Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1659/10.6TBVCT
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO
CRÉDITO FISCAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Os artigos 123º e 125º da Lei n.º 55-A/2010, de 31-12, com entrada em vigor a 1-1-2011, vieram afastar, mesmo para os processos de insolvência pendentes, a interpretação de que, sendo o CIRE uma lei especial, os créditos fiscais, para efeito de homologação do plano de insolvência, se encontram em plano de igualdade com os demais créditos.
2. Na homologação do plano de insolvência não pode haver redução, extinção ou moratória de créditos fiscais que não tenha a concordância da Fazenda Nacional, obedecendo aos pressupostos previstos nas próprias leis fiscais.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.



Nos autos de insolvência em que são requerente G. A…. e requerida Viana…Ldª , foi proferida a seguinte decisão:

Pelo exposto, decide-se, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 215 e 216, n21, ai. a) CIRE recusar a homologação por sentença do plano de insolvência aprovado e apresentado pela devedora a fls. 762 e segs. dos autos, com as alterações operadas em sede da respectiva assembleia de discussão e votação constantes de fls. 877 a 880.
Em consequência, decide-se:
a) declarar o encerramento imediato da actividade da devedora, com a consequente imediata apreensão dos bens (cf. artigos 149 e ss CIRE);
b) a imediata liquidação dos bens que integram a massa insolvente (cf. artigo 156, n. 24, a). b) CIRE).

Inconformados vieram a requerente, os credores Anturius e Tesouros Ldª (foi ordenado o desentranhamento das alegações de Manuel) interpor recursos, cujas alegações terminam com conclusões:
Conclusões da requerente:

