Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1623/11.8TBGMR.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: INSOLVÊNCIA
CIRE
CRÉDITO LABORAL
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Do art. 25º do CIRE não resulta que o requerente, logo na petição inicial, tenha de fazer a prova documental da existência do crédito, do seu montante e origem, podendo bem suceder que tal crédito se ancore numa relação jurídica verbal, cuja prova apenas possa ser feita por testemunhas.
II - O facto de não estar ainda reconhecido o crédito de um trabalhador em acção proposta no Tribunal de Trabalho, não retira a qualidade de credor ao requerente (que alega dever-lhe a requerida determinada quantia).
III - Na petição inicial, que não provenha do apresentante devedor, são facultativas as indicações a que alude o art. 23º, nº 2, als. b), c) e d), e a parte final do art. 25º, nº 1, do CIRE.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
Custódio… veio requerer a declaração de insolvência de Manuel…, Herdeiros, alegando para tanto, em síntese, ter sido admitido ao serviço da requerida em 15.02.1980, tendo sido despedido em 16.12.2010, altura em que a requerida encerrou a empresa, sem que ele ou os restantes trabalhadores igualmente despedidos tivessem recebido qualquer indemnização -, computando o valor do seu crédito no montante de € 26.165,75 -, tendo também a requerida deixado de pagar as suas dívidas a fornecedores, à Segurança Social e ao Fisco.
Termina pedindo que seja declarada a insolvência da requerida.
Juntou o recibo do seu vencimento relativo ao mês de Fevereiro de 2010 (fls. 10).
Foi proferida decisão de indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência formulado pelo requerente.
Inconformado com tal decisão, veio o requerente dela interpor o presente recurso de apelação cuja alegação encerrou com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Todos os créditos peticionados pelo requerente estão vencidos, nomeadamente a indemnização por antiguidade, férias e subsídios proporcionais ao tempo de serviço prestado em 2010;
2. Tudo por força do disposto, respectivamente, nos arts.º 381º e 391º, 237º e 245º, todos do Código do Trabalho;
3. Os créditos peticionados pelo requerente não teriam de estar reconhecidos judicial ou extrajudicialmente;
4. Terão de ser reconhecidos, sim, pelo Administrador de Insolvência a ser nomeado pelo Tribunal aquando da declaração de insolvência;
5. O curto prazo de 6 meses de que o requerente dispõe para requerer o Fundo de Garantia Salarial, não se compadece com a eventual demora na tramitação de uma acção a intentar previamente no Tribunal de Trabalho;
6. O requerente alegou factos suficientes para a justificação do seu crédito, nomeadamente sobre a sua origem, natureza e montante;
7. Exigir ao requerente ter de se munir de uma sentença para poder provar a existência do seu crédito seria ir contra a teleologia do Código da Insolvência, que incentiva o pedido da insolvência no momento oportuno, evitando o protelamento da mesma;
8. Obrigar o requerente a prévia obtenção de uma decisão condenatória no Tribunal do Trabalho equivaleria a retirar-lhe a possibilidade de, em tempo útil, poder requerer o Fundo de Garantia Salarial, tornando-se inútil o pedido de insolvência;
9. Nesse sentido, entre outros, os doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 19.05.2005 e de 20.12.2006, proferidos o primeiro em recurso de agravo - Procº nº 664/05-2 - e o segundo em recurso de apelação – Procº nº 2338/06-2;
10. No que respeita à quantificação do valor quer do activo quer do passivo da devedora, o requerente não os quantificou nem pode quantificar por nunca ter tido acesso à sua contabilidade;
11. O que o levou a requerer, sob o nº 23 da petição, que a indicação dos 5 maiores credores fosse prestada pela própria devedora, por força do disposto no art.º 23º, nº3, do CIRE;
12. Não deixou o requerente de alegar que a devedora não pagou aos trabalhadores os salários e a indemnização de antiguidade a que têm direito, sendo todos eles credores de uma quantia nunca inferior a 80.000,00 €;
13. Que deixou de pagar as suas dívidas, nomeadamente dívidas a fornecedores de materiais de construção, dívidas à Segurança Social e ao Fisco;
14. E que a devedora encerrou a empresa, despediu todos os trabalhadores e cessou todos e quaisquer pagamentos;
15. Por força do disposto na parte final do nº 1 do art.º 25º do CIRE, o requerente só deve oferecer os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor;
16. E, por força do que dispõe o nº 1 do artº 20º do CIRE, qualquer credor pode requerer a declaração de insolvência de um devedor, verificando-se algum dos factos discriminados em qualquer de uma das suas alíneas, nomeadamente suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, e, ainda, incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas tributárias, dívidas à Segurança Social ou dívidas emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação;
17. As dívidas da natureza laboral da requerida para com o requerente, só por si, integram a previsão do art.20º, nº1, al.g), iii), do CIRE;
18. Violou a douta decisão recorrida, entre outras, as disposições legais contidas nos arts. 381º, 391º, 237º e 245º do Cód.Trabalho e nos arts. 20º, nº1, als. a), b), g), ii), iii), 23º, nº 3, e 25º, nº 1, do CIRE.»
