Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
365/10.6TBAMR.G1
Relator: MARIA LUISA RAMOS
Descritores: DIVÓRCIO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CONFISSÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Com a nova legislação decorrente da Lei n.º 61/2008, de 31/10, e alteração de redacção do artigo 1792º do Código Civil, deixou de existir a possibilidade de o cônjuge/ex-cônjuge pedir a reparação dos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento ( salvo nos casos expressamente consignados no n.º2 do citado art.º 1792º).
II. Mas, subsiste o direito de reparação de danos não patrimoniais pelo cônjuge “lesado” no divórcio, constituindo efeito decorrente do próprio Divórcio nos termos do preceituado no art.º 1792º do Código Civil, a deduzir nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns.
III. É inadmissível a confissão quanto aos factos fundamento da acção e respeitantes a alegada violação dos deveres conjugais, só se admitindo como prova de tais factos a certidão da sentença que decretou o divórcio.
IV. O direito a indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil, por remissão do art.º 1792º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, pressupõe que os cônjuges não tenham optado pelo divórcio por mútuo consentimento, pois, neste caso, o Tribunal não irá determinar as causas da ruptura da vida comum do casal, nem tampouco apurar qual dos cônjuges deu causa a esse divórcio.
V. “ Na actual sociedade, com diferente visão da dimensão afectiva da vida – o divórcio deixou de ser um “drama” e nem traduz “o descrédito do casamento” ou uma humilhação social “ – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 8/9/2009.
VI. Exige-se para a condenação como litigante de má-fé a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte, não litigando de má-fé, quem litiga convicto de que tem razão substancial, ainda que a não tenha ou venha a ver indeferida a sua pretensão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

C…divorciada, intentou acção declarativa, com processo ordinário, nº 365/10.6TBAMR, do Tribunal Judicial de Amares, contra o seu ex-marido, F…pedindo a condenação do Réu a pagar à Autora a quantia de € 50.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento.
Alega, que demandante e o demandado contraíram casamento católico, em primeiras núpcias de ambos, no dia 17 de Novembro de 2007, sem convenção antenupcial.
Pouco tempo depois do enlace matrimonial, a Autora descobriu que o Réu mantinha uma relação extraconjugal com outra mulher.
Confrontado com a verdade, em 27 de Dezembro de 2007, o Réu confessou, e abandonou o lar conjugal, passando a viver em concubinato com essa outra mulher com quem mantinha relacionamento extraconjugal.
Desde essa data, o Réu não mais regressou à casa de morada de família.
Pelo contrário, manteve ininterruptamente a relação extraconjugal com essa outra mulher, com quem passou a viver em condições análogas às dos cônjuges.
O Réu não se coibiu de assumir publicamente tal relacionamento extraconjugal, junto de amigos comuns do casal e de pessoas conhecidas de ambos.
Com efeito, à vista e com o conhecimento de toda a gente, o Réu exerce e demonstra atitudes e comportamentos de afecto em relação a essa outra mulher, acariciando-a, dando-lhe a mão, beijando-a.
Com tais gestos, o Réu demonstra uma intimidade própria de quem mantém uma ligação afectiva e intima com essa outra mulher, própria de marido e mulher, em manifesta prática de adultério.
O Réu vive em plena comunhão de vida com essa outra mulher, partilhando a mesma casa, o mesmo quarto e a mesma cama.
Atenta a intimidade evidenciada, o Réu mantém com aquela outra mulher um relacionamento adúltero.
Em consequência do comportamento do Réu, a aqui Autora propôs no Tribunal de Família e Menores de Braga competente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, acção essa que correu termos pela 2ª secção com o nº 500/09.7TMBRG.
Com data de 13 de Fevereiro de 2010 foi decretado o divórcio.
O demandado é o único e exclusivo responsável e culpado pela dissolução do casamento.
O Réu violou de forma grave, culposa e reiterada os mais elementares deveres conjugais, maxime os deveres de respeito, fidelidade e coabitação.
Os comportamentos do demandado foram a causa única e exclusiva da separação e do subsequente divórcio.
Com efeito, pela sua gravidade e reiteração, os comportamentos do Réu comprometeram decisivamente a manutenção da vida em comum do casal.
21. A demandante é uma pessoa humilde e educada.
22. É uma pessoa de sólida formação moral e uma pessoa sensível.
23. Foi educada nos valores tradicionais da moral cristã.
24. Casou catolicamente com o demandado.
25. É católica praticante.
26. A demandante, por força da educação que recebeu e da religião que professa, sempre acreditou e considerou o casamento como uma união conjugal eterna, só susceptível de dissolução por morte.
27. A Autora depositou no casamento com o Réu todas as esperanças de realização pessoal e familiar.
28. A demandante não previa, nem podia prever a separação, muito menos uma separação tão abrupta e repentina.
29. Para ela, a separação e a dissolução do casamento por divórcio tornou-se inevitável e inafastável.
30. Sucede que, a dissolução do casamento tem causado à demandante avultados e extensos danos não patrimoniais.
31. Em consequência da ruptura do casamento, a demandante sofreu uma depressão.
32. A Autora teve que recorrer a consultas e acompanhamento médico.
33. Nos meses subsequentes à separação, a Autora tomou medicamentos antidepressivos, tais como SERTRALINA TETRAFARMA e VICTAN, por prescrição do seu médico.
34. Em consequência da ruptura do casamento, a Autora sentiu enorme agonia, amargura e angústia,
35. e sofreu de profunda ansiedade.
36. Ficou muito aborrecida e humilhada por ter sido aproveitada pelo demandado na sua inexperiência, ligeireza, falta de conhecimentos técnicos, ingenuidade e humildade.
37. A demandante tem, desde o dia da separação, andado muito nervosa e irritada.
38. Muitas das vezes, porque os factos lhes atordoam permanentemente a mente, a demandante passa noites sem dormir.
39. E, quando se lembra ou alguém lhe fala do assunto, a demandante chora, tamanho é o sentimento de revolta que a invade.
40. Sente-se profundamente chocada e ofendida com a dissolução do casamento.
41. A separação causa à Autora um enorme desgosto e um grande sofrimento.
42. A situação de divorciada envolve para a Autora um carga social negativa,
43. sendo, como tal, mal vista e apontada socialmente, o que lhe causa desgosto e sofrimento.
44. Por conseguinte, a dissolução do casamento por culpa exclusiva do demandado causou à demandante enorme desgosto, tendo ficado entregue à sua sorte, dependente da solidariedade e ajuda dos familiares.
45. Em consequência disto, a demandante perdeu o dinamismo, a boa disposição e a alegria que caracterizavam a sua vida.
46. A demandante é hoje uma pessoa desgostosa, triste, amargurada, nervosa, depressiva e angustiada.
47. O demandado actuou com intenso dolo directo e culpa muito grave.
48. Pelo exposto, a demandante reclama do demandado o pagamento de uma compensação a título de danos morais de montante não inferior a 50.000,00€ (cinquenta mil euros).
49. Julga não se tratar de valor exagerado para a compensar dos danos não patrimoniais sofridos, os quais não têm preço.
50. Contudo, uma vez que foram ofendidos aqueles bens preciosos e que não é possível reconstituir o status quo ante, deve a demandante ser compensada monetariamente em valor não inferior a 50.000,00€.

