Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
809/13.5TTBRG.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A PRAZO
PERÍODO EXPERIMENTAL
DENÚNCIA DE CONTRATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1 - Durante o período experimental, quer o empregador, quer o trabalhador, não necessitam de invocar qualquer motivo para denunciar o contrato.
2 - Tendo o trabalhador sido contratado para trabalhar no Chile e tendo sido impedido pelas autoridades locais de entrar nesse país, não é abusivo o uso do poder de desvinculação.
3 - Não é abusiva a denúncia, se a evolução do mercado ou outros factores colocaram a empresa numa situação em que, em termos de bons e normais critérios de gestão, a relação não deve manter-se, mesmo ainda quando o trabalhador tenha mostrado competência.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

João… intentou a presente ação com processo comum emergente de contrato de trabalho contra “empresa, Ldª, pela qual pede se declare a ilicitude do seu despedimento, e, por via disso, ser a Ré condenada a pagar-lhe:
a) a quantia de € 5.000,00 a título de indemnização de danos não patrimoniais e da quantia de € 6.000,00 a título de indemnização de danos patrimoniais, ambos decorrentes da ilicitude do despedimento;
b) a quantia de € 80,00 a título de retribuição base em dívida relativa ao período de 3 a 5 de Setembro de 2012;
c) a quantia de € 13,16 de retribuição de férias não gozadas e correspectivo subsídio, proporcionais à duração do contrato;
d) a quantia de € 6,58 de subsídio de Natal proporcional à vigência do contrato de trabalho;
e) juros de mora legais, sobre as quantias acima discriminadas, contados a partir da citação e até efetivo e integral adimplemento; e
f) juros à taxa anual de 5%, a acrescer aos peticionados na alínea anterior, sobre o montante pecuniário em que a final for condenada, desde o trânsito em julgado da douta sentença que vier a ser proferida e, igualmente, até integral e efetivo cumprimento.
Alegou, para tanto, em síntese, que, tendo celebrado contrato de trabalho a termo com a Ré em 28/08/2012, esta denunciou o mesmo contrato em 05/09/2009, antes de o Autor ter iniciado a sua prestação de trabalho, considera, por isso, ilícita tal denúncia.
A ré contestou arguindo a prescrição dos alegados créditos do Autor, e que apenas denunciou o contrato dentro do período experimental, portanto, de forma lícita, não decorrendo daí qualquer direito indemnizatório para o Autor. O Autor deduziu resposta para refutar a exceção de prescrição arguida.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador que, entre o mais, julgou improcedente a arguida exceção peremtória de prescrição.
Procedeu-se a julgamento tendo sido proferida decisão julgando nos seguintes termos:
“ Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação, e, consequentemente:
a) condeno a Ré a pagar ao A. a quantia de 102,74 €, acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde 05/09/2012 até integral pagamento; e
b) absolvo a Ré do mais peticionado …”
Inconformado o autor interpôs recurso, concluindo em síntese:

3.ª - Dos factos provados ressaltam os seguintes: em 28-8-2012, o recorrente e a recorrida celebraram por escrito um contrato de trabalho a termo certo, pelo qual aquele foi admitido ao serviço daquela, para, sob a autoridade, direcção e fiscalização dela, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de oficial (construção civil), mediante a retribuição base mensal ilíquida de € 800,00, com um período normal de trabalho semanal de 40 horas, nos locais que aquela designasse, nomeadamente, no estrangeiro.. Santiago do Chile.
4.ª - O contrato destinava-se a produzir os seus efeitos a partir de 3-9-2012 e a durar pelo prazo de 6 meses.
5.ª - O contrato de trabalho consignava um período experimental correspondente aos primeiros 30 dias de execução do contrato, contados a partir do início da prestação de trabalho do recorrente, não sendo tidos em conta os dias de faltas, ainda que justificadas, de licença e de dispensa, bem como de suspensão do contrato, período experimental durante o qual qualquer das partes poderia denunciar o contrato sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a indemnização.