Não foram juntas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do CPC), a questão essencial decidenda é a de saber se o pedido de insolvência deduzido pelo requerente/credor não devia ter sido liminarmente indeferido.
Tendo em conta o conteúdo da decisão recorrida e das conclusões de alegação do recorrente, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- necessidade do requerente ter uma sentença para poder provar a existência do seu crédito;
- necessidade do requerente concretizar o valor do activo da devedora e quantificar o valor das dívidas à Segurança Social e ao Fisco.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Com interesse para a decisão do presente recurso importa considerar a tramitação processual descrita no relatório deste acórdão, bem como o teor da decisão recorrida, cujo trecho final é o seguinte:
«(…).
Necessário é, como já ficou explicitado, que sejam alegados factos consubstanciadores, subsumíveis a um dos fundamentos tidos como legalmente relevantes para a declaração de insolvência, demonstrativos da impossibilidade de cumprimento, pela pessoa colectiva, das suas obrigações vencidas ou da superioridade do seu passivo em relação ao activo, não bastando, obviamente, a arguição genérica da verificação de um desses fundamentos.
Ora, pese embora não se negue ao requerente legitimidade activa para a presente acção, o certo é que o seu crédito não estará, na realidade, vencido, já que, para tal, a ilicitude do seu despedimento e/ou a sua pretensão indemnizatória teria(m) de estar reconhecida(s) judicialmente (pelo Tribunal de Trabalho) ou extrajudicialmente (pela devedora).
Acresce que ainda que o crédito em causa estivesse vencido, o certo é que não é quantificado o valor do activo reconhecido à devedora a fim de concluir ser este inferior ao passivo (não importando a mera falta de liquidação impossibilidade de pagamento total das obrigações vencidas, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 3.º/1 CIRE).
Por outro lado, o encerramento do estabelecimento alegado não se enquadra em nenhuma das previsões do art. 20.º CIRE, ao contrário do que parece ser o entendimento da requerente.
Acresce que ainda que seja genericamente alegado que a requerida tem dívidas à Segurança Social e ao Fisco, não sendo indicado o respectivo valor nem quantificado o activo da sociedade, necessário seria, para que funcionasse a presunção ínsita no art. 20.º/1/al. g) CIRE, que fosse indicado há quanto tempo é que tais dívidas se vêm acumulando, o que não foi efectuado.
Por fim, na petição o requerente deveria juntar certidão do registo comercial (art. 23.º/2/al. d) CIRE), o que não aconteceu.
Ante o exposto, e ao abrigo do preceituado no art. 27.º/1/al. a) CIRE, indefiro liminarmente o pedido apresentado.»

B) O DIREITO
Da necessidade do requerente ter uma sentença para poder provar a existência do seu crédito
A legitimidade é um pressuposto processual que se traduz no interesse directo em demandar ou em contradizer e que se exprime, respectivamente, pela utilidade derivada da procedência da acção ou pelo prejuízo que dessa procedência advenha. E são titulares do interesse relevante os sujeitos da relação jurídica controvertida, tal como é configurada pelo autor (art. 26º do CPC).
Por sua vez o art. 25º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), define os pressupostos da legitimidade do requerente da insolvência, referindo ainda que “...o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição inicial a origem, natureza e montante do seu crédito... e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do credor e oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas, cujo número não pode exceder os limites previstos no artigo 789º do CPC”.
Do cotejo destes normativos, é de concluir que quem quiser demandar alguém num processo de insolvência, terá de ser credor do demandado, alegando factos dos quais se infira que tem um crédito sobre o devedor requerido.
Daí que o artigo 25º do CIRE exija que o requerente alegue factos que fundamentem a “origem, natureza e montante do seu crédito ...”. É necessário que diga que tem um crédito, donde deriva e qual o seu montante.