Regularmente citado o Réu não contestou.

Foi proferido despacho saneador e despacho a declarar se consideram confessados os factos articulados pela autora nos termos do disposto no artigo 484.º - n.º 1 do Código de Processo Civil, em virtude de o réu não ter apresentado contestação, ordenando-se o cumprimento do n.º2 do citado artigo.

Foi ordenada a junção aos autos da certidão da sentença de 13 de Fevereiro de 2010, que decretou o divórcio por mútuo consentimento dos Autores e Réu.

Deduzidas alegações escritas pela Autora, nos termos do n.º2 do art.º 484º do Código de Processo Civil, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo-se o Réu do pedido formulado pela Autora.

Por decisão de fls. 53/55 dos autos foi a Autora condenada como litigante de má fé, na multa de 4 Ucs.

Inconformada veio a Autora recorrer, interpondo recurso de apelação da sentença, bem como da decisão de fls. 53/55 dos autos que a condenou a Autora como litigante de má fé, na multa de 4 Ucs.


Os recursos foram recebidos como recursos de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.





Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes conclusões:
A) Recurso da sentença
1. O presente recurso é interposto da Douta Sentença de fls., datada de 31.03.2011, na parte em que decidiu “em face do exposto, julgo a presente acção improcedente e, em consequência, absolvo o réu do pedido formulado pela autora”.
2. Cabe, por isso, recurso de apelação, com subida imediata e nos próprios autos, e com efeitos suspensivos (arts. 691º, 691º-A, nº1; 692º, nº3, todos do CPC).
3. A douta sentença recorrida alterou a matéria de facto alegada pela autora e, além disso, deu como não provados factos que, de acordo com a lei processual e de acordo com o douto despacho saneador haviam sido considerados confessados.
4. Concretamente, a Douta Sentença proferida fez um julgamento incorrecto dos factos alegados em 3 a 46 da petição inicial, porquanto, ao invés de os considerar não provados, devê-los-ia considerar provados por confissão – atenta a falta de contestação do réu – art. 484º, nº1 do CPC, aliás em conformidade, como se verá, com o despacho proferido a fls..
5. O Tribunal recorrido, no âmbito do despacho saneador, decidiu: “ Regularmente citado, o réu não apresentou contestação, razão pela qual, nos termos do disposto no artigo 484º, nº1 do CPC, se consideram confessados os factos articulados pela autora”.
6. Não obstante ter considerado confessado os factos articulados pela autora no momento do saneamento e/ou condensação, mais tarde, em sede de decisão final (sentença), o Tribunal recorrido fez tábua rasa dos factos alegados pela autora e considerados confessados, julgando-os, infundada e contraditoriamente, não provados.
7. Além disso, deu como não provada factualidade que não foi alegada pela autora, nem foi aditada ao objecto do processo, nem tão-pouco tem qualquer relevância para a apreciação do mérito da causa, concretamente o seguinte facto: “Na acção de divórcio, o ora demandado foi considerado o único e exclusivo responsável e culpado pela dissolução do casamento.”
8. Assim sendo, a Douta Sentença proferida pelo Tribunal recorrido é nula, porque, por um lado, não se pronunciou sobre os factos que foram considerados confessados, nem tão-pouco os deu como provados no intróito da decisão proferida (art. 668º, nº1, al. d) do CPC), e, por outro, a decisão de direito proferida está em insanável contradição com os fundamentos de facto que deveria ter sido considerados (art. 668º, nº1, al. c) do CPC).
9. Pelo exposto, deve ser modificada a decisão de facto e, consequentemente, ser substituída por outra que julgue provados aqueles concretos pontos de facto.
10. Com efeito, nos termos do disposto na al. b) do nº1 do art. 712º do CPC, o processo fornece todos os elementos necessários que, uma vez apreciados, impõem a modificação da decisão de facto nos termos peticionados.
11. Com o devido respeito, que é muito, o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido de que tal direito a uma indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil pressupõe obviamente que os cônjuges não tenham optado pelo divórcio por mútuo consentimento - não tem o mínimo de assento na letra da lei, nem de suporte nos cânones da hermenêutica jurídica.
12. A actual redacção do nº1 do art. 1792º do CC, introduzida pela Lei nº61/2008, de 31 de Outubro, (“O cônjuge lesado tem o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo outro cônjuge, nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns”) diverge sobremaneira da antiga (“O cônjuge declarado único ou principal culpado e, bem assim, o cônjuge que pediu o divórcio com o fundamento da alínea c) o art. 1781º devem reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento”).
13. Pretendeu o legislador estender a responsabilidade civil por danos também aos casos em que não há ainda divórcio com trânsito em julgado e, por maioria de razão, aos casos de divórcio por mútuo consentimento, autonomizando os dois tipos de acções e respectivos fundamentos, remetendo a competência da acção de responsabilidade para os tribunais comuns.
14. Se a aplicação do regime do art. 1792º do CC fosse privativa do divórcio litigioso, o legislador teria situado tal preceito na secção do divórcio litigioso e não numa secção autónoma e comum às duas modalidades de divórcio.
15. “A Lei nº61/2008, ao eliminar a apreciação da culpa do âmbito da acção de divórcio, eliminou, como não podia deixar de ser, a especial responsabilidade por danos não patrimoniais, decorrentes da própria dissolução do casamento, responsabilidade essa que, como acabámos de ver, impendia sobre o cônjuge declarado único culpado ou principal culpado pelo divórcio.” (AMADEU COLAÇO, in Novo Regime do Divórcio, 2008, págs. 95 a 97).
16. “O nº1 do art. 1792º do CC não faz depender a possibilidade de interposição desta acção do prévio trânsito em julgado da própria acção de divórcio, pelo que, salvo melhor opinião, concebemos como possível a interposição simultânea de ambas as acções.” (AMADEU COLAÇO, in Novo Regime do Divórcio, 2008, págs. 95 a 97).
17. Não obstante a conversão do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento, mantém a autora o direito a ser ressarcida de todos os danos causados pelo outro cônjuge, contanto que prove os pressupostos gerais da responsabilidade civil, o que aconteceu no caso em apreço.
18. Atenta a factualidade provada (consideram-se confessados todos os factos alegados pela autora), não restarão dúvidas de que no caso em apreço estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil.
19. O Réu praticou voluntariamente actos e omissões, bem sabendo que tais comportamentos eram ilícitos e constituíam a violação culposa e grave dos mais elementares deveres conjugais.
20. O Réu actuou com dolo directo, sendo a sua actuação altamente reprovável.
21. Em consequência dessa violação culposa, o réu, com os descritos comportamentos, é o único e exclusivo responsável pela dissolução do casamento e, consequentemente, pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora em consequência do divórcio.
22. Os danos não patrimoniais, alegados e provados nos autos, são muito graves e, por conseguinte, merecem censura e justo ressarcimento – art. 496º do CC.
23. De acordo com a equidade, obtemperada com os critérios do art. 494º do CC (Cfr. art. 496º, nº3 do CC), a autora tem direito a receber, a título de danos não patrimoniais, uma compensação de montante não inferior a 50.000,00€ (cinquenta mil euros).
24. De resto, em casos análogos, cujos danos não patrimoniais provados são menos graves e extensos do que os sofridos pela aqui autora, o STJ arbitrou, recentemente, compensações entre €20.000,00 e €30.000,00. Veja-se o Ac. do STJ, de 25.03.2010 e o Ac. do STJ, de 27.05.2010. cfr. www.dgsi.pt

