, que era pelo dos recorrentes o que o menor prejuízo causava, o que não é o caso.
5 – Violou, assim, a douta sentença nesta parte, o disposto no artigo 1553º do Código Civil.”

Os RR. Isidro ... e mulher terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1 – A oficina de pintura e o portão correspondem a duas aberturas feitas na casa dos RR. Isidro e mulher, em relação às quais se justifica a entrada e saída directas através do caminho de servidão a constituir: o portão porque constitui o único acesso à casa, a outra abertura porque constitui o único acesso à oficina;
2 – Deve, pois, eliminar-se, na decisão da al. g), a expressão “ altura em que se decidirá sobre qual das aberturas efectuadas pelos Réus Isidro e mulher será fechada.”
3 – Por outro lado, deve complementar-se essa mesma decisão, no sentido de que a indemnização a pagar aos AA. deverá também ser fixada em execução de sentença.
4 – Por outro lado, deve ser revogada a decisão constante da al. d), no sentido da absolvição dos RR.;
5 – Na medida em que os factos em que se baseia essa condenação não são daqueles que “ pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”
6 – A douta sentença violou, entre outras, as disposições constantes dos artigos 1550º e 496º do Código Civil.”

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Factos dados como provados na 1ª instância (indicando-se entre parênteses a correspondente alínea dos factos assentes e artigo da base instrutória):
1 - Existe o prédio rústico composto de terreno de lavradio e vinha inscrito no respectivo art. matricial da freguesia de Serreleis sob o n.º 862, com 1580 m2, tendo como titular inscrito o ora Autor e constando das suas confrontações - a norte José ..., sul com Francisco ..., nascente com rego de águas bravas e poente com José ... – ( A);
2 - Tal prédio está descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 147/890623 e encontra-se inscrito a favor dos ora AA. em virtude de partilha efectuada, estando igualmente inscrito um usufruto a favor de Maria ... – ( B).
3 - Existe o prédio urbano composto de terreno de casa de habitação de rés-do-chão com 2 divisões e dois vãos, 1º andar com 5 divisões e 7 vãos e terreno, inscrito no respectivo art. matricial da freguesia de Serreleis sob o n.º 514-4 em substituição do anterior art. 174, e constando das suas confrontações - a norte, sul e nascente com caminho público e poente com Augusto ... – ( C).
4 - Existe o prédio urbano composto de rés-do-chão e logradouro, com uma divisão, uma instalação sanitária, uma estufa de pintura e um escritório, inscrito no respectivo art. matricial da freguesia de Serreleis sob o n.º 513, com a menção de que veio do anterior art. 174, e constando das suas confrontações - a norte com caminho público, sul e nascente com proprietário e poente com caminho público – ( D).
5 - Existe o prédio urbano composto de casa de habitação de dois pisos e logradouro, sendo o rés-do-chão composto por 3 arrecadações, o 1º andar com 4 assoalhadas, uma cozinha, uma instalação sanitária, um corredor e uma varanda com escadas, inscrito no respectivo art. matricial da freguesia de Serreleis sob o n.º 514, com a menção de que veio do anterior art. 174, e constando das suas confrontações - a norte, poente e sul com caminho público, nascente com Augusto ... – ( E).
6 - Existe o prédio urbano composto de rés-do-chão coberto com placa que serve de terraço, tendo uma assoalhada e uma cozinha; existindo em cima da placa uma arrecadação com acesso por uma escada exterior e logradouro, inscrito no respectivo art. matricial da freguesia de Serreleis sob o n.º 515, com a menção de que veio do anterior art. 174, e constando das suas confrontações - a norte com caminho público, sul com proprietário, nascente com caminho de servidão e poente com proprietário – ( F).
7 - O prédio referido sob o ponto 4 supra encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 473/960514 e está inscrito a favor dos ora RR Isidro ..., casado no regime de comunhão de adquiridos com a ré Laurinda ... e com usufruto dos réus António ... e mulher – certidão de fls. 88 – ( G).
8 - O prédio referido sob o ponto 5, supra encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 474/960514 e está inscrito a favor dos ora RR António ... e mulher – ( H).