6.ª - Conforme ao contrato referido, a recorrida incumbiu o recorrente de executar tarefas próprias das atividades de construção civil e obras públicas, na obra de construção … em Santiago do Chile, República do Chile, com início em 3-9-2012.
7.ª - Para o efeito, a recorrida organizou a prestação de trabalho do recorrente no Chile, assumindo o encargo de preparar e custear os transportes entre Portugal e o Chile, a documentação necessária às viagens e estadia do recorrente, e o alojamento deste naquele país.

12.ª - Porém, desembarcado no Aeroporto A. Merino Benítez, em Santiago do Chile, o recorrente foi sujeito ao controlo do serviço de estrangeiros e fronteiras da autoridade policial chilena competente, que recusou a sua entrada na República do Chile.
13.ª - A justificação apresentada pelos serviços de estrangeiros e fronteiras da polícia chilena foi que o recorrente não possuía visto válido de entrada no país para trabalhar.
14.ª - Impedido de entrar no Chile, o recorrente regressou a Portugal, de avião.
15.ª - De volta a Portugal, o recorrente deparou com uma carta da Ré, datada de 3-9-2012, remetida pelos Correios em 4-9-2012, sob registo e aviso de recepção, e recebida em 5-9-2012.
16.ª - Por essa carta, subordinada ao ASSUNTO: Denúncia do contrato de trabalho, a recorrida comunicou ao recorrente o seguinte: Por referência ao contrato de trabalho a termo certo celebrado com V. Ex.ª em 28.08.2012 a vigorar pelo período de 6 (seis) meses, considerando que a sua execução ainda se encontra na fase do período experimental, serve a presente para comunicar a V. Ex.ª, a rescisão do mesmo, com efeitos a partir da data da recepção da presente missiva, o que fazemos nos termos das disposições conjugadas previstas no n.º1 do art.111º e al) a) do n.º2 do art. 112º e 113º, todos do Código do Trabalho, aprovado pela L 7/2009, de 12/02.
17.ª - Entre 3-9-2012 e 5-9-2012, dias durante os quais vigorou o contrato dos autos, o recorrente não desempenhou quaisquer tarefas para a recorrida, não chegou a prestar serviço efetivo para ela, nem no Chile, nem em Portugal, nem onde quer que fosse, tendo-se limitado a aguardar que a recorrida lhe distribuísse serviço.
18.ª - A recorrida, por sua única e exclusiva iniciativa, fez cessar o contrato de trabalho que celebrou com o recorrente, com efeitos de cessação da relação laboral a 5-9-2012.
19.ª - Para tanto, a recorrida pretextou a denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental, nos termos dos arts. 111.º, n.º 1, 112.º, n.º 2, al. a), e 113.º, todos do CT.

21.ª - O período experimental constitui uma situação de precariedade da relação laboral, na medida em que qualquer das partes lhe pode pôr termo a todo o momento, sem aviso prévio e sem consequências; daí que a lei o limite e discipline, tendo em vista a protecção do direito à segurança no emprego.
22.ª - O art. 113.º, n.º 1, do CT dispõe que o período experimental começa a contar-se a partir do início da execução da prestação do trabalhador.
23.ª - Esta norma deve conjugar-se com a do n.º 2 do art. 111.º do mesmo código: No decurso do período experimental, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho.

25.ª - O período experimental não se pode contar da data de celebração do contrato ou do começo de vigência do contrato; só se pode contar a partir do início da prestação efetiva do trabalho, pois só a partir desse momento é possível, por um lado (o do trabalhador), conhecer as condições em que o trabalho é prestado e, por outro lado (o do empregador), avaliar as aptidões do trabalhador para o exercício das tarefas concretas para as quais foi contratado.
26.ª - Só o tempo de trabalho efetivo serve a finalidade para que a lei laboral criou o período experimental.