B) Recurso da decisão fls. 53/55 dos autos que a condenou a Autora como litigante de má fé - cls. de fls. 84/87, que se dão por reproduzidas, sendo repetição parcial das anteriores e respeitantes à mesma questão de direito, salientando-se as conclusões seguintes:
(…)
5. Não obstante, os factos alegados pela Autora resultaram integralmente provados.
6. Nenhum dos factos alegados pela Autora ficou por provar, e muito menos ficou demonstrado que algum dos factos alegados pela Autora não correspondesse à verdade.
7. Pelo exposto, falece o primeiro dos fundamentos da litigância de má fé: intenção (dolosa) de falsear a verdade de alguns dos factos que alegou.
8. Por conseguinte, impõe-se concluir que a Autora não alterou a verdade dos factos, muito menos o fez com dolo ou negligência grave, pelo que não tem o menor cabimento a aplicação do conceito de litigância má fé previsto na al. b) do nº2 do art. 456º do CPC.
9. Com o devido respeito, que é muito, o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido – de que tal direito a uma indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil pressupõe obviamente que os cônjuges não tenham optado pelo divórcio por mútuo consentimento ou que a autora pretende recorrer agora a um regime jurídico que afastou com a sua vontade de se divorciar por mútuo consentimento - não tem o mínimo de assento na letra da lei, nem de suporte nos cânones da hermenêutica jurídica.
(…)

Não foram proferidas contra – alegações.

Os recursos foram admitidos neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 684º-nº3 do Código de Processo Civil , não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “ ( artº 660º-nº2 do Código de Processo Civil ).
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do Código de Processo Civil, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.




Atentas as conclusões das apelações deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- alegada nulidade da sentença nos termos do art.º 668º-n.º1-alínea. c) e d) do Código de Processo Civil.
- reapreciação da matéria de facto:
- efeitos da revelia do Réu nos termos do art.º 484º-n.º1 do Código de Processo Civil
- efeitos do despacho judicial que declara confessados os factos articulados na petição inicial nos termos do citado art.º 484º-n.º1 do Código de Processo Civil
- confissão – admissibilidade; alcance do art.º 1792º do Código Civil na redacção dada pela Lei n.º 61/2008, de 31/10
- do mérito da causa: apreciação da decisão de absolvição do réu do pedido
- reapreciação da decisão de condenação da Autora como litigante de má fé.


FUNDAMENTAÇÃO
I. OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida ):
1. A demandante e o demandado contraíram casamento católico, em primeiras núpcias de ambos, na Capela de Nossa Senhora da Paz, paróquia de Amares, concelho de Amares, no dia 17 de Novembro de 2007.
2.- Casaram sem convenção antenupcial.
3.- A Autora propôs no Tribunal de Família e Menores de Braga competente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, acção essa que correu termos pela 2ª secção com o nº500/09.7TMBRG.
4.- Com data de 13 de Fevereiro de 2010 foi decretado o divórcio por mútuo consentimento.
*****

(Na sentença recorrida forma ainda declarados factos não provados com relevância para a decisão da causa, nos seguintes termos:
Não se provaram os demais factos alegados pela autora que não estejam mencionados nos factos assente ou estejam em contradição com estes, nomeadamente, os seguintes:
- Na acção de divórcio, o ora demandado foi considerado o único e exclusivo responsável e culpado pela dissolução do casamento.)


II. O DIREITO APLICÁVEL
1. Alegada nulidade da sentença nos termos do art.º 668º-n.º1-alínea. c) e d) do Código de Processo Civil.
Alega a apelante que a decisão padece de nulidade, ao abrigo do disposto nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil, por omissão de pronúncia e contradição na medida em que, por um lado, não se pronunciou sobre os factos que foram considerados confessados, nem tão-pouco os deu como provados no intróito da decisão proferida, e, por outro, a decisão de direito proferida está em insanável contradição com os fundamentos de facto que deveriam ter sido considerados.
Dispõe o n.º1-alínea.d) do art.º 668º do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, dispondo, por sua vez, a alínea. c), do indicado preceito, ser nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Os vícios previstos no citado art.º 668º do Código de Processo Civil, geradores de nulidade da sentença, são vícios de cariz adjectivo ou processual e que afectam a decisão na sua estrutura processual, invalidando-a ou tornando-a incompleta ou incompreensível, relativamente aos vícios ora apontados.
Assim, e no que à omissão de pronúncia se refere, reporta-se a lei a um desconhecimento absoluto da questão objecto da decisão (Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 6/5/2004, p.04B1409, in www.dgsi.pt), e, no tocante à oposição referida na alínea. c) do n.º1, do artigo 668º, é a que se verifica no processo lógico formal ( v. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, 1992, art.º 668º ), sendo que não determina a nulidade de sentença prevista na citada alínea, a subsunção dos factos às normas jurídicas julgadas aplicáveis, não obstante se possa vir a demonstrar verificar-se existir erro de julgamento em caso de errada aplicação legal ( v. Ac, Tribunal da Relação de Coimbra, de 8/4/2003, n.º convencional JTRC 01959, in www.dgsi.pt ), “Trata-se de um mero vício formal (e não de erro de substância ou de julgamento)” - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça , de 23- -05-2006, Proc. n.º 06A10 90, in www.dgsi.pt..
No caso em apreço as indicadas causas de nulidade não ocorrem, invocando o apelante vícios que respeitam, distintamente, a erro de julgamento, e que oportunamente se conhecerão, em sede de reapreciação da matéria de facto e de direito.
Improcedem, assim, nesta parte, os fundamentos da apelação.