A)A Meritíssima Juiz “a quo” decidiu não homologar o plano de insolvência apresentado pela Recorrente, o qual havia sido devida e legalmente aprovado pelos seus credores a instâncias da credora “Instituto da Segurança Social, IP” e, por fundamentos distintos, a instâncias da credora “GA”.
DOS ARGUMENTOS DO “INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP” B) A questão da indisponibilidade dos créditos da “Segurança Social” e da “Fazenda Pública” já há muito havia sido dirimida e de forma unânime, pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores portugueses.
C) Consiste este entendimento, iniciado é certo nesse Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, no facto do plano de insolvência poder, ao abrigo do artigo 196º nº 1 als. a) e c) do CIRE, perdoar ou reduzir TODOS os créditos privilegiados e comuns, inclusive os do Estado, na medida em que implica a prevalência das normas que regulam o processo de insolvência perante as normas de natureza fiscal.
D) Conforme é referido no Douto Acórdão do STJ de 02-03-2010 in www.dgsi.pt proc. nº 4454/08.5TBLRA-F.C.S1, “Não há violação do principio da legalidade fiscal, nem do principio da igualdade, uma vez que não existe violação de normas fiscais imperativas por vontade das partes ou dos credores, mas observância de um regime especial criado pelo próprio legislador e plasmado no CIRE, em ordem a consagrar a igualdade de tratamento para todos os credores do insolvente e em que a lei prevê a possibilidade de os créditos do Estado serem despojados de privilégios, mesmo sem a
sua aquiescência, inexistindo também por isso, violação de qualquer principio constitucional, nomeadamente o estabelecido no artigo 103º nº 2 do CRP.”
E) A homologação dos planos de insolvência representa cerca de 1,5% do universo das empresas e empresários que se apresentam à insolvência.
F) O Estado ao invés de acarinhar e apoiar a recuperação das empresas, tudo fazia e faz, de forma sistemática e reiterada, para impedi-las de tal desiderato, o que é absolutamente paradoxal, sobretudo na situação actual da economia portuguesa.
G) O enquadramento legal da Fazenda Pública para apoiar qualquer empresa, mormente no que tange a garantias exigidas e obrigação de alteração da sua administração, equivale na prática à impossibilidade efectiva de recuperação.
H) No panorama da economia nacional é absolutamente devastador pois certo é que da liquidação da empresa resulta, na esmagadora maioria dos casos que, não só o Estado não recebe qualquer pecúlio adicional como o não receberão todos os seus restantes credores, com todas as consequências que temos vindo a assistir na actualidade.
I) Foi exactamente nesta ordem de ideias que foi elaborado o CIRE e, foi exactamente nesta ordem de ideias que se foi alicerçando a Jurisprudência, conforme resulta do Acórdão do STJ de 04-06-2009 in www.dgsi.pt em que é expressamente referido que “Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, seria desproporcional que o processo de insolvência fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, mais a mais privilegiados, sem atender à particular condição dos demais créditos e da insolvência.”
J)E assim, “Não se põe em causa o carácter imperativo dos artigos 30º nº 2 e 36º nºs 2 e 3 da Lei Geral Tributária, aprovada pelo D.L. nº 398/98 de 17.12 e do artigo 196º nº 1 e 5 do CPPT, aprovado pelo D.L. nº 433/99 de 26.10. Só que tais normativos tem o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, ou seja, no domínio das relações entre a administração tributária, agindo como tal, e os contribuintes, não encontrando apoio no contexto do processo especial, como é o processo de insolvência,
onde a actuação da Fazenda Nacional se situa num plano perfeitamente distinto, pois, ao intervir nesse processo, aceita o concurso dos demais credores de determinado contribuinte num quadro em que releva a incapacidade do devedor insolvente para satisfazer as suas dívidas, inclusive as dívidas ao Estado, mesmo de natureza fiscal, devendo em consequência este intervir como credor, tendo em conta a existência dos demais credores e aquela situação de incapacidade, e em observância do tendencial principio de igualdade entre credores, despido do seu jus imperii, que o colocaria numa situação de tratamento privilegiado perante os demais.