9 - Há mais de 50 anos que os AA por si e seus antecessores vêm lavrando, semeando, adubando e colhendo todas as utilidades que é susceptível de proporcionar prédio referido sob os pontos 1 e 2 – ( I ).
10 - O que sempre têm feito à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma ininterrupta, na convicção de ninguém prejudicar e com a intenção de exercer todos os poderes correspondentes ao direito de propriedade – ( J).
11 - Os AA procederam à notificação judicial avulsa dos RR nos termos constantes de fls. 47 a 51 dos autos – ( K).
12 - O R. Isidro ... está a proceder a obras de construção no prédio referido sob os pontos 4 e 7 – ( L).
13 - Por decisão de 16.06.98, foi ordenada/decretada a providência cautelar não especificado nos termos constantes de fls. 54 e ss. do apenso A, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – ( M).
14 - O prédio referido nos pontos 1 e 2 encontrava-se totalmente demarcado dos que lhe são contíguos, sendo que a única entrada a norte esteve em tempos vedada por uma cancela suportada por dois tranqueiros de pedra – ( 1º).
15 - Na parte em que tal prédio confina com o prédio referido sob os pontos 5 e 8 supra, a nascente, ambos sempre foram separados por um muro de pedra em toda a sua extensão com dois metros de altura – ( 2º).
16 - Os RR. foram alterando tal muro, acabando por construir anexos virados para o interior do prédio referido nos pontos 1 e 2 supra – ( 3º).
17 - Os RR. Isidro ... e Laurinda ... fizeram uma abertura no anexo que deita directamente para o prédio referido nos pontos 1 e 2, tendo colocado aí um portão – ( 4º).
18 - Os RR. demoliram cerca de 5 metros do muro aludido nos pontos 15 e 16 na zona mais a sul – ( 5º).
19 - Os RR. Isidro e mulher fizeram trânsito constante sobre o prédio referido nos pontos 1 e 2, quer de pessoas quer de camiões com areia e cimento para a obra que efectuaram, mantendo a diferentes horas do dia os camiões e máquinas estacionados nesse mesmo prédio – ( 6º e 7º).
20 - Ao verem o prédio referido sob os pontos 1 e 2 supra ocupado nos termos referidos anteriormente e por se sentirem incapazes de por si só e sem perigo defenderem o seu património, os AA têm andado irritados, sofrendo mal estar generalizado e não conseguindo dormir – ( 8º).
21 - O prédio referido sob os pontos 5 e 8 supra tem acesso directo com a via pública – ( 9º).
22 - Entre o prédio referido nos pontos 1 e 2 supra e o “prédio mãe” inscrito na matriz com o art. 174º existia um caminho que depois seguia até à margem direita do Rio Lima – ( 10º).
23 - Após a abertura da estrada camarária, o referido caminho passou a ser menos utilizado pelo público em geral – ( 11º).
24 - O seu leito é compacto e duro – ( 12º).
25 - Esse caminho corre entre o prédio urbano referido sob os pontos 4 e 7 supra e o prédio referido sob os pontos 1 e 2 supra, prosseguindo depois no sentido norte-sul até à margem do rio Lima – ( 13º).
26 - O prédio referido sob os pontos 4 e 7 supra, apesar das confrontações referidas, confronta na realidade do sul com o prédio inscrito na matriz urbana de Serreleis sob o art. 514º e do nascente com o prédio inscrito na matriz urbana de Serreleis sob o art. 515º – ( 14º).
27 - Apesar do referido no ponto 1, tal prédio confronta do norte com José ..., do sul com Francisco ... e do nascente com os prédios dos réus inscritos nos artigos matriciais 513º e 514º – ( 14º-A).
28 - Apesar do referido nos factos provados quanto às confrontações dos prédios que tiveram origem no imóvel inscrito no artigo matricial 174º, quer este quer os prédios inscritos nos art. 513º e 514º confrontam, na realidade, com o prédio referido nos pontos 1 e 2 – (14º-B).
29 - As aberturas efectuadas pelos RR e referidas nos pontos 17 e 18 supra correspondem à porta que constitui o único acesso a uma oficina de pintura de automóveis e a outra é o portão de entrada do R. Isidro – ( 15º).
30 - Por força do referido nos pontos 17 e 18 e da construção de um muro a nascente do prédio dos réus Isidro e mulher, para normal uso e fruição do seu prédio os RR Isidro e mulher necessitam de utilizar o caminho referido no ponto 25, na parte encostada à extremidade poente do prédio – ( 16º e 17º).

Recurso dos AA.

A questão que suscitam é a de saber se estão ou não verificados os pressupostos legais para se declarar constituída por sentença, uma servidão legal de passagem a onerar o prédio deles a favor do prédio dos RR. Isidro ... e mulher.

