Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
21/12.0GAGMR.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
ÂMBITO
PEDIDO
CUSTAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”, concedida na sequência de um requerimento apresentado após a decisão final que conhece do objecto do processo, não abrange as custas devidas e contadas até à condenação penal transitada em julgado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
No Proc. 21/12.0GAGMR da Comarca de Braga (Guimarães – Inst. Central – 2ª Secção Criminal – J4), foi proferido despacho que decidiu que o benefício do apoio judiciário concedido ao arguido Hélder M. não abrangia as custas já contadas (até ao acórdão condenatório), por tal benefício ter sido requerido após o termo do prazo do recurso da decisão em primeira instância.
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O arguido Hélder M. interpôs recurso desta decisão, suscitando as seguintes questões:
A norma do art. 44 da Lei 34/2004 de 29-7 é inconstitucional quando:
- interpretada no sentido de não ser permitido ao arguido beneficiar de apoio judiciário quando requerido após o termo do prazo de recurso em primeira instância, quando o processo ainda se encontra sem decisão transitada em julgado;
- se entenda que ao arguido em processo penal, ao contrário do que acontece no processo civil, a insuficiência não é valorada quando ocorra durante o processo; e
- interpretada no sentido de que o beneficiário de apoio judiciário em processo penal, só goza desse benefício para custas contadas após a atribuição do mesmo, ainda que o pagamento só lhe seja exigido após aquele beneficiar de apoio judiciário.
Para o efeito de obrigatoriedade de pagamento das custas do processo, tem de se ter em conta o momento em que é exigido o pagamento e não o momento em que as custas são geradas, porquanto, ser neste momento que se verifica a capacidade ou incapacidade de pagamento das custas por parte do arguido.
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Respondendo, o magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.
Nesta instância, a sr. procurador-geral adjunto emitiu parecer no sentido do recurso ser procedente.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
São os seguintes os factos relevantes para a decisão:
1 – Por acórdão proferido em 27-11-2013 o arguido Hélder M. foi condenado como autor de crimes de tráfico de estupefacientes e de detenção de arma proibida.
2 – O acórdão transitou em jugado em 9-1-2014 – certidão de fls. 42 e ss.
3 – Em 10-2-2014 foram liquidadas as custas da responsabilidade do arguido Hélder C., no valor de € 408,00 (fls. 4), tendo sido notificado, por carta remetida em 11-2-2014, para efetuar o pagamento no prazo de 10 dias (fls. 4)
4 – Em 17-3-2014 o arguido Hélder C. requereu a proteção jurídica, tendo-lhe sido concedido apoio judiciário na modalidade de “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo” (fls. 9).
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A questão do recurso está em saber se a “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”, concedida na sequência de requerimento apresentado em 17-3-2014, abrange as custas devidas e contadas até à condenação penal transitada em 9-1-2014.
Adianta-se, desde já, que o recurso improcede.
Vejamos.
O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos – art. 1 nº 1 da Lei 32/2004 de 29-7.
Era já assim na vigência do Dec.-Lei 387-B/87 de 29-12, cujo art. 1 nº 1 tinha redação similar.
O benefício do apoio judiciário, que é uma das modalidades do sistema de proteção jurídica, pressupõe a existência de uma causa pendente, ou a perspetiva de uma causa ´que será intentada.
A Lei 32/2004, na parte em que regula o processo e os requisitos para a concessão do apoio judiciário, pressupõe sempre a existência de uma “causa” – cfr., a título de exemplo, os arts. 16 nº 4 – “havendo pluralidade de causas relativas ao mesmo requerente…” e 18 nº 1 - “o apoio judiciário é independente da posição processual que o requerente ocupe na causa”.
Como se escreveu no ac. do STJ de 2-2-93 CJ stj Tomo I, pag. 107, o apoio judiciário é um dos meios de concretização do princípio estabelecido no art. 20 nº 2 da Constituição da República Portuguesa de que a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. O objetivo destes preceitos é, pois, e apenas, o de evitar que a carência económica seja fator de impeditivo de acesso aos tribunais, para a defesa dos direitos do litigante, e isso não se verifica quando a ação já correu os seus termos e se encontra finda.
