Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1132/14.3TBBCL.G1
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: CONDOMÍNIO
ADMINISTRAÇÃO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
AUTONOMIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I-O princípio da unidade de condomínio aplicável ao edifício em regime de propriedade horizontal pode ser afastado quando haja interesse dos condóminos na autonomização da administração de áreas comuns, que servem determinadas fracções do edifício.
II—A autonomização de uma assembleia de condóminos com a finalidade de administrar partes comuns respeitantes a uma zona do edifício não é proibida por lei e poderá contribuir para uma gestão mais eficiente.
III-O administrador eleito por uma assembleia de condóminos distinta daquela a quem compete administrar as demais partes comuns do edifício, pode e deve exercer todas as funções que a lei lhe confere, limitadas ao espaço em causa.
Decisão Texto Integral: Relatora : Anabela Andrade Miranda Tenreiro
Adjunta : Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira
Adjunto : Fernando Fernandes Freitas
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Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I—RELATÓRIO
Liberato, Lda, com sede na Rua de Olivença, freguesia de Arcozelo, concelho de Barcelos intentou a presente acção contra “A, Unipessoal, Lda”, com sede na Rua Elias Garcia, 4754-908 Arcozelo– Barcelos.
Para tanto, alegou ser dona da fracção autónoma designada pela letra “R”, identificada com garagem número dezassete, que faz parte do prédio denominado de “EDIFÍCIO PARAÍSO Corpos Nascente, Central e Poente” descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos, sob o n.º 142/19850516- Arcozelo-R, e que é composto de Cave, r/chão, sete andares e logradouro, num total de 72 (setenta e duas) fracções autónomas com as letras de “A” a “CC”.
Acrescentou que as 34 (trinta e quatro) fracções ali identificadas pelas letras “A” a “AL” são garagens existentes na cave, entre elas a fracção “R” pertencente à Autora, que representam na permilagem do edifício o total de 43,24/1000 e que no dia 30 de Janeiro de 2014 a Autora recepcionou uma carta registada remetida pela Ré, datada de 24.01.2014, em que convocava uma Assembleia de Condóminos, para o dia 08.02.2014, pelas 10:00 horas, denominando esse Condomínio como “059C2 – Condomínio Edifício Paraíso 61 Garagem”, de que se intitulava “Administração”. O legal representante da Autora dirigiu-se ao local mencionado na convocatória e entregou uma carta, chamando a atenção para a ilegalidade da convocatória, a inexistência jurídica de tal condomínio e a falta de legitimidade ou capacidade de representação da Ré, sendo, em seu entender, as deliberações nulas ou inexistentes, pois insusceptíveis de vincular ou obrigar qualquer condómino.
Apesar disso, a Ré, que dirigiu os trabalhos desta reunião ilegal, prosseguiu com a mesma, vindo, por carta registada de 06.03.2014 remetida à Autora, a enviar a acta da mesma reunião, com as deliberações ali tomadas pelos condóminos presentes, nomeadamente, deliberações no sentido de mandatarem a Ré para continuar a exercer “funções de administração”, além de decisões sobre seguros, orçamentos, obras, penalidades e conferindo ainda mandato a favor da Ré para accionar judicialmente os condóminos que recusem ou não paguem os valores aprovados.
Defende a Autora que tratando-se de um único edifício, composto por 72 fracções autónomas e zonas comuns a todas elas, sendo dessas 34 respeitantes a garagens, mas sendo as zonas comuns destas garagens comuns de todos os condóminos do edifício; e não tendo sido tomada qualquer deliberação, em assembleia geral de todos os condóminos do “Edifício Paraíso” no sentido de dividir a administração do mesmo em blocos ou partes nem no sentido de mandatar a Ré para exercer funções de administração total ou parcial do imóvel; o alegado “059C2 – Condomínio Edifício Paraíso 61 Garagem” não tem existência legal, logo sendo destituído de personalidade jurídica, sendo nulas, ineficazes ou inexistentes todas as deliberações que constam da “ata n.º 20” de 08.02.2014.