A servidão legal é a faculdade (ou, segundo alguns autores, o direito potestativo) de constituir coercivamente uma servidão sobre prédio alheio, mediante o pagamento de uma indemnização.

Como é evidente, a lei estabelece as condições em que tais servidões podem ser criadas.
Por outro lado, não se constituem automaticamente, pois a efectivação fica dependente de um acto de constituição, no caso, a sentença na qual se vai apreciar se as condições legais se verificam ou não.

No caso presente, estamos perante uma servidão legal de passagem.
Sobre os pressupostos para a sua constituição estabelece o art. 1550º do Código Civil:
“1 - Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos.
2 - De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio.”

Deste artigo resulta que o proprietário de prédio encravado tem o poder de exigir acesso à via pública através dos prédios vizinhos.

O citado artigo considera encravado não só o prédio que carece de qualquer comunicação com a via pública ( encrave absoluto), mas também aquele que dispõe de uma comunicação insuficiente para as suas necessidades normais por terreno seu ou alheio. cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, pág. 637

Sendo a servidão legal uma limitação excepcional ao direito de propriedade, o proprietário do prédio encravado não tem o direito de escolher arbitrariamente de entre os prédios contíguos e que lhe impedem o acesso à via pública qual deles vai ficar onerado com a servidão.

Sobre esta questão estipula o artigo 1553º do Código Civil “ A passagem deve ser concedida através do prédio ou prédios que sofram menor prejuízo, e pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados.”

Como ensinam Antunes Varela e Pires de Lima Código Civil Anotado, vol. III, pág.642 este preceito estabelece dois princípios:
1 – Determinação do prédio por onde há-de estabelecer-se a comunicação com a via pública;
2 – Lugar e modo de exercício da servidão.

O primeiro destes princípios, que agora interessa, impõe que, sempre que a comunicação com a via pública possa estabelecer-se por mais de um prédio, a escolha recaia sobre o prédio que sofra menor prejuízo.


Os AA / Apelantes sustentam que a sentença recorrida violou este princípio.

Para tanto, referem que os RR. não alegaram que entre o prédio deles ( AA) e os três prédios deles ( RR.) resultantes da subdivisão do prédio inicial, a passagem pelo prédio deles ( AA) era a que menos prejuízo causava.

Convém recordar que o prédio dos RR./reconvintes Isidro e mulher, inscrito na matriz sob o artigo 513 ( n.ºs 4 e 7 da matéria de facto provada), não confronta apenas com o prédio dos AA, mas também com os prédios inscritos na matriz sob os artigos 514 e 515 ( n.ºs 5, 6 e 26 da matéria de facto provada)
Por outro lado, está também expressamente provado que o prédio ( referido nos n.ºs 5 e 8 da matéria de facto provada) ou seja, o inscrito na matriz sob o artigo 514º , tem acesso direito à via pública ( n.º 21 da matéria de facto provada).

De referir que os três referidos prédios inscritos sob os artigos 513, 514 e 515 resultaram da divisão de um outro prédio que esteve inscrito na matriz sob o artigo 174 ( antigo ), actual 514-4 ( cfr. nºs 3 a 6 dos factos provados).

Esse prédio que foi posteriormente dividido ( dando origem aos referidos 513, 514 e 515), tinha comunicação directa com a via pública ( cfr. n.º 3 dos factos provados).
Na planta junta com a contestação sob o n.º 2, a fls. 69 dos autos, os RR. apresentam a entrada primitiva para esse prédio originário seguida de um caminho a tracejado laranja que denominam de “caminho de servidão ”, referindo que o mesmo é “mais rigorosamente comum aos artigos 514 e 515”.
Sabemos, pois, dos elementos constantes dos autos que os RR. podiam também ter acesso à via pública através dos referidos prédios ( artigos 514 e 515).

Ora, como resulta dos citados artigos 1550º e 1553º do Código Civil, para se verificar o direito de constituição de uma servidão legal de passagem a favor do prédio dos RR/ reconvintes sobre o prédio dos AA., aqueles tinham não só de alegar e provar factos donde resultasse que o prédio deles estava encravado mas também que era o prédio dos AA. aquele que sofreria menor prejuízo com a constituição da servidão.

