Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1668/02-2
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
DIREITO DE QUEIXA
DENÚNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/29/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Arrendamento urbano - Limitações ao direito de denúncia
Decisão Texto Integral: 7

APELAÇÃO 1668//02 - R/115-02.

António da Silva Gonçalves - R/115-02.
Narciso Machado
Gomes da Silva

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

"A", residentes no na Rua ..., Guimarães, intentaram, no 2.º Juízo Cível do T. J. da comarca de Guimarães - processo n.º 610/2002 - a presente acção declarativa de condenação, com processo comum e forma sumária, contra "B", residentes na Rua ..., Guimarães, com vista à denúncia do contrato de arrendamento, que vigora entre ambas as partes, para o dia 01/08/2003.

Os autores fundamentam a sua pretensão no facto de um dos seus filhos pretender casar, deste modo pretendendo constituir um agregado familiar independente.

Contestaram os réus excepcionando que se encontram no local arrendado há mais de 20 anos, pelo que, nos termos do art. 107º, alínea b) do RAU, na redacção introduzida pelo DL 329/B/2000, de 22/12, não pode o contrato ser denunciado pelos factos referidos na petição inicial.
No mais impugnaram os factos alegados pelos AA sobre a necessidade do arrendado para a filha daqueles e respectivo agregado familiar.

Responderam os AA mantendo, no essencial, o já alegado.