Terminou peticionando que se declare que o “Condomínio Edifício Paraíso 61 Garagem” não tem existência jurídica, personalidade jurídica ou judiciária, nem é legal a sua constituição e funcionamento, pelo que são nulas, inexistentes ou ineficazes todas as deliberações tomadas na reunião, convocada e realizada pela Ré em 08.02.2014, reflectidas no documento denominado “ata n.º 20”, sendo ainda a Ré condenada a reconhecer que o mandato para exercer as funções de administração que foi objecto de deliberação naquela mesma reunião é igualmente nulo, ilegal ou inexistente e ineficaz, pelo que deve ser condenada a abster-se de praticar qualquer acto de execução daquelas deliberações ilegais.
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Contestou a Ré, excepcionando, desde logo a sua ilegitimidade passiva para a presente demanda, mas, sem conceder, contrapondo que o condomínio do Edifício Paraíso Lote 61– garagens tem existência jurídica, possui número de contribuinte e está legalmente constituído há anos, como não pode ignorar a Autora, uma vez que pagou (pelo menos até há dois anos a esta parte) as suas quotizações de condomínio.
O condomínio do “Edifício Paraíso 61 – Garagens”, acrescenta, é autónomo face às restantes fracções do prédio constituído em propriedade horizontal onde se integra, foi constituído há mais de 14 anos, conforme acta da primeira assembleia de condóminos. Vários condóminos são possuidores de garagens e, bem assim, de uma fracção autónoma numa das entradas do mencionado Edifício Paraíso (também elas com a sua própria organização e condomínio constituído), outros apenas possuem a garagem e nem sequer têm qualquer fracção autónoma e habitacional no edifício. Para além disso, a garagem tem o seu próprio orçamento, com contador de luz e água autónomos, razão pela qual nunca houve qualquer interesse dos vários condóminos em quinhoar com despesas próprias das habitações, motivo pelo qual se resolveu autonomizar este condomínio.
Conclui, pugnando pela improcedência da acção.
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Proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
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Inconformada com a decisão, a Autora interpôs recurso, formulando as seguintes
Conclusões
1-A Autora é dona e legítima possuidora da fracção autónoma designada pela letra “R”, que faz parte do imóvel inscrito na matriz urbana da freguesia de Arcozelo, concelho de Barcelos, sob o artigo 2173, descrita na Conservatória do Registo Predial de Barcelos, sob o n.º 142/19850516-Arcozelo-R, fracção essa identificada como garagem número dezassete, na cave, lado norte, como resulta da teor da respectiva descrição predial e da escritura de constituição da propriedade horizontal.
2-Aquela fracção autónoma faz parte de um edifício que se identifica como “EDIFÍCIO PARAÍSO, Corpos Nascente, Central e Poente, composto de Cave, r/chão e sete andares e logradouro, que confronta do norte com Lote 60, do sul com arruamento, do nascente com lotes 62 e 60 e do poente com arruamento”, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Arcozelo, concelho de Barcelos sob o artigo 2173, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º 142/19850516, constituído pelas partes comuns e ainda 72 (setenta e duas) fracções autónomas identificada no título de constituição da propriedade horizontal e registadas e descritas, com as respectivas permilagens, naquela Conservatória com as letras “A” a “CC”.
3-As 34 (trinta e quatro) fracções ali identificadas pelas letras “A” a “AL” são garagens existentes na cave, entre elas a fracção “R” pertencente à Autora, que representam somente na permilagem do edifício 43,24/1000.
4-Por sua vez a Ré é uma empresa que há muitos anos se dedica em Barcelos à gestão e administração de condomínios e em 30 de Janeiro de 2014 a Autora recepcionou uma carta registada remetida pela Ré, datada de 24.01.2014, junta como documento n.º 3 da petição, em que convocava uma Assembleia de Condóminos com a ordem de trabalhos ali referida, para o dia 08.02.2014, pelas 10:00 horas, denominando esse Condomínio como “059C2 – CondomínioEdifício Paraíso 61 Garagem”, de que se intitulavam “Administração”.
5-No dia em causa o representante legal da Autora entregou uma carta, junta como documento n.º 4 da petição, em que chamava a atenção para a ilegalidade da convocatória, a inexistência jurídica de tal condomínio.
6-Apesar disso, a Ré, que dirigiu os trabalhos desta reunião, prosseguiu com a mesma, vindo, por carta registada de 06.03.2014 remetida à Autora, a enviar a acta da mesma reunião, com as deliberações ali tomadas pelos poucos condóminos presentes, menos de metade dos donos das garagens em causa.
