Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
98/03
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: MARCAS
CONFUSÃO
IMITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/26/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A marca “PORTA NOVA”, exclusivamente nominativa, destinada a assinalar bebidas alcoólicas (excepto cerveja) é susceptível de se confundir com a marca “PORTA VELHA”, também exclusivamente nominativa, destinada a assinalar vinhos, vinhos maduros e aguardentes.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na secção cível da Relação de Guimarães:


Q, S.A., requereu junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, em 23 de Fevereiro de 1999, o registo da marca nacional nº 335386 “Porta Nova”, destinada a assinalar bebidas alcoólicas (excepto cerveja).
Após a apresentação de duas reclamações por parte de outras entidades titulares de registos de marcas, foi proferida decisão administrativa a indeferir o registo. Entendeu-se que a marca objecto do pedido de registo se confundia com a marca nº 214284, denominada “Porta Velha” e pertencente a uma das reclamantes, M.
Inconformada com o assim decidido, interpôs a requerente recurso para o Tribunal de Comércio de Lisboa.
Tendo-se este declarado territorialmente incompetente para conhecer do recurso, foi o processo remetido para o tribunal da comarca de Póvoa do Lanhoso, que julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida.

Ainda inconformada, interpôs a Q, S.A. a presente apelação.

Da respectiva alegação extrai as seguintes conclusões:

1°-A recorrente é proprietária da marca n° 224.984 "PORTA NOVA" predominantemente nominativa, que assinala produtos da classe 33ª e cujo pedido de registo remonta a 1984, como foi já provado.
2°-A marca n° 224.984 coexistiu no mercado pacificamente com as marcas "PORTA PALO", "PORTA DOS CAVALEIROS", "PORTA DA VILA", "PORTA DA RAVESSA", "PORTA DA VINHA" e outras onde se inclui o termo "PORTA" e com a própria marca propriedade da recorrida, todas destinadas a assinalar produtos da classe 33ª.
3°-O vocábulo "PORTA", genericamente usado em marcas que assinalam produtos da classe 33ª, nunca levantou problemas de concorrência desleal.
4°-O pedido de registo da marca n° 335.386 "PORTA NOVA" é apenas a actualização da marca n° 224.984 "PORTA NOVA" propriedade da recorrente, alterando alguns pormenores irrelevantes para a análise da semelhança entre as marcas.
5°-As marcas n° 224.984 "PORTA NOVA" e n° 335.386 "PORTA NOVA" são fonética e graficamente idênticas, razão porque a sua introdução no mercado não pode vir a alterar a coexistência pacifica no mercado.
6ª-O vocábulo "PORTA" usado genericamente nas marcas que assinalam produtos da classe 33ª, não contem a novidade necessária á constituição destas marcas, pelo que não pode ser o elemento que atribui eficácia distintiva a qualquer das marcas em apreço, de acordo com o estatuído na alínea c) n° 1 e n° 2 do art° 166° do C.P.P.
7°-O despacho da Direcção de Serviço de Marcas do I.N.P.I. bem como a Sentença recorrida , ao fundamentarem a sua decisão na eficácia distintiva do termo "PORTA" violam o princípio da novidade e a alínea c) n° 1 e n° 2 do art° 166° do C.P.I.
8°-Postas em confronto as marcas "PORTA NOVA" e "PORTA VELHA", ora em apreço, elas não têm semelhança nem fonética nem gráfica, que induzam facilmente o consumidor em erro ou confusão.
9°-Em termos gráficos, distingue-as os vocábulos "NOVA" e "VELHA" que nada têm de semelhante.
14°-Em termos fonéticos, estando a tónica destas marcas dividida pelos dois vocábulos que as compõem, ambos foneticamente fortes, resulta em cada uma destas marcas uma acústica diferente e claramente distinta.
11°-É sobre o conjunto por elas formado que deve recair a apreciação das semelhanças e dessemelhanças nelas existentes e não sobre cada um dos elementos isoladamente considerados, como faz o Tribunal de lª Instância.
12ª-Sendo o termo "PORTA" de uso genérico em marcas que assinalam produtos da classe 33ª e não lhe podendo ser atribuída eficácia distintiva, também não pode ser indicativo da origem empresarial das marcas em apreço.
13ª-"PORTA NOVA" e "PORTA VELHA" são conjuntos objectivamente distintos e não uma única "PORTA" que pode ser adjectivada de "NOVA" ou de "VELHA"
14°-No caso vertente, o consumidor de vinhos de marca, perante alguma das marcas em apreço, não corre de modo algum o risco de ser induzido em erro ou confusão, nem quanto às marcas, nem quanto à origem empresarial do produto assinalado.
15°-Semelhante à presente lide podemos citar as conhecidas marcas "MONTE VELHO" e "MONTE NOVO" que assinalam ambas produtos da classe 33ª e coexistem pacificamente no mercado há já alguns anos.
16 °A sentença recorrida ao confirmar o despacho do I.N.P.I. que indefere o pedido de registo da marca n° 335.386 "PORTA NOVA" violou os artigos 166°, 189° n° 1 m) e 193° todos do Código da Propriedade Industrial.