27.ª - Porque não se chegou a iniciar, verdadeiramente, a contagem do período experimental, não assistia à recorrida o direito de denunciar o contrato.
28.ª - A admitir-se que o período experimental já se tinha iniciado e a recorrida tinha o direito de fazer cessar o contrato de trabalho, o que se não concebe nem concede, ao rescindir unilateralmente o contrato por carta datada do mesmo dia em que este entrou em vigor e sem que o recorrente tivesse efetivamente prestado quaisquer funções, sempre se conclui que a recorrida não exerceu verdadeiramente esse direito, mas abusou dele, porquanto excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e económico do contrato de trabalho – art. 111.º, n.º 2, do CT, e art. 334.º do Cód. Civ.
29.ª - Um facto cometido com abuso de direito é um facto ilegítimo e ilícito.
30.ª - Das conclusões antecedentes, resulta que a alegada “denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental” não pode operar como modalidade válida de cessação do contrato de trabalho.
31.ª - O que se verificou foi o puro e simples despedimento do recorrente – por iniciativa da recorrida, unilateral e imediatamente, sem justa causa, sem precedência de processo disciplinar ou de qualquer outro procedimento ou fundamento, despedimento esse reduzido à declaração de vontade contida na carta/doc. n.º 5 junto com a p.i.
32.ª - À luz do exposto e dos arts. 338.º e 381.º, al. c), do CT, o despedimento do recorrente foi ilícito.
33.ª - Consequentemente, com fundamento no art. 393.º, n.º 1, in fine, e n.º 2, do CT, o recorrente tem direito à indemnização de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que a recorrida lhe causou.
34.ª - No que respeita aos danos patrimoniais, os factos julgados como provados pelo Tribunal a quo permitem concluir que o recorrente, ante a celebração de um contrato de trabalho a termo certo, com a duração mínima de 6 meses, de 3-9-2012 a 3-3-2013, contava auferir, pelo menos, as retribuições salariais correspondentes a 6 meses de vencimento base (€ 800,00 x 6 = € 4.800,00) e as retribuições relativas a metade do período anual de férias, correspectivo subsídio de férias e subsídio de Natal proporcional a 6 meses (€ 400,00 x 3 = € 1.200,00).
35.ª - Cessado o contrato, da maneira supra especificada, o recorrente deixou de auferir as ditas retribuições, pelo que sofreu um dano patrimonial que se quantifica em igual montante: € 4.800,00 + € 1.200,00 = € 6.000,00.
36.ª - Determina a al. a) do n.º 2 do art. 393.º do CT que, sendo o despedimento declarado ilícito, a recorrida deva ser condenada no pagamento ao recorrente da indemnização de todos os danos patrimoniais, a qual, por sua vez, não deve ser inferior às retribuições que o recorrente deixou de auferir desde a data do início de vigência do contrato (3-9-2012) até ao que seria o termo certo do contrato (3-3-2013), ou seja, € 6.000,00, descontada das retribuições relativas ao período de 3-9-2012 a 5-9-2012, no montante de € 102,74, em cujo pagamento ao recorrente a recorrida foi já condenada, pela sentença proferida na primeira instância.
37.ª - Salvo o devido respeito, a decisão ora impugnada, ao julgar válida a denúncia do contrato de trabalho durante o período experimental e lícita, formal e substancialmente, a forma de cessação do contrato de trabalho promovida pela recorrida, não fez a interpretação e a aplicação correctas dos arts. 111.º a 114.º, 338.º, 381.º, al. c), e 393.º, n.º 1, in fine, e n.º 2, do CT, nem do art. 334.º do Cód. Civ.
38.ª - A decisão recorrida violou, além de outras que V. Exas. observarão, as normas legais seguintes: arts. 111.º a 114.º, 338.º, 381.º, al. c), e 393.º, n.º 1, in fine, e n.º 2, todos do Cód. Trab., e art. 334.º do Cód. Civ.
Sem contra-alegações.