7-NUNCA FOI REALIZADA UMA ASSEMBLEIA GERAL DE TODOS OS CONDÓMINOS DA TOTALIDADE DAS FRACÇÕES QUE INTEGRAM O PRÉDIO REFERIDO EM 1 E 2 QUE DELIBERASSE DIVIDIR A ADMINISTRAÇÃO DO MESMO EM BLOCOS OU PARTES.
8-Ora, salvo melhor opinião, o que está em causa, face aos factos dados por provados, pois que factos não provados não constam, é, por aplicação da lei aos factos provados, decidir sobre a existência jurídica ou não de tal “condomínio” e daí extrair as consequências legais.
9-Ora, nos termos do artigo 1414º do Código Civil as fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal.
10-É o título constitutivo da propriedade horizontal e o respectivo registo predial que especifica as partes do edifício das várias fracções e das partes comuns –artigos 1418º e 1421º do Código Civil - e o título da propriedade horizontal só pode ser modificado nos termos admitidos por lei – artigo 1419º do Código Civil - com obrigação de tais eventuais modificações serem levados ao respectivo registo predial.
12-Ora, do registo predial do “Edifício Paraíso” não consta ter sido objecto de qualquer alteração, nem nas suas fracções, nem nas suas partes comuns.
13-Finalmente nos termos do artigo 1430º do Código Civil a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador, sendo este eleito e exonerado pela assembleia (artigo 1435º, n.º1 do Código Civil).
14-Ora, face ao título de constituição da propriedade horizontal (escritura pública junta aos autos) e ao respectivo registo predial, dúvidas não podem subsistir de que estamos perante um único edifício, conhecido por “Edifício Paraíso”, composto por 72 fracções autónomas e zonas comuns a todas elas, sendo dessas 34 respeitantes a garagens, mas obviamente as zonas comuns destas garagens são comuns de todos os condóminos do edifício e não só de alguns.
15-Como resulta do atrás referido e transcrito n.º 12 dos factos provados, nunca foi convocada ou realizada uma assembleia geral de todos os condóminos do “Edifício Paraíso” que deliberasse dividir a administração do mesmo em blocos ou partes e também nunca foi deliberado pela assembleia dos condóminos do Edifício Paraíso mandatar a Ré para exercer funções de administração total ou parcial do imóvel.
16-Assim, não se estando perante a hipótese prevista no artigo 1438º-A do Código Civil, pois que não há edifícios contíguos, mas um único, também nunca foi deliberado constituir administrações por blocos, andares, garagens ou outras partes comuns.
17-Na douta sentença recorrida, referindo-se à não uniformidade doutrinal e jurisprudencial sobre esta matéria, acaba-se por aderir à tese referida como defendida no douto acórdão do TRP, de 16.10.2012, que se transcreve no final da antepenúltima página e no primeiro parágrafo da penúltima página, terminando assim por concluir pela existência jurídica daquele “condomínio das garagens”.
18-Porém, salvo melhor opinião, faz-se na douta sentença uma interpretação daquele douto acórdão que não tem acolhimento no seu texto e sumário, pois desde logo não está dado por provado que as garagens em causa sejam um “espaço perfeitamente delimitado, com funcionalidade própria, fracções autónomas e partes comuns próprias”.
19-Pois, como decorre do título de constituição da propriedade horizontal e demais documentação junta as respectivas paredes e placas de cobertura ou divisão de pisos são comuns a todo o edifício e a todos os condóminos da totalidade do “edifício Paraíso”, bem como têm ligação, através de portas e escadas, às demais zonas comuns, que também são comuns a todos os condóminos, inclusive dos condóminos das garagens.
20-Por outro lado naquele douto acórdão faz-se depender a constituição de um condomínio de partes de um edifício, como é o caso, da aprovação “pela generalidade dos respectivos condóminos com vista à administração autónoma dessa mesma parte, sem prejuízo da coordenação da administração geral…”
21-Assim, a única conclusão a retirar não só do Acordão citado, mas também do citado na p.i., é a de que primeiro tem que ser organizado e constituído o condomínio único de todo o edifício e, se reunidos determinados requisitos, poderá depois ser deliberarada a constituição de administrações parciais para gestão de partes determinadas, desde que tenham autonomia funcional, o que não é o caso dos autos.
