Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
498-B/2002.G1
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: LIQUIDAÇÃO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O incidente de liquidação visa, apenas, determinar o quantum da condenação que não foi possível apurar na acção principal.

II – Não é admissível o incidente de intervenção principal, deduzido em incidente de liquidação, apenas, contra uma das partes condenadas na acção principal, formulado por esta contra a outra parte condenada, já que ela não é “terceiro” mas parte primitiva.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

F… , Limitada e António… , por apenso aos autos de acção ordinária que moveram contra Companhia de Seguros… , SA e G… Companhia de Seguros, vieram intentar contra a Companhia de Seguros… , SA o presente incidente de liquidação, nos termos do disposto no artigo 378º nº 2, do C.P.C..

Em síntese, alegam que, por acórdão já transitado em julgado, proferido nos autos principais, foi a executada e a G… Companhia de Seguros, SA, condenadas solidariamente, para além do mais, a pagar à 1ª A. a título de danos patrimoniais a quantia que se venha a apurar no incidente de liquidação e ao 2º A. no pagamento do montante que vier a liquidar-se posteriormente a título de danos patrimoniais.

Mais, alegam, que a G… Companhia de Seguros, SA ressarciu os AA. da metade que lhe correspondia.

Termos em que deve a presente liquidação ser julgada procedente por provada, declarando-se para a 1ª A. o quantitativo indemnizatório em 18 976,00€, devendo a Ré ser condenada a pagar 50% de tal quantia, ou seja, o montante de 9 488,00€; e para o 2º A. o quantitativo indemnizatório em 30 000,00€, devendo a Ré ser condenada a pagar 50% de tal quantia, ou seja, o montante de 15 000,00€, tanto mais que a G… Companhia de Seguros, SA ressarciu os AA. da metade que lhe correspondia, a que acrescem juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento. Requer a notificação da Ré, para contestar a liquidação.

A Ré veio deduzir oposição ao incidente de liquidação e deduzir incidente de intervenção principal provocada da G… Companhia de Seguros, SA, concluindo que deve o pedido de liquidação ser julgado de acordo com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, com todas as consequências legais; e ouvidos os requerentes, deve ser admitida a intervenção principal provocada da G… Companhia de Seguros, SA, e, em consequência, ser a mesma citada, na morada indicada, para querendo intervir na presente causa.

A A. veio pugnar pelo indeferimento da requerida intervenção, concluindo como na p.i., com as legais consequências.

Foi proferido despacho liminar que decidiu indeferir o incidente de intervenção principal provocada.

Não se conformando com o referido despacho, dele recorreu a requerente, Companhia de Seguros… , SA, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

(…)

Contra-alegaram os recorridos, terminando as suas alegações do seguinte modo, EM CONCLUSÃO:

(…)

Colhidos os vistos legais há que decidir.

Considerando que, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; a questão única a decidir é saber se deve ser admitido o incidente de intervenção principal provocada suscitado pela recorrente.

II - FUNDAMENTAÇÃO

Os factos com relevância para a análise e decisão do presente recurso são os que decorrem do que acima ficou enunciado no relatório.

O Tribunal “a quo” decidiu, em síntese, o seguinte: “...em nosso entender, a doutrina ou tese que defende a inadmissibilidade de incidentes desta natureza em sede de Acção Executiva, designadamente mediante a dedução de apenso de Liquidação é, a mais conforme ao ordenamento jurídico vigente ou, se preferirmos, a única compatível com a tramitação processual dos autos.

E, sendo assim, ..., decide-se indeferir liminarmente o incidente de intervenção

principal provocada.”.

A apelante insurge-se contra esta decisão, argumentando que, “Pese embora embora o incidente de Intervenção Principal Provocada seja típico do processo de declaração, tal não significa que, excepcionalmente, o mesmo não possa ser admitido em processo executivo ou apenso de liquidação a ele funcionalmente ligado, quando tenha a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e não implique com a estrutura e finalidade do incidente de liquidação, sendo o que, o incidente deduzido pela recorrente visa acautelar o seu direito ao reembolso de quantias que poderá vir a ter direito a receber da Global e, a intervenção desta não implica com a estrutura e finalidade do incidente de liquidação. Sustentando a sua posição com base no que consta de parte do sumário do douto Ac.RP de 19.11.2009, a saber:

I- Apesar de os incidentes de intervenção de terceiros estarem vocacionados e estruturados em função da acção declarativa, não existe qualquer justificação para que se conclua, em termos gerais e absolutos, pela inadmissibilidade legal desses incidentes no âmbito da acção executiva.

II- Consequentemente, a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiro no âmbito da acção executiva e respectiva oposição tem que ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respectivos pressupostos legais, se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e se a intervenção implica ou não com a estrutura e a finalidade da acção executiva.”.

Ora sem referir, desde já, se assiste ou não razão à apelante, há que ter em atenção e analisar, o ali ressalvado quanto à necessidade de averiguar em face das circunstâncias do caso concreto, se estão ou não verificados os respectivos pressupostos legais, para que se possa admitir o incidente deduzido no presente incidente de liquidação.

Vejamos, então.

A liquidação em execução de sentença, é um incidente da instância que não pode analisar-se separado da acção onde se reconheceu a existência do crédito que não foi possível quantificar.

Por isso, ele visa, apenas, a concretização quantitativa do objecto de uma condenação.

Trata-se de um enxerto declarativo na acção executiva. Onde se pretende tão só liquidar aquilo que não foi possível quantificar na acção condenatória.

Neste, não têm lugar a discussão de outras questões, nomeadamente, apurar sobre quais os intervenientes que devem ser ou não chamados para permitir a regularidade da instância.