Findos os articulados o Ex.mo Juiz dispensou a realização de audiência preliminar e, considerando que os autos contêm já todos os elementos que permitam decidir sobre a matéria em questão nos termos do art. 510º, nº1, alínea b), do C. P. Civil, proferiu saneador-sentença em que, julgando procedente a excepção invocada pelos Réus, absolveu os réus do pedido.
Inconformado com esta sentença recorreram os autores que alegaram e concluíram do modo seguinte:
1. A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, determinada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 97/2000 in DR de 17/3/2000, do art.º. 107.º n.º 1, alínea b) do RAU - que alongou de 20 para 30 anos o prazo de manutenção do locatário no locado como obstáculo ao direito de denúncia do senhorio que careça do mesmo para habitação própria ou de descendentes - implica, nos termos do art.º 282.º n.º 1 da Constituição, a repristinação da lei por aquela norma revogada - a lei 55/79 de 15 de Setembro.
2. Por isso, a partir da publicação daquela declaração de inconstitucionalidade - ou seja, desde 17/3/2000 - o direito de denúncia do contrato de arrendamento facultado pelo art.º 69.º e seguintes do RAU não pode ser exercido se o inquilino se mantiver no prédio locado há 20 ou mais anos nessa qualidade (art.º 2.º n.º 1, alínea b) da Lei.
3. O art.º 107.º n.º 1 b) do RAU na actual redacção exclui o direito de denúncia do arrendamento previsto pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 69.º do RAU quando o arrendatário se mantenha na unidade predial há 30 ou mais anos nessa qualidade ou por um período de tempo mais curto, desde que “previsto em lei anterior e decorrido na vigência desta”.
4. No caso sub judice tendo o tribunal considerado provado que o contrato de arrendamento em causa teria sido celebrado há mais de 20 anos, contados até à data em que a denúncia devia produzir efeitos, não podia daí concluir que o arrendatário se mantinha na unidade predial há mais de 20 anos e por isso não podia ter dado por verificada aquela causa de exclusão da denúncia já que não pode confundir-se o período de duração do contrato de arrendamento com o tempo de permanência do locatário no prédio arrendado, pois a lei distingue as duas situações, ligando a exclusão do direito de denúncia apenas à permanência do locatário no locado, e não à duração do contrato de arrendamento.
5. Deve, aliás, entender-se que constitui um princípio geral do nosso direito o de que só é merecedor da situação de favor que a lei lhe dispensa o arrendatário que efectivamente habita o locado, entendimento que se funda quer na doutrina, quer no disposto nas normas paralelas do art.º 97.º do RAU (só o arrendatário que habita efectivamente o prédio tem direito de preferência na sua venda - cfr. o Ac. Rel. de Évora de 17/9/92 in BMJ 419, 845) e do art.º 64.º n.º 2 do RAU (a protecção do locatário só tem sentido se o arrendado é o ponto de referência ou aglutinador da vida familiar - cfr. os Ac. Rel. Lx. de 6/2/1992 in Col. Jur. XVIII, 1, 154, da Rel. do Porto de 4/12/198 1, in Col. Jur. VI, 5, pág. 272 e da Rel. de Évora de 16/6/1983 in BMJ 330, 558).
6. Assim sendo, o despacho saneador sob censura deve ser declarado nulo por ter decidido por forma a ocorrer desconformidade entre os fundamentos e a decisão (art.º 668.º n.º 1 c) do Código de Processo Civil) e sempre por violação das indicadas normas Constitucionais (art.º 20.º, 202.º, 203.º, 204.º, 205.º e 282.º).
7. Por outro lado, não é possível interpretar o art.º 282.º n.º1 da Constituição no sentido de que - como o faz o despacho saneador recorrido - ocorrendo a repristinação de uma norma, por força da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma que a revogou “tudo se passa” como se entre a norma repristinada e a declarada inconstitucional “nenhuma outra norma existisse”, pois a própria Constituição expressamente ressalva algumas hipóteses (por exemplo o caso julgado) e contém uma regra de carácter geral que impõe que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade tenham alcance mais restrito, em casos que exemplifica (segurança jurídica, razões de equidade, interesse público relevante).
8. No caso concreto, a repristinação da lei 55/79 de 15/9 significa o encurtamento do prazo de 30 anos para 20 anos, o que faz a hipótese cair na alçada do art.º 297.º do Código Civil e daí que o novo prazo de 20 anos deve contar-se segundo a regra deste normativo.
9. Assim sendo, repristinada a lei 55/79 de 15/9 por força da declaração de inconstitucionalidade da primitiva redacção do art.º 107.º n.º 1 b) do RAU e face à actual redacção desse artigo, iniciado o contrato de arrendamento ajuizado em 1 de Agosto de 1980, na data em que a denúncia requerida devia produzir efeitos - 1/8/2003 - teriam decorrido não 23 anos, mas 11 anos e 11 meses.
10. De resto, essa solução não é somente imposta pelo art.º 297.º do Código Civil, mas também por razões de equidade, segurança jurídica e de confiança (cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional ed. de 1993, pág. 376 e segs.).
11. Aliás, a vigência da lei (e é essa a expressão usada no actual art.º 107.º n.º 1 b) do RAU “é impossível de retroagir”, como refere Abílio Neto, in Código Civil Anotado, ed. de 2001, pág. 17): não pode fingir-se que esteve vigente uma norma que, de facto não esteve; pode é dizer-se que a nova lei tem eficácia retroactiva, mas só é de considerar tal eficácia sem prejuízo do disposto no art.º 12.º do Código Civil: com ressalva dos efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
12. Interpretação diversa da lei implicaria para o locador violação grave dos princípios da proporcionalidade, da equidade e da segurança, pois veria reduzir-se um prazo de 30 anos para um prazo ainda inferior - de zero anos - àquele que a lei nova, apesar de tudo lhe concedia e quando, segundo a lei antiga ainda dispunha de 9 anos para propor a acção.
13. A interpretação do art.º 107.º n.º 1, b) do RAU só pode fazer-se, por necessidade de se partir do princípio da unidade do sistema jurídico e de que o legislador consagrou as soluções mais adequadas, conforme o art.º. 8.º do Código Civil, à luz do disposto no art.º 297.º do Código Civil: como a lei nova implicou na prática o encurtamento do prazo de 30 para 20 anos, este prazo de 20 anos conta-se a partir da lei nova, a não ser que segundo a lei antiga falte menos tempo para se completar.
14. No caso “sub judice” decorridos cerca de 12 anos de vigência prática e efectiva da lei 55/79 de 15/9, restam cerca de 8 anos para se perfazer o prazo de 20 anos proposto pelo art.º 2.º n.º 1 b) desta lei, sendo a este prazo que há que atender na mais correcta hermenêutica do art.º 107.º n.º 1 b) do RAU, na sua actual redacção.
15. O despacho saneador recorrido violou manifestamente os normativos referidos nas conclusões precedentes e não pode manter-se.
Terminam pedindo que seja revogado o saneador-sentença proferido, ordenando-se, em consequência, a elaboração da especificação e questionário.