O digno PGA deu parecer no sentido da procedência.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
***
Factualidade:
a) A Ré dedica-se: à indústria de construção civil, designadamente, construção de edifícios; à empreitada de obras públicas, nomeadamente, construção de estradas, vias férreas, aeroportos e instalações desportivas; às atividades de acabamento no âmbito da construção civil, tais como pintura e colocação de vidros; à demolição e terraplenagens; e à compra e venda de bens imóveis.
b) Em 28 de Agosto de 2012, o Autor e a Ré celebraram por escrito um acordo, a que deram o nome de CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO, em que a Ré figurou como PRIMEIRA e Empregador e o A. foi designado por SEGUNDO e Trabalhador.
c) Do documento em menção constavam, entre outras, as cláusulas que se transcrevem textualmente:
PRIMEIRA: Categoria e conteúdo
O trabalhador é admitido ao serviço do Empregador para, sob a autoridade, direcção, fiscalização deste, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Oficial (construção civil) e bem assim as funções que lhe sejam afins ou estejam funcionalmente ligadas.
SEGUNDA: Retribuição
1. A retribuição base mensal do Trabalhador é fixada na quantia de ilíquida de € 800,00 (oitocentos euros) para a duração semanal inicialmente acordada nos termos do nº1 da Cláusula Quarta, ficando sujeita a todas as funções que lhe sejam afins ou estejam funcionalmente ligadas.
(…)
TERCEIRA: Local de Trabalho
1. O local de trabalho será na sede Empregador … ou em qualquer outro estabelecimento em que o Empregador passe a exercer a sua atividade, ou ainda, em qualquer outro local do território nacional ou internacional onde o trabalhador se encontre a executar obras ou a fornecer bens e serviços, designadamente na obra sita em … Santiago do Chile
2. O disposto na presente Cláusula não restringe a aplicação do regime de transferência de local de trabalho, previstos nos arts 194 a 196 do Código do Trabalho, aprovado pela L7/2009, de 12/02.
3. O Trabalhador fica obrigado às deslocações eventualmente impostas pelas suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional.
QUARTA: Período e horário de trabalho
1. O Trabalhador fica inicialmente sujeito ao período normal de trabalho semanal de 40 horas.
2. O horário de trabalho será o seguinte: 8h00 às 12h00, com intervalo de descanso entre as 12h00 e as 13h30, e das 13h30 às 17h30, de segunda à sexta-feira.
(…)
SEXTA: Início e duração
1. O presente contrato produz os seus efeitos a partir de 03.09.2012 e durará pelo prazo de 6 (seis) meses, considerando-se automaticamente renovado por igual períodos, até ao limite de três vezes, caso o Empregador ou o Trabalhador não comuniquem, por escrito, a vontade de o fazer cessar, respectivamente, 15 (quinze) ou 8 (oito) dias antes do termo do prazo inicial ou de qualquer das suas eventuais renovações.
(…)
SÉTIMA: Justificação
O motivo justificativo da celebração do presente contrato consiste no seguinte: acréscimo excecional de trabalho na empresa, concretamente um aumento do mercado chileno, para a construção do …, sito … – Santiago do Chile, que se prevê de duração igual ao do contrato agora estabelecido, de acordo com o disposto na al. f) do nº4 do artº 140 do Código de Trabalho.
OITAVA: Período experimental
1. O período experimental corresponderá aos primeiros 30 (trinta) dias de execução do contrato.
2. O período experimental começa a contar-se a partir do início da prestação do Trabalhador, compreendendo as ações de formação ministradas pelo Empregador ou frequentadas por determinação deste, desde que não excedam metade do período experimental.
3. Para efeitos de contagem do período experimental não são todos tidos em conta os dias de faltas, ainda que justificadas, de licença e de dispensa, bem como de suspensão do contrato.