2. Reapreciação da matéria de facto
Impugna a recorrente a matéria de facto fixada na sentença, nos termos do disposto no art.º 712º do Código de Processo Civil, alegando que a sentença recorrida alterou a matéria de facto alegada pela autora e deu como não provados factos que de acordo com a lei processual e de acordo com o despacho saneador haviam sido considerados confessados, e fez um julgamento incorrecto dos factos alegados nos artigos 3 a 46 da petição inicial, porquanto, ao invés de os considerar não provados, devê-los-ia considerar provados por confissão – atenta a falta de contestação do Réu, nos termos do art. 484º-nº1 do Código de Processo Civil, em conformidade, ainda, com o despacho proferido nos autos que declarou confessados os factos articulados pela autora nos termos do disposto no artigo 484.º- n.º 1 do Código de Processo Civil em virtude de o Réu não ter apresentado contestação, e, assim, conclui, deve ser modificada a decisão de facto e, consequentemente, ser substituída por outra que julgue provados aqueles concretos pontos de facto.
Os artigos da petição inicial têm o seguinte teor:
“1. A demandante e o demandado contraíram casamento católico, em primeiras núpcias de
ambos, na Capela de Nossa Senhora da Paz, paróquia de Amares, concelho de Amares, no dia 17 de Novembro de 2007, conforme melhor consta do assento de casamento nº136, emitido pela Conservatória do Registo Civil de Amares.
2. Casaram sem convenção antenupcial.
3. Pouco tempo depois do enlace matrimonial, a Autora descobriu que o Réu mantinha uma
relação extraconjugal com outra mulher.
4. Confrontado com a verdade, em 27 de Dezembro de 2007, o Réu confessou, e abandonou
o lar conjugal, passando a viver em concubinato com essa outra mulher com quem mantinha relacionamento extraconjugal.
5. Desde essa data, o Réu não mais regressou à casa de morada de família.
6. Pelo contrário, manteve ininterruptamente a relação extraconjugal com essa outra mulher,
com quem passou a viver em condições análogas às dos cônjuges.
7. De resto, o Réu não se coibiu de assumir publicamente tal relacionamento extraconjugal,
junto de amigos comuns do casal e de pessoas conhecidas de ambos.
8. Com efeito, à vista e com o conhecimento de toda a gente, o Réu exerce e demonstra
atitudes e comportamentos de afecto em relação a essa outra mulher,
9. acariciando-a,
10. dando-lhe a mão,
11. beijando-a.
12. Com tais gestos, o Réu demonstra uma intimidade própria de quem mantém uma ligação afectiva e intima com essa outra mulher, própria de marido e mulher, em manifesta prática
de adultério.
13. Com efeito, o Réu vive em plena comunhão de vida com essa outra mulher, partilhando a mesma casa, o mesmo quarto e a mesma cama.
14. Atenta a intimidade evidenciada, o Réu mantém com aquela outra mulher um relacionamento adúltero.
15. Em consequência do comportamento do Réu, a aqui Autora propôs no Tribunal de Família e Menores de Braga competente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, acção essa que correu termos pela 2ª secção com o nº500/09.7TMBRG.
16. Com data de 13 de Fevereiro de 2010 foi decretado o divórcio.
17. Como se viu, o demandado é o único e exclusivo responsável e culpado pela dissolução do casamento.
18. De resto, o Réu violou de forma grave, culposa e reiterada os mais elementares deveres
conjugais, maxime os deveres de respeito, fidelidade e coabitação.
19. Os comportamentos do demandado foram a causa única e exclusiva da separação e do
subsequente divórcio.
20. Com efeito, pela sua gravidade e reiteração, os comportamentos do Réu comprometeram
decisivamente a manutenção da vida em comum do casal.
21. A demandante é uma pessoa humilde e educada.
22. É uma pessoa de sólida formação moral e uma pessoa sensível.
23. Foi educada nos valores tradicionais da moral cristã.
24. Casou catolicamente com o demandado.
25. É católica praticante.
26. A demandante, por força da educação que recebeu e da religião que professa, sempre
acreditou e considerou o casamento como uma união conjugal eterna, só susceptível de
dissolução por morte.
27. A Autora depositou no casamento com o Réu todas as esperanças de realização pessoal e familiar.
28. A demandante não previa, nem podia prever a separação, muito menos uma separação tão abrupta e repentina.
29. Para ela, a separação e a dissolução do casamento por divórcio tornou-se inevitável e
inafastável.
30. Sucede que, a dissolução do casamento tem causado à demandante avultados e extensos danos não patrimoniais.
31. Em consequência da ruptura do casamento, a demandante sofreu uma depressão.
32. A Autora teve que recorrer a consultas e acompanhamento médico.
33. Nos meses subsequentes à separação, a Autora tomou medicamentos antidepressivos,
tais como SERTRALINA TETRAFARMA e VICTAN, por prescrição do seu médico.
34. Em consequência da ruptura do casamento, a Autora sentiu enorme agonia, amargura e
angústia,
35. e sofreu de profunda ansiedade.
36. Ficou muito aborrecida e humilhada por ter sido aproveitada pelo demandado na sua
inexperiência, ligeireza, falta de conhecimentos técnicos, ingenuidade e humildade.
37. A demandante tem, desde o dia da separação, andado muito nervosa e irritada.
38. Muitas das vezes, porque os factos lhes atordoam permanentemente a mente, a
demandante passa noites sem dormir.
39. E, quando se lembra ou alguém lhe fala do assunto, a demandante chora, tamanho é o
sentimento de revolta que a invade.
40. Sente-se profundamente chocada e ofendida com a dissolução do casamento.
41. A separação causa à Autora um enorme desgosto e um grande sofrimento.
42. A situação de divorciada envolve para a Autora um carga social negativa,
43. sendo, como tal, mal vista e apontada socialmente, o que lhe causa desgosto e sofrimento.
44. Por conseguinte, a dissolução do casamento por culpa exclusiva do demandado causou à demandante enorme desgosto, tendo ficado entregue à sua sorte, dependente da solidariedade e ajuda dos familiares.
45. Em consequência disto, a demandante perdeu o dinamismo, a boa disposição e a alegria que caracterizavam a sua vida.
46. A demandante é hoje uma pessoa desgostosa, triste, amargurada, nervosa, depressiva e angustiada.
47. O demandado actuou com intenso dolo directo e culpa muito grave.
48. Pelo exposto, a demandante reclama do demandado o pagamento de uma compensação a título de danos morais de montante não inferior a 50.000,00€ (cinquenta mil euros).
49. Julga não se tratar de valor exagerado para a compensar dos danos não patrimoniais
sofridos, os quais não têm preço.
50. Contudo, uma vez que foram ofendidos aqueles bens preciosos e que não é possível
reconstituir o status quo ante, deve a demandante ser compensada monetariamente em valor não inferior a 50.000,00€.
Nos termos do art.º 484º-n.º1 do Código de Processo Civil, o qual determina que “ Se o Réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo Autor”, verificando-se ocorrer nos autos situação de revelia do Réu, veio a ser proferido despacho, a fls. 24 dos autos, a declarar confessados os factos articulados na petição inicial nos termos do citado art.º 484º-n.º1 do Código de Processo Civil.
Não obstante, na sentença recorrida, não vieram a considerar-se como provados todos os aludidos factos articulados na petição inicial, mas, apenas, os acima descritos, nomeadamente –