Essencial é, apenas, garantir que ninguém fica impedido de litigar por insuficiência económica.
Por isso, o art. 44 nº 1 da Lei 32/2004 dispõe que “deve o apoio judiciário ser requerido até ao termo do prazo de recurso da decisão em primeira instância”. Transitada em julgado a decisão final, em princípio, nada mais há a litigar. O sujeito processual pagará, ou não, as custas da sua responsabilidade conforme os bens que tiver, ou lhe forem encontrados.
Não se conhece jurisprudência constitucional em sentido contrário, pelo que, nesta parte, termina-se transcrevendo parte da fundamentação do acórdão 215/2112 do Tribunal Constitucional, aliás citado na resposta do magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido:
Já no que respeita à questão da oportunidade do pedido de apoio judiciário, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar, em jurisprudência uniforme, que o apoio judiciário tem sobretudo em vista evitar que qualquer pessoa, por insuficiência de meios económicos, veja impedido, condicionado ou dificultado o recurso aos tribunais para defesa dos seus direitos ou interesses legítimos, não podendo, contudo, ser visto como meio destinado a obter, após o julgamento da causa e a condenação em custas, a dispensa do pagamento dos encargos judiciais a que a participação no processo deu causa. Por esta razão se tem considerado que não fere os princípios constitucionais a solução segundo a qual não é admissível a dedução de pedido de apoio judiciário após o trânsito em julgado da decisão final do processo, quando se tem apenas como objetivo o não pagamento das custas em que a parte veio a ser condenada por efeito dessa decisão (cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos n.ºs 508/97, 308/99, 112/2001, 297/01 e 590/2001)”
(disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120215.html).
Naturalmente, após a decisão final que conhece do objeto do processo, pode algum sujeito processual ter necessidade de continuar a litigar. Após a sentença podem ser suscitadas questões sobre a execução da pena, das custas ou do pedido cível. Seria violador do direito constitucional de acesso à justiça o entendimento de que estaria precludido o direito ao apoio judiciário para estes atos posteriores, por não ter sido requerido até ao trânsito em julgado da sentença. Porém, nesses casos, o apoio judiciário vale apenas para o futuro, para os atos a praticar no âmbito dos incidentes que se verificarem.
Em resumo, o que está em causa com o instituto do apoio judiciário é garantir que o sujeito processual nunca fique impossibilitado de litigar por motivos de carência económica e não, ao contrário do pressuposto de toda a argumentação do recorrente, verificar a sua capacidade ou incapacidade de pagar as custas no momento em que o pagamento é exigido.
O recurso improcede, porque estão apenas a em causa as custas devidas pelo recorrente até ao trânsito em julgado da sentença, ocorrido antes de ter sido requerido o apoio judiciário.
Deixa-se só mais uma nota:
Contrapõe o sr. procurador geral adjunto no seu parecer, defendendo a procedência do recurso, que “o legislador veio, entretanto, sobretudo com o Regulamento das Custas Processuais (…) a retirar do iter processual praticamente todos os momentos intermédios em que o arguido é chamado a aplicar meios económicos na defesa, desde logo aquando da interposição do recurso, projetando para o final do processo as custas processuais, o que, a continuar vigente, em absoluto, o entendimento jurisprudencial do TC, justificaria que, ressalvado o apoio judiciário quanto ao patrocínio(…) se tornasse, genericamente, desnecessário o apoio judiciário. Em boa verdade, ao longo do procedimento criminal, o arguido está dispensado de pagar custas, que só lhe serão reveladas a final”.
Porém, já no regime anterior ao Regulamento das Custas Processuais, na generalidade dos processos crime, o arguido só era confrontado com a obrigação do pagamento de quantias monetárias após a sentença, em caso de condenação. Essa é, aliás, um das razões para o legislador ter criado um regime específico para o processo penal, diferente da regra geral estabelecida na norma do art. 18 nº 2 da Lei 32/2004 para a generalidade das jurisdições, nos termos da qual “o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica”. Afigura-se ser uma argumentação descentrada dos fins que o legislador visou acautelar com o apoio judiciário.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães negam provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
O recorrente pagará 3 UCs de taxa de justiça, sem prejuízo do decidido quanto ao apoio judiciário.