Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
293/09.8TCGMR.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
JUROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Tendo o A., de 45 anos à data do acidente, ficado afectado, em consequência de acidente de viação em foi interveniente, de uma IGP (incapacidade geral permanente) de 17,065%, com incapacidade absoluta para a sua profissão habitual de manobrador de máquinas, e tendo deixado de auferir, por força dessa incapacidade, o rendimento anual de € 6.031,94 (correspondente ao valor mensal de € 430,85), considera-se justo e equilibrado fixar-lhe, a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro (dano biológico), a quantia de € 67.000,00, fixado na 1ª instância;
II – Considera-se também justa e equilibrada a quantia de € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais, considerando as lesões que o A. sofreu no acidente: traumatismo do membro inferior esquerdo com fratura exposta dos ossos da perna; esfacelo distal da perna e do pé; e lesão vascular associada – laceração da artéria tibial posterior, que lhe demandaram dores de grau 5 numa escala de 1 a 7; o período de tempo que tais lesões demoraram a curar (739 dias, sendo 99 com Incapacidade Total Absoluta e 640 com Incapacidade Permanente Parcial); as sequelas que tais lesões deixaram no A: marcha claudicante; diferença no perímetro da coxa e perna esquerdas em relação ao da direita; dano estético de grau 3, traduzido em cicatrizes no membro inferior esquerdo e outras zonas do corpo, que comprometem o retomo venoso, do pé e do terço distal da perna; e um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 17,065 pontos com incapacidade absoluta para a profissão habitual.
III - Os juros de mora da indemnização devida a título de danos não patrimoniais contam-se a partir da decisão, quando essa indemnização tenha sido actualizada na decisão que a fixou.
Decisão Texto Integral: Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Desembargadora Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Desembargador Francisco Xavier
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C demanda, nesta ação declarativa com processo ordinário, “Companhia de Seguros F”, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 417.013,62, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alegou para o efeito que o montante peticionado corresponde aos danos de natureza patrimonial e não patrimonial, sofridos em consequência de acidente de viação causado por culpa exclusiva do condutor de veículo automóvel segurado pela Ré.
O valor peticionado corresponde a:
- € 35.000,00, a título de danos morais;
- € 20.809,13, a título de remunerações do trabalho que deixou de auferir num dos seus dois empregos, entre a data do acidente e a data da propositura da ação;
- € 1.452,00, a título de valores remuneratórios (horas extra) que deixou de auferir no seu outro emprego, entre Janeiro de 2009 e a data da propositura da ação;
- € 359.162,49, a título de indemnização pelos prejuízos patrimoniais correspondentes à redução da sua capacidade de trabalho e de ganho (IPP);
- € 340,00, a título de honorários médicos;
- € 250,00, das roupas que vestia na ocasião do acidente.
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A Ré “F” contestou, aceitando a versão do acidente descrita pelo Autor e impugnando os danos que são fundamento do pedido.
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A fls. 481 e ss. dos autos, veio a “V, S.A.” formular, ao abrigo do disposto no art.º 46º do DL 503/99 de 20.11, pedido de indemnização civil, de condenação da Ré “Fidelidade” a pagar-lhe as quantias de:
- € 10.209,90 a título de reembolso das remunerações pagas pela Requerente ao Autor durante o período em que esteve com incapacidade temporária absoluta, conforme alegado nos artigos 21º a 25º;
- o valor correspondente à pensão anual e vitalícia de € 4.108,09, com efeitos reportados a 27.07.2008, acrescido das atualizações que vierem a ser fixadas anualmente pelo Estado Português, sendo que a pensão anual atualizada é de € 4.227,30 no ano de 2009, € 4.280,00 no ano de 2010, e de € 4.331,46 no ano de 2011.
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A Ré contestou o pedido da “V”, impugnando, por desconhecimento, a matéria de facto alegada.
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Tramitados os autos, foi proferida a seguinte decisão:
“A - Julgo parcialmente procedente o pedido formulado pelo Autor, condenando a Ré “Companhia de Seguros F” a pagar-lhe a quantia total de € 100.269,89 (cem mil, duzentos e sessenta e nove euros, oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre a quantia de € 82.269,89 (oitenta e dois mil, duzentos e sessenta e nove euros, oitenta e nove cêntimos) desde a data da citação e vincendos sobre a quantia de € 18.000,00 (dezoito mil euros) desde a presente data, em ambos os casos até efetivo e integral pagamento;
B- Julgo parcialmente procedente o pedido formulado pela “V, S.A.”, condenando a Ré “Companhia de Seguros” a pagar-lhe a quantia de € 10.209,90, acrescida de juros contados à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento;
C - Absolvo a Ré “Companhia de Seguros F”, da parte restante dos pedidos formulados pelo Autor e pela “V”.
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Não se conformando com a decisão proferida, veio o A dela interpor recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
“1ª O demandante C, à data do acidente (19.08.2006) tinha dois empregos:
a) – V, S.A. onde trabalhava sábados e domingos e feriados, e
b) – Empresa E, Lda, onde trabalhava de 2ª a 6ª feira, ambas incluídas, com máquinas da construção civil.
2ª O demandante, nessa data, ganhava o seguinte:
a) – vencimento base (14 vezes por ano) - 688,91 €; subsídio de férias e de Natal 114,69 € b) subsídio de turno 103,34 €; c) horas extras 220,00 €; d) subsídio de refeição (11 vezes) 82,95 € - o que, tudo, representa a quantia de 1.209,89 €.
Em 2009 o seu rendimento já era de 20.954,50 €.
3ª Na empresa E, Lda:
a) o seu salário, 14 vezes por ano, era de 452,00 €; b) subsídio de férias e de Natal - 75,33 €; c) subsídio de alimentação (11 vezes por ano) - 92,40 €, o que significava um rendimento mensal de 616,73 €.
4ª O que significa que o demandante ganhava por mês a quantia de 1.826,62 €.
5ª O acidente dos autos, que vitimou o demandante, foi simultaneamente de viação e de trabalho, tendo-se ficado a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo 61-88-UE, J, e propriedade de C, que tinha transferido a sua responsabilidade civil emergente da sua circulação para a F por contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice 75034862.