Contra-alegaram os recorridos pedindo a manutenção do julgado.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

O saneador-sentença em recurso considerou assentes os factos seguintes:
A) Por testamento público celebrado em 22/02/89, Laurinda Alves da Silva legou ao A. marido, seu filho, um prédio urbano, de 3 pavimentos, sendo o rés do chão constituído por duas lojas, destinadas a actividade comercial e dois andares, ambos destinados à habitação, compostos de 2 quartos, sala, cozinha e quarto de banho, com entrada pelo nº86 da Rua Francisco Agra, inscrito na matriz sob o art. 738º, Azurém, Guimarães.
B) A mãe do A. faleceu em 14/01/97.
C) Por contrato escrito celebrado em 18 de Julho de 1980, a mãe do A. deu de arrendamento aos RR, com início em 01 de Agosto de 1980, o 2º andar do prédio referido em A), para habitação destes, pelo prazo de 1 ano, prorrogável por iguais períodos, mediante retribuição mensal de 6.000$00 e que actualmente se situa nos 95,47 euros, ficando os mesmos a ocupá-lo desde aquela data, para sua habitação e do seu agregado familiar.

Passemos agora à análise das censuras feitas à decisão recorrida nas conclusões do recurso, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva deste (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.).


As questões postas no recurso são as de saber:
a) - se, para efeitos do disposto no actual art. 107.º, b) do RAU, deve dar-se sentido diferente às expressões "período de duração do contrato de arrendamento" e "período de permanência do arrendatário no locado";
b) - se, em virtude da declaração de inconstitucionalidade da primitiva norma do art.º 107.º do RAU, a lei repristinada (Lei n.º 55/79, de 15/09), no que ao contrato de arrendamento celebrado ente a mãe do autor e réus diz respeito, esteve em vigor apenas durante 11 anos e 9 meses.


I . Dispõe o artigo 297.º, n.º 2, do CC:
A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que estejam já em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.
A redacção primitiva dada ao artigo 107.º, n.º 1, al. b), do RAU, ao alargar de 20 para 30 anos o prazo estabelecido pelo art. º 2.º, n.º1, al. b), da Lei 55/79, teria de aplicar-se aos contratos de arrendamento em curso, computando-se o tempo já decorrido; porém, se o prazo de 20 anos já se tivesse esgotado no domínio da Lei 55/79, porque se extinguira, não podia falar-se de uma sucessão de prazos, em obediência ao normativo acima transcrito.
O prazo de 30 anos, assim fixado pelo artigo 107.º, n.º 1, al. b) , do RAU, deixava de ter qualquer sentido se estivermos perante uma situação em que o direito do arrendatário se tornou já definitivo no domínio da Lei 55/79. Não podia falar-se de sucessão de prazos, quando o prazo de 20 anos estipulado pela Lei 55/79, já atingira o seu termo e, definitivamente, estava consagrado o direito atribuído ao arrendatário pelo decurso desse prazo; se assim não fosse, isto é, se fosse de aplicar a lei nova a direitos que se extinguiram no domínio da lei anterior, estar-se-ia a violar o princípio da não retroactividade da lei.
A este posicionamento jurídico-positivo veio o Tribunal Constitucional dar o seu apoio, assinalado no Acórdão de 05/03/1998, no qual se sustentou que "a norma do artigo 107.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento do Arrendamento Urbano na parte em que estabelece como tempo limite para o exercício do direito de denúncia pelo senhorio prazo mais longo (30 anos) do que aquele (20 anos) que resultava da lei anteriormente em vigor (Lei n.º 55/79, de 15 de Setembro) – é inconstitucional por violação do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada no sentido de abranger casos em que decorrera já integralmente, no domínio da lei antiga, o tempo de permanência do arrendatário, indispensável, segundo essa lei, para impedir o exercício do direito de denúncia pelo senhorio" (B.M.J; 475.º; pág.119); e, com o propósito de efectivar a aplicação destes princípios, o Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, declarou inconstitucional a referenciada alínea b) do n.º 1 do art. 107.º do RAU - Acórdão n.º 97/2000, de 16/02, publicado no DR, I -A, de 17/03/2000.