K) A Fazenda Pública e a Segurança Social, não conseguindo certamente demover quem de Direito para alterar o CIRE e os seus fundamentos, de forma até a que os intervenientes processuais ficassem a conhecer de uma vez por todas quais as “regras do jogo”, resolveu, com uma manobra, sem dúvida habilidosa, mas manifestamente ilícita, alterar o artigo 30º da Lei Geral Tributária através da Lei nº 55-A/2010, adicionando um número 3 que refere que a indisponibilidade do crédito tributário prevalece sobre qualquer legislação especial?!?,
L)Sendo o mesmo aplicável “designadamente aos processos de insolvência que se encontram pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos”. – artigo 125º da Lei 255-A/2010 de 31.12.
M) Ou seja, este pequeno aditamento põe não só em causa os fundamentos e o próprio normativo do CIRE como põe em causa todos os processos de recuperação de empresas e assim, a própria sobrevivência da depauperada economia nacional.
N) Em primeiro lugar, entende a Recorrente estarmos perante uma manifesta inconstitucionalidade por violação do artigo 112º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, a qual expressamente se invoca, dado que este comando legal dispõe que “As leis e os decretos-leis têm igual valor”, pelo que nunca poderia a Lei Geral Tributária impor-se ao Decreto Lei 53/2004 de 18 de Março que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
O)Por outro lado, temos que este aditamento põe em causa o artigo 7º nº 3 do Código Civil que refere que “A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador”.
P) Com efeito, a Lei Geral Tributária não impor-se ao CIRE no âmbito dos próprios processos judiciais que este último regula e que por Lei lhe foram atribuídos, declarando que prevalece sobre esta legislação especial “sugando-lhe” os seus próprios alicerces e fundamentos, conforme resulta, de forma inequívoco do teor dos Doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça supra referidos.
Q) Não resulta que seja esta a intenção inequívoca do Legislador, pois que, se o fosse, o CIRE também teria sido alterado, mormente e de forma mais evidente, os seus artigos 97º e 196º que extinguem os privilégios creditórios do Estado e da Segurança Social e permitem a redução e modificação de créditos.
R) Podendo-se concluir que esta foi, meramente, a intenção do legislador fiscal…
S) Pode colocar-se muito legitimamente em dúvida que a L.G.T. seja, no Ordenamento Jurídico Português, uma Lei Geral, devendo esta ser entendida como uma Lei Especial, dado ser específica quanto ao ordenamento das leis tributárias e da Segurança Social e, Geral, dentro do seu próprio campo de aplicação.
T) A aplicação deste famigerado aditamento aos processos pendentes viola frontalmente os direitos e as legítimas expectativas criadas por todos os intervenientes no processo de insolvência, alicerçados que estavam em legislação e Jurisprudência unânime, o que não pode ser permitido nos termos do artigo 12º do Código Civil.
U) Esta questão é da maior acutilância nos tempos que vivemos pois, é uma total ilusão a Segurança Social e a Fazenda Pública entenderem que, aplicando de forma estrita os seus próprios procedimentos num processo de insolvência possam, porventura,
arrecadar mais tributos.
V) Esta tentativa de subverter de forma evidente a essência do CIRE levará inelutavelmente à “politica da terra queimada” pois, o Estado não só não receberá qualquer pecúlio adicional com a liquidação das pouquíssimas empresas que ainda tentam sobreviver, como arrastarão consigo todos os seus credores para incumprimentos adicionais e um número ainda superior de trabalhadores para o desemprego e assim, mais encargos para o próprio Estado, com o efeito “bola de neve” absolutamente assustador que assistimos.
W) Esta indesejada instabilidade na legislação que regula a Insolvência, poderá levar a situações absolutamente caricatas tais como, um plano de insolvência respeitador dos princípios emanados pela L.G.T., C.P.P.T e D.L. nº 411/91 não ser homologado por violador dos artigos 97º e 196º do CIRE.
X) A base de toda a Jurisprudência atinente a esta problemática vai no sentido de não se aplicar aos processos de insolvências a L.G.T e o C.P.P.T. e assim o D.L. nº 411/91.
Y) Com efeito, “Os arts. 30º nº 2 e 36º nº 3 da LGT e artigo 85º do CPPT têm o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, não encontrando apoio no contexto do processo especial como é o processo de insolvência, onde o Estado deve intervir também com o fito de contribuir para uma solução, diríamos, de olhos postos na insolvência, se essa for a vontade dos credores, numa perspectiva ampla de auto regulação de que a desjudicialização do regime consagrado no CIRE é uma das essenciais características.”v.g. Acórdão do S.T.J de 13.01.2009 proc. nº 08A3763 in www.dgsi.pt.