6ª Em consequência do acidente, o demandante C, ficou gravemente ferido:
7ª Em consequência do acidente, o Autor sofreu traumatismo do membro inferior esquerdo com: fratura exposta (grau IIIC) dos ossos da perna; esfacelo distal da perna e do pé; e lesão vascular associada – laceração da artéria tibial posterior (artigo 1º da base instrutória); o Autor foi inicialmente assistido na Unidade de Guimarães – Centro Hospitalar do Alto Ave (CHAA) (artigo 2º da base instrutória);
8ª E posteriormente transferido para o Hospital de S. João do Porto, por apresentar compromisso vascular da perna e pé esquerdos, onde foi: - operado por Cirurgia Vascular e submetido a aplicação de enxerto de interposição de segmento da veia safena interna abaixo do joelho, na artéria tibial posterior e osteotaxia da tíbia com fixador externo (Hoffmann II); e submetido a encavilhamento retrógrado do peróneo com cravo de Steinman (artigo 3º da base instrutória);
9ª Em 28.08.2006, foi transferido do Hospital de S. João para a Unidade de Guimarães – CHAA, onde permaneceu no serviço de Cirurgia Vascular até 31/08/2006, data em que transitou para o Serviço de Ortopedia (artigo 4º da base instrutória); Durante o internamento, o Autor desenvolveu uma complicação infeciosa e necrose extensa da pele na região do esfacelo com exposição tendinosa na face anterior da perna e zona extensora do pé esquerdo (artigo 5º da base instrutória); Foi tratado e em 02.11.2006 submetido a enxerto cutâneo retirado da face anterior da coxa esquerda (artigo 6º da base instrutória);
10ª Em 17.11.2006, o Autor teve alta do internamento hospitalar e transitou para os Serviços Clínicos da “Allianz” e Hospital de Santa Maria, no Porto, onde veio a ser operado por 3 vezes: as primeiras duas intervenções visaram a correção da pseudartrose da tíbia com aplicação e enxerto ósseo retirado do osso ilíaco esquerdo na 1ª e da face anterior da tíbia na 2ª; a 3ª intervenção consistiu na artrodese tíbio-társica esquerda (fixação cirúrgica do tornozelo) (artigo 7º da base instrutória);
11ª O Autor foi tratado nos serviços clínicos da “Companhia de Seguros A, S.A.”, tendo tido: - um Período de Défice Funcional Temporário Total de 99 dias; - um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 640 dias; - um Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 739 dias; - uma consolidação médico legal das lesões em 26.08.2008 (artigo 38º da base instrutória);
Em 26.08.2008, o Autor teve alta definitiva dos Serviços Clínicos da Companhia de Seguros A (artigo 8º da base instrutória);
12ª Em resultado das lesões sofridas no acidente, o Autor ficou com as seguintes sequelas, no membro inferior esquerdo: - marcha claudicante; - perímetro da coxa a quinze centímetros da linha interarticular do joelho esquerdo com quarenta e sete centímetros e meio (contra-lateral com cinquenta e um centímetros e meio); - perímetro da perna a quinze centímetros da linha inter-articular do joelho esquerdo com trinta e cinco centímetros (contra-lateral com trinta e oito centímetros e meio); - medição dos membros inferiores com oitenta e um centímetros bilateralmente; - área cicatricial de esfacelo e edema do terço cistal da perna esquerda; - edema do tornozelo esquerdo; - pele destas áreas escerecida; - onicomicoses dos primeiros dedos dos pés bilateralmente, mais marcada à esquerda; - cicatriz distrófica de sete por cinco centímetros de maiores eixos localizada na face anterior do terço inferior da coxa esquerda - zona dadora de enxerto cutâneo; - área com alteração de cor e textura (enxerto) com nove por dezassete centímetros de maiores eixos na face antero-interna da coxa esquerda; - cicatriz distrófica de tonalidade avermelhada, com nove centímetros de extensão, localizada na face interna da perna esquerda, abaixo do joelho - zona dadora do “enxerto vascular - segmento da veia safena interna”; - cicatriz de três centímetros de extensão, localizada na face anterior da perna, de cima para baixo e de dentro para fora; - zona dadora de enxerto ósseo retirado da tíbia à direita; - três cicatrizes numulares de oito milímetros, resultantes da aplicação de fixadores externos; - quatro cicatrizes distróficas alargadas e deprimidas localizadas na face interna do terço distal da perna esquerda e da face interna e posterior, com oito por quatro centímetros de maiores eixos, quinze centímetros e meio por quatro centímetros e meio de maiores eixos e treze centímetros de comprimento (curvilínea de concavidade superior), e na face anteroinferior do maléolo interno do tornozelo esquerdo com seis por três centímetros e meio de maiores eixos. Estas cicatrizes comprometem o retomo venoso, do pé e do terço distal da perna; - cicatrizes distróficas e dolorosas; - cicatriz de seis centímetros e meio da cor da pele, oblíqua de cima para baixo, de fora para dentro, com marcas de pontos de sutura, em local de enxerto ósseo ilíaca (artigo 9º da base instrutória);
13ª Em consequência das lesões e sequelas sofridas no acidente, o Autor ficou com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 17,065 pontos (artigo 11º da base instrutória);
14ª Encontrando-se totalmente incapacitado para o exercício da sua atividade profissional habitual, sendo as sequelas compatíveis com o exercício de outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, desde que não obrigue a que tenha de carregar pesos ou manter-se de pé durante as horas de cada turno de trabalho (artigo 12º da base instrutória);
15ª Em consequência das lesões do acidente, o Autor sofreu um quantum doloris de grau 5, numa escala de 1 a 7 (artigo 13º da base instrutória); E um dano estético permanente de grau 3, na mesma escala (artigo 14º da base instrutória); As lesões sofridas e os tratamentos a que se submeteu, provocaram ao Autor dores físicas, incómodo e mal-estar que o vão acompanhar durante toda a vida e se exacerbam com as mudanças de tempo (artigo 15º da base instrutória);
16ª Perante o quadro de dor e sofrimento por que o demandante passou, pediu-se uma compensação para o dano não patrimonial de 35.000 € e se algum reparo se lhe pudesse fazer é que pecava por defeito.
17ª O senhor Juiz a quo, sem qualquer fundamento, decidiu reduzir para um número verdadeiramente incaracterístico de 18.000 €.
18ª Mas não é o acabado de dizer o mais importante. Importante foi o Tribunal, conscientemente, por que o que vamos dizer foi-o entre os advogados e o senhor Juiz, explicitou-se o resultado da perícia médico-legal, que o melhor de compreender é transcrevendo-a na conclusão, na integra, ou seja:
19ª - A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 26-08-2008
- Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 99 dias
- Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período 640 dias
- Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 739 dias
- Quantum Doloris fixável no grau 5/7
- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica 17,065 pontos.
- As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, são impeditivas do exercício da actividade profissional, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional
- Dano Estético Permanente fixável no grau 3 /7.
20ª Não obstante a perícia médico-legal, que ninguém pôs em causa, é muito clara: - as sequelas de que ficou a padecer são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo, no entanto, compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional.
21ª O senhor Juiz a quo entende que a perda futura de ganho apenas pelo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 17,056, o que é uma ridicularia.
22ª Com efeito, que profissões haverá para um sinistrado que cuidava das águas públicas de consumo de Guimarães e Vizela e que durante a semana, de 2ª a 6ª feira trabalhava com máquinas?
23ª A preparação técnico-profissional na esmagadora maioria dos nossos trabalhadores não é nenhuma: - faz por ver os outros, geralmente mais velhos, que vê fazer.
24ª Este estado de coisas é conhecido por toda a gente e vai manter-se por muito e maus anos sendo certo que o actual estado de coisas vai piorar com tempo, sendo certo que para os sinistrados, jamais conseguirão uma ocupação remunerada.
25ª Quanto à reconversão ser impossível, tendo dito o S.T.J. que está mais atento longe da realidade do que aqueles que convivem com ela, motivo por que vamos transcrever o seguinte acórdão (de que podíamos transcrever várias dezenas):
E se estas lesões e sequelas o impedem, em definitivo, de exercer a sua profissão de trolha, mal se entende a (pericialmente) afirmada e provada compatibilidade da EPP com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional, que, ademais, não vêm indicadas, nem se vê quais sejam, num quadro incapacitante tão grave: na prática, a incapacidade permanente de que o autor ficou a padecer mais parece corresponder a uma incapacidade total, pois que a perda total de actividade voluntária de um dos membros superiores (mão pendente), mesmo que atenuada pelo uso de ajuda técnica, se significa -como vem provado - ter ele ficado incapacitado de trabalhar na sua actividade profissional de trolha, não lhe permitirá também achar facilmente outra actividade da mesma área profissional onde, com carácter permanente, possa laborar, e, sobretudo, com o salário que naquela auferia ou viria a auferir.
A reconversão a outra actividade, sem qualquer diminuição salarial, não se antolha de fácil concretização, o que vale dizer que a situação do autor se aproxima, na prática, da de incapacidade total. Ac. S.T.J. de 11.03.2010 – Proc. 288/06.3TBAVV.S1.
26ª Já de há muitos anos para cá que nos orientamos com a jurisprudência do S.T.J. Assim é que:
- A indemnização do dano patrimonial futuro decorrente de incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir e que se extinga no final do período provável de vida deste, ou seja, um capital que se extinga no fim da vida provável da vítima e que seja susceptível de garantir, durante essa vida, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido. Ac. do S.T.J. de 19.03.2009 – Proc. 08B3745.
27ª Se isto for pouco, temos os artigos 562º e 566º, nº 2 do Cód. Civil e artigo 611º nº 1 do Cód. Proc.Civil (…)
28ª Posto isto e tendo em conta que:
a) – o demandante, no ano de 2009 tinha 49 anos de idade
b) – era saudável fisicamente bem constituído e trabalhador
c) – em 2009 tinha uma esperança de vida de 31 anos
d) – e tinha um rendimento anual, nas duas empresas de 28.298,90 € (20.954,50 € + 7.344,40 €), para repor esta situação que teria, não fosse o acidente fez dele uma sombra do que era, é adequada a quantia de 565.990,11 € (28.298,90 € x 20,000428)
e) – Acontece, porém, que a este título tínhamos pedido a quantia de 359.162,49 €, de acordo com os rendimentos mensais da altura do acidente.