“1. A demandante e o demandado contraíram casamento católico, em primeiras núpcias de ambos, na Capela de Nossa Senhora da Paz, paróquia de Amares, concelho de Amares, no dia 17 de Novembro de 2007.
2.- Casaram sem convenção antenupcial.
3.- A Autora propôs no Tribunal de Família e Menores de Braga competente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, acção essa que correu termos pela 2ª secção com o nº500/09.7TMBRG.
4.- Com data de 13 de Fevereiro de 2010 foi decretado o divórcio por mútuo consentimento.”
Mais se declarando na sentença: “Não se provaram os demais factos alegados pela autora que não estejam mencionados nos factos assente ou estejam em contradição com estes, nomeadamente, os seguintes: - Na acção de divórcio, o ora demandado foi considerado o único e exclusivo responsável e culpado pela dissolução do casamento.)”
Cumpre, assim, apreciar os efeitos do despacho judicial que declara confessados os factos articulados na petição inicial nos termos do citado art.º 484º-n.º1 do Código de Processo Civil, o que se prende, no caso sub judice, pela apreciação da admissibilidade da confissão e sua conjugação com a declaração confessória decorrente do citado artigo, e, em concreto, do alcance do art.º 1792º do Código Civil na redacção dada pela Lei n.º 61/2008, de 31/10.
Com efeito, declarando-se nos autos pelo despacho judicial de fls.24, confessados os factos articulados na petição inicial nos termos do citado art.º 484º-n.º1 do Código de Processo Civil, os efeitos de tal declaração e obrigatoriedade do cumprimento de tal decisão dentro do processo por efeitos do caso julgado formal que se formou nos termos do disposto no art.º 672º do Código de Processo Civil, tratando-se de mera declaração “genérica”, não impede a conjugação de tal decisão e preceito legal em que se baseia- art.º 484º-n.º1 do Código Civil, com os demais normativos legalmente previstos e respeitantes à admissibilidade da confissão, em geral, e em particular, face aos factos articulados e sua especificidade, nomeadamente decorrente das disposições legais dos art.º 485º e 646º-n.º4, 511º e 659º do Código de Processo Civil e art.º 352º e sgs. e 1792º do Código Civil.
Assim, desde logo, deverá ter-se por excluída de tal declaração cominatória, na elaboração da sentença, na descrição do elenco dos factos provados, nos termos do art.º 659º-n.º2 e 3 do Código de Processo Civil, a alegação respeitante a factos irrelevantes, conclusivos ou alegações respeitantes a questões de direito. ( Veja-se, a este propósito, que a própria recorrente vem apenas impugnar a omissão dos factos alegados nos artigos 3 a 46 da petição inicial, não se referindo aos demais...... ).
E, bem assim, deverão, ainda, ter-se por excluídos os factos articulados na petição inicial que apenas se possam provar por documento ou quando a vontade das partes seja ineficaz para produzir o efeito juridico que se pretende obter, por verificação das excepções consignadas no art.º 485º do Código de Processo Civil.
E, tratando-se de declaração meramente genérica, a proferida no despacho em referência de fls.24, no âmbito do art.º 484º-n.º1 do Código de Processo Civil, nada impede o conhecimento, em concreto, em sede de elaboração da sentença, e nos termos dos preceitos legais indicados e art.º 659º-n.º2 e 3 do Código de Processo Civil, a integração e aplicação conjunta das normas aplicáveis, e, nomeadamente, das causas de excepção previstas no art.º 485º do Código de Processo Civil, não constituindo tal conhecimento ofensa do caso julgado formal que se formou.
Nos termos do disposto no art.º 659º do Código de Processo Civil, na elaboração da sentença, identificadas as partes e o objecto da litigio, e fixando-se as questões que ao tribunal cumpre solucionar, seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, e, nos termos do n.º2 do art.º 660º, do citado diploma legal, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e, apenas estas, de acordo com o pedido e a causa de pedir formulados.
Deve, realçar-se que é a causa de pedir que determina o objecto da acção, devendo o juiz seleccionar e conhecer a matéria de facto que se mostre relevante para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito., assim, se traduzindo em questões impertinentes e dilatórias as que se revelem desajustadas e sem conexão com tal objecto jurídico, tratando-se, neste caso de questões inúteis.
No caso sub judice, não considerou a Mª Juiz “ a quo “ como provados os factos constantes da petição inicial, para além dos acima indicados que expressamente declarou na sentença, não obstante a declaração de confissão dos factos nos termos do art.º 484º-n.º1 do Código de Processo Civil proferida nos autos nos termos do despacho judicial de fls. 24, supra referenciado.
Não fundamentou a Mª Juiz “ a quo “ a sua decisão relativamente ao julgamento da matéria de facto, deduzindo-se da decisão de direito os fundamentos que nortearam tal valoração, e, que adiantamos, se afigura parcialmente correcta (não o estará no tocante a parte dos factos articulados nos artigos 21 e sgs, da petição inicial, pelos fundamentos que se indicarão ), por verificação, in casu, das excepções consignadas no art.º 485º- alíneas. c) e d) do Código de Processo Civil, por referência ao art.º 1792º do Código Civil na redacção dada pela Lei n.º 61/2008, de 31/10.
Com efeito, atenta a actual redacção do art.º 1792º do Código Civil na redacção dada pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, e a intenção legislativa que norteou as significativas e profundas alterações à lei do Divórcio, e que se evidencia pelo alcance das alterações adoptadas, de que claramente resulta a expurgação da ponderação da culpa para efeitos de atribuição do divórcio, e manifesta amplitude do direito à sua obtenção, e cariz objectivo atribuído à não observância dos deveres conjugais, é nosso entendimento, por um lado, que deixou de existir, com a nova legislação decorrente da Lei n.º 61/2008 e alteração de redacção do citado artigo, a possibilidade de o cônjuge/ex-cônjuge pedir a reparação dos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento ( salvo nos casos expressamente consignados no n.º2 do art.º 1792º do Código Civil respeitante aos casos em que o cônjuge pediu o divórcio com o fundamento na alínea. b) do art.º 1781º, por alteração das faculdades mentais do outro, sobre aquele impendendo tal obrigação, de reparação dos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento), e, por outro, que subsiste (como na anterior legislação respeitante ao Divórcio se verificava já ) o direito de reparação de danos não patrimoniais pelo cônjuge “ lesado” no divórcio, pelos factos fundamento do Divórcio, nos termos gerais da responsabilidade civil e a deduzir nos tribunais comuns, ora por expressa remissão do art.º 1792º do Código Civil, na redacção dada pela Lei n.º 61/2008, de 31/10, sendo a “Reparação” prevista no citado artigo 1792º, na redacção actual, exclusivamente respeitante aos danos não patrimoniais causados e que são causa do divórcio.
Com efeito, atenta a letra e espírito da lei, e inserção temática do art.º 1792º do Código Civil, consideramos que o direito de reparação de danos não patrimoniais pelo cônjuge “ lesado” previsto no citado preceito legal, constitui efeito decorrente do próprio Divórcio, como a própria lei indica- está o art.º 1792º inserido na subsecção IV- EFEITOS DO DIVÓRCIO- e a conceder ao cônjuge “ lesado” no Divórcio, como do preceito em causa se deduz, e, assim, consequentemente, apenas poderá ter como fundamento os concretos factos que basearam o decretamento do Divórcio Litigioso e que se encontram expressos na sentença que o decretou;