O que os RR. alegaram para a constituição da servidão, foi o seguinte:

“Artigo 37º - Se o caminho que ladeia o prédio dos RR. Isidro e mulher não for público, mas de servidão isso significa que o prédio deles não tem comunicação com a via pública fica “ encravado” entre o prédio os AA. e dois prédios urbanos vizinhos (artigos 514 e 515º).
Artigo 38º - Tal como estão construídas, a oficina e a casa de habitação só podem ter acesso e comunicação viáveis e suficientes com a via pública através daquilo que constitui o leito do caminho existente.
Artigo 39º - Isto é, aos RR. reconvintes Isidro e mulher assistiria o direito de exigir a constituição de uma servidão de passagem sobre o identificado prédio dos AA., numa extensão de 16, 5 m e numa largura de 4,5 m, sendo esse trajecto coincidente, em todo o seu comprimento, com o caminho já existente: correndo sensivelmente no mesmo sentido Norte-Sul, encostado à extremidade poente do Prédio dos RR. reconvintes.
Artigo 40º - Para completo e normal uso do prédio dos RR. reconvintes, torna-se necessária e imprescindível a utilização daquele caminho, destinado ao trânsito de veículos automóveis e de pessoas, desde a via pública até à oficina e à casa dos RR. para serviço do prédio e de quem nele reside, trabalha ou para lá se dirige.
Artigo 41º - Devendo processar-se durante todo o ano e a qualquer hora do dia ou da noite.
Artigo 42º - E porque o traçado a aproveitar é o caminho já existente ( aquele que os AA. na sua planta chamam de “caminho particular”), o mesmo será utilizado sem prejuízo do uso que dele continuarão a fazer os proprietários dos restantes prédios rústicos que se situam a sul.
Artigo 43º - O traçado proposto é, de resto, aquele que corresponde menor prejuízo, porquanto se manteve em duro, inculto, proporcionando o trânsito carral e de pessoas, desde tempos imemoriais, para todos aqueles a que se alude no artigo precedente.
Artigo 44º - E assim terá de se conservar.”



O citado artigo 1553º não estabelece o conceito de menor prejuízo mas este integra vários elementos dos quais resultará que o prédio onerado é aquele que será menos afectado em relação ao que estaria se não fosse constituída a servidão.

Assim, importava saber, pelo menos, em que prédio a servidão ocuparia menor área e em qual deles a utilidade económica seria menos afectada.

Ora, como se verifica da contestação/reconvenção, os RR. apenas alegaram qual o comprimento e largura que a servidão iria ocupar no prédio dos AA. e que este não teria qualquer prejuízo.

No entanto, nada alegaram sobre qual a extensão que teria a servidão e que dano causaria aos prédios n.ºs 514 e 515 se ficasse a onerar algum deles.

Esta omissão é particularmente relevante, pois os RR/reconvintes não explicam qual a razão pela qual o seu prédio deixou de ter acesso à via pública pela entrada do prédio original (que foi dividido nos três prédios com os artigos 513, 514 e 515).

De salientar ainda que não é legalmente admissível que os RR. reconvintes tenham obtido licença de construção de um prédio urbano e o tenham construído sem acesso à via pública.

Por isso, perante os elementos constantes nos autos, suscitam-se mesmo sérias dúvidas de que o prédio dos RR./reconvintes seja encravado.

De qualquer forma, como atrás se referiu, competia aos RR. alegar e provar factos donde resultasse que sobre o prédios inscritos sob os artigos 514 e 515 não era possível a passagem ou que a mesma era mais onerosa para eles do que para o prédio dos AA.

De recordar que a servidão legal de passagem tanto pode recair sobre prédios rústicos como sobre quintais ou logradouros que se integrem em prédios urbanos. cfr. neste sentido, Ac. da Relação do Porto de 8.10.92 CJ, tomo IV, 251 e Ac. do STJ de 21.9.93, CJ, (STJ), tomo III, 17


Ora, ao contrário do que sustentam os Apelados/ RR. na sua contra-alegação dos restantes factos provados não se pode deduzir que a passagem pelo prédio dos AA. é a que causa menor prejuízo.

Na resposta ao quesito 15º ficou provado que “as aberturas efectuadas pelos RR e referidas nos pontos 17 e 18 supra correspondem à porta que constitui o único acesso a uma oficina de pintura de automóveis e a outra é o portão de entrada do R. Isidro”.
Mas esta resposta não permite concluir que os RR. em vez de terem construído as aberturas a deitar para o prédio dos AA. não poderiam ter construído outras para o prédio inscrito sob o artigo 515, de forma a aceder à entrada primitiva ou qual a razão por que não têm acesso à via pública através do prédio inscrito sob o artigo 514.