29ª Quando estávamos a rever a sentença injusta, deparámos, em pormenor, com o seguinte parágrafo: Não foi intenção do legislador transferir para os responsáveis civis de acidente de viação/trabalho o pagamento integral da pensão de incapacidade fixada pelo Estado com base numa avaliação administrativa própria, a alheia aos responsáveis civis, fora dos tribunais cíveis competentes para dirimir o conflito que tem como objecto a fixação da indemnização fundada na responsabilidade civil extracontratual pela ocorrência do acidente.
30ª Sempre nos causou grande admiração por a seguradora Fidelidade ter feito um pedido de intervenção nesta acção da V para, por seu intermédio, também aparecer a Caixa Geral de Aposentações. Erradamente.
31ª Com efeito, a jurisprudência uniforme, diz-nos que, tratando-se de um acidente simultaneamente de viação e de trabalho, o sinistrado pode optar pela indemnização que lhe seja mais vantajosa.
32ª Por um lado, respondendo a seguradora do acidente de viação em primeira linha pelos danos resultantes do mesmo, terá que efectuar o pagamento integral, não podendo escusar-se com fundamento em ter sido fixada a indemnização no processo laboral, não sendo legítimo proceder-se a qualquer dedução das pensões laborais já pagas (Ac. T.R. Coimbra – Proc. 1953/04.9TBLRA.C1).
33ª Por outro lado, quem faz essa opção é o sinistrado e, jamais, o próprio Tribunal, motivo por que o parágrafo constante da 29ª conclusão é um erro grave, designadamente quando pôs a Caixa Geral de Aposentações a pagar uma parte. Erradamente.
34ª Quanto à perda futura de ganho do demandante temos mais a seguinte afirmação constante da injusta sentença: Embora não seja o entendimento aqui perfilhado, caso se reconhecesse de imediato o direito da "V" ser reembolsada pela Ré "F" dos valores das pensões fixadas pela Caixa Geral de Aposentações (mas ainda não pagas), crê-se que o reembolso sempre teria como limite o indicado montante de € 67.400,00 porque só este constitui o valor da responsabilidade da Ré "F" pela Perda de Capacidade de Ganho Futura do Autor resultante do acidente de viação em apreço.
35ª Perante isto, salvo melhor e mais esclarecida opinião em contrário, afigura-se-nos que o senhor Juiz a quo entende que o demandante, a quem a Caixa Geral de Aposentações fixou uma incapacidade de 54%, vai viver daquilo que a referida Caixa lhe vier a pagar, o que não pode ser, e cuja afirmação representa um erro gravíssimo.
36ª Face ao exposto, será o momento para perguntar ao senhor Juiz, se estivesse correcta a decisão – e não está – donde lhe viria a indemnização relativa ao salário que a empresa E, Lda, que pagava ao demandante 452 € por mês, 14 vezes por ano, e tinha um subsídio de alimentação de 92,40 € por mês, 11 vezes por ano?
37ª Quanto aos juros moratórios relativos à compensação do dano não patrimonial, que ainda há quem defenda que só se vencem a partir da decisão do processo, ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus, e, se não há cálculo expressamente actualizado, há juros a contar da citação; se há cálculo expressamente actualizado há juros a partir da sentença.
Pelo exposto, anular a sentença recorrida ou revogá-la e produzir outra, conforme o alegado, é repor a legalidade e fazer a Justiça”.
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Pela ré foram apresentadas contra-alegações nas quais pugna pela improcedência do recurso do A.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
- A de saber se a indemnização fixada ao A. na sentença recorrida, a título de danos não patrimoniais – no valor de € 18.000,00 -, deverá ser alterada para o valor de € 35.000,00, conforme pretensão do A;
- Se a indemnização fixada ao A. na sentença recorrida, a título de danos patrimoniais futuros - no valor de € 67.400,00 -, deverá ser alterada para o valor de € 565.990,11, conforme pretensão do A.; e
- Se os juros moratórios incidentes sobre o valor da indemnização pelos danos não patrimoniais deverão ser contabilizados desde a data da citação da ré.
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É a seguinte a matéria de facto a considerar – dada como provada na 1ª instância – artº 663º nº 6 do CPC – para a resolução das questões colocadas:
1. Cerca das 5:50 horas do dia 19 de Agosto de 2006 ocorreu um acidente de viação no entroncamento da rua da Nossa Senhora da Conceição com a rua Padre Abílio dos Santos Barbas em que intervieram o motociclo de matrícula 90-72-MH, conduzido pelo Autor, seu proprietário, e o veículo automóvel de matrícula 61-88-UE, propriedade de “C – B, S.A.” e conduzido por J (alínea A) dos factos assentes);
2. Na ocasião do acidente o motociclo 90-72-MH circulava pela rua da Nossa Senhora da Conceição, no sentido Braga-Guimarães, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido, com velocidade que não excedia 50 km/hora, e o veículo 61-88-EU circulava em sentido contrário (alínea B) dos factos assentes);
3. O condutor do veículo de matrícula 61-88-EU conduzia-o sem atenção à sua condução e ao que se passava na via pública à sua frente, com velocidade superior 80 km/hora (alínea C) dos factos assentes);
4. O local onde ocorreu o acidente situa-se dentro da cidade de Guimarães (alínea D) dos factos assentes);
5. No local onde ocorreu o acidente, o condutor do veículo de matrícula 61-88-EU pretendia mudar de direção para a esquerda para passar a circular pela rua Padre Abílio dos Santos Barbas (alínea E) dos factos assentes);
6. O condutor do veículo de matrícula 61-88-EU não se apercebeu da presença do motociclo e mudou de direção para a esquerda, de modo brusco, repentino e inopinado, a cerca de 10 metros do entroncamento (alínea F) dos factos assentes);
7. Acabando por embater com o canto da frente do lado esquerdo do veículo 61-88-UE na perna esquerda do Autor e na parte lateral esquerda do motociclo que ficou caído na passadeira para peões aí existente, estando parte na passadeira e parte no passeio desse lado direito, atento o sentido Braga-Guimarães (alínea G) dos factos assentes);
8. O local onde ocorreu o acidente é bem iluminado e o motociclo circulava, na ocasião do acidente, com luz (alínea H) dos factos assentes);
9. Em consequência do acidente, o Autor sofreu traumatismo do membro inferior esquerdo com fratura exposta (grau IIIC) dos ossos da perna; esfacelo distal da perna e do pé; e lesão vascular associada – laceração da artéria tibial posterior (artigo 1º da base instrutória);
10. O Autor foi inicialmente assistido na Unidade de Guimarães – Centro Hospitalar do Alto Ave (CHAA) (artigo 2º da base instrutória);
11. E posteriormente transferido para o Hospital de S. João do Porto, por apresentar compromisso vascular da perna e pé esquerdos, onde foi:
- operado por Cirurgia Vascular e submetido a aplicação de enxerto de interposição de segmento da veia safena interna abaixo do joelho, na artéria tibial posterior e osteotaxia da tíbia com fixador externo (Hoffmann II); e
- submetido a encavilhamento retrógrado do peróneo com cravo de Steinman (artigo 3º da base instrutória);
12. Em 28.08.2006, foi transferido do Hospital de S. João para a Unidade de Guimarães – CHAA, onde permaneceu no serviço de Cirurgia Vascular até 31/08/2006, data em que transitou para o Serviço de Ortopedia (artigo 4º da base instrutória);
13. Durante o internamento, o Autor desenvolveu uma complicação infeciosa e necrose extensa da pele na região do esfacelo com exposição tendinosa na face anterior da perna e zona extensora do pé esquerdo (artigo 5º da base instrutória);
14. Foi tratado e em 02.11.2006 submetido a enxerto cutâneo retirado da face anterior da coxa esquerda (artigo 6º da base instrutória);
15. Em 17.11.2006, o Autor teve alta do internamento hospitalar e transitou para os Serviços Clínicos da “A” e Hospital de Santa Maria, no Porto, onde veio a ser operado por 3 vezes: as primeiras duas intervenções visaram a correção da pseudartrose da tíbia com aplicação e enxerto ósseo retirado do osso ilíaco esquerdo na 1ª e da face anterior da tíbia na 2ª; a 3ª intervenção consistiu na artrodese tíbio-társica esquerda (fixação cirúrgica do tornozelo) (artigo 7º da base instrutória);
16. O Autor foi tratado nos serviços clínicos da “Companhia de Seguros A, S.A.”, tendo tido:
- um Período de Défice Funcional Temporário Total de 99 dias;
- um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 640 dias;
- um Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 739 dias;
- uma consolidação médico legal das lesões em 26.08.2008 (artigo 38º da base instrutória);
17. Em 26.08.2008, o Autor teve alta definitiva dos Serviços Clínicos da Companhia de Seguros A (artigo 8º da base instrutória);
18. Em resultado das lesões sofridas no acidente, o Autor ficou com as seguintes sequelas, no membro inferior esquerdo:
- marcha claudicante;
- perímetro da coxa a quinze centímetros da linha interarticular do joelho esquerdo com quarenta e sete centímetros e meio (contra-lateral com cinquenta e um centímetros e meio);
- perímetro da perna a quinze centímetros da linha inter-articular do joelho esquerdo com trinta e cinco centímetros (contra-lateral com trinta e oito centímetros e meio);
- medição dos membros inferiores com oitenta e um centímetros bilateralmente;
- área cicatricial de esfacelo e edema do terço cistal da perna esquerda;
- edema do tornozelo esquerdo;
- pele destas áreas escerecida;
- onicomicoses dos primeiros dedos dos pés bilateralmente, mais marcada à esquerda;
- cicatriz distrófica de sete por cinco centímetros de maiores eixos localizada na face anterior do terço inferior da coxa esquerda - zona dadora de enxerto cutâneo;
- área com alteração de cor e textura (enxerto) com nove por dezassete centímetros de maiores eixos na face antero-interna da coxa esquerda;
- cicatriz distrófica de tonalidade avermelhada, com nove centímetros de extensão, localizada na face interna da perna esquerda, abaixo do joelho - zona dadora do “enxerto vascular - segmento da veia safena interna”;
- cicatriz de três centímetros de extensão, localizada na face anterior da perna, de cima para baixo e de dentro para fora;
- zona dadora de enxerto ósseo retirado da tíbia à direita;
- três cicatrizes numulares de oito milímetros, resultantes da aplicação de fixadores externos;
- quatro cicatrizes distróficas alargadas e deprimidas localizadas na face interna do terço distal da perna esquerda e da face interna e posterior, com oito por quatro centímetros de maiores eixos, quinze centímetros e meio por quatro centímetros e meio de maiores eixos e treze centímetros de comprimento (curvilínea de concavidade superior), e na face anteroinferior do maléolo interno do tornozelo esquerdo com seis por três centímetros e meio de maiores eixos. Estas cicatrizes comprometem o retomo venoso, do pé e do terço distal da perna;
- cicatrizes distróficas e dolorosas;
- cicatriz de seis centímetros e meio da cor da pele, oblíqua de cima para baixo, de fora para dentro, com marcas de pontos de sutura, em local de enxerto ósseo ilíaca (artigo 9º da base instrutória);
19. Em consequência das lesões e sequelas sofridas no acidente, o Autor ficou com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 17,065 pontos (artigo 11º da base instrutória);
20. Encontrando-se totalmente incapacitado para o exercício da sua actividade profissional habitual, sendo as sequelas compatíveis com o exercício de outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, desde que não obrigue a que tenha de carregar pesos ou manter-se de pé durante as horas de cada turno de trabalho (artigo 12º da base instrutória);
21. Em consequência das lesões do acidente, o Autor sofreu um quantum doloris de grau 5, numa escala de 1 a 7 (artigo 13º da base instrutória);
22. E um dano estético permanente de grau 3, na mesma escala (artigo 14º da base instrutória);
23. As lesões sofridas e os tratamentos a que se submeteu, provocaram ao Autor dores físicas, incómodo e mal-estar que o vão acompanhar durante toda a vida e se exacerbam com as mudanças de tempo (artigo 15º da base instrutória);
24. Antes do acidente, o Autor era saudável, bem constituído, trabalhador e alegre (artigo 16º da base instrutória);
25. À data do acidente o Autor era funcionário da Câmara Municipal de Guimarães, prestando o seu trabalho na “V”, aos fins de semana e feriados, durante 48 horas seguidas (artigo 17º da base instrutória);
26. Indo a casa, nesse período de 48 horas, para tomar banho, almoçar e jantar, transportado em viatura da “V” (artigo 18º da base instrutória);
27. Onde auferia: - em 2006: 688,91 € de vencimento base (14 vezes por ano), acrescido de 103,34 € de subsídio de turno, 220,00 € de horas extra e 82,95 € de subsídio de refeição (11 vezes por ano); - em 2007: 699,25 € de vencimento base (14 vezes por ano), acrescido de 104,89 € de subsídio de turno, 88,66 € de subsídio de refeição (11 vezes por ano); - em 2008: 713,93 € de vencimento base (14 vezes por ano), acrescido de 107,09 € de subsídio de turno, 90,42 € de subsídio de refeição (11 vezes por ano); - em 2009: 734,62 € de vencimento base (14 vezes por ano), acrescido de 110,19 € de subsídio de turno, 242,00 € de horas extra e 93,94 € de subsídio de refeição (11 vezes por ano) (artigo 19º da base instrutória);
28. O Autor trabalhava para “E, Lda.”, nos restantes dias da semana, como manobrador de máquinas (artigo 23º da base instrutória);
29. Onde auferia o salário mensal de 452,00 € (14 vezes por ano), acrescido de subsídio mensal de alimentação de 92,40 € (11 vezes por ano) (artigo 24º da base instrutória);