( e, é um direito que o legislador pretende declarar que subsiste, independentemente da eliminação do direito à reparação dos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento e das profundas alterações introduzidas pelo diploma legal em referência ).
Assim, se considerando, excluídos de tal possibilidade os casos de Divórcio não transitado e, maxime, de Divórcio Por Mútuo Consentimento, o qual é declarado independentemente da alegação de quaisquer factos determinativos da ruptura conjugal, baseado apenas na vontade das partes.
Não exclui este entendimento a possibilidade de, em qualquer caso, em qualquer tipo de divórcio e mesmo durante a pendência da sociedade conjugal, qualquer dos cônjuges demandar o outro com vista ao ressarcimento de danos morais provocados por quaisquer condutas que assumam a natureza de ilícito civil, ou mesmo criminal ( maxime, como paradigma, os casos de Violência Doméstica ), contra direitos subjectivos e de personalidade ou integridade física ou moral do outro, nos termos gerais do art.º 483º do Código Civil.
Entendimento diferente, nomeadamente no sentido preconizado pela apelante, no seguimento da doutrina em que se baseia e cita nas alegações do recurso de apelação, traduziria, quanto a nós, e ressalvado o devido respeito por opinião contrária, e citando os Prof. Carlos Pamplona Corte-Real e José Silva Pereira, in “ Direito da Família”, Tópicos para uma Reflexão Crítica, AAFDL, 2011, “ evidente contradição com a filosofia que parece ínsita à Lei n.º 61/2008, um virtual agravamento do regime de penalização ou sancionamento dos ex-cônjuges tidos por infractores, tomando cada dever conjugal violado ( e de cada vez que o fosse ) como causa justificativa do despoletar dos mecanismos de responsabilidade civil. Inclusivamente, admitindo a possibilidade da responsabilidade civil ser feita aplicar na constância do matrimónio, se o cônjuge lesado não pretendesse o divórcio.
Ou seja, a Lei n.º 61/2008 seria tão ou mais penalizadora que o regime do divórcio-sanção que vigorava no Código Civil, quando do próprio preâmbulo do diploma e do ante-projecto resulta claramente o propósito de “ aligeirar” o regime do divórcio, na esteira do que parece corresponder ao acolhimento de um verdadeiro direito ao divórcio “.
Assim, atento o pedido e causa de pedir formulados na acção declarativa instaurada pela apelante contra o apelado, traduzindo-se esta, a causa de pedir “na alegação do núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo concedentes do direito em causa.” – cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 31/1/2007, in www.dgsi.pt.,, pretendendo a Autora obter a condenação do Réu pelos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento e pelos factos ilicitos violadores dos deveres conjugais que, como alega, com base na culpa exclusiva do Réu determinaram a ruptura da vida conjugal, estão em causa factos que apenas se podem provar por documento de força probatória plena, designadamente, a sentença que decretou o divórcio das partes, ex-casal, sendo, ainda, a vontade das partes ineficaz para produzir o efeito jurídico que se pretende obter decorrente do pedido de condenação do Réu no pagar à Autora de indemnização a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, e baseado este pedido em factos alusivos a violação culposa dos deveres conjugais por parte do Réu e sua consideração como cônjuge exclusivo culpado, tendo sido entre os cônjuges decretado o seu Divórcio Por Mútuo Consentimento.
Nestes termos, conclui-se, tem-se por verificada a excepção prevista nas alíneas. c) e d) do art.º 485º do Código de Processo Civil, quanto aos factos fundamentos da acção e respeitantes a alegada violação dos deveres conjugais, relativamente aos quais é inadmissível a confissão, só se admitindo como prova de tais factos a certidão da sentença que decretou o divórcio.
E, assim, in casu, tendo o Divórcio sido decretado por Mútuo Consentimento, nenhuma factualidade existe a considerar.
Mantendo-se, com as ressalvas já acima assinaladas ( exclusão da alegação respeitante a factos irrelevantes, conclusivos ou alegações respeitantes a questões de direito; p. ex. factos conclusivos e de direito alegados nos art.º 30, 36, 42, 43, 44, parte, 47, e, 48, 49, 50 ), a aplicação do efeito cominatório aos factos descritos nos art.º 21 e sgs da petição inicial, factos estes não abrangidos pelas excepções legais decorrentes do art.º 485º do Código de Processo Civil e art.º 354º do Código Civil.
E, assim, a matéria de facto passará a constar nos seguintes termos:
1. A demandante e o demandado contraíram casamento católico, em primeiras núpcias de ambos, na Capela de Nossa Senhora da Paz, paróquia de Amares, concelho de Amares, no dia 17 de Novembro de 2007.
2.- Casaram sem convenção antenupcial.
3.- A Autora propôs no Tribunal de Família e Menores de Braga competente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, acção essa que correu termos pela 2ª secção com o nº500/09.7TMBRG.
4.- Com data de 13 de Fevereiro de 2010 foi decretado o divórcio por mútuo consentimento.
21. A demandante é uma pessoa humilde e educada.
22. É uma pessoa de sólida formação moral e uma pessoa sensível.
23. Foi educada nos valores tradicionais da moral cristã.
24. Casou catolicamente com o demandado.
25. É católica praticante.
26. A demandante, por força da educação que recebeu e da religião que professa, sempre acreditou e considerou o casamento como uma união conjugal eterna, só susceptível de dissolução por morte.
27. A Autora depositou no casamento com o Réu todas as esperanças de realização pessoal e familiar.
28. A demandante não previa, nem podia prever a separação, muito menos uma separação tão abrupta e repentina.
29. Para ela, a separação e a dissolução do casamento por divórcio tornou-se inevitável e inafastável.
31. Em consequência da ruptura do casamento, a demandante sofreu uma depressão.
32. A Autora teve que recorrer a consultas e acompanhamento médico.
33. Nos meses subsequentes à separação, a Autora tomou medicamentos anti-depressivos, tais como SERTRALINA TETRAFARMA e VICTAN, por prescrição do seu médico.
34. Em consequência da ruptura do casamento, a Autora sentiu enorme agonia, amargura e angústia,
35. e sofreu de profunda ansiedade.
37. A demandante tem, desde o dia da separação, andado muito nervosa e irritada.
38. Muitas das vezes, porque os factos lhes atordoam permanentemente a mente, a demandante passa noites sem dormir.
39. E, quando se lembra ou alguém lhe fala do assunto, a demandante chora, tamanho é o sentimento de revolta que a invade.
40. Sente-se profundamente chocada e ofendida com a dissolução do casamento.
41. A separação causa à Autora um enorme desgosto e um grande sofrimento.
44. A dissolução do casamento causou à demandante enorme desgosto, tendo ficado entregue à sua sorte, dependente da solidariedade e ajuda dos familiares.
45. Em consequência disto, a demandante perdeu o dinamismo, a boa disposição e a alegria que caracterizavam a sua vida.
46. A demandante é hoje uma pessoa desgostosa, triste, amargurada, nervosa, depressiva e angustiada.