Z) Do entendimento exposto tem forçosamente de resultar que, tanto a Lei Geral Tributária como o Código do Processo e Procedimento Tributário como o D.L. nº 411/91 de 17.10 e mais recentemente o próprio Código Contributivo, NUNCA poderão ter aplicação num processo de insolvência, ou seja, o processo de insolvência está “imune” a qualquer alteração que seja efectuada no âmbito da LGT e/ou do CPPT.
A.A) E, pela força da lógica, qualquer alteração à Lei Geral Tributária e/ou CPPT e/ou D.L. nº 411/91 de 17.10, não poderá afectar ou influir o normal curso de um processo de insolvência que tem a sua própria e especial regulamentação radicada no Código da
Insolvência e da Recuperação da Empresa ao qual está única e exclusivamente vinculado.
A.B.) Face ao exposto, esteve mal a Meritíssima Juiz “a quo” ao não homologar o plano de insolvência apresentado pela Recorrente e aprovado pelos seus credores, dado o mesmo não violar o artigo 196º e 215º do CIRE.
DOS ARGUMENTOS DA CREDORA “G.A.”
A.C.) O teor do Requerimento apresentado por esta credora o qual foi, infelizmente, perfilhado pela Meritíssima Juiz “a quo”, enferma de um vício de raciocínio evidente dado que não entendeu o teor do plano de insolvência apresentado pela Recorrente.
A.D.) Dúvidas não restam que o exacto valor e as classes do crédito reclamado pela credora em apreço foi integralmente reconhecido pelo Sr. Administrador da Insolvência e que a Recorrente não impugnou tal reclamação.
A.E.) A credora reclamou €: 51.000,00 (cinquenta e um mil euros) como crédito privilegiado, de acordo com o disposto no artigo 98º nº 1 do CIRE, em virtude de ter sido a requerente da presente insolvência.
A.F.) A credora reclamou ainda €: 471.596,06 (quatrocentos e setenta e um mil quinhentos e noventa e seis euros e seis cêntimos) como crédito comum, num total de €: 522.596,06 (quinhentos e vinte e dois mil quinhentos e noventa e seis euros e seis cêntimos).
A.G.) Dispõe o plano de insolvência apresentado pela Recorrente, que a credora em causa irá receber integralmente o seu crédito privilegiado no valor de €: 51.000,00 (cinquenta e um mil euros) de acordo com o que consta a folhas 798 dos presentes autos.
A.H.) Quanto ao remanescente correspondente a crédito comum, no valor de €: 471.596,06 (quatrocentos e setenta e um mil quinhentos e noventa e seis euros e seis cêntimos), a credora em causa irá receber, como os restantes credores da sua classe, de acordo com o que dispõe o plano a folhas 800 dos presentes autos.
A.I.) Assim, não se entende como puderam, tanto a credora em causa como a Meritíssima Juiz “a quo” concluir que os créditos comuns em apreço não iriam ser pagos.
A.J.) O plano de insolvência tem sempre de pagar os créditos reconhecidos pelo Administrador de Insolvência em sede de relação prevista no artigo 129º do CIRE, como parece óbvio e como decorre do próprio artigo 209º nº 3 do mesmo Diploma legal.
A.K.) Quanto à explicação dada pela Recorrente a final de fls. 798 dos presentes autos e 36 do plano de insolvência, teve um único propósito de transparência e informação aos seus demais credores, atento, não só o elevado valor do crédito reclamado e reconhecido, mas também a primordial importância que os efeitos de um eventual vencimento de tal demanda, vão certamente ter na sua futura e almejada recuperação.
A.K.) Assim, o plano de insolvência em causa não derroga, porque nem poderia derrogar, o valor dos créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência, sendo porém certo que, irá pagar à credora supra mencionado 100% do seu crédito privilegiado e 10% do seu crédito comum, conforme o fará com todos os restantes credores comuns, na mais estrita obediência ao principio da igualdade previsto no artigo 194º do CIRE.
A.L.) É patente que a credora em causa, ao abrigo do plano de insolvência aprovado, não ficará numa situação menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.
A.M) Face ao exposto, evidente se torna que o plano de insolvência não viola qualquer normativo legal, mormente os artigos 215º e 216º do CIRE, no que tange ao crédito da”G.A.”, razão pela qual deverá o mesmo ser homologado.
A.N.) Pelo contrário, a Meritíssima Juiz “a quo” ao não homologar o plano de insolvência quanto aos créditos da Segurança Social violou o disposto nos artigos 112º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, artigos 7º nº 3 e 12º do Código Civil e, finalmente, artigos 97º, 196º e 215º do CIRE.
A.O.) Ao não homologar o plano de insolvência quanto aos motivos invocados pela credora “G.A.” violou os artigos 215º e 216º do CIRE.


