Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL ROCHA | ||
Descritores: | PRIVILÉGIO CREDITÓRIO SEGURANÇA SOCIAL GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/10/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Sumário: | Os créditos da segurança social que gozam de privilégio imobiliário geral, devem ser graduados logo após os referidos no art.º 748.º do Código Civil e antes dos créditos provenientes de IRS, conforme resulta do disposto no artº 11º do DL 103/80 de 9/5. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães. I – RELATÓRIO Por apenso à execução comum que «Banco… , S.A.» intentou contra C… e R… , vieram reclamar: a) o Centro Distrital de Segurança Social de Braga, créditos no valor de € 26 269,55 proveniente de contribuições; b) a Fazenda Nacional, créditos no valor de € 39 794,52 a título de IRS devido por R… , no valor de € 57,63 a título de IMI devido por R… e no valor de €151,68 a título de IRS devido por C… . Para fundamentar a sua reclamação, alega o Instituto de Segurança Social, I.P. que a Executada está obrigada a proceder ao pagamento das contribuições como trabalhadora independente, estando em falta o pagamento das contribuições referentes aos meses de Junho de 2005 a Maio de 2010 no montante de € 11 269,51, sendo ainda devidos juros que ascendem a € 3 407,65. Alega ainda que a executada R… está também obrigada a pagar as contribuições correspondentes às remunerações pagas aos trabalhadores ao seu serviço, estando em falta as contribuições referentes aos meses de Janeiro de 2004 a Fevereiro de 2005 no montante de € 6 726,20, sendo devidos juros que ascendem a € 4 806,69. Acresce que R… não efectuou o pagamento dentro do prazo legal das contribuições correspondentes às suas remunerações referentes aos meses de Setembro, Novembro e Dezembro de 2003, pelo que é devedora de juros de mora que ascendem ao montante de € 59,50. Por sua vez, alegou a Fazenda Nacional que foi liquidada a quantia de € 57,63 proveniente de imposto municipal sobre imóveis relativo às fracções G e H que foram penhoradas nos autos de execução, referente aos anos de 2007, 2008 e primeira prestação de 2009. Mais alegou que R… é devedora da quantia de € 39 794,52 a título de IRS relativo aos anos de 2007 e 2008 e C… da quantia de € 151,68 relativo aos mesmos anos. Nos autos de execução foram penhorados dois prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob os n.ºs 718-G e 718-H da freguesia de Vila Verde. Pelas inscrições Ap.4155 de 2 de Junho de 2010 foram inscritas as penhoras da Exequente sobre os prédios referidos. Os créditos reclamados não foram impugnados. Foi proferida sentença que julgou improcedente a reclamação do crédito de IRS contra o executado C… , uma vez que os bens imóveis penhorados pertencem apenas á executada R… . Relativamente às reclamações de créditos deduzidas contra a executada R… , decidiu-se: Julgar verificados os restantes créditos reclamados e, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 868.º n.º 4 e 822.º do Código de Processo Civil e 604.º, 751.º, 686.º e 693.º, graduá-los com o crédito em execução para serem pagos pela ordem seguinte: A. Fracção G. 1.º Crédito devido à Fazenda Nacional, proveniente de Imposto sobre Imóveis, no montante de € 27,11; 2.º Crédito devido à Fazenda Nacional, proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, no montante de € 39 794,52; 3.º Crédito devido à Segurança Social, proveniente de contribuições, no montante de € 26 269,55: 4.º Crédito devido ao «Banco… , S.A.», proveniente de um contrato de mútuo, no montante de € 66 037,02. B. Fracção H. 1.º Crédito devido à Fazenda Nacional, proveniente de Imposto sobre Imóveis, no montante de € 30,52 2.º Crédito devido à Fazenda Nacional, proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, no montante de € 39 794,52; 3.º Crédito devido à Segurança Social, proveniente de contribuições, no montante de € 26 269,55: 4.º Crédito devido ao «Banco… , S.A.», proveniente de um contrato de mútuo, no montante de € 66 037,02. Inconformado, o Instituto de Segurança Social IP, interpôs recurso de apelação da sentença, que foi admitido, apresentando alegações, no essencial, com as seguintes conclusões: A sentença impugnada violou as normas legais previstas nos art.ºs 111.º do CIRS, 11.º do DL n.º 103/80 de 09-05-e 748.