Elimina-se a declaração de facto não provado: “Na acção de divórcio, o ora demandado foi considerado o único e exclusivo responsável e culpado pela dissolução do casamento”, não tendo a Autora alegado tal factualidade na petição inicial, devendo o Juiz cingir-se à matéria de facto alegada pelas partes ( art.º 264º-n.º2 do Código de Processo Civil ).

3. do mérito da causa: apreciação da decisão de absolvição do réu do pedido
Insurge-se a Autora/apelante contra a decisão de mérito que julgando a acção improcedente absolveu o Réu do pedido.
Das exposições já acima expostas, claramente resulta dever manter-se a decisão de absolvição do Réu, sendo certo, desde logo, e no tocante ao pedido pela Autora formulado – de condenação do Réu a reparar os danos causados à autora, na qualidade de sua ex-cônjuge, a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, como a própria apelante alega e afirma nas suas alegações do recurso - Cls.15. “A Lei nº61/2008, ao eliminar a apreciação da culpa do âmbito da acção de divórcio, eliminou, como não podia deixar de ser, a especial responsabilidade por danos não patrimoniais, decorrentes da própria dissolução do casamento, responsabilidade essa que, como acabámos de ver, impendia sobre o cônjuge declarado único culpado ou principal culpado pelo divórcio”, inexistindo já o peticionado direito nos termos da alteração decorrente do art.º 1792º do Código Civil.
Já no tocante aos factos que se provaram sempre se dirá, e independentemente de não resultar provada qualquer actuação ilícita e culposa do Réu causadora dos alegados danos e determinativa do dever de indemnizar nos termos gerais do art.º 483º, 496º e 562º e sgs. do Código Civil, que no seguimento do que vem sendo decidido na jurisprudência, numa interpretação actualista dos preceitos em causa, nomeadamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça ( Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 8/9/2009, P.464/09.7YFLSB, Ac. TRL de 22/4/2010, 5/6/2003, in www.dgsi.pt ), e embora com referência ao direito concedido pelo art.º 1792º do Código Civil na sua anterior redacção, mas com pertinência ao que ora se expõe: “ O mero desgosto pela ruptura da relação conjugal como projecto de vida não traduz particular sofrimento a merecer tutela nos termos do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil. Mesmo que tal inclua uma patologia depressiva, se não demonstrada a sua natureza definitiva com danos que transcendam os resultantes daquele mero desgosto “ – Ac. Supremo Tribunal de Justiça supra citado, mais se acrescentando em tal aresto: “ O n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil manda indemnizar os “danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”, tendo o n.º 3 a determinação do recurso à equidade para apurar o “quantum”, sempre, e como acima se disse tomando em conta “todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.” (Profs. Pires de Lima e Antunes Varela – “Código Civil Anotado, I, 501).
Sabido é que o casamento tem ínsito um projecto de vida em comum e que o seu termo representa o ruir desse projecto (o que causa dor) embora, por vezes, “o divórcio pode ser um alívio, não uma dor” – Acórdão do STJ de 18 de Maio de 2004 – 04B4405).
Esse sofrimento é normal em todas as situações de ruptura (“situações psicológicas negativas”, como refere o Acórdão deste STJ de 26 de Abril de 2007 – 07B282) e só por si não merece a tutela do direito.
Tanto mais que, na actual sociedade, com diferente visão da dimensão afectiva da vida – o divórcio deixou de ser um “drama” e nem traduz “o descrédito do casamento” ou uma humilhação social, (cf., a propósito, as considerações da exposição de motivos que acompanhava o Projecto de Lei n.º 509/X de 10 de Abril de 2008), mas apenas o fracasso de uma relação específica, em que o afecto acabou e é lícita a busca de outros projectos de vida.
O que é inevitável e comummente aceite “.
Acresce, reiterarmos os fundamentos já expostos na sentença recorrida, designadamente, na parte em que se refere:
Actualmente a nossa lei civil regula dois tipos de divórcio; o divórcio litigioso (cfr. artigo 1779.º, do C.C. e seguinte) e o divórcio por mútuo consentimento (cfr. artigo 1775.º,do C.C.).
Na primeira das modalidades supra identificadas, o Tribunal, em face do actual
regime jurídico, já não tem o ónus de apurar a “culpa” de qualquer um dos cônjuges pela
dissolução do divórcio (cfr. redacção do artigo 1779.º, do C.C., redacção anterior à Lei 61/2008, de 31-10), no entanto, o cônjuge que intenta a acção não está desonerado de fundamentar esse divórcio nos factos descritos no artigo 1781.º, do CC., e que, a provarem-se nessa acção de divórcio, consubstanciam a ruptura da vida comum do casal e fundamento para decretar o divórcio litigioso.
Para além disso, a provarem-se qualquer um dos factos descritos nas alíneas a) a d), do citado preceito, o “cônjuge lesado” tem o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo outro cônjuge, nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns (cfr. artigo 1792.º, do C.C.).
Acontece que tal direito a uma indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil pressupõe obviamente que os cônjuges não tenham optado pelo divórcio por mútuo consentimento, pois, neste caso, o Tribunal não irá determinar as causas da ruptura da vida comum do casal, como é óbvio, nem tampouco apurar qual dos cônjuges deu causa a esse divórcio (cfr. artigo 1779.º, do C.C.) (…)
não vislumbrando no teor da sentença que decretou o divórcio do casal que o réu seja o responsável pela ruptura da vida comum do casal, ou que a ora autora possa adoptar a postura do “cônjuge lesado”, não pode esta, com fundamento num regime jurídico que afastou quando decidiu divorciar-se por mútuo consentimento, reclamar do ora réu a reparação de qualquer dano que não se apurou em sede própria e alegadamente causado pelo ora réu”.
Conclui-se, nos termos expostos, pela improcedência do recurso de apelação, mantendo-se a sentença recorrida.