Conclusões dos recorrentes Anturius Tesouros Ldª.

1. A decisão de recusa de homologação do plano de insolvência aprovado pelos credores padece de erros de julgamento e procede à errada aplicação do Direito e interpretação das normas jurídicas aplicáveis.
2. Desde logo, assenta e leva em consideração o teor dos requerimentos apresentados, a solicitar a não homologação do plano, os quais são extemporâneos, atento o carácter urgente do processo de insolvência e concomitante redução para metade do prazo para a prática de actos, nos termos do disposto nos artigos
9º do CIRE e 153º do C.P.C.,
3. Que deviam ter sido desentranhados, não podendo a decisão recorrida deles conhecer, incorrendo em excesso de pronúncia, sancionada com a nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC.
4. A decisão recorrida, quando recusa a homologação do plano invocando a superveniência da alteração legislativa que afirma a indisponibilidade do crédito tributário, alegadamente posta em causa no plano de insolvência aprovado, ignora e menoriza a corrente jurisprudencial dos Tribunais superiores sobre a questão,
5. Que assenta na prevalência do princípio da igualdade dos credores – par conditio creditorum – que enforma o processo de insolvência, o qual reveste natureza especial e configuração própria, atenta a sua finalidade única de satisfação dos credores,
6. Processo em que o Estado credor tributário, se encontra, por força daquele princípio, despido do poder de império e assim em plano de mera igualdade com os demais credores, não se justificando a prevalência do seu crédito, em detrimento dos demais
credores chamados à execução universal do património do insolvente.
7. A que acresce constituir o processo de insolvência regulado no CIRE lei especial em relação à L.G.T. pelo que, de acordo com o critério da especialidade: lex specialis derogat legi generali, cfr. artigo 7º do Código Civil.
8. Sendo certo que a vontade e silêncio do legislador, que ao contrário do consagrado no CPEREF (artigo 62º, nº 2), não conferiu no CIRE tratamento de excepção aos créditos do Estado, reforçam a consagração de um regime especial, previsto no CIRE;
9. Ora, tal entendimento, perfilhado na jurisprudência aludida, mantém-se intacto com as alterações legislativas operadas com a Lei do Orçamento de Estado para 2011, não justificando a mínima inflexão de sentido, ao invés daquela a que procede a decisão
recorrida;
10. Desde logo, porque por detrás do véu diáfano de lei interpretativa que a redacção dos artigos 123º e 125º da Lei do Orçamento e o novo nº 3 do artigo 30º da LGT pretende inculcar, para se furtar à aplicação do princípio da irretroactividade da lei,
11. Num estranho labor de interpretação autêntica da Lei Geral Tributária, doze anos após o seu início de vigência,
12. Se encontra uma disposição verdadeiramente inovadora que conflitua ou colide com as normas do CIRE que postulam o princípio da par conditio creditorum, em particular no que ao plano de insolvência concerne, i.e. os artigos 194º e 196º do CIRE,
13. Princípio erigido em “trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência.”
14. Tal contradição, lógica e teleológica, resulta da impossibilidade de aplicação simultânea das normas do CIRE e da nova redacção do artigo 30º da L.G.T., devendo ser afastada a aplicação desta.
15. Com efeito, a lei nova - o nº 3 do artigo 30º da L.G.T. - conjugada com o artigo 125º da Lei do Orçamento do Estado, sendo aplicável a processos pendentes, consubstancia norma fiscal retroactiva, pelo que viola o princípio da irretroactividade da lei e o princípio do Estado de Direito democrático, na vertente da confiança e segurança dos cidadãos, previsto no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, enfermando de inconstitucionalidade.
16. Na verdade, a Insolvente apresentou o plano de insolvência em 30 de Outubro de 2010, momento em que os credores, entre os quais as Recorrentes, não podiam nem deviam contar com a inovação travestida de interpretação plasmada naquele normativo da LGT;
17. Ora, o tribunal a quo, no cumprimento do disposto no artigo 207º do CIRE, tinha o dever – prévio à votação do plano, ocorrida em plena vigência da lei nova - de sindicação do mérito do plano de insolvência apresentado e ao controle da legalidade do seu conteúdo,
18. Que lhe impunha, conhecida a inovação legislativa, notificasse o apresentante do plano para suprimento dos vícios detectados, nos termos da alínea a) do preceito citado, em homenagem à economia e celeridade processuais,
19. E ponderado o objectivo último de aprovação do plano e as graves consequências que a recusa da sua homologação importam para os stakeholders da insolvente.
20. Não o tendo feito atempadamente, quadra mal que o venha fazer, de forma tardia, na decisão de recusa de homologação do plano.
21. A decisão sub judice, ao aplicar o artigo 30º da LGT, na sua nova redacção, faz tábua rasa do princípio da igualdade dos credores ínsito no CIRE, ao mesmo tempo que aplica norma materialmente inconstitucional porque retroactiva, face à apresentação prévia do plano de insolvência.
22. Ademais, a decisão sub judice incorre em manifesto erro de julgamento, por erro nos pressupostos de facto, quando sustenta que o plano de insolvência aprovado viola a alínea a) do nº 1 do artigo 216º do CIRE porque a situação ao abrigo do plano se mostra previsivelmente menos favorável do que a que interviria na sua ausência para a credora G.A..
23. Ora, resulta das disposições do plano transcritas e do seu cotejo com a lista de créditos reconhecidos, que aquela credora, ao invés do que sustenta a douta decisão, tem a receber, de acordo com o plano, o montante máximo legalmente previsto, nos termos do artigo 98º do CIRE, isto é 51.000,00€, como crédito privilegiado concedido ao credor requerente,
24. Circunstância que desautoriza por inteiro a conclusão vertida na decisão recorrida e aplicação do artigo 216º, nº 1, alínea a) do CIRE.
25. No que configura um erro manifesto, viciador do raciocínio do julgador.
26. Efectivamente, o plano procede ao tratamento dos credores no respeito das disposições legais aplicáveis, pelo que todos os credores comuns, à semelhança da G.A., suportam a redução a 10% do capital daquela classe de créditos.
27. Em estrita observância da par conditio creditorum,
28. Não se vislumbrando qual o tratamento arbitrário conferido à G.A., que beneficia ainda em relação a todos os demais credores, do privilégio creditório geral conferido à requerente da insolvência.
29. Nem se diga que a circunstância dos créditos da G.A. se encontrarem reconhecidos por sentença lhes confere força especial, atento o idêntico valor da sentença de verificação e graduação de créditos proferida nestes autos.
30. Muito ao invés, o facto de se encontrarem pendentes acções judiciais contra si intentadas pela Insolvente, afectam a consistência do seu crédito, que se configura como direito litigioso.
31. Aliás, a decisão é completamente omissa, carecendo de absoluta falta de fundamentação, no que concerne à prova da eventualidade referida na alínea a) do nº 1 do artigo 216º do CIRE, porquanto inexiste um juízo de prognose quanto à melhor satisfação do crédito da G.A. em caso de liquidação imediata da insolvente, por oposição à que deriva do cumprimento do plano aprovado,
32. Faltando uma estimativa minimamente concretizada de quanto recebe com a execução do plano - uma vez que a decisão labora em erro quanto aos montantes reconhecidos, conforme se expôs -
33. Ou quanto estima receberá com a recusa do plano, o que a decisão omite,
34. Donde falece irremediavelmente a decisão em crise que determina a recusa de homologação do plano, por total falta de pressupostos e fundamentação, nos termos do artigo 158º e alínea b) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C.
35. Ao decidir como decidiu, a douta sentença em crise procede, nos termos expostos, à errada interpretação dos artigos 1º, 9º, 194º, 196º, 207º, 215º, 216º, nº 1, alínea a), todos do CIRE,
36. Aplica norma inconstitucional – artigo 125º da Lei do Orçamento e 30º da LGT, violadora do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, 37. Infringe o disposto nos artigos 153º, 158º e 668º, nº 1, alíneas b) e d), do C.P.C. e os artigo 7º e 12º do Código Civil.
38. Nesta conformidade, deve a sentença em crise ser anulada e substituída por outra, que homologue o plano de insolvência aprovado.
39. A interposição do presente recurso deve ainda suspender a liquidação do activo e partilha, sob pena de inutilidade de eventual decisão de procedência do mesmo, face à irreversibilidade do encerramento e extinção da Insolvente.