º do CC, quando interpretadas no sentido de conferir aos créditos da Fazenda Nacional provenientes de IRS privilégio imobiliário geral que os gradue antes dos créditos provenientes de contribuições devidas á segurança social; Por isso, os créditos do Recorrente devem ser graduados antes dos créditos reclamados pela Fazenda Nacional provenientes de IRS. Não foram apresentadas contra alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO OBJECTO DO RECURSO. Tendo em conta as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir é a de saber como deve ser graduado o crédito reclamada pela apelante ISS IP, no confronto com os demais créditos reclamados contra a executada. O circunstancialismo fáctico e processual a ter em conta na decisão a proferir é o descrito supra no relatório. Pretende o recorrente ISS-IP que os créditos que reclamou nos autos, relativo a contribuições devidas pela executada, sejam graduados antes dos créditos reclamados pela Fazenda Nacional, relativos a IRS, também devidos por aquela. Adiantamos desde já que assiste razão ao apelante. O concurso de credores em processo de execução permite que, no mesmo processo executivo, uma pluralidade de credores do executado, possa obter, através do processo, o pagamento dos seus direitos de crédito. O fundamento deste concurso é o princípio de que o património do devedor é garantia comum de todos os credores. Dispõe o artº 865º, nº 1, do Código de Processo Civil, que “só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos”. Os dois créditos em causa gozam de privilégio creditório. Privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção á causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros (art.º 735.º do CC). São de duas espécies os privilégios creditórios: mobiliários e imobiliários (art.º 735.º do CC). Os privilégios mobiliários são gerais se abrangem o valor de todos os bens móveis do património do devedor à data da penhora e especiais se compreendem apenas o valor de determinados bens móveis. Os privilégios imobiliários, por sua vez, podem também ser especiais, abrangendo o valor de determinados bens imóveis, tendo esta natureza todos os privilégios imobiliários previstos no Código Civil. Não obstante, prevêem-se, noutros diplomas legais, vários privilégios creditórios imobiliários gerais que abrangem o valor de todos os bens imóveis do devedor. Os bens penhorados nos autos de execução de que estes são apenso são bens imóveis propriedade da executada. Dispõe o art.º 111.º do Código do Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Singulares (CIRS) que, “ Para pagamento do IRS relativo aos três últimos anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente.” Nos termos ainda do artº 11º do DL 103/80 de 9/5, os créditos por contribuições devidas à segurança social e os respectivos juros de mora, independentemente da data da sua constituição, gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no art.º 748º do Código Civil”. Dispõe este artigo do Código Civil: “Os créditos com privilégio imobiliário graduam-se pela ordem seguinte: a) Os créditos do Estado, pela contribuição predial, pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações; b)Os créditos de autarquias locais, pela contribuição predial. Parece-nos claro que esta norma apenas abrange os créditos do Estado pela contribuição predial, pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações e os créditos das autarquias locais pela contribuição predial, a que correspondem, actualmente, o I.M.I., o I.M.T. e o Imposto de selo - sobre transmissões gratuitas - nela não se incluindo o I.R.S.. Não se aplica por isso a todos os demais créditos do Estado designadamente relativos a I.R.S., que veio substituir anteriores impostos que incidiam sobre o rendimento das pessoas singulares, designadamente o imposto profissional, o imposto complementar e a contribuição industrial (grupo C). Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto de 05/05/2011, proferido no processo 5158/07.5TBVLG-B.P1, publicado em www.dgsi.pt, “… na interpretação deste preceito legal importa considerar, desde logo, o elemento gramatical. Com efeito, nas citadas alíneas, a presença da contracção “pela”, tem o significado de “com origem em” ou “provenientes de”. Ou seja, os créditos do Estado, “lato sensu”, e das autarquias locais, previstos na ordenação que o preceito em análise estabelece, são os provenientes de contribuição predial, sisa e imposto sobre as sucessões e doações; aí não se incluem ou constam créditos provenientes de IRS. Ou seja, todos os outros créditos do Estado são