22-Na verdade, como já decidido no douto Acordão do Tribunal da Relação do Porto de 24.02.2005, in http://www.dgsi.pt, processo 0530559, “ relativamente a todos os blocos de um só prédio, cuja separação não resulta do título de constituição da propriedade horizontal, só pode haver um condomínio”.
23-Assim, existindo um edifício apenas, ainda que com vários blocos, temos um único condomínio, atento o disposto no artigo 1430, n.º 1 do Código Civil, pelo que daqui resulta que o alegado “059C2 – Condomínio Edifício Paraíso 61 Garagem” não tenha existência legal, logo sendo destituído de personalidade jurídica, personalidade ou capacidade judiciárias (artigos 11 e 12 do CPC).
24-Ora, sendo a inexistência legal e a falta de personalidade jurídica originárias, ou seja desde sempre, nenhum decurso do tempo pode suprir ou sanar essa inexistência, pelo que também, por isso, não tem aquele condomínio personalidade ou capacidade judiciárias.
25-Assim, estamos perante um condomínio juridicamente inexistente, sendo nulas, ineficazes ou inexistentes todas as deliberações que constam do documento n.º 5 junto com a p.i., denominado “ata n.º 20” de 08.02.2014.
26-Também da falta de personalidade jurídica do alegado “condomínio das garagens” resulta a nulidade, ineficácia ou inexistência do mandato conferido naquela reunião à Ré, para o quer que seja.
27-E não há prazo legal para ser arguida a falta de personalidade jurídica ou a inexistência legal, pelo que também não poderá existir abuso de direito na invocação dessa inexistência legal ou falta de personalidade jurídica, que, aliás, é insanável e originária.
28-Daí que, face á matéria dada por provada, ao teor do título de constituição da propriedade horizontal, a conclusão a retirar é precisamente a contrária da que resulta da douta sentença proferida, que, assim, deverá ser revogada, julgando-se antes a acção totalmente procedente.
29-Como bem se refere no douto acórdão do TRP de 24.02.2005, in CJ, ANO XXX, i-196,197, “a falta de personalidade judiciária é um vício tão profundo que, no dizer do Prof. A. dos Reis, “NÃO TEM REMÉDIO” – CPC anotado, ed. 1948-66.
30-A douta sentença recorrida violou as disposições legais citadas e efectuou,salvo melhor opinião, uma incorrecta aplicação da lei aos factos dados por provados.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II—Delimitação do Objecto do Recurso
A questão a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se a constituição de um condomínio, através de deliberação dos respectivos condóminos, que não integram a totalidade das fracções do edifício, constituído em propriedade horizontal, destinado a gerir uma parte desse edifício (garagens) tem personalidade jurídica.
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Questão prévia
A lei determina que o juiz tome em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência—v. art. 607.º, n.º 4 aplicável à Relação por força do artigo 663.º, n.º 2 do C.P.Civil.
Consta dos autos o documento de fls. 102 e segs. (escritura da constituição da propriedade horizontal) do qual se extrai, na parte incidente sobre “entradas e zonas comuns”, que, para além das fracções “A” e “B”, com entrada privativa e saída directa para a rampa de acesso à via pública, as restantes fracções localizadas na cave têm acesso carral através da porta localizada no lado poente do edifício, a nível da cave, e pedonal através das três caixas de escadas, localizada uma em cada um dos corpos, mas somente a partir do rés-do-chão e no sentido descendente, sendo de utilização exclusiva das mesmas a zona de circulação de pessoas e viaturas automóveis existente entre as mesmas fracções.
Nesta conformidade, e por ser de manifesto interesse para a decisão da causa, determina-se o respectivo aditamento à factualidade dada por assente.
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III—FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS (elencados na sentença, com a alteração acima aludida)
1. Existe um prédio urbano denominado de “EDIFÍCIO PARAÍSO- Corpos Nascente, Central e Poente”, sito em Calçada, freguesia de Arcozelo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos, sob o n.º 142/19850516, e inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º 2173º.