II - Esta declarada inconstitucionalidade, conforme o determina o disposto no art.º 282º da Constituição da República Portuguesa, produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional - a partir de 15.11.1990 (ou de 18.11.1990, como entendem alguns) - art.º 2.º do Dec. Lei n.º321-B/90, de 15/10 - e vai fazer com que seja repristinada a norma que ela revogou, ou seja, a alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º da Lei nº55/79, de 15/09, que negava ao senhorio o poder de denunciar o contrato no caso de o arrendatário se haver mantido no arrendado pelo período de 20 anos e que descrevia assim:
"1. o direito de denúncia do contrato de arrendamento facultado pela alínea a) do n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil também não poderá ser exercido pelo senhorio quando se verifique qualquer das seguintes circunstâncias:
a) ter o inquilino 65, ou mais, anos de idade;
b) manter-se o inquilino na unidade predial há vinte anos, ou mais, nessa qualidade.
Quer isto dizer que, face a esta decisão do Tribunal Constitucional, ter-se-á que arredar do conteúdo do nosso ordenamento jurídico, desde o início da sua vigência, a disciplina legal descrita na primitiva redacção da alínea b) do n.º 1 do art. 107.º do RAU, tudo se passando como se este preceito legal alguma vez tivesse feito parte do elenco do nosso sistema jurídico e, em sua substituição, teremos de observar, desde o princípio da sua entrada em vigor, o regime da norma que aquela decisão repristinou, ou seja, a alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º da Lei nº55/79, de 15/09.
Ora, circunscrevendo-nos a este aspecto legislativo diremos que, tendo o contrato de arrendamento que ora abordamos sido celebrado para vigorar desde 01/08/1980, desde o seu efectivo início de vigência até à data para a qual se deseja que a denúncia produza os seus efeitos - 01/08/2003 - terão decorrido já 23 anos, circunstância esta que obsta a que os recorrentes/autores possam concretizar a denúncia do contrato.

III - A publicada oposição à Constituição da norma enunciada na primitiva redacção da alínea b) do n.º 1 do art. 107.º do RAU fez também com que o legislador ordinário, tomando consciência da importância que este regime legal tem no seio do relacionamento entre senhorio e arrendatário, procurasse pôr este procedimento de modo a ficar consentâneo com a lei fundamental; e fê-lo com a oportunidade que se lhe ofereceu através da publicação do Dec. Lei n.º 329-B/2000, de 22/12, que veio alterar o regime do Arrendamento Urbano, revogando, entre outros, o seu art.º 107.º (art.º 1.º) e dando-lhe esta nova redacção à alínea b) do n.º 1 do art.º 107.º que destacamos:
- Manter-se o arrendatário no local arrendado há 30 ou mais anos, nessa qualidade, ou por um período de tempo mais curto previsto em lei anterior e decorrido na vigência desta.
Da sua análise filológico-interpretativa podemos asseverar que se pode opor à denúncia do contrato o arrendatário que já esteja a usufruir o imóvel que constitui a sua habitação e é objecto do contrato, há vinte anos, ou mais, na qualidade de arrendatário dele na vigência da Lei nº55/79, de 15/09.
Ora, tendo o contrato de arrendamento "sub judice" o seu início em 01/08/1980 e na vigência da Lei nº 55/79, de 15/09, uma vez que a declaração de incostitucionalidade da primitiva redacção da alínea b) do n.º 1 do art. 107.º do RAU determinou a sua inexistência desde a sua entrada em vigor, segue-se que, em 21/01/2001 (data de entrada em vigor do Dec. Lei n.º 329/B/2000, de 22/12), passaram já mais de 20 anos, situação esta que permite aos recorridos a sua oposição à denúncia do contrato.
Deste modo, quer através do exame do regime legalmente decorrente da declaração de inconstitucionalidade da primitiva redacção da alínea b) do n.º 1 do art. 107.º do RAU - que determina, "ab initio" e em princípio, a sua substituição pela lei revogada (a alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º da Lei nº55/79, de 15/09) - conforme o disposto no art.º 282º da Constituição da República Portuguesa - quer através da interpretação da nova redacção dada pelo art.º 1.º do Dec. Lei n.º 329/B/2000, de 22/12, à actual alínea b) do n.º 1 do art. 107.º do RAU, sempre os recorridos poderão obstar à denúncia do contrato de arrendamento, pois que se mantêm no arrendado há mais de 20 anos.