4. Durante o período experimental, qualquer das partes pode denunciar o presente contrato sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo direito a indemnização.
d) Conforme ao contrato referido, a Ré incumbiu o A. de executar tarefas próprias das atividades de construção civil e obras públicas, especificamente na obra de construção …, em Santiago do Chile, República do Chile, com início em 3 de Setembro de 2012.
e) Para o efeito, a Ré organizou a prestação de trabalho do A. no Chile, assumindo o encargo de preparar e custear os transportes entre Portugal e o Chile, a documentação necessária às viagens e estadia do A., e o alojamento deste naquele país.
f) Assim, cumprindo instruções escritas da Ré, o A. deslocou-se de Portugal ao Aeroporto de Vigo, em Espanha, onde, em 31-8-2012, às 10h15, embarcou no vôo IB 2481, da companhia de aviação…, para Madrid, também em Espanha, aonde chegou às 11h20m do mesmo dia.
g) E de Madrid, no Aeroporto de Barajas, o A. partiu no dia 1-9-2012, às 00h20m, no vôo IB 6831, da…, para o Chile, aterrando no Aeroporto A. Merino Benítez, de Santiago do Chile, às 07h50m do dia 1-9-2012.
h) Sendo os dias 1 e 2 de Setembro de 2012 sábado e domingo, respectivamente, o A. instalar-se-ia no alojamento que lhe estava destinado, restabelecer-se-ia da viagem intercontinental e, na segunda-feira seguinte, 3 de Setembro de 2012, iniciaria o desempenho efetivo das suas funções.
i) O A. tinha também reservas confirmadas de vôos de volta a Portugal, a saber, às 13h00 do dia 21-9-2012 de Santiago do Chile para Madrid, com chegada às 07h00 do dia 22-9-2012, e às 12h00 do dia 22-9-2012 de Madrid para Vigo, com chegada às 13h10m, fazendo o resto da viagem até Portugal de automóvel.
j) Porém, desembarcado no Aeroporto A. Merino Benítez, em Santiago do Chile, o A. foi sujeito ao controlo do serviço de estrangeiros e fronteiras da autoridade policial chilena competente, que recusou a sua entrada na República do Chile.
k) A justificação apresentada pelos serviços de estrangeiros e fronteiras da polícia chilena foi que o A. não possuía visto válido de entrada no país para trabalhar.
l) Impedido de entrar no Chile, o A. regressou a Portugal, de avião.
m) De volta a Portugal, o A. deparou com uma carta da Ré, datada de 3 de Setembro de 2012, remetida pelos Correios em 4 de Setembro de 2012, sob registo e aviso de recepção, e recebida em 5 de Setembro de 2012.
n) Por essa carta, subordinada ao ASSUNTO: Denúncia do contrato de trabalho, assinada pelo único sócio e gerente da Ré, …, sobre o carimbo comercial desta, a Ré comunicou ao A. o seguinte: “Por referência ao contrato de trabalho a termo certo celebrado com V. Ex.ª em 28.08.2012 a vigorar pelo período de 6 (seis) meses, considerando que a sua execução ainda se encontra na fase do período experimental, serve a presente para comunicar a V. Ex.ª, a rescisão do mesmo, com efeitos a partir da data da recepção da presente missiva, o que fazemos nos termos das disposições conjugadas previstas no n.º1 do art.111º e al) a) do n.º2 do art. 112º e 113º, todos do Código do Trabalho, aprovado pela L 7/2009, de 12/02.”
o) Entre 3 e 5 de Setembro de 2012, dias durante os quais vigorou o contrato dos autos, o A. não desempenhou quaisquer tarefas para a Ré, não chegou a prestar serviço efetivo para ela, nem no Chile, nem em Portugal, nem onde quer que fosse, tendo-se limitado a aguardar que a Ré lhe distribuísse serviço.
***
Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa saber se a denúncia efetuada foi ilícita, se essa ilicitude implica despedimento ilícito e quais os direitos do recorrente.
