Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | AMÍLCAR ANDRADE | ||
Descritores: | SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO FUNDAMENTAÇÃO DECISÃO LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/15/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I. A finalidade da sanção pecuniária compulsória não é a de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de incitar o devedor ao cumprimento do decidido, sob a intimação do pagamento duma determinada quantia por cada período de atraso no cumprimento da prestação ou por cada infracção. II. É a própria lei - artigo 933º, 1, do Cód. Proc. Civil – que expressamente admite o requerimento de tal sanção no âmbito do procedimento executivo para prestação de facto. III. A fundamentação consiste no conjunto das razões de facto e/ou de direito em que assenta a decisão; os motivos pelos quais se decide de determinada forma. E, no que toca à fundamentação de direito, esta contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador, não sendo indispensável, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Maria …. intentou contra Manuel …. e Gracinda …. a presente acção executiva para prestação de facto, alegando: Por douta sentença já transitada em julgado, foram os Réus, aqui executados, condenados a: A) Declarar que sobre o seu prédio rústico, denominado “Campo de Cima da Fonte” sito no lugar de São Bento, freguesia de Tamel S. Fins, desta comarca e beneficiando o prédio da Autora, sito nos mesmos lugar e freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 213, se encontra constituída uma servidão de passagem, destinação de pai de família, tendo, consequentemente, aquela Autora e as pessoas a seu mando o direito a acederem livremente a uma faixa de terreno daquele prédio que, tendo o seu início no caminho público que passa a Norte do prédio dos Réus, termina no prédio dela Autora. B) Condenarem os Réus a reconhecerem aquele direito de servidão e a absterem-se da prática de qualquer acto que ponha em causa o exercício daquele direito pela Autora. C) Condenarem-se ainda os Réus a fornecer à Autora cópia de uma chave do cadeado que fecha a cancela existente à entrada daquele seu prédio. Apesar de condenados e das sucessivas solicitações feitas pela Autora e pelo seu mandatário em seu nome, os Réus aqui executados não procederam à entrega da chave, nem mesmo franquearam a entrada ao caminho de servidão que passa pelo seu prédio, continuando a impedir a Autora de aceder ao seu prédio. Assiste, assim, à Autora/Exequente o direito de reclamar a entrega da referida chave e o livre acesso ao seu prédio através do recurso à referida servidão de passagem. Ao abrigo do disposto no artº 939º do CPC, deverá fixar-se um prazo judicial, sendo que a exequente reputa como suficiente e adequado um prazo de 10 dias a contar da data em que termine o prazo da oposição à execução. Findo que seja o prazo fixado judicialmente para entrega da chave, sem que a mesma se mostre entregue à exequente ou franqueada a abertura do prédio dos executados, os mesmos constituir-se-ão em mora. Por cada dia de atraso no cumprimento daquelas obrigações, deverá fixar-se uma quantia não inferior a 50,00 €, contados desde a data em que os mesmos se constituíram em mora até efectivo cumprimento. Requereu, assim, que: Sejam os executados citados para no prazo de 20 dias procederem à entrega da chave da cancela que dá acesso ao caminho de servidão e absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam a exequente de exercer os seus direitos, ou, no mesmo prazo, virem dizer o que se lhes oferecer: Fixado que seja o prazo judicial de entrega da chave e mostrando-se que os executados não procederam ao cumprimento das obrigações a que foram condenados no prazo devido, entrando em mora, deverão os executados ser condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante de € 50,00 por cada dia de atraso no cumprimento daquelas obrigações, com início no 1º dia após o fim do prazo fixado judicialmente até integral pagamento. A fls.19 veio a ser proferido despacho judicial, fixando o prazo de 10 dias para os executados entregarem uma cópia da chave do cadeado que fecha a cancela existente à entrada do seu prédio, a fim de possibilitar-lhe o exercício do direito de passagem que lhe foi reconhecido na sentença apresentada como título executivo. A fls. 29 veio a Exequente apresentar requerimento para prestação de facto por outrem, nos termos dos artºs 940º/2 e 933º/1 do CPC. Alega que apesar de citados os executados não procederam à entrega da chave, encontrando-se a Exequente impossibilitada de aceder ao seu prédio, o que lhe tem acarretado graves prejuízos. A fls. 36 veio a ser proferida a seguinte decisão: “Uma vez que a prestação de facto em causa (entrega de chave do cadeado, de forma a permitir a passagem da exequente) é uma prestação infungível, isto é, não pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem que daí resulte prejudicado o interesse do credor, fixa-se a sanção pecuniária compulsória requerida, que só tem aplicação no caso de prestações infungíveis, e com a finalidade de obrigar o devedor a cumprir (cfr. arts. 939º, n.º 1, 2ª parte, e 933º, n.