Deste normativo não decorre, necessariamente, que, logo na petição inicial, o credor tenha de fazer prova, que só poderá ser documental, da existência do crédito, do seu montante e da sua origem, podendo bem suceder que o seu crédito se funde numa relação jurídica verbal, cuja prova só possa ser realizada mediante prova testemunhal ou outra que não a documental. E sucede, muitas vezes, que o credor não é portador de prova documental, pelo que entendemos que nestes casos não poderá deixar de requerer, de imediato, a insolvência do devedor, se se verificarem os respectivos pressupostos, pois não é exigível que tenha de se munir dum título judicial – sentença - para poder provar a existência do seu crédito.
Na verdade, «se assim fosse entendido, seria contradizer a teleologia do Código de Insolvência, que vai no sentido de incentivar os credores a requererem a insolvência oportunamente, quando a situação assim o exija, evitando o protelamento da mesma, que poderá ser desastrosa para os interesses dos credores.
Pois, como é do conhecimento geral, a obtenção dum título judicial a reconhecer um crédito, poderá demorar alguns anos, o que negaria o direito de agir rapidamente, por parte dos credores, a situações de insolvência.
Por outro lado, não se compreenderia a fase de impugnação e julgamento, próprias desta acção. Na verdade, uma vez citado o devedor, requerido neste processo, este poderá impugnar ou abster-se de o fazer. Na primeira situação, o processo irá seguir os seus termos para julgamento, onde será produzida toda a prova admitida em direito, e em face dela, o julgador dará como provada a matéria de facto controvertida e decidirá da procedência ou improcedência da acção.
Conhecerá de todos os pressupostos processuais e do pedido, como resulta do disposto no artigo 35 do respectivo Código de Insolvência, conjugado com o artigo 463 n.º 1, 646 e seguintes do CPC.
Na segunda, ao abrigo do disposto no artigo 30 n.º 5 do Código de Insolvência, são considerados confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada logo no dia útil seguinte ao fim do prazo para oposição, se os factos preencherem algum dos pressupostos elencados no n.º 1 do artigo 20 deste diploma.
O que quer dizer que, nestas circunstâncias, se a petição inicial elencar todos os factos necessários a fundamentar a legitimidade do requerente e do pedido, a acção será procedente, independentemente de o requerente ter ou não provado documentalmente a relação creditícia, fundamento da sua legitimidade de requer a insolvência. E isto, porque os factos referentes à relação creditícia, fundamento da legitimidade activa, são dados como provados, face à falta de oposição.
Por outro lado, há relações jurídicas de crédito emergentes de contratos, em que incumbe ao devedor provar a extinção do crédito invocado. Ao credor basta-lhe alegar e provar os factos de que deriva o crédito. E se o fizer, verá a acção procedente, porque se presume que o crédito não se extinguiu por cumprimento, como resulta do artigo 799 do C.Civil.» [cfr. o acórdão desta Relação de 18.05.2005, disponível in www.dgsi.pt (proc. 664/05-2)].
No caso em apreço, está em causa um crédito emergente dum contrato de trabalho, pelo que ao credor é apenas exigível a alegação e prova da relação jurídica de que emerge o crédito invocado. E ao devedor a alegação e prova de que o crédito se extinguiu por cumprimento ou outra forma de extinção.
Assim, não se justifica que na acção de insolvência se imponha ao credor o ónus da prova da não extinção do crédito, para fundamentar a sua legitimidade em requerer a insolvência. Aquilo que se quer mais fácil e célere para desencadear um processo de insolvência por parte dos credores, como resulta da estrutura e teleologia do Código de Insolvência, com a interpretação apontada pela decisão recorrida, tornará o uso deste processo muito difícil, e até extemporâneo, na maioria das vezes (cfr. o acima citado acórdão desta Relação).
Analisando a petição inicial, verifica-se que o requerente alegou ter sido admitido ao serviço da requerida em 15.02.1980, aí exercendo as funções de trolha de 1ª, auferindo o salário mensal de € 539,50.
Mais alegou que em 16.12.2010 foi despedido, tal como os demais trabalhadores, sem ter recebido qualquer indemnização ou compensação, mantendo a requerida desde essa data encerrada a empresa.
Para a prova destes factos arrolou testemunhas e juntou um documento comprovativo do vencimento referente ao mês de Fevereiro de 2010.
Está assim provado que o requerente é um credor da requerida, pelo que tem legitimidade para requerer a insolvência, face ao que dispõe o artigo 20º do CIRE, o que, aliás, não é posto em causa pelo Mm.º Juiz a quo.
O facto de não estar ainda reconhecido o seu crédito em acção proposta no Tribunal de Trabalho, não retira a qualidade de credor ao requerente (que alega dever-lhe a requerida a quantia de € 26.165,75) - cfr. o Ac. desta Relação de 18.12.2006, proc. 2338/06-2, in www.dgsi.pt.