excluídos, designadamente o I.R.S., imposto que, embora criado posteriormente, com o D.L. n° 442-A/88, de 30 de Novembro, veio substituir, no fundo, anteriores impostos que incidiam sobre o rendimento das pessoas singulares, tais como o imposto profissional, o imposto complementar e a contribuição industrial (grupo C), que o citado art° 748° do C. Civil não abrange. Além do argumento literal,… acrescem ainda os elementos histórico e teleológico, pois o legislador, ao instituir um “Regime Jurídico das Contribuições para a Previdência”, não olvidou que “O pagamento pontual das contribuições devidas às instituições de previdência é absolutamente indispensável como fonte básica de financiamento das prestações da segurança social”, reconhecendo que “aquela pontualidade não tem sido, infelizmente, respeitada.” (cfr. Preâmbulo do D.L. nº 103/80). A filosofia que está subjacente à instituição dos privilégios a favor dos créditos da Segurança Social reside na elevação do direito à segurança social em direito constitucionalmente consagrado (Artº 63º, nº 1 da CRP) impondo ao Estado a tarefa de organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado.” Em face do exposto, os créditos da segurança social que gozam de privilégio imobiliário geral, devem ser graduados antes dos créditos relativos ao IRS, não obstante este também gozar do mesmo privilégio. É o que resulta claramente do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80 de 9/5, conjugado com o disposto no artigo 111º do Código do IRS e no artigo 748.º do Código Civil. Como se tem vindo a entender na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, “a ordem de alinhamento dos créditos munidos de privilégio da mesma natureza carece de estar prevista na lei por ser uma estatuição jurídica diferente da que institui o privilégio” (vejam-se os Acs Do STA, citados aliás no já mencionado Ac. da Relação do Porto, de 10 de Novembro de 2010, proferido no processo 0709/10, de 3-3-1999, proferido no recurso n.º 23484, de 28/03/2007, processo nº 0132/07, de 13/02/2008, proferido no processo nº 01068/07, e de 07/10/2009, proferido no proc. nº 572/09, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jsta). Nestes termos, deve proceder a apelação, mantendo-se em primeiro lugar na graduação dos créditos reclamados, relativamente a cada um dos dois bens imóveis os crédito devidos á Fazenda Nacional proveniente de Imposto sobre Imóveis (cfr art.º 122.º n.º 1 do Código de Impostos sobre Imóveis e art.ºs 744.º n.º 1 e 748.º b) do CC), em segundo lugar o crédito proveniente das contribuições à Segurança Social (art.º 11.º do DL n.º 103/80 de 9/5, conjugado com o art.º 748.º do CC) seguindo-se depois o crédito pelo I.R.S. (art.º 111.º do CIRS), ficando graduado em último lugar o crédito do executado “Banco Espírito Santo, SA” (cf. art.º 822.º n.1 do CPC). Em conclusão: Os créditos da segurança social que gozam de privilégio imobiliário geral, devem ser graduados logo após os referidos no art.º 748.º do Código Civil e antes dos créditos provenientes de IRS, conforme resulta do disposto no artº 11º do DL 103/80 de 9/5. III – DECISÃO Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta secção cível em julgar a apelação procedente, revogando-se em conformidade a sentença recorrida, graduando-se os créditos verificados com o crédito em execução, para serem pagos pela ordem seguinte: A. Relativamente à Fracção G penhorada nos autos de execução: 1.º Crédito devido à Fazenda Nacional, proveniente de Imposto sobre Imóveis, no montante de € 27,11; 2.º Crédito devido à Segurança Social, proveniente de contribuições, no montante de € 26 269,55: 3.º Crédito devido à Fazenda Nacional, proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, no montante de € 39 794,52; 4.º Crédito devido ao «Banco… , S.A.», proveniente de um contrato de mútuo, no montante de € 66 037,02. B. Relativamente à Fracção H penhorada nos autos de execução: 1.º Crédito devido à Fazenda Nacional, proveniente de Imposto sobre Imóveis, no montante de € 30,52 2.º Crédito devido à Segurança Social, proveniente de contribuições, no montante de € 26 269,55: 3.º Crédito devido à Fazenda Nacional, proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, no montante de € 39 794,52; 4.º Crédito devido ao «Banco… , S.A.», proveniente de um contrato de mútuo, no montante de € 66 037,02. Sem custas. Notifique. Guimarães, 10 de Novembro de 2011 Isabel Rocha Jorge Teixeira Manuel Bargado |