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A parte contrária contra alegou, concluindo pela improcedência da apelação.

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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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Do plano factual:


São os seguintes os factos que a sentença recorrida elenca como provados:


a) Q, S.A. é proprietária da marca nacional n° 224 984. "Porta Nova”, predominantemente nominativa. por a mesma lhe ter sido cedida pela sua anterior proprietária. S, Lda.
b) Em 23.02.1999. a recorrente requereu junto do INPI o registo da marca n° 335 386, exclusivamente nominativa, "Porta Nova”, destinada a assinalar bebidas alcoólicas com excepção de cerveja.
c) M é, por seu lado, titular da marca nacional n° 214 284 "Porta Velha", exclusivamente nominativa, destinada a assinalar vinhos, vinhos maduros e aguardentes.
d) A marca "Porta Velha”' acabada de referir encontra-se registada por despacho de 12.07.1992.
e) Existem já devidamente registadas as marcas "Porta Palo”, "Porta dos Cavaleiros"', "Porta da Vila", “Porta da Ravessa” e "Porta da Vinha”.


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Do plano jurídico:


Como se vê das conclusões supra reproduzidas, a recorrente impugna a decisão sentencial recorrida apenas na vertente jurídico-conclusiva, ou seja, de direito.
A nosso ver decidiu-se bem no tribunal a quo.
Com efeito:
Foi recusado o registo à marca da recorrente (marca nacional nº 335386), com o fundamento de que é susceptível de ser confundida com a marca nº 214284, pertencente a terceiro.
A marca da recorrente é exclusivamente nominativa, compondo-se dos dois seguintes vocábulos (redigidos em letras maiúsculas): “PORTA NOVA”. Destina-se a assinalar bebidas alcoólicas (excepto cerveja).
A marca obstativa é igualmente exclusivamente nominativa, compondo-se dos dois seguintes vocábulos (redigidos em letras maiúsculas): “PORTA VELHA”. Destina-se a assinalar vinhos, vinhos maduros e aguardentes.
Diz a lei – artº 189º, nº 1 m) do CPI - que deve ser recusado o registo da marca que represente imitação, no todo ou em parte, de marca alheia anteriormente registada, referente ao mesmo produto ou a produto similar ou semelhante, posto que se possa induzir em erro ou confusão o consumidor. Consagram-se aqui os princípios da novidade (a marca tem de ser nova) e da especialidade (a novidade reporta-se não a todo e qualquer produto, mas apenas a produtos idênticos ou afins).
Mais diz a lei – artº 193º, nº 1 c) do CPI – que a marca imita outra quando tenha tal semelhança gráfica, fonética ou figurativa com esta, que seja susceptível de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a outra, de forma que o consumidor não possa distinguir as duas marcas senão depois de um exame atento ou confronto.
Por imitação tanto se entende a reprodução “quase servil” (não dizemos simplesmente “servil”, pois que o servilismo absoluto representa contrafacção e não imitação), como a reprodução parcial, como a reprodução com adições, como a reprodução sugestiva, ou seja, aquela que é potenciadora de associação.
Ora, as marcas em presença reportam-se inequivocamente a produtos, senão especificamente idênticos, pelo menos genericamente identificáveis, na medida em que se trata sempre e apenas de bebidas com álcool: ”vinhos, vinhos maduros e aguardentes”, num caso; “bebidas alcoólicas” no outro.
E temos como evidente que existe o risco de confusão por parte dos consumidores – e entendendo-se aqui por consumidor, não a pessoa especializada no comércio de bebidas alcoólicas ou o consumidor exigente e atento, mas o consumidor médio, mais ou menos confiante e desprevenido -, no figurino do risco de associação.
Sendo (como acentua Luís Couto Gonçalves, Direito de Marcas, pág 139) o risco de associação uma modalidade do risco geral de confusão (e não uma nova figura), segue-se que risco de confusão sempre haverá quando o consumidor ligue erroneamente uma marca a outra por efeito de associação de marcas (na realidade, associação de ideias), e isto quer tome uma marca pela outra (trata-se aqui da chamada confusão em sentido estrito: o consumidor crê erroneamente tratar-se do mesmo produto e marca) quer não tome (trata-se aqui da chamada confusão em sentido lato: o consumidor reconhece a diferente origem do produto, mas pensa erroneamente existir uma qualquer relação de tipo jurídico, económico ou comercial entre as diferentes origens).
E não será impertinente salientar aqui que nos processos de apreensão dos factos, de aquisição do conhecimento e de memorização, a mente humana trabalha muito à base de associações (e conforme expende Charlotte Buhler em A Psicologia na Vida do Nosso Tempo, pág 99, por associação entende-se, em psicologia, a formação de relações entre dados apreendidos simultaneamente ou sucessivamente, sejam eles estímulos simples ou dados complexos, como por exemplo o são as ideias), sendo ademais certo que as totalidades são mais facilmente retidas na memória do que os pormenores (idem, pág 98). Aliás, é bem sabido que nas suas associações de ideias as pessoas adultas (contrariamente ao que sucede com as crianças, que raciocinam mais em termos de associados sintagmáticos), têm tendência a formar aquilo que em psicologia se designa associados paradigmáticos, ou seja relações mentais com certa lógica entre si, abrangendo-se aqui os conceitos logicamente opostos ou antagónicos (v. H. Kendler, Introdução à Psicologia, I, pág 652)
Ora, as marcas em causa são constituídas por uma expressão em que o vocábulo “Porta” se encontra associado a um outro (“Velha”, “Nova”) que o qualifica (adjectiva) em termos de idade ou estado de conservação. Estes adjectivos, sendo antónimos semelhantes, e estando aplicados a um vocábulo (“Porta”) corrente (trata-se de um substantivo comum na linguagem quotidiana), potenciam manifestamente um risco de associação. Portanto, vistas as marcas na sua globalidade – e é corrente na doutrina e na jurisprudência, aliás na sequência da conhecida e já clássica afirmação de Bedarride (citada por Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 1º, pág 426), o entendimento de que o que releva para efeitos de juízo de confundibilidade é mais a semelhança do conjunto dos elementos da marca do que a dissemelhança que ofereçam os diversos pormenores isoladamente detectáveis na marca –, não podemos senão concluir que a marca da apelante é fortemente susceptível de, por associação, ser confundida com a obstativa e, nessa medida, representa imitação desta última marca.
Na doutrina francesa (cfr. Chavanne/J. Burst, Droit de la Proprieté Industrielle, pág 668) é apontado como um exemplo paradigmático de confusão por risco de associação o caso, retirado dos anais jurisprudenciais da Cour de Cassation de Paris, das marcas “La Vache Qui Rit” (marca original) e “La Vache Sérieuse” (marca imitadora). Entendeu-se aqui que se estava perante uma réplica por contraste, susceptível de confundir (por associação) a clientela quanto à origem do produto.
Este exemplo vale para o caso vertente.