Para além disso, as respostas restritivas e explicativas dadas aos quesitos 16º e 17º fragilizam ainda mais a posição dos RR.
A estes quesitos respondeu-se: “ Por força do referido nos pontos 17 e 18 (terem os RR. Isidro e mulher feito as aberturas que deitam directamente para o prédio dos AA.) e da construção de um muro a nascente do prédio dos réus Isidro e mulher, para normal uso e fruição do seu prédio necessitam de utilizar o caminho referido no ponto 25, na parte encostada à extremidade poente do prédio.

Destas respostas resulta que o prédio dos RR. reconvintes ficou na situação de encrave devido à construção de um muro a nascente do prédio deles.
Mas, assim sendo, essa falta de comunicação com a via pública pelo terreno dos prédios dos outros RR., artificialmente criada, é facilmente ultrapassável, bastando demolir parte do muro construído e, dessa forma, desaparecerá a necessidade de utilizar a passagem pelo prédio dos AA.

Importa também salientar que o alegado nos artigos 42º e 43º da contestação, donde se poderia inferir que o prédio dos AA. não sofreria qualquer prejuízo com a servidão ou, pelo menos, que o prejuízo seria pouco relevante, levado à base instrutória no quesito 18º, obteve resposta negativa.


Temos, pois, de concluir que os RR./reconvintes não provaram, nem sequer alegaram devidamente, os factos necessários para se declarar a constituição de uma servidão legal de passagem a favor do prédio deles sobre o prédio dos AA., sendo certo que a factualidade provada não permite que se conclua que era o prédio destes e não o dos outros RR. aquele que sofreria menor prejuízo com a constituição da servidão.


Procede, pois, o recurso dos AA. / apelantes e improcede a reconvenção

Improcedendo a reconvenção, por violar o art. 1360º n.º 1 do Código Civil, como se explica na douta sentença recorrida, os RR. serão condenados a retirar o portão referido no ponto n.º 17 da matéria de facto provada que deita directamente para o prédio dos AA.
Quanto ao muro que demoliram, não se tendo provado que o mesmo também seja propriedade dos AA., não há qualquer fundamento legal para impor aos RR. a sua reconstrução, sem prejuízo, naturalmente, de estarem legalmente impedidos de utilizarem a abertura assim conseguida, para passarem pelo terreno do prédio daqueles.

Recurso dos RR.

Tendo-se decidido que a factualidade alegada não é suficiente para se declarar a constituição de uma servidão de passagem a onerar o prédio dos AA. estão necessariamente prejudicadas as conclusões 1ª a 3ª.

Importa, agora, conhecer a questão suscitada nas conclusões 4ª e 5ª, que é a de saber se os factos provados são ou não suficientes para se proferir uma condenação em indemnização por danos não patrimoniais.

O artigo 496º do Código Civil aceita, em termos gerais, a reparabilidade dos danos não patrimoniais, mas limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Por outro lado, a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada. cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, pág. 628.

Nesta linha, temos decidido de forma constante, que os simples incómodos, contrariedades ou contratempos não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.

Por isso, entendemos que da factualidade a considerar da resposta ao quesito 8º, excluindo os juízos de valor e conclusões, ou seja, que os AA. andaram irritados e não conseguiam dormir devido à passagem que os RR. fizeram sobre terreno do seu prédio por terem construído as aberturas para o prédio deles, são danos morais que não atingem suficiente gravidade para justificar a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária.


Procede, pois, o recurso dos RR. nesta parte e a sentença será também revogada na parte em que os condena a indemnizar os AA. por danos não patrimoniais.

DECISÃO:

Julga-se a apelação dos AA. procedente e revoga-se a sentença na parte que julgou a reconvenção procedente ( als. f), g) e h) e, consequentemente, condenam-se os RR. Isidro ... e mulher a retirarem o portão referido no ponto n.º 17 da matéria de facto provada.

Julga-se a apelação dos RR./apelantes parcialmente procedente e revoga-se a sentença na parte que os condenou a pagar uma indemnização por danos não patrimoniais ( al.d).

As custas na 1ª instância, relativamente à acção, serão suportadas por AA e RR, em partes iguais e da reconvenção ficam a cargo dos RR/reconvintes.
Nesta instância, as custas da apelação dos AA. ficam a cargo dos RR Isidro e mulher e as da apelação destes por eles e AA., em partes iguais.

Guimarães,