B) Recurso da decisão fls. 53/55 dos autos que a condenou a Autora como litigante de má fé
Dispõe o artº 456º -n.º1 do Código de Processo Civil, que “ Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
E, nos termos do n.º 2 do citado preceito legal :
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Nos termos da actual legislação, e após a reforma processual introduzida pelo Decreto-Lei n.º n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, considera-se sancionável a título de má-fé, a lide dolosa, tal como preconizava A. Reis, in Código de Processo Civil anotado, II volume, pg.280, e, ainda, a lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave.
Como refere Menezes Cordeiro “ alargou-se a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo.” ( in “Da Boa Fé no Direito Civil“, Colecção Teses, Almedina ).
No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável ( v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg.380 ).
Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida ( Maia Gonçalves, C.Penal, anotado, pg.48 ).
O dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade é corolário do princípio da cooperação a que se reporta o art.º 266º do Código de Processo Civil, e vem consignado no art.º 266º-A, do mesmo diploma legal.
Em qualquer caso, a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 456º do Código de Processo Civil e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
Reportando-nos ao caso sub judice, verifica-se que proferida a sentença, a final, e face aos termos do decidido, nomeadamente no que se refere à matéria de facto, determinou a Mª Juiz “ a quo “ que a Autora se pronunciasse sobre eventual litigância de má fé, e, obtida resposta, por meio do requerimento de fls.48 e sgs. dos autos, proferiu a decisão fls. 53/55 dos autos, nos termos da qual condenou a Autora como litigante de má fé na multa de 4 Ucs, considerando resultar dos autos que a autora agiu com intenção (dolosa) de falsear a verdade de alguns dos factos que alegou, que reiterou posteriormente, assim deduzindo uma pretensão sem qualquer fundamento, mais referindo que “… a discussão, sobre alegadas responsabilidades pela ruptura da vida em comum do casal, ficou definitivamente encerrada com esse divórcio por mútuo consentimento. (…) Renová-la nos termos em que a autora agora o faz é incongruente com a vontade que expressou aquando do divórcio por mútuo consentimento”, “Não se vislumbrando qualquer assunção de “culpa” nessa sentença que permita à autora reclamar qualquer indemnização ao ora réu.”
Não subscrevemos tal decisão.
Como claramente resulta da exposição supra é controversa, pelo menos em parte da doutrina, e assim, discutível, a questão que se debate em ambas as apelações do “alegado” direito a indemnização por violação dos deveres conjugais, mesmo em caso de DMC, nos termos do art.º 1792º do Código Civil, e que a Autora peticiona na acção, e bem assim, consequentemente, da decisão de admissibilidade de confissão dos factos que constituem a respectiva causa de pedir.
E, por outro lado, não alega a Autora na petição inicial, contrariamente ao que veio a ser entendido na sentença recorrida, que ““Na acção de divórcio, o ora demandado foi considerado o único e exclusivo responsável e culpado pela dissolução do casamento”, não se verificando ocorrer alteração da verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, nem a intenção da Autora de deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Antes estando em causa legitima discussão jurídica sobre as questões que dos autos emergem.
Considera-se, assim, contrariamente ao juízo sobre tal matéria desenvolvido pelo Tribunal de 1ª instância, que dos autos não resulta provada, nem se evidencia, a aludida litigância de má fé da Autora, não se demonstrando qualquer actuação dolosa ou gravemente negligente desta, com vista a conseguir um objectivo ilegal, a impedir a descoberta da verdade, ou a entorpecer a acção da justiça, não decorrendo a verificação de actuação de litigância de má fé do simples facto de a parte, e, no caso, a Autora/apelante, ver desatendida a pretensão/oposição deduzida em juízo, ou de não resultar provada factualidade em que baseia a acção ou a defesa.
Com efeito, exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte (Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado, anotações ao art.º 456º, citando Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 20/6/1990; Ac.STJ de 10/4/80; 19/9/91; 3/7/84, in www.dgsi.pt), e, assim, deverá entender-se que não litiga de má-fé, quem litiga sem direito, mas o faz convicto de que tem razão substancial, ainda que a não tenha – cfr. Acs. RL 16/2/03, 27/5/04 e 1/2/06, in www.dgsi.pt.
Conclui-se, nos termos expostos, pela procedência da apelação interposta do despacho de fls. 53/55 dos autos que a condenou a Autora como litigante de má fé revogando-se este despacho.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente a Apelação interposta da sentença recorrida, confirmando-se esta, e, em julgar procedente a Apelação interposta do despacho de fls. 53/55 dos autos que a condenou a Autora como litigante de má fé revogando-se esta decisão.
Custas pela apelante, na proporção do decaimento na acção.

Guimarães, 26.01.2012,
Maria Luísa Duarte
Raquel Rego
António Sobrinho