IV - Argumentam os recorrentes que não pode confundir-se "período de duração do contrato de arrendamento" - que se iniciou em 18.07.1980 - com "período de permanência do arrendatário no locado" e só este está na previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 107.º do RAU.
Para os recorrentes, da constatação simples posta na matéria de facto considerada provada de que " por contrato escrito celebrado em 18 de Julho de 1980, a mãe do A. deu de arrendamento aos RR, com início em 01 de Agosto de 1980, o 2º andar do prédio referido em A), para habitação destes", não pode concluir-se que "o arrendatário se mantém na unidade predial (art.º 2.º, n.º 1 da Lei n.º 55/79, de 15/09) há mais de 20 anos".
Embora acompanhemos este passo, assim dado, quando se diz que, em tese geral, o conteúdo de cada uma destas locuções pode não configurar a mesma ideia, o certo é que estas duas expressões se equiparam no contexto da presente acção.
Na verdade, o significado em que a sentença recorrida assentou - o arrendatário se mantém na unidade predial - pode fazer-se valer também no âmbito duma perspectiva jurídico-processual diferente, ou seja, por força do disposto no artigo 349.º do C. Civil (ilação que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido).
Neste contexto lembremos que faz parte das regras da experiência comum que, quem contrata com o senhorio a cedência de imóvel para servir de sua casa de habitação, é para lá viver que irá pagar a respectiva renda.
Tratando-se de uma presunção judicial, aos recorrentes competiria ilidi-la, o que não aconteceu; e esta factualidade está também afirmada pelos autores - desde esta data (1 de Agosto de 1980) mantiveram-se os réus como arrendatários do locado (cfr. 4.º da contestação), sem que tivesse sido impugnada pelos réus.

V - Fazendo este raciocínio - repristinada a lei 55/79 de 15/9 por força da declaração de inconstitucionalidade da primitiva redacção do art.º 107.º n.º 1 b) do RAU e face à actual redacção desse artigo, iniciado o contrato de arrendamento ajuizado em 1 de Agosto de 1980 - concluem os recorrentes no sentido de que, na data em que a denúncia requerida devia produzir efeitos (1//8/2003), teriam decorrido não 23 anos, mas apenas 11 anos e 11 meses.
Não poderemos sufragar este entendimento.
Como procurámos fazer ver foi a inconstitucionalidade da primitiva redacção da alínea b) do n.º 1 do art. 107.º do RAU, demonstrada pelo T. Constitucional que teve como consequência o desaparecimento "ex tunc" deste preceito e fez reviver a vigência, desde a sua publicação, da alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º da Lei nº55/79, de 15/09.
Sem que se possa engendrar qualquer hiato na sua vigência, a publicação do Dec. Lei n.º 329/B/2000, de 22/12, veio reafirmar os princípios que o disposto no n.º 1 do art.º 282.º já havia afirmado quanto ao modo de reaparecimento da Lei nº55/79, de 15/09, reassegurando a sua disciplina quanto aos casos que durante a sua vigência tiveram lugar.
Temos de aceitar que o legislador, com a publicação do Dec. Lei n.º 329/B/2000, de 22/12, não teve intenção de interferir com o regime estatuído no n.º 1 do art.º282.º da Constituição consequente à declaração de inconstitucionalidade, mas antes atribuir-lhe mais clara eficácia e redobradas certeza segurança jurídicas.

VI - Apontam os recorrentes à sentença recorrida a nulidade prevista no art.º 668.º, n.º 1, al. d), do C.P.Civil e a violação do disposto nos artigos 20.º, n.º1 e 5, 202.º, 203.º, 205.º e 282.º da C. Portuguesa, com o fundamento em que os seus fundamentos estão em desconformidade com a decisão e ocorre violação clara da lei.
É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão - artigo 668.°, n.° l, alínea c), do C.P.C.
Opera-se este vício na sentença sempre que nela se manifeste falta de coerência na abordagem dos motivos e na resolução final da acção, dessa condução analítica se podendo inferir que a argumentação nela posta conduz a resultado diverso do expendido - esta nulidade verifica-se quando os fundamentos invocados pelo Julgador deveriam conduzir logicamente a resultado oposto ao expresso na sentença (Prof. Alberto dos Reis, Cód. Civil Anot., V, pág. 141; A.Varela, Manual, pág. 671 e Ac. do S.T.J. de 21.10.1988; B.M.J.; 380.º. pág. 444).
Resolveu a sentença recorrida o diferendo que opunha autores e réus e circunscrevendo-o aos limites que as partes lhe demarcaram nos respectivos articulados. Não seguindo o entendimento adiantado pela recorrente e adoptando outro critério que não acolhe a sua pretensão, não enferma a sentença recorrida, por isso, da nulidade nem da inconstitucionalidade que contra ela lhe são opostas.

Pelo exposto, julgando improcedente o recurso, confirma-se a sentença recorrida

Custas pelos recorrentes.

Guimarães, 29 de Janeiro de 2003.