30. E deixou de trabalhar na empresa E desde a data do acidente (19/08/2006) até agora (artigo 28º da base instrutória).
31. Por causa das lesões sofridas, o A. esteve em tratamentos desde a data do acidente até finais de Agosto de 2008 (artigo 20º da base instrutória);
32. Enquanto o Autor se manteve em tratamentos, a “V” sempre lhe pagou o vencimento (alínea J) dos factos assentes);
33. Durante o período de 19.08.2006 a 27.08.2008, a “V” pagou ao Autor, por transferência bancária, a sua remuneração mensal e subsídios (férias e de Natal), como se estivesse ao serviço, na quantia global de € 20.954,50 (artigos 39º e 40º da base instrutória);
34. Tendo a “V” recebido da “Companhia de Seguros A” a quantia de € 10.744,60 (artigo 41º da base instrutória);
35. Desde Dezembro de 2008, o Autor tem permanecido nas instalações da “V”, dando apoio, de companhia, segurança e tarefas simples, a uma colega no interior das instalações de Vizela (artigo 21º da base instrutória);
36. Desde Janeiro de 2009, o Autor tem recebido o vencimento base de 734,62 €, acrescido de subsídio de alimentação de 92,94 €, sem horas extra (artigo 22º da base instrutória);
37. Em consequência das lesões sofridas no acidente, o Autor ficou totalmente incapacitado para o exercício do trabalho de manobrador de máquinas (artigo 25º da base instrutória);
38. Em consequência do acidente de viação, o Autor teve de alterar as suas funções na “V”, deixando de trabalhar ao fim de semana para passar a trabalhar à semana (artigo 27º da base instrutória);
39. O acidente de viação em discussão nos presentes autos ocorreu no trajeto para o local de trabalho (artigo 32º da base instrutória);
40. A demandante “V, SA” é uma empresa pública intermunicipal que se dedica à gestão e exploração dos sistemas públicos de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e de drenagem e tratamento de águas residuais nas áreas dos municípios de Guimarães e Vizela, tendo sido criada em 19 de Fevereiro de 2002, pelos municípios de Guimarães e Vizela, ao abrigo do disposto na Lei n.º 58/98, de 18/08, sucedendo aos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento da Câmara Municipal de Guimarães (SMAS), que anteriormente tinham a seu cargo aquelas atribuições (alínea M) dos factos assentes);
41. O Autor é funcionário público, subscritor da Caixa Geral de Aposentações, pertence ao Quadro de Pessoal da Câmara Municipal de Guimarães, com a categoria profissional de “operário principal”, onde ingressou em 01.04.1987, na modalidade de nomeação, tomando posse em 01.08.2000, e exerce funções na “V” desde 19/02/2002 (data da sua criação), em regime de cedência de interesse público, com a categoria profissional de “assistente operacional” (artigo 31º da base instrutória);
42. O Autor optou pela manutenção do regime de proteção social de origem (alínea N) dos factos assentes);
43. O Autor foi submetido a exame da junta médica da Caixa Geral de Aposentações que lhe atribuiu uma incapacidade permanente parcial, com a desvalorização de 54% (artigo 33º da base instrutória);
44. O parecer emitido pela junta médica da Caixa Geral de Aposentações foi homologado por despacho da Direção Geral de Aposentações de 2010.05.11 (artigo 34º da base instrutória);
45. Por decisão de 2011.09.13, da Direção Geral de Aposentações (delegação de poderes publicada no DR II Série, n.º 50 de 2008.03.11), foi fixada ao Autor uma pensão anual e vitalícia de € 4.108,09, a que corresponde uma pensão mensal de € 293,44 (4.108,09 x 14), em consequência do acidente em serviço de que foi vítima (artigo 35º da base instrutória);
46. A pensão mensal foi calculada nos seguintes termos:
- Retribuição anual € 10.867,95;
- Pensão mensal (€ 4.108,09 x 14) --------- € 293,44;
- Subsídio de férias (€ 4.108,09 x 14) ----- € 293,44;
- Subsídio de Natal (€ 4.108,09 x 14) ----- € 293,44;
- Data início da pensão: 2008.07.27 (artigo 36º da base instrutória);
47. A Caixa Geral de Aposentações comunicou tal decisão à Interveniente, informando que o pagamento da pensão pertencia na totalidade à “V”, enquanto entidade dotada de autonomia administrativa e financeira (artigo 37º da base instrutória);
48. A pensão mensal calculada pela Caixa Geral de Aposentações ao Autor foi de: € 293,44 x 14, para o ano de 2008; € 301,95 x 14, para o ano de 2009; € 305,72 x 14, para o ano de 2010; € 309,39 x 14, para o ano de 2011 (artigo 42º da base instrutória);
49. A demandante “V” celebrou com a “Companhia de Seguros A”, um contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º 19001311610, em vigor à data do acidente, mas cuja cobertura não abrange o pagamento de pensão por incapacidade permanente parcial e cobre apenas o período de 365 dias nas incapacidades temporárias absolutas (alínea O) dos factos assentes);
50. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 75034862, válido e em vigor à data do acidente, a Ré “F” assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel de matrícula 61-88-UE, pertencente ao “C, SA” (alínea L) dos factos assentes);
51. O Autor nasceu no dia 17.09.1960 (cfr. certidão junta a fls. 29 dos autos) (alínea I) dos factos assentes).
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Da indemnização a título de danos patrimoniais futuros:
Como decorre das conclusões das alegações de recurso acima transcritas, discorda o recorrente da indemnização que lhe foi fixada na sentença recorrida a título de danos patrimoniais futuros – no valor de € 67.400,00 -, pedindo que esse valor seja alterado para € 565.990,11.
Começamos por dizer que subscrevemos, integralmente, as considerações de ordem geral tecidas na sentença recorrida sobre o dever da ré de indemnizar o A. pelos danos por ele sofridos em consequência do acidente de viação em que foi interveniente, causado, única e exclusivamente, pelo condutor da viatura segurada na ré, para quem o seu proprietário havida transferido, por contrato de seguro válido e em vigor à data do acidente, a sua responsabilidade civil, emergente de acidente de viação em que interviesse aquela viatura.
E também subscrevemos as considerações da mesma sentença sobre o conteúdo do dever de indemnizar por parte da ré, assim como o critério seguido na mesma na fixação do montante da indemnização devida.
Consta da decisão recorrida o seguinte:
“Verificados os requisitos da obrigação de indemnizar o obrigado deve, de acordo com o art.º 562º, do C.C. "reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação". A medida da indemnização será dada, não só pelo prejuízo causado (danos emergentes), mas também pelos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes) - cfr. art. 564º, n.º 1, do C.C.
A indemnização arbitrada será fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor e terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos - cfr. art.º 566º, do C.C.
Vimos que o acidente ocorreu com culpa do condutor do veículo EU. Assim, nos termos do disposto no art.º 506º, n.º1 do Cód. Civil, a Ré será responsável pelo pagamento da totalidade dos danos indemnizáveis sofridos pelo Autor (…).
Veio o Autor pedir a condenação da Ré no pagamento da quantia de (…) € 359.162,49, a título de indemnização pelos prejuízos patrimoniais correspondentes à redução da sua capacidade de trabalho e de ganho (IPP) (…)
Resultou provado que em consequência direta do acidente, o Autor (…) ficou com sequelas resultantes do acidente que implicam um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 17,065 pontos, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, impeditivas da sua atividade profissional habitual mas compatíveis com o exercício de outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, desde que não obriguem a que tenha de carregar pesos ou manter-se de pé durante as horas de cada turno de trabalho embora com esforços suplementares.
O Autor não padecia dessas limitações funcionais, antes do acidente (…).
Por outro lado, a indemnização a pagar ao lesado deve, no que concerne aos danos futuros, "representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho", capital esse a que se aplicará uma taxa de juro anual aproximada ao valor da desvalorização monetária (assim, o Ac. S.T.J., 09.01.79, BMJ n.º 283, pág 260, citado pelo Juiz Desembargador Sousa Dinis, in "Dano corporal em acidentes de viação, cálculo da indemnização, situações de agravamento", CJSTJ, ano V, tomo II, 1997, pág 11 e o Ac. STJ de 28.06.89, in B.M.J., n.º 388, pág. 372).
Reforçando esta ideia defende-se que na atribuição de uma indemnização que vise ressarcir os danos futuros, todos os critérios procuram atribuir ao lesado uma quantia em dinheiro que produza o rendimento mensal fixo perdido, mas que, ao mesmo tempo, não propicie um enriquecimento injustificado à custa do lesante, ou seja, é necessário que, na data final do período considerado, se ache esgotada a quantia atribuída (Juiz Desembargador Sousa Dinis, in op. cit.) (…).
No caso vertente, resultou apurado que o Autor tinha dois empregos à data do acidente:
- era funcionário da Câmara Municipal de Guimarães, prestando o seu trabalho na “V”, aos fins de semana e feriados, durante 48 horas seguidas, onde auferia a quantia anual de € 14.113,93 (€ 688,91 x 14 + [€ 103,34 + € 220,00 € + € 82,95] x 11);
- trabalhava para a “E, Lda.”, nos restantes dias da semana, como manobrador de máquinas, onde auferia o salário anual de 7.344,40 ([€ 452,00 x 14] + [€ 92,40 x 11]).
Ponderando que o Autor tinha 45 anos de idade à data do acidente (nasceu em 17.09.1960), tinha uma esperança de vida útil de pelo menos mais 23 anos, o rendimento anual de € 21.458,33 (€ 14.113,93 + € 7.344,40) e padece de um Défice Funcional Permanente de 17,065 pontos, o valor indemnizatório que resulta da aplicação do critério supra enunciado é de € 67.400,00 (€ 44.300,00 por conta da remuneração auferida na “V” + € 23.100,00 por conta da remuneração auferida na “E, Lda.”) o rendimento auferido como funcionário (segue-se a jurisprudência do Ac. da RC de 04.04.1995, in C.J. Ano XX, tomo II pág. 23 e ss. Que desenvolveu e ajustou o critério que vinha sendo utilizado pelo S.T.J. em alguns arestos anteriores - Acs. S.T.J. de 4/2/93, C.J.S.T.J., Ano I, Tomo I, pag. 128 e ss. e de 5/5/94, in C.J.S.T.J., Ano II, Tomo II, pag. 86 e ss.). Utilizando as fórmulas que neste acórdão se recomendam, resultará o seguinte cálculo para determinação do capital necessário para propiciar aquele rendimento anual que o Autor perdeu: C = (1+ i) n - 1 x P sendo: P = prestação anual; C = capital a depositar no primeiro ano; N = anos de expetativa de vida ativa; i = taxa de juro nominal (2%)…”.