O Ministério público apresentou contra-alegações que constam dos autos a fls. 77 a 91, e nas quais pugna pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 684º, e 685-A do Código de Processo Civil -.

Para a decisão foram considerados os seguintes factos:

Em relação à requerente G A:

i)o Plano é manifestamente prejudicial a todos os credores em geral e, em especial, à G. A.;
II.) O Plano, em total contradição com i) a lista de créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador, II.) a decisão proferida nos autos de Insolvência da Proponente, III) a decisão proferida pelo Tribunal de Comarca de Haia, cuja exequibilidade foi reconhecida pelo Tribunal de Comarca de Viana do Castelo e pelo Tribunal da Relação de Guimarães (Processo n.2 1973/08.0 TBVCT- C e Gi 2. Juízo Cível) apenas reconhece como reclamado e reconhecido à G. A. um crédito no montante de 51.000,00 (cinquenta e um mil euros), com a ligeira explicação de que “apesar de este crédito ter sido reconhecido pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência, será de referir que, sobre este credor existe uma acção judicial ainda não transitada em julgado que, em caso de sentença favorável à Viana transformará radicalmente a situação deste credor que passará de credor a devedor”.
iii) o plano apresentado e aprovado procede a uma derrogação da aplicação do direito plasmado nas referidas decisões, ou seja, com o reconhecimento do seu crédito apenas no quantum de 51.000,00 (cinquenta e um mil euros), ao invés de €522.596,06 (quinhentos e vinte e dois mil quinhentos e noventa e seis euros e seis cêntimos), bem como a citada futurologia jurídica plasmada no plano no que concerne à referida acção judicial.
iv) Ademais, a referida redução, para além de carecer de total fundamentação, é desonesta na medida em que propõe um pagamento de 100% de um crédito reduzido sem qualquer fundamento.
v) O Plano prevê a redução aleatória do crédito da G. A. à margem das medidas previstas como meio de recuperação (vide Ponto II do Plano).
Concluindo no sentido de que a situação da G. A. é não só previsivelmente menos favorável à que a interviria na ausência de qualquer plano, como o Plano viola grosseiramente regras aplicáveis ao seu próprio conteúdo.
Mais alegou que:
vi) o Plano não consubstancia ou prevê a participação de terceiros, nomeadamente através de aumento de capital da sociedade e/ou um cenário mais favorável para os credores comparativamente ao decorrente da insolvência e imediata liquidação da Proponente.
vii) Acresce que, o Plano não contempla qualquer mecanismo de resolução e/ou de atenuação das causas que foram apontadas pelo Sr. Administrador para a situação de insolvência em que se encontra, a saber i) redução significativa de negócios, ii) aumento dos preços de compra dos produtos, iii) redução das margens de lucro, iv) dívidas de clientes incobráveis ou de difícil recebimento e por fim, v) a crise estrutural da agricultura de minifúndio que caracteriza o concelho de Viana do Castelo.
VIII) O meio de recuperação proposto passa exclusivamente pela redução do valor do capital dos créditos comuns em 90% e dos que neste momento se encontrem sob condição e que após a verificação da condição venham a ser classificados como comuns, bem como do perdão total do valor dos juros e do capital de todos os créditos como subordinados, alicerçado num plano de pagamento a 11 anos, dos quais os 2 anos iniciais são de carência.