Devidamente justificada a origem, natureza e montante desse crédito tem a petição inicial, neste particular, as condições para ser admitida liminarmente.

Da necessidade do requerente concretizar o valor do activo da devedora e quantificar o valor das dívidas à Segurança Social e ao Fisco
O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência.
É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas – nº 1 do art. 3º do CIRE. Tal situação, na verdade, corresponde a uma incapacidade de cumprimento, em que alguém, por carência de meios próprios e por falta de crédito, se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações (Luís Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 4ª edição, 2008, pág. 54).
Por outro lado, a lei estabelece ainda certos factos-índices ou presuntivos de insolvência, nomeadamente no art. 20º, nº 1, do CIRE, perante cuja verificação será de presumir a insolvência do devedor, como seja, por exemplo, o caso da falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
Quando o pedido de declaração de insolvência não seja apresentado pelo devedor, como sucede in casu, deve o requerente, na petição inicial, indicar a origem, natureza e montante do seu crédito, ou a sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência, consoante o caso, e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor – art.º 25º, nº 1, do CIRE –, devendo a mesma conter além da exposição dos factos que integram os pressupostos da declaração requerida, o pedido de insolvência, a identificação dos administradores do devedor e os seus cinco maiores credores, com exclusão do próprio requerente, no caso do devedor ser casado, a identificação do cônjuge e regime de bens do casamento e ser instruída com certidão do registo público a que o devedor esteja, eventualmente, sujeito – art.º 23º, n.º 1 e 2, b), c) e d), do CIRE.
Vimos já que relativamente ao seu crédito cumpriu o requerente com o que lhe era exigido.
Mas será que devia também o requerente proceder à quantificação do valor do activo reconhecido à devedora a fim de concluir ser este inferior ao passivo?
A este propósito escrevem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, 2009, a págs. 149-150:
«As alíneas b) a d) do nº 2 do art. 23º do CIRE, identificam elementos e documentos que devem ser indicados na petição inicial ou a ela juntos.
Distingue-se, porém, conforme se trata de um processo aberto por apresentação ou a requerimento de credor ou outro legitimado.
Se for este último o caso, como aqui se verifica, e repetindo a solução antes acolhida no n.º 3 do art. 15.º do CPEREF, a lei atribui ao requerente a faculdade de, não lhe sendo possível fazer as indicações ou junções estatuídas, requerer que as mesmas sejam prestadas pelo devedor, o qual fica vinculado a assim agir, aliás, em conformidade com o dever geral de cooperação consignado no art.º 519º do CPC (cfr. Ac. da Rel. Évora., de 31.12.2007, in CJ, 2007, V, pág. 250). A falta de colaboração do devedor não obsta, porém, ao prosseguimento da acção, sujeitando, no entanto, o infractor a multa, e ao mais que se consigna no n.º 2 do citado art. 519.º do CPC. Além disso, a omissão poderá ser valorada em sede do incidente de qualificação da insolvência - cfr. art.º 186.º, n.º 2, aI. i) - e poderá constituir crime de desobediência, pelo qual respondem as pessoas concretamente oneradas com o dever incumprido.
Perguntar-se-á o que acontece quando o requerente não facultar as informações e documentos em causa nem requerer a sua prestação pelo devedor, de acordo com o n.° 3.
Restará, com certeza, o recurso ao despacho de aperfeiçoamento. Mas se, por estranha ocorrência, a situação se mantiver, nem por isso se justifica o indeferimento liminar, devendo o tribunal ordenar que o devedor supra a omissão.
Na verdade, se, incumprindo o devedor a obrigação de colaboração, o processo não é afectado, mal se compreenderia que o fosse quando, embora com lapso do requerente, há a hipótese de suprimento. E não estamos, sequer, para mais, em presença de elementos que se mostrem indispensáveis para a normal marcha do processo e concretização dos seus objectivos.
(…).
Por um lado, há que assegurar a legitimidade de quem promove a apresentação do devedor. Por outro, os demais elementos e documentos referidos nas als. b) a d) do n.° 2 do artigo em anotação destinam-se a facilitar a concretização de consequências ligadas à declaração de insolvência e a adopção de medidas que ela implica, as quais, todavia, não ficam impossibilitadas pela ausência dos elementos e documentos em falta.»
E, mais adiante, a fls. 157, em comentário ao art. 25º do CIRE, escrevem os mesmos autores:
«Na parte final do nº 1, o requerente é instado a juntar à petição todos os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor. Vê-se, pelo modo conjuntivo em que é usado o verbo, que o autor apenas deve juntar o que tem, pelo que se nada tiver nada juntará e o prosseguimento da causa não é prejudicado por isso.