Não nos assistem dúvidas que, essa é uma das questões que não é susceptível de ser discutida em sede de incidente de liquidação, onde já só se visa apurar o quantum em que as partes condenadas o foram.

Assim, pressupõe naturalmente uma prévia acção declarativa, donde haja de se concluir que as partes se encontram vinculadas àquilo que alegaram previamente nessa mesma acção, sendo que não apenas os Autores, agora Exequentes, não podem obter mais na execução do que aquilo que pediram na acção declarativa, nem fundamentar a acção por forma diversa do que haviam fundamentado na acção declarativa prévia, como também as Rés, agora Executadas, não podem deduzir meios de defesa não previamente deduzidos na acção declarativa, para lá da genérica possibilidade de embargar a execução, pelas formas em geral admitidas.

A este propósito pronunciaram-se os Profs. Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág 83, onde se lê: “Tendo a execução por base uma sentença de condenação, os meios de defesa oponíveis pelo executado são bastante limitados, visto não poderem ofender a força de caso julgado que ela já possuía, ou virá a possuir, quando o recurso contra ela interposto vier a ser julgado definitivamente improcedente”.

Transpondo o exposto, para o contexto da presente liquidação, é necessário, desde logo, estar atento ao dispositivo da sentença da acção declarativa, transitada e, aliás, confirmada por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o qual há muito decidiu sobre as partes intervenientes neste litígio.

Na verdade, naquele douto acórdão, as RR., T… e G… foram condenadas solidariamente a pagarem ao A e à A. as quantias que se vierem a apurar em incidente de liquidação.

Do acabado de expor se conclui, desde já, que não assiste qualquer razão à apelante, por um lado, por o requerido não ser compatível com a finalidade do incidente de liquidação onde foi deduzido, por outro lado, por o incidente requerido não ser admissível legalmente.

Primeiro por a instância quanto às partes intervenientes se encontrar estabelecida, por decisão transitada em julgado, segundo porque a Companhia de Seguros G… é parte nos autos desde a instauração da acção, não podendo a mesma ser, agora admitida a intervir como terceiro.

Nos termos do disposto no artº 268, do CPC, citado o réu, a instância deve manter-se imutável quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, ressalvadas as possibilidades de modificação consignadas na lei.

Consagra este normativo o princípio da estabilidade da instância, que visa assegurar o andamento normal da causa, por forma a que o tribunal administre, em tempo oportuno, a justiça que lhe é solicitada.

É verdade que este princípio é susceptível de ser afectado por virtude de uma modificação subjectiva, seja em consequência da substituição de alguma das partes

primitivas, seja por via da intervenção de terceiros.

Essa modificação adjectiva-se através de um incidente processual, típico ou inominado, que como o seu próprio conceito sugere, pressupõe a pendência de uma causa.

Genericamente, dir-se-á que o conceito de “terceiros” se contrapõe ao conceito de “parte” e insere na ideia de alguém por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, uma providência judicial tendente à tutela de um direito, cfr. Gama Prazeres, in “Dos Incidentes da Instância no Actual Código de Processo

Civil”, pág. 102.

Os incidentes de intervenção de terceiros foram estruturados na base dos vários tipos de interesse na intervenção e das várias ligações entre esse interesse, que deve ser invocado como fundamento da legitimidade do interveniente e da relação material controvertida desenvolvida entre as partes primitivas.

No quadro geral dos incidentes de intervenção de terceiros integra-se a intervenção principal, agora requerida. A qual consiste naquelas situações em que “... o terceiro se associa, ou é chamado a associar-se, a uma das partes primitivas, com o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio ou coligação iniciais”, cfr. Lopes do Rego, in “ Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 242.

O artº 325, do CPC, dispõe sobre o âmbito da intervenção principal provocada, permitindo o chamamento a juízo do interessado com direito a intervir na causa e estatui que qualquer das partes primitivas pode provocá-lo, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.

Donde, o próprio autor pode chamar a intervir alguém, seja na posição de autor, seja na posição de réu. E este pode chamar a intervir alguém em posição paralela à sua ou à do autor.

Feitas estas considerações, não se suscitam grandes dúvidas, nem dificuldades para explicar, a situação que nos foi colocada no recurso e, que já supra referimos não ser admissível.

Pois, com o incidente deduzido, pretende a apelante que seja admitida a intervir nos autos como sua associada a Companhia de Seguros G… .

Ora, por tudo o que foi exposto, é por demais evidente que o presente incidente é inadmissível, por um lado a chamada, não só, não é terceiro, como, é uma das partes primitivas na acção condenatória, que o presente incidente de liquidação visa quantificar.

Acresce que, perante o incidente de liquidação em causa, entendemos que, também por aí não é admissível o incidente deduzido, uma vez que os fins visados com aquele não comportam a dedução e análise deste, compartilhando da posição daqueles que defendem que a apreciação do incidente de intervenção é incompatível com a estrutura e objectivos do incidente de liquidação/execução.

Face ao exposto, falecem de todo os argumentos da apelação e, ainda que por razões não totalmente coincidentes confirma-se a decisão recorrida.


*

SUMÁRIO (artº 713, nº 7, do CPC):

I – O incidente de liquidação visa, apenas, determinar o quantum da condenação que não foi possível apurar na acção principal.

II – Não é admissível o incidente de intervenção principal, deduzido em incidente de liquidação, apenas, contra uma das partes condenadas na acção principal, formulado por esta contra a outra parte condenada, já que ela não é “terceiro” mas parte primitiva.

III – DECISÃO

Em conformidade com o que se expôs, acordam os juízes desta secção em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Notifique.

Guimarães, 6 de Dezembro de 2011

Rita Romeira

Amílcar Andrade

José Rainho