*
Insurge-se desde logo o recorrente contra a consideração, na sentença recorrida, do Défice Funcional Permanente de 17,065 pontos, que lhe foi fixado na perícia médico-legal, pretendendo, quer-nos parecer, que seja considerado que o mesmo é portador de uma incapacidade total para o trabalho.
Embora diga que não põe em causa a perícia médico-legal - da qual resulta que as sequelas de que ficou a padecer são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, mas compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional –, discorda o recorrente do facto de o tribunal ter determinado o valor da indemnização tomando como base apenas o Défice Funcional Permanente de 17,065 pontos.
Mas sem razão, como é bom de ver.
A incapacidade do A., determinada pela perícia médico-legal, foi, de facto, fixada em 17,065 pontos, com incapacidade absoluta para o exercício da sua actividade profissional habitual. Mas segundo o mesmo relatório pericial, as sequelas de que o A. ficou a padecer são compatíveis com o exercício de outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, desde que não obrigue a que tenha de carregar pesos ou manter-se de pé durante as horas de cada turno de trabalho (artºs 19 e 20 da matéria de facto provada).
Ora, o tribunal estava vinculado a essa realidade, constante da matéria de facto provada, na determinação da indemnização devida ao A., considerando que a sua perda de ganho não era total mas apenas a correspondente ao seu Défice Funcional, podendo o mesmo continuar a trabalhar noutra profissão da área da sua preparação técnico profissional.
Ou seja, embora o A. tenha sofrido uma perda da sua capacidade funcional, tal perda, segundo a perícia médico-legal, não o incapacita totalmente para o trabalho, sendo o mesmo apto a desempenhar outras tarefas que não o obriguem a carregar pesos ou a manter-se de pé durante as horas de cada turno de trabalho.
Aliás, a prova disso é o facto de o A., mesmo após a consolidação das lesões sofridas (após a data da alta) – embora tenha deixado de exercer a sua actividade de manobrador de máquinas, profissão que exercia ao serviço da firma “E, Lda.” -, continuou a trabalhar na “V”, embora com um reajuste de funções e horários: deixou de trabalhar ao fim de semana para passar a trabalhar à semana.
Claro que as sequelas de que ficou a padecer tiveram repercussões na sua capacidade de ganho, com reflexo no seu património, mas essa diminuição de rendimentos foi atendida na sentença recorrida ao considerar a retribuição anual do A. na data do acidente (em ambas as empresas) de € 21.458,33 (€ 14.113,93 + € 7.344,40) e aquela que passou a auferir após a data da cura clínica.
Nenhum reparo temos, pois, a fazer à sentença recorrida, nessa matéria.
Ponderou-se também na sentença recorrida a idade do Autor à data do acidente (45 anos); a esperança de vida útil do mesmo (de, pelo menos, mais 23 anos); e utilizou-se, no cálculo da indemnização, as fórmulas matemáticas usadas no acórdão da Relação de Coimbra, de 04.04.1995 para alcançar um capital necessário apto a propiciar ao A. o rendimento anual que ele perdeu.
Chegou-se a um montante indemnizatório de € 67.400,00, que nos parece adequado, considerando os factores acima referidos.
É de referir, antes de mais, que não estão em causa neste momento os rendimentos deixados de auferir pelo A., entre a data do acidente e a data da alta, uma vez que enquanto o Autor se manteve em tratamentos, a “V” sempre lhe pagou o vencimento. Além disso, o A. foi também indemnizado nesta acção dos rendimentos que deixou de auferir ao serviço da firma “E, Lda.” (não questionados no presente recurso).
Por outro lado, desde Janeiro de 2009, o Autor tem recebido da “V” o vencimento base de 734,62 € (x 14), acrescido de subsídio de alimentação de 92,94 € (x11), o que perfaz o vencimento anual de € 11.318,30.
Mas tem recebido também, desde 13.9.2011, uma pensão anual e vitalícia da Caixa Geral de Aposentações, no valor de € 4.108,09, a que corresponde uma pensão mensal de € 293,44 (4.108,09 x 14), em consequência do acidente de que foi vítima, uma vez que o mesmo foi considerado acidente de serviço.
Ou seja, o A recebe ainda, depois do acidente de que foi vítima e apesar da sua incapacidade, o rendimento anual de € 15.426,39, o que significa que perdeu o rendimento anual de € 6.031,94 (correspondente ao valor mensal de € 430,85), sendo esse rendimento perdido que a indemnização se destina a compensar.
Como assertivamente se refere na sentença recorrida, a indemnização do dano patrimonial futuro decorrente de incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado deixou de auferir e que se extinga no final do período provável de vida deste, ou seja, um capital que se extinga no fim da vida provável da vítima e que seja susceptível de garantir, durante essa vida, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido. Ac. do S.T.J. de 19.03.2009 – Proc. 08B3745.
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A determinação da quantificação dessa indemnização em termos monetários é uma questão complexa, sendo certo que a lei não nos dá um critério objectivo de determinação dos danos patrimoniais futuros, referindo-se apenas no artº 562º do CC que a obrigação de indemnizar visa "reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação", acrescentando-se no nº 3 do artº 566º que “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados”.
Tem-se entendido, no concernente a danos patrimoniais futuros, que se está em presença de humana futurologia, tornando-se evidente que qualquer resultado é sempre discutível e comporta uma grande dose de subjectividade por parte de quem julga.
Como se refere com acuidade no acórdão do Supremo Tribunal de 11 de Outubro de 1994, (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, tomo III, pág. 92), a propósito da indemnização dos danos futuros, assumindo a falibilidade da capacidade humana para prever, mas tendo em conta o que já aconteceu, as regras da experiência comuns e o que é normal e natural que venha a acontecer, há que decidir com a segurança possível e a temperança própria da equidade.
A percepção das dificuldades e, mais do que isso, a apreciação crítica da diversidade dos resultados, decorrente do recurso a critérios rodeados de elevada dose de subjectividade, levou a que em alguns sistemas se tenha avançado para a introdução de outros potenciadores de maior objectividade.
É de reconhecer também o esforço do legislador português no sentido da uniformização de critérios de cálculo e defesa do interesse das vítimas de acidentes de viação, designadamente através da publicação de vários diplomas, como sejam o Decreto-lei nº 83/2006, de 3 de Maio, o Decreto-lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, o Decreto-lei nº 352/2007, de 23 de Outubro - que introduziu na ordem jurídica portuguesa a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil -, a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, que, complementando-o, estabeleceu os valores orientadores de proposta razoável para indemnização do dano corporal resultante de acidente de automóvel e a Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, que, além do mais, veio actualizar os valores daqueloutra, de acordo com o índice de preços ao consumidor de 2008.
Efectivamente, em consagração do anteriormente previsto, designadamente no Decreto-lei nº 291/2007, de 21 de Agosto (Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), a Portaria nº 377/2008, de 26/5 (entretanto alterada pela portaria nº 679/2009, de 25 de Junho), criou tabelas indemnizatórias, visando estabelecer para as seguradoras um conjunto de regras e princípios que permitam agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.
Ora, embora se tenha vindo a defender que aqueles valores não são vinculativos para os tribunais, eles podem constituir um registo referencial dos valores de indemnização que o legislador entendeu actualmente adequados para ressarcir os lesados por acidente de viação.
Por outro lado, desde sempre a jurisprudência (mesmo antes da publicação dos diplomas mencionados) alinhou na ideia de que é salutar, na fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros, o recurso a fórmulas matemáticas, a cálculos financeiros e à aplicação de tabelas que auxiliem o julgador no cálculo do capital a fixar ao lesado, ainda que tais métodos devam ser entendidos como meramente orientadores e explicativos do juízo de equidade a que a lei se reporta, e de que o valor com eles alcançado sempre se traduzirá num minus indemnizatório, que deverá por isso ser temperado através do recurso à equidade.