2. Por escritura pública de 23 de Julho de 1998 foi pela sociedade “Fersil – Construção Civil e Compra e Venda de Propriedades Lda” , constituída a propriedade horizontal desse prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º 142/19850516, daí resultando 72 (setenta e duas) fracções autónomas, designadas pelas letras “A” a “CC”.
3. As 34 (trinta e quatro) fracções ali identificadas pelas letras “A” a “AL” são garagens existentes na cave, que representam na permilagem do edifício o total de 43,24/1000.
4. Por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 29 de Dezembro de 2000, no segundo cartório notarial de Barcelos, exarada a fls. 75-76 do Livro 601-D, a sociedade “Fersil, Lda” declarou vender à sociedade “MIQ, Lda”, com o NIPC 505 271 788 (ora correspondente à aqui A. Liberato, Lda), nesse acto representada pelos seus gerentes, designadamente pelo gerente Liberato A, a fracção autónoma designada pela letra “R” do prédio referido em 1.
5. Encontra-se inscrita, pela ap. 3073, de 2014/01/30, a aquisição, por compra a “Fersil, Lda”, a favor da ora Autora Liberato, Lda.
6. A Ré é uma empresa que se dedica em Barcelos à gestão e administração de condomínios.
7. A Autora recepcionou a carta registada remetida pela Ré, datada de 24.01.2014, junta a fls. 11 v.º, correspondente a uma convocatória para uma assembleia de condóminos do denominado a realizar no dia 08/02/2104, pelas 10:00 horas, na Entrada do Edifício Paraíso, Lote 61 – Garagens, com a ordem de trabalhos aí indicada e da qual consta, designadamente:
1. Apresentação para a aprovação do balanço das fracções do exercício anterior;
2. Apresentação para a aprovação do balanço de terceiros do exercício anterior;
3. Apresentação para aprovação do orçamento ordinário para o ano em curso, e o valor proposto a ser pago por cada fracção autónoma para fazer face às despesas correntes, assim como deliberar sobre o valor a receber para o fundo comum de reserva.
4. Eleição da Administração para o próximo mandato.
8. Nessa convocatória o Condomínio é denominado como “ 059C2 – Condomínio Edifício Paraíso 61 Garagem”, de que a Ré se intitula “Administração”.
9. No dia em causa o representante legal da Autora dirigiu-se ao local mencionado na convocatória e entregou a carta, junta a fls. 12, cujo teor se dá por reproduzido, e na qual expôs que considerava ilegal a constituição, organização e exercício de uma “Administração de Condomínio” somente das garagens, e que a Ré Adminova não tinha legitimidade para convocar a assembleia, sendo as deliberações aí tomadas nulas ou inexistentes, pois insusceptíveis de vincular ou obrigar qualquer condómino; comunicando ainda que não participaria nessa assembleia por considerar a mesma ilegal.
10. O Autor após entregar tal carta ausentou-se da assembleia.
11. Apesar disso, a Ré, que dirigiu os trabalhos dessa assembleia, prosseguiu com a mesma, vindo, por carta registada de 06.03.2014 remetida à Autora, a enviar-lhe a respectiva acta, com as deliberações ali tomadas condóminos presentes e que consta de fls. 13 a 17 dos autos.
12. Nunca foi realizada uma assembleia geral de todos os condóminos da totalidade das fracções que integram o prédio referido em 1 e 2 que deliberasse dividir a administração do mesmo em blocos ou partes.
13. Existe um n.º de contribuinte atribuído ao Edifício Paraíso Lote 61 – garagens, a abranger as 34 fracções correspondentes às garagens;
14. E este tem sido administrado autonomamente das restantes fracções há mais de 14 anos, com um orçamento próprio.
15. As 34 fracções correspondentes às garagens têm contador de luz e água autónomos.
16. Até há cerca de 2 anos a Autora sempre pagou as suas quotizações do condomínio organizado apenas para as garagens do edifício.
17.Para além das fracções “A” e “B”, com entrada privativa e saída directa para a rampa de acesso à via pública, as restantes fracções localizadas na cave têm acesso carral através da porta localizada no lado poente do edifício, a nível da cave, e pedonal através das três caixas de escadas, localizada uma em cada um dos corpos, mas somente a partir do rés-do-chão e no sentido descendente, sendo de utilização exclusiva das mesmas a zona de circulação de pessoas e viaturas automóveis existente entre as mesmas fracções.