Invoca o recorrente que o período experimental não se pode contar da data de celebração do contrato ou do começo de vigência do contrato; só se pode contar a partir do início da prestação efetiva do trabalho, pois só a partir desse momento é possível avaliar as aptidões do trabalhador para o exercício das tarefas concretas para as quais foi contratado. Só o tempo de trabalho efetivo serve a finalidade para que a lei laboral criou o período experimental.
Assim não assistia à recorrida o direito a denunciar, porquanto não chegou a prestar qualquer trabalho.
Posição diferente sustentou a ré.
Refere o artigo 111º do CT:
1 - O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção.
2 - No decurso do período experimental, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho.
3 - O período experimental pode ser excluído por acordo escrito entre as partes.
O artigo 113º dispõe:
1 - O período experimental conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo ação de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da duração daquele período.
2 - Não são considerados na contagem os dias de falta, ainda que justificada, de licença, de dispensa ou de suspensão do contrato.
E o 114º:
Denúncia do contrato durante o período experimental
1 - Durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.

Resulta do regime legal que quer o empregador quer o trabalhador, não necessitam invocar qualquer motivo para denunciar o contrato durante o período experimental. No caso presente coloca-se a questão de saber se se chegou a entrar no período experimental, e se ocorre motivação abusiva, fora do quadro da avaliação das aptidões do trabalhador.
Comecemos por esta última questão:
A liberdade de desvinculação consagrada no artigo 114º tem a ver com as razões que são determinantes para a consagração legal do período experimental, daí que possamos dizer que não será lícita a denúncia motivada por causas completamente estranhas a tais razões.
Contudo, a apreciação que se pretende com o período experimental é uma avaliação global dos termos concretos do desenvolvimento da relação laboral estabelecida. As partes podem avaliar da adequação entre os termos de certo negócio jurídico e os respetivos interesses na manutenção desse mesmo negócio a longo prazo.
Importa atentar nas caraterísticas da relação a estabelecer – duradoura e intuitus personae -, implicando um relacionamento humano, onde intercorre a lealdade e a confiança, bem como intercorre um relacionamento por parte do trabalhador com os restantes trabalhadores e colaboradores da empresa, importando o modo como ele se insere nessa “comunidade”.
Pretende-se dar às partes a possibilidade de um conhecimento mais aprofundado sobre as vantagens na manutenção do vínculo, tendo em conta o que esperam do contrato e os seus interesses; conhecimento esse que resulta da própria execução do contrato, da sua vivenciação, tendo em vista sobretudo (mas não só), por parte do empregador, avaliar as aptidões do trabalhador. O empregador avalia a “compatibilidade do contrato com os respetivos interesses, conveniências ou necessidades.” No seu cerne está uma avaliação do desempenho, mas com uma abrangência mais lata que a simples aptidão para o cargo”.
Não se trata de uma pura apreciação das qualidades técnicas. O trabalho vai ser desenvolvido no âmbito de uma empresa, de um organização de um conjunto de fatores, incluindo humanos. A apreciação da própria interação com os restantes elementos humanos da estrutura relava aqui, seja; a avaliação da sua integração e conjugação da sua prestação no quadro da organização empresarial.
Relevará também a ponderação por parte da empresa de novas estratégias, alterações de mercado, etc… que tornem a manutenção do contrato desaconselhável do ponto de vista dos seus interesses e necessidades empresarias. Isto ainda que a apreciação da competência e inserção do trabalhador se mostrem positivas. Não teria sentido por exemplo que em face de uma súbita crise de mercado que aconselhe uma diminuição de mão de obra, se obrigasse a empresa a manter o contrato em período experimental, obrigando-a a um sempre demorado e burocrático processo de despedimento por justa causa objetiva.
Apenas se exclui daquela apreciação o que possa redundar em arbítrio, tais como caraterísticas pessoais sem reflexo na relação, ou que não devam relevar por obediência a princípios caros à Comunidade e ao Estado.