Por isso foram construídas jurisprudencialmente, ao longo do tempo, algumas formulações que, sem embargo de alguma falibilidade, que a todas atravessa, tem permitido que as decisões dos casos não pequem por uma muito sensível flutuação, recebendo aplicação frequente a tabela descrita no Ac. STJ de 4/12/07 (www.dgsi.pt), assente numa taxa de juro de 3%, que temos vindo a seguir.
Nos dizeres do seu autor, colocou-se ao dispor de “quem não é perito em operações complexas em matemática e deseje rapidamente chegar a resultados semelhantes ao das fórmulas utilizadas pelo STJ no Ac. de 05/05/1994 ou do Ac. TRC de 04/04/1995”, uma tabela, à qual se chegou “pela simples aplicação do programa informático excell à fórmula financeira utilizada pelo STJ, tomando como parâmetros a idade que ainda falta à vítima para atingir a idade de reforma e a taxa de rendimento previsível de 3% ao ano para as aplicações a médio e longo prazo (…)”.
Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado com o recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas do caso, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo, como sejam, a evolução provável na situação profissional do lesado, o aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de anos, com a consequente possibilidade de rentabilização em termos financeiros).
Ou seja, as fórmulas matemáticas devem ser usadas para se ter uma base que possa contribuir para uma uniformidade de critérios. Os valores obtidos podem depois ser aumentados, conforme as circunstâncias, fazendo-se então intervir o critério da equidade, não podendo o julgador deixar de atender também à natureza da responsabilidade, à eventual concorrência de culpas, à situação económica do lesante e do lesado, e bem assim, às indemnizações jurisprudencialmente atribuídas em casos semelhantes.
Ora, se assim é, não nos parece desadequada a fórmula usada na sentença recorrida (extraída do Ac RC de de 04/04/1995), para aferir da indemnização devida ao A. a título de danos patrimoniais futuros, mostrando-se equilibrada a indemnização através dela alcançada.
Recorrendo, como temos vindo a fazer, à tabela financeira constante do Ac do STJ de 4/12/07, a indemnização devida ao lesado seria apenas de € 54.479,27 (valor muito inferior ao encontrado na decisão recorrida).
Haverá no entanto que atender a outros factores (não contemplados na tabela) e que se repercutirão, previsivelmente, em termos de perdas patrimoniais do A. e que são muito relevantes, como sejam: o prolongamento da IPP para além da idade de reforma (sendo importante sublinhar que entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos, isso não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter actividade depois dela); a situação económica do país, quer no momento, quer num futuro próximo previsível, com repercussões negativas na taxa de emprego (o que se reflecte na maior dificuldade do A. arranjar trabalho compatível com a sua limitação funcional); as despesas acrescidas que o A. poderá ter de suportar por tarefas que, se não fosse o acidente, ele mesmo desempenharia; e o facto, não dispiciendo, de o A. (com a utilização plena das suas potencialidades físicas) poder melhorar a sua progressão na carreira e até de melhorar as suas aptidões académicas e profissionais.
Não podemos esquecer, por outro lado, o benefício decorrente para o A. do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos ao longo de muitos anos.
Considerando tudo isso, entendemos que o montante de indemnização atribuído ao A. na decisão recorrida a título de danos patrimoniais futuros – de € 67.000,00 - se mostra equilibrado e deverá ser mantido (considerando os métodos utilizados), o qual proporcionará àquele um rendimento anual sensivelmente igual ao que auferia – constituído por capital e juros – e se extinguirá no final do período considerado – e que não foge aos padrões que têm vindo a ser utilizados em recente Jurisprudência, quer do Supremo Tribunal, quer das Relações (que consultamos no site do ITIJ) para situações semelhantes.
Improcedem, assim, as conclusões das alegações do recorrente nesta parte.
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Dos danos não patrimoniais:
Discorda também o A. do montante indemnizatório que lhe foi fixado na sentença recorrida – de € 18.000,00 -, pugnando pelo valor reclamado – de € 35.000,00.
Consideramos, nesta parte, que o montante fixado na sentença recorrida merece ser corrigido (aumentado).
Começamos por subscrever também o que consta da decisão recorrida sobre o assunto:
“Veio o Autor pedir a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 35.000,00 para ressarcimento dos danos morais próprios, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento.
Estipulam os ns.1 e 3, do art.º 496º, do CC que: "Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito."
"O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º."
Por sua vez o artigo 494º prescreve que: "...poderá a indemnização ser fixada, equitativamente (...) desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem."
Visando dar aos lesados uma compensação ou satisfação por danos de ordem moral cuja gravidade, aferida por um critério objetivo, o justifique, tendo presente que a sua natureza não permite a reposição da situação anterior ao evento danoso, os referidos preceitos determinam o recurso ao critério da equidade na determinação do montante atribuído.
Provou-se que em consequência do acidente, o Autor, para além das lesões físicas sofridas:
- foi inicialmente assistido na Unidade de Guimarães – Centro Hospitalar do Alto Ave (CHAA);
- posteriormente transferido para o Hospital de S. João do Porto, onde foi operado por Cirurgia Vascular e submetido a aplicação de enxerto de interposição de segmento da veia safena interna abaixo do joelho, na artéria tibial posterior e osteotaxia da tíbia com fixador externo (Hoffmann II) e submetido a encavilhamento retrógrado do peróneo com cravo de. Steinman;
- transferido do Hospital de S. João para a Unidade de Guimarães – CHAA, onde permaneceu no serviço de Cirurgia Vascular mais três dias, data em que transitou para o Serviço de Ortopedia;
- desenvolveu, durante o internamento, uma complicação infeciosa e necrose extensa da pele na região do esfacelo com exposição tendinosa na face anterior da perna e zona extensora do pé esquerdo;
- foi tratado e em 02.11.2006 submetido a enxerto cutâneo retirado da face anterior da coxa esquerda (artigo 6º da base instrutória);
- teve alta do internamento hospitalar em 17.11.2006 e transitou para os Serviços Clínicos da “A” e Hospital de Santa Maria, no Porto, onde veio a ser operado por 3 vezes: as primeiras duas intervenções visaram a correção da pseudartrose da tíbia com aplicação e enxerto ósseo retirado do osso ilíaco esquerdo na 1ª e da face anterior da tíbia na 2ª; a 3ª intervenção consistiu na artrodese tíbio-társica esquerda (fixação cirúrgica do tornozelo);
- teve alta definitiva dos Serviços Clínicos da Companhia de Seguros A em 26.08.2008;
- ficou com sequelas determinam um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 17,065 pontos;
- não pode exercer profissões que obriguem a carregar pesos ou manter-se de pé durante muito tempo;
- sofreu um quantum doloris de grau 5, numa escala de 1 a 7;
- e um dano estético permanente de grau 3, na mesma escala;
Assim, considera-se justa e equilibrada a fixação em € 18.000,00 (dezoito mil euros) do montante da indemnização do Autor pela totalidade dos danos não patrimoniais sofridos com o acidente a que se reportam os autos…”.
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Ninguém põe em causa que o acidente que vitimou o A. lhe causou também danos de natureza não patrimonial (ou danos morais) que merecem a tutela do direito e, como tal, devem ser ressarcidos.
Trata-se de prejuízos (dores físicas, incómodos e complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a beleza…) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” (A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª ed., l.°- 571).
Efectivamente, como tem sido entendido de forma unânime, quer na doutrina quer na jurisprudência, a satisfação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação que não é susceptível de equivalente. A quantia em dinheiro há-de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade da dor sofrida pela vítima. A isso se chama impropriamente o “preço da dor” (Dario M. de Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, págs. 188-189).
Como sugestivamente se referiu no Ac do STJ de 1-01-2011 (www.dgsi.pt), a indemnização por danos não patrimoniais terá por finalidade proporcionar um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ele, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva.
Por isso se considera que tal indemnização não deve ser simbólica ou miserabilista, antes significativa, urgindo não obliterar os patrões de indemnização que vêm sendo adoptados pela jurisprudência, especialmente a mais recente.