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IV—DIREITO
Sobre esta problemática, podemos encontrar, na jurisprudência e na doutrina, entendimentos não coincidentes.
A recorrente invoca, a favor da sua tese, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/02/2005 que considerou ser apenas admissível a constituição de um único condomínio relativamente a todos os blocos integrantes do mesmo prédio e cuja separação não resulte com nitidez do título de constituição da propriedade horizontal com fundamento na ideia base extraída dos arts. 1414.º e 1415.º do CCivil, ou seja, a que cada edifício corresponde uma propriedade horizontal.
No ano seguinte, aquela Relação, através do Acórdão de 09/02/2006 , pronunciou-se em sentido contrário, ou seja, defendeu que, desde que assinaladas as áreas comuns respeitantes a determinadas fracções e as demais zonas comuns do edifício, a lei não impede que seja formado um condomínio autónomo.
No seguimento deste aresto, aquela Relação do Porto, corroborou este entendimento no Acórdão de 31/03/2008 declarando que, apesar de ser um só título constitutivo, nada obsta a que,-havendo partes desse edifício que estão devidamente delimitadas e definidas fisicamente com entradas próprias, com zonas comuns próprias-, se organizem vários condomínios.
O Supremo Tribunal de Justiça, em 16/10/2008, confirmou este último aresto, declarando a legalidade da constituição de mais de um condomínio com administração própria, para gerir as partes comuns que só servem uma zona do edifício, não obstante a constituição de uma só propriedade horizontal.
Defende a recorrente que a sentença recorrida se apoia no aresto de 16/10/2012 proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual, nas suas palavras, faz depender a constituição de um condomínio de partes de um edifício, como é o caso, da aprovação “pela generalidade dos respectivos condóminos com vista à administração autónoma dessa mesma parte, sem prejuízo da coordenação da administração geral…”
A fundamentação do citado aresto do Tribunal da Relação do Porto segue, no essencial, a orientação do mencionado Acórdão do STJ.
E o segmento referido pela recorrente constitui o sumário, que corresponde, aliás, àquela orientação do Tribunal Superior.
No entanto, as decisões dos tribunais também são passíveis de serem interpretadas.
Neste particular, e salvo o devido respeito, discordamos da interpretação que a recorrente fez das palavras utilizadas no que respeita à necessidade de aprovação “pela generalidade/globalidade dos condóminos”.
Tendo em consideração a factualidade dada como provada quer no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça quer no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (que acompanha a fundamentação daquele) os condóminos a que se referem os doutos arestos são os titulares das fracções em cuja zona ou torre se justifica a autonomização da administração, por serem servidas por partes comuns que lhe são exclusivas, e não a totalidade dos proprietários de todas as fracções integrantes do edifício.
No caso apreciado, em recurso, pela Relação do Porto, foi dado como provado que se tratava de um prédio composto por um edifício habitacional e centro comercial, com 164 fracções, distribuídas por cave, sub-nível, rés-do-chão e 13 andares.
Estava precisamente em causa saber se o condomínio do Centro Comercial, exequente, constituído por 74 fracções com fins comerciais, tinha personalidade judiciária.
Ora, apenas ficou provado que o condomínio do Centro Comercial existe desde, pelo menos, 08/04/1983, data em que reuniu a assembleia dos respectivos condóminos e em que foi aprovada, por unanimidade dos condóminos presentes, o regulamento interno.
No Acórdão proferido pelo STJ de 16.10.2008, nem sequer foi possível apurar a data e a causa da constituição do condomínio de 20 fracções de um total de 164.
Note-se que no recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto sobre a matéria, concluiu-se que o condomínio é passível de ser considerado um verdadeiro condomínio (…) porquanto, a estrutura legal de condomínio existe, nada impedindo, que os condóminos do referido edifício, os quais constituem um bloco ou parte do edifício devidamente delimitado, constituam um condomínio autónomo relativo às partes comuns exclusivas desse bloco, tal como já vêm fazendo há já alguns anos, a par do que pode e deve existir para o edifício como unidade predial. (sublinhado nosso)
Por conseguinte, a interpretação que nos parece mais correcta face à fundamentação de facto e de direito das aludidas decisões é a que faz corresponder a globalidade dos condóminos aos proprietários das fracções inseridas em determinadas zonas do prédio, que justificam uma gestão separada das demais.