º 1, do CPC, e 829º-A do CC). Pelo exposto, defiro a requerida fixação da sanção pecuniária compulsória, em 50,00 € por cada dia de atraso no incumprimento da obrigação. Custas pelos executados. Notifique” Inconformados com esta decisão, vieram os executados interpor recurso, o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo”. Contra-alegou a recorrida, defendendo a improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Os factos Os constantes deste Relatório. O Direito Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes – artºs 684º, nº3 e 690º, nº1 do Cód. Proc. Civil. Das conclusões do apelante se vê que o objecto do recurso se prende essencialmente com a seguinte questão: Saber se a faculdade de requerer fixação da sanção pecuniária compulsória apenas é concedida em acção declarativa e não no processo executivo. Na alegação de recurso, os executados/apelantes põem em causa a possibilidade de a exequente requerer fixação de sanção pecuniária compulsória nos autos de execução, defendendo que a faculdade de requerer fixação da sanção pecuniária compulsória apenas é concedida em acção declarativa e não no processo executivo. Que dizer? A sanção pecuniária compulsória vem prevista no art.º 829º-A do C. Civil. Este artigo consagrou a sanção pecuniária compulsória, que é um meio de coerção destinado a assegurar, simultaneamente, o cumprimento das obrigações e o prestígio da justiça (A. Pinto Monteiro, ROA, 46º-763). Como se refere no próprio relatório do DL n.º 262/83, de 16 de Junho, a sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Assim, a sanção pecuniária compulsória visa contrariar a recusa do devedor do cumprimento da obrigação em que foi condenado, através do agravamento da sua responsabilidade, constituindo um mecanismo eficaz para alcançar a execução efectiva da prestação em dívida. A sua finalidade não é a de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de incitar o devedor ao cumprimento do decidido, sob a intimação do pagamento duma determinada quantia por cada período de atraso no cumprimento da prestação ou por cada infracção. Por outro lado, o artigo 933º, 1, do Código de Processo Civil, dispõe que se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha já sido condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo. Por seu turno, diz o nº1 do artº 939º do Cód. Proc. Civil: «quando o prazo para a prestação não esteja determinado no título executivo, o exequente indica o prazo que reputa suficiente e requer que, citado o devedor para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, o prazo seja fixado judicialmente; o exequente requer também a aplicação da sanção pecuniária compulsória, nos termos da 2ª parte do nº 1 do artigo 933º». Decorre destes normativos que, mesmo que a sentença não contivesse essa condenação, estavam os exequentes legitimados a requerer a aplicação de sanção pecuniária compulsória, obtendo a sua fixação no próprio processo executivo (artigos 933º, 1, e 939º, 2, do Código de Processo Civil). É a própria lei - artigo 933º, 1, do Cód. Proc. Civil – que expressamente admite o requerimento de tal sanção no âmbito do procedimento executivo para prestação de facto. “É hoje inquestionável, face à redacção dada ao artº 933º do CPC pelo DL nº 38/2003, de 8-3, que a sanção pecuniária pode ser pedida no requerimento executivo, não tendo de constar da sentença condenatória que serve de título à execução” (Ac. RP, de 26.5.2008: Proc. 0850288. dgsi.Net). Improcede, assim, este ponto do segmento conclusivo do recurso. Sustentam ainda os recorrentes que o despacho recorrido não está fundamentado, pelo que o tribunal a quo não deu cumprimento ao estatuído no artigo 158º do CPC. O artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Obedecendo a esse comando constitucional, o n.º 1 do artigo 158.º estabelece que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, acrescentando o artigo 668.º n.º 1 b) que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. A fundamentação consiste no conjunto nas razões de facto e/ou de direito em que assenta a decisão; os motivos pelos quais se decide de determinada forma. E, no que toca à fundamentação de direito, esta contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador. Não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão. Por outro lado, vem sendo unanimemente entendido que apenas a falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito constitui a nulidade prevista na al. b) do nº.1 do dito art. 668.º - cfr. A. dos Reis in CPC Anot. Vol. V. pág. 140, Prof. Castro Mendes in Direito Processual Civil, vol. II, pág. 806 e, para além dos já referidos, os Acs. do STJ de 15.3.74, in BMJ 235-152, de 8.4.75, in BMJ 246-131, de 24.5.83, in BMJ 327-663 e de 4.11.93, in CJ - Acs, do STJ, ano I, 3, 10. Examinado o despacho recorrido, logo se constata que o Meritíssimo Juiz nela fez constar as razões que a conduziram à decisão que proferiu. Nela também se faz menção da finalidade da sanção pecuniária compulsória fixada. E quanto ao montante da sanção pecuniária compulsória, foi fixado o indicado pela Recorrida, que não mereceu qualquer impugnação por parte dos Recorrentes, sendo certo que a oposição dos recorrentes foi dirigida apenas contra a admissibilidade da sanção pecuniária compulsória na acção executiva. É, por isso, manifesto que a decisão está fundamentada. A circunstância de, porventura, se entender que a decisão podia ter mais fundamentação não significa que não tem a suficiente. Da litigância de má fé |