Afirma a apelante que é titular de uma outra marca, predominantemente nominativa, que assinala produtos da mesma natureza dos que estão aqui em causa. Com isto conclui que a marca cujo registo agora requereu não representa senão a continuidade daquela outra mediante a actualização de alguns “pormenores irrelevantes”.
Mas é evidente que não tem valor esta argumentação.
Estamos perante marcas diversas, devendo cada uma delas ser apreciada de per si. Não há assim que dar relevância a marcas pré-existentes ou que falar em “continuidade” de marcas ou em actualização de marca pré-existente. Condição necessária, mas também suficiente, para que seja recusado o registo da marca da apelante e em questão neste processo é que a mesma represente imitação de uma outra pertencente a pessoa diversa. E a verdade é que a marca da apelante representa.

Mais diz a apelante que têm coexistido pacificamente no mercado, para além daquela sua, as outras demais marcas que nomeia, destinadas a assinalar o mesmo tipo de produtos. Como assim, mostrar-se-ia que afinal não há risco de confusão, nem de concorrência desleal.
Mas, tal-qualmente se entendeu na sentença recorrida, consideramos que o raciocínio da apelante é inconsistente, pois que é exactamente pelo facto da diferenciação entre as duas marcas em presença estar apenas nos adjectivos “Nova” e “Velha” que se coloca o risco de associação, logo de confusão. Não é o que se passa com quatro das cinco marcas nomeadas, na medida em que nestas se faz também apelo à toponímica – elemento à partida fortemente distintivo - relativa ao produto, e sendo que essa toponímica em nada se relaciona com o adjectivo “Velha” que qualifica o substantivo “Porta” da marca obstativa. E quanto à quinta marca (“PORTA PALO”), também é certo que o vocábulo “Palo” em nada se relaciona com o mesmo adjectivo “Velha”.

Improcede pois o recurso, em nada se mostrando violadas as normas que a apelante cita.

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Decisão:

Pelo exposto acordam os juizes nesta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Regime de Custas:

A apelante é condenada nas custas do recurso.

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Guimarães, 26 de Março de 2003

José Rainho
Rosa Tching
Joaquim E. Baltar