Deve existir um regulamento, quando haja mais de quatro condóminos, destinado a disciplinar o uso, a fruição e a conservação das partes comuns-cfr. art. 1429.º-A, n.º 1 do C.Civil.
O princípio de que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas por todos os condóminos em proporção do valor das suas fracções (cfr. art. 1424.º, n.º1 do CC) não é absoluto, podendo ser limitado por circunstâncias específicas (cfr. n.ºs 2 a 5 do citado preceito legal).
Ora, em complexas estruturas de propriedade horizontal, como salienta o Supremo Tribunal de Justiça, com um número elevado de fracções, pode haver interesse em que determinadas fracções, localizadas numa parte do edifício, cujas zonas comuns são susceptíveis de exigirem o pagamento de despesas de conservação e fruição, possam ser geridas por uma assembleia de condóminos autonomizada, constituída pelos respectivos proprietários.
Neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 09/02/2006 chamou a atenção de que essa autonomização poderá corresponder a uma melhor defesa dos interesses que apenas dizem respeito a um determinado conjunto de condóminos, tornando possível uma maior eficiência na administração.
Aliás, a Ré argumentou que a decisão de autonomizar o condomínio nasceu do facto de não haver interesse da parte dos condóminos em quinhoar as despesas das garagens com despesas próprias das habitações.
No caso concreto, estamos perante um “condomínio de garagens”, que integra 34 fracções, todas localizadas na cave, com contador de luz e água autónomos.
E este condomínio tem sido administrado autonomamente das restantes fracções há mais de 14 anos, com um orçamento próprio.
Para além das fracções “A” e “B”, com entrada privativa e saída directa para a rampa de acesso à via pública, as restantes 32 fracções localizadas na cave têm acesso carral através da porta localizada no lado poente do edifício, a nível da cave, e pedonal através das três caixas de escadas, localizada uma em cada um dos corpos, mas somente a partir do rés-do-chão e no sentido descendente, sendo de utilização exclusiva das mesmas a zona de circulação de pessoas e viaturas automóveis existente entre as mesmas fracções.(sublinhado nosso)
É importante notar que a legalidade da constituição de um condomínio autónomo não depende de uma precisa especificação das fracções e respectivas áreas comuns, no título constitutivo , bastando que tal resulte da própria materialidade descritiva do edifício.
Portanto, nesta zona de 34 garagens, situada no piso da cave, com zonas de circulação, de pessoas e de viaturas, exclusiva dessas fracções, é compreensível e lógico que os respectivos condóminos se organizassem entre si e fizessem a gestão dessas zonas comuns, autonomizando, inclusivamente, o pagamento de gastos decorrentes do consumo de energia e de água, nesse delimitado espaço.
O princípio da unidade de assembleia de condóminos e de administrador pode, assim, ser afastado, desde que se mostre razoavelmente justificada a autonomização da gestão de determinadas áreas comuns.
Concluindo esta matéria, o designado condomínio “059C2-Condomínio Edifício Paraíso 61 Garagem” tem personalidade judiciária e legitimidade, nos termos do art. 1435.º, n.º 1 do CC, para eleger administrador, cargo esse exercido pela Ré, com a finalidade de administrar as partes comuns daquelas 34 garagens.
O administrador eleito por uma assembleia de condóminos distinta daquela a quem compete administrar as demais partes comuns do edifício, pode e deve exercer todas as funções que a lei (arts. 1436.º e 1437.ºdo CC) lhe confere, limitadas ao espaço em causa.
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V—DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, e consequentemente, mantêm a sentença.
Custas pela apelante.
Notifique e registe.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)
Guimarães, 02 de Maio de 2016
(Anabela Andrade Miranda Tenreiro)
(Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira)
(Fernando Fernandes Freitas)
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1 Disponível em www.dgsi.pt.
2 Disponível no citado site.
3 Idem.
4 De 30.11.2015 disponível no site www.dgsi.pt.
5 Disponível em www.dgsi.pt.
6 Neste sentido cfr. o referido Ac. STJ de 16.10.2008 in www.dgsi.pt.