Excluídas estão pois razões motivadas por preferências, gostos pessoais, orientações do trabalhador não relacionados com o seu desempenho profissional, e todos as circunstâncias cuja apreciação implica tratamento discriminatória desse trabalhador.
Neste quadro é proibida a utilização abusiva das faculdades concedidas no âmbito do período experimental, em por termo à relação.
Causas estranhas à verificação da “compatibilidade do contrato com os respetivos interesses, conveniências ou necessidades”, decorrente do conhecimento que a execução do contrato fornece, tornarão abusiva a denúncia.
Em face deste facto e tendo como pano de fundo que o contrato vigorou, embora não tenha ocorrido efetiva prestação de serviço, dado o impedimento de entrada no Chile por parte das autoridades daquele país, não nos afigura como abusivo o uso do poder de desvinculação.
Não deve considerar-se abusivo o uso das faculdades referidas, como já resulta do anteriormente exposto, se a evolução do mercado ou outros fatores colocaram a empresa numa situação em que, em termos de bons e normais critérios de gestão, a relação não deve manter-se, mesmo ainda quando o trabalhador tenha mostrado competência. Face à nova situação já não é conveniente ou necessário o contrato, do ponto de vista dos interesses da empresa. Seja, da dinâmica da vida, dos mercados, da própria estrutura empresarial, que se patenteou durante o decurso do período experimental, veio a resultar que afinal a manutenção do vínculo não é adequado aos interesses que determinaram a contratação.
O período experimental não pode olvidar, quanto aos seus objetivos, as questões atinentes à gestão de recursos humanos, tendo em conta as necessidades da estrutura empresarial em cada momento. Não pode esquecer as vantagens ou não do “recrutamento” que podem oscilar durante o decurso do período, por razões atinentes à dinâmica da vida empresarial e dos mercados.
O abuso de direito deve implicar pois uma apreciação global da situação, sob pena de vir a implicar uma inutilização do mecanismo com a consequente insegurança no “tráfego jurídico “ relativamente ao mesmo.
No caso temos que o contrato foi celebrado devido ao acréscimo de serviço no Chile. Ora, impossibilitada essa prestação, tendo em conta que o recrutamento não se afigurava necessário para Portugal, não vemos como possa considerar-se abusiva a denúncia.
Sendo que o recorrente não chegou a iniciar a prestação de trabalho, contudo o contrato iniciou-se e o autor obedeceu a ordens da recorrida. Como se refere na decisão recorrida:
“É certo que o período experimental corresponde ao “tempo inicial da execução do contrato” (artigo 111º, nº 1 do CT) e pressupõe a “execução da prestação do trabalhador (artigo 113º, nº 1 do CT). Contudo, no caso dos autos, pese embora o Autor ainda não tivesse iniciado o exercício das funções de oficial de construção civil para que tinha sido contrato quando recebeu a comunicação de denúncia do contrato, consideramos que o dia 3 de Setembro e seguintes teriam de ser incluídos para efeitos de contagem do período experimental. Com efeito, neste período são incluídos “os dias em que de acordo com a normal execução do contrato, não se pressupõe que o trabalho seja executado, como os dias de descanso semanal, os feriados e as férias. Inversamente, não são considerados na contagem do período de prova os dias em que a prestação laboral não foi executada, devido, por exemplo a faltas (justificadas ou não), licenças ou suspensão do contrato.” (PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 3ª Edição, pág. 586).
Ora, quando o Autor viajou para o Chile já estava à disposição do empregador, pelo que o contrato que havia celebrado já estava em execução. Conforme o próprio alega, o Autor foi de Portugal para Espanha e deste país viajou de avião para o Chile, cumprindo instruções escritas da Ré…”
É de confirmar o decidido.
*
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação confirmando-se a decisão.
Custas pelo recorrente.
Guimarães, 30/04/2015
Antero Veiga
Moisés Silva
Manuela Fialho (vencida, pois considero abusiva a denúncia se o trabalhador não teve oportunidade de iniciar funções)