Trata-se, tal qual sucede, aliás, com a exigência paralela que decorre das als. a), b), j), g) e h) do artigo anterior, de elementos cuja junção facilitará muita da actividade subsequente à declaração de insolvência mas que, em todo o caso, não é imprescindível para que o processo continue a sua marcha, mesmo que nada acompanhe a petição.
Isto explica que, ainda na hipótese admissível de o requerente não juntar os elementos que, porventura, possua, tal não conduza ao indeferimento, visto não estarmos já perante a falta de requisitos legais nem de documentos imprescindíveis.
Em boa verdade, de resto, mal se justificaria a discussão, em sede de fase inicial do processo, sobre se o requerente tem ou não em seu poder elementos sobre o activo e passivo do devedor, quando este sempre os pode juntar se tal lhe aproveitar e, em qualquer caso, tudo virá ao processo na fase posterior à declaração de insolvência, nomeadamente em decorrência do que se determina nos arts. 36.°, als. f) e g), 55.°, n.° 1, 81.°, n.° 1, 128.°, 129.° e 149.° do Código.» (cfr., no mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 02.02.2010, proc. 2458/09.6TBPBL.C1, disponível in www.dgsi.pt).
Compreende-se, aliás, que assim suceda, dada a grande dificuldade que, por vezes, um vulgar credor tem desses elementos.
Isto é assim porque «cada credor, usualmente, sabe de si e do que mais lhe possa constar no mercado, mas nada em concreto ou com rigor acerca dos outros credores, para poder dar exacto cumprimento à citada disposição.
Ou, então, apenas poderá indicar uns quaisquer credores da requerida, mesmo indicando-os como sendo os 5 maiores, apenas para cumprir a dita “formalidade legal”, sem que daí lhe possa advir algum prejuízo ou consequência processual, já que neste tipo de acções não há lugar à citação dos credores da requerida nesta fase inicial do processo, como bem resulta do art. 29º do CIRE.» (Cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 15.04.2008, proc. 2653/07.0TBAGD.C1, in www.dgsi.pt).
No caso em apreço alegou o requerente/recorrente, relativamente à quantificação do valor quer do activo quer do passivo da devedora, que “não os quantificou nem pode quantificar por nunca ter tido acesso à sua contabilidade, o que o levou a requerer, a final (art. 23º da petição), que a indicação dos 5 maiores credores fosse prestada pela própria devedora, por força do disposto no art.º 23º, nº3, do CIRE;
Não deixou o requerente, porém, de alegar que a devedora não pagou aos trabalhadores os salários e a indemnização de antiguidade a que têm direito, sendo todos eles credores de uma quantia nunca inferior a 80.000,00 €; que a mesma deixou de pagar as suas dívidas, nomeadamente dívidas a fornecedores de materiais de construção, à Segurança Social e ao Fisco; e que a devedora encerrou a empresa, despediu todos os trabalhadores e cessou todos e quaisquer pagamentos.
Deste modo, o Sr. Juiz ao exigir que o processo estivesse habilitado com os elementos comprovativos do valor do activo e o exacto montante das dívidas à Segurança Social e ao Fisco, coloca um tal grau de exigência que impossibilita, na prática, o cumprimento dos arts. 3º, 20º, 25º e 29º do CIRE, que se mostram assim violados.

Uma ultima palavra no que respeita à alusão final feita na sentença recorrida relativa à não junção aos autos da certidão do registo comercial da requerida.
Neste particular, não tendo o requerente alegado impossibilidade na sua junção, nada impedia o Sr. Juiz de o mandar notificar para fazer essa junção dentro de determinado prazo, o que podia fazer no próprio despacho em que ordenasse a citação da requerida.

Sumário (art. 713º, nº 7, do CPC)
I - Do art. 25º do CIRE não resulta que o requerente, logo na petição inicial, tenha de fazer a prova documental da existência do crédito, do seu montante e origem, podendo bem suceder que tal crédito se ancore numa relação jurídica verbal, cuja prova apenas possa ser feita por testemunhas.
II - O facto de não estar ainda reconhecido o crédito de um trabalhador em acção proposta no Tribunal de Trabalho, não retira a qualidade de credor ao requerente (que alega dever-lhe a requerida determinada quantia).
III - Na petição inicial, que não provenha do apresentante devedor, são facultativas as indicações a que alude o art. 23º, nº 2, als. b), c) e d), e a parte final do art. 25º, nº 1, do CIRE.

IV – DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, a substituir por nova decisão em que se ordene a citação da requerida.
Sem custas.
*
Guimarães, 15 de Setembro de 2011

Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Amílcar Andrade