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No que se refere ao montante indemnizatório necessário para ressarcir tais danos, também não é tarefa fácil para o julgador fixar o montante dos danos não patrimoniais.
Nos termos dos artigos 494º e 496º nº4 do CC, o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpa do agente, a sua situação económica e do lesado, e as demais circunstâncias do caso.
Ou seja, no domínio dos danos não patrimoniais, atendendo a que a reconstituição natural não é possível, como não o é a tradução em números do volume das dores, angústias e desilusões, o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, devendo o juiz procurar um justo grau de compensação. Além da própria gravidade do dano, o julgador terá ainda ao seu dispor alguns elementos de carácter objectivo, embora este seja um domínio em que terá de fazer particular apelo à sua experiência e senso jurídico.
Na ausência de uma definição legal, a doutrina portuguesa acentua que o julgamento pela equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição” (Prof. Menezes Cordeiro, O Direito, 122º/272, citado no Ac RP, de 21.2.2013, disponível em www.dgsi.pt).
Dario Martins de Almeida (Manual de Acidentes de Viação, 2ª ed., pags. 73/74) afirma que se pretende encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça; é a expressão da justiça num dado caso concreto.
Partindo dessas ideias mestras, o parâmetro essencial a ter em conta é, desde logo, o dano, traduzido na amplitude do sofrimento da vítima, pois é precisamente esse sofrimento que se pretende compensar através da indemnização. A compensação deve, assim, ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e do criterioso sopesar das realidades da vida, em conformidade com o preceituado no nº 4 daquele art. 496º – (Antunes Varela, ob. e local citados).
Para tanto, não podem deixar de ser ponderadas circunstâncias como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas sofridas e internamentos, o quantum doloris, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e auto-estima, alegria de viver - seu diferencial global -, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras.
Por outro lado, a apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.
Obedecendo a este critério objectivo, há que respeitar ainda, na medida do possível, as decisões proferidas pelos tribunais superiores, de modo a que não exista uma discrepância entre situações de idêntica gravidade, de modo a tornar a justiça o mais equitativa possível.
Por outro lado, há que atender também a outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante (artº 494º do CC)
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Fazendo aplicação dos princípios enunciados ao caso dos autos, afigura-se-nos nais justa e equilibrada a indemnização de € 25.000,00 a atribuir ao lesado, em vez da fixada pelo tribunal recorrido (de € 18.000,00), considerando as lesões por ele sofridas - traumatismo do membro inferior esquerdo com fratura exposta dos ossos da perna; esfacelo distal da perna e do pé; lesão vascular associada – laceração da artéria tibial posterior -, que lhe causaram dores físicas e incómodos num grau 5 numa escala de 1 a 7 e que o vão acompanhar durante toda a vida e se exacerbam com as mudanças de tempo; o período de tempo que elas demoraram a consolidar (739 dias, sendo 99 dias com Incapacidade Total Absoluta e 640 dias com Incapacidade Permanente Parcial); os resultados das lesões traduzidos nas seguintes sequelas: marcha claudicante; diferença no perímetro da coxa e perna esquerdas em relação ao da direita; dano estético de grau 3 (numa escala de 1 a 7), traduzido em cicatrizes no membro inferior esquerdo e outras zonas do corpo, que comprometem o retorno venoso do pé e do terço distal da perna; e um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 17,065 pontos com incapacidade absoluta para a profissão habitual.
Todo este quadro de lesões, dores e diminuição psico-somática merecem, em nosso entender, uma reparação no valor de € 25.000,00.
Têm sido também nesse sentido as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça para situações semelhantes (na consulta que fizemos na pagina do ITIJ) e que nós vimos seguindo em decisões por nós proferidas.
Procedem, assim, embora em parte, as conclusões das alegações de recurso.
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Dos juros vencidos sobre os montantes dos danos não patrimoniais:
Consta da última conclusão de recurso (37ª): “Quanto aos juros moratórios relativos à compensação do dano não patrimonial, que ainda há quem defenda que só se vencem a partir da decisão do processo, ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus, e, se não há cálculo expressamente actualizado, há juros a contar da citação; se há cálculo expressamente actualizado há juros a partir da sentença.
Pelo exposto, anular a sentença recorrida ou revogá-la e produzir outra, conforme o alegado, é repor a legalidade e fazer a Justiça”.
Embora não resulte claro da conclusão de recurso acima transcrita qual a pretensão do recorrente (e se ele põe mesmo em causa a decisão recorrida quanto aos juros moratórios), parece-nos dela resultar que o recorrente considera que os mesmos devem ser contados desde a data da citação.
Sem razão, contudo.
Como decorre da sentença recorrida, “Relativamente aos juros peticionados, tem o Autor direito a recebê-los, calculados à taxa legal, desde a notificação da presente decisão até integral pagamento das quantias arbitradas. Apesar da disposição constante do n.º 3 do art.º 805º do C.C. determinar para a responsabilidade por facto ilícito a constituição em mora desde a citação, procurando obviar aos prejuízos resultantes da desvalorização monetária na pendência dos processos, deve considerar-se que a determinação do montante indemnizatório dos danos não patrimoniais, ao utilizar o critério de equidade constante do art. 494º do C.C., considera já o fenómeno da desvalorização monetária, atualizando automaticamente o ressarcimento do dano à data em que a decisão de 1ª instância é proferida. Retroagir o funcionamento dos juros moratórios à data da citação será, deste modo, atribuir uma dupla desvalorização monetária, contrária aos preceitos dos arts. 473º e 566º, n.º 2, do C.C. (neste sentido v., entre outros, os Acs. do STJ, CJSTJ, 1993, III, 13 e 174, 1994, II, 91 e 98, 1995, I, 79, 1999, III, 25, 2000, II, 144, da RC, 1993, V, 63 e RP, BMJ, 445º, 607)”.
Entendemos que a sentença recorrida fez a mais correcta interpretação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, de 29 de Maio.
Diremos a este respeito que o legislador, visando garantir ao lesado um cumprimento actualizado, tal como é garantido no caso de mora do cumprimento de uma obrigação vencida e líquida, estipulou, no artigo 805º nº3 do Código Civil, que o devedor por facto ilícito (nomeadamente acidente de viação) constitui-se em mora a partir da citação, não distinguindo se os danos são de natureza patrimonial ou não patrimonial, incidindo os juros sobre todos eles, na mesma medida.
O DL 263/83 de 16.06, que deu nova redacção ao nº 3 do artigo 805º do Código Civil, estabeleceu que “(…) tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.
O nº 2 do artigo 566º do Código Civil, determina, no entanto, que “(…) a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.”
Perante o confronto das normas citadas, o STJ, através do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/02 veio fixar a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artºs 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1 também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
Em face das fontes de direito acabadas de transcrever, podemos concluir com segurança que os juros são devidos desde a data da decisão que os atribui, se o valor do capital tiver sido arbitrado nessa data, de forma actualizada, sendo, pelo contrário, devidos juros desde a data da citação se o valor do capital arbitrado não se reportar à data da decisão.
Ora, no caso dos autos, parece resultar claro da passagem transcrita da decisão recorrida que o tribunal fixou ao A. o montante indemnizatório a título de danos patrimoniais, actualizado à data da decisão, ao consignar que “…deve considerar-se que a determinação do montante indemnizatório dos danos não patrimoniais ao utilizar o critério de equidade constante do art. 494º, do C.C., considera já o fenómeno da desvalorização monetária, atualizando automaticamente o ressarcimento do dano à data em que a decisão de 1ª instância é proferida…”
Ou seja, resulta da sentença recorrida que o valor dos danos não patrimoniais foi actualizado na data da decisão, pelo que o momento a que se atende – o momento a partir do qual são devidos juros de mora -, deverá ser o daquela decisão.
Improcedem, também nesta parte, as conclusões das alegações do recorrente.
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DECISÃO:
Pelo exposto, Julga-se parcialmente procedente a Apelação e em consequência altera-se a decisão recorrida, condenando-se a ré a pagar ao A. a quantia de € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Mantém-se, no mais a sentença recorrida.
Custas (da Apelação) a cargo de ambas as partes na proporção do decaimento.
Notifique.
Guimarães, 14.1.2016