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Relativamente ao pedido de não homologação formulado pelo “Instituto da Segurança Social, IP” foram considerados os seguintes factos:
Neste âmbito, há que considerar que a este credor foi reconhecido um crédito global de €134.070,68, sendo 092.715,74 de contribuições em dívida, e €41.354,94 de juros de mora vencidos calculados até Julho de 2010.
Destes créditos foram classificados como privilegiados o valor global de 04.822,62 (sendo €4.327,90 a título de contribuições e €494,72 de juros de mora vencidos); e como comum o crédito no valor global de 0129.248,06, sendo €88.387,84 a título de contribuições e €40.860,22 de juros de mora vencidos.
O plano de insolvência (com as alterações que lhe foram introduzidas em sede de assembleia de aprovação do plano) no respeitante ao “Instituto da Segurança Social, IP” prevê os seguintes pagamentos:
- Quanto aos créditos com privilégios creditórios e com garantias: perdão de 75% dos juros vencidos; pagamento dos restantes 25% em 60 meses a contar da data da provação do plano de insolvência, com carência de amortização de capital por 24 meses e prestações postecipadas e semestrais; juros vincendos indexados à taxa euribor a 6 meses + spread de 2%; liquidação integral dos créditos reclamados e reconhecidos, no prazo de 156 meses a contar da data da aprovação do plano de insolvência, com carência de amortização de capital por 24 meses e prestações postecipadas e semestrais e juros vincendos indexados à taxa euribor a 6 meses + spread de 2%; manutenção das garantias;
- Quanto aos créditos comuns: perdão total de juros vincendos; liquidação quanto a 10% do capital, de acordo com a relação dos créditos reclamados e reconhecidos; pagamento em 18 semestralidades postecipadas de termos de capital constante, com 24 meses de carência, vencendo-se o primeiro pagamento 24 meses após decorridos 3 meses da data da aprovação do plano ou após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, conforme a condição que se verifique em primeiro.

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Conforme resulta dos autos, no processo de insolvência foi apresentado um plano de insolvência.
De acordo com o disposto nos artigos 215º e 216º do CIRE o Instituto de Segurança Social e a requerente GA vieram requerer a não homologação do plano.
O juiz pode recusar a homologação de acordo com o disposto no artigo 215º do CIRE , desde que se verifiquem os pressupostos aí referidos.
De acordo com o disposto no citado artigo 216º do CIRE “o juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, (…) ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que : a) a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano;
b) o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
A procedência do pedido depende da demonstração de uma das situações que, estão consagradas nas duas alíneas do n.º 1.
No caso dos autos, a sentença recorrida não homologou o plano tendo em conta não só o requerimento do Instituto da Segurança Social, como o requerimento da requerente e credora G.A.

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A Lei n.º 55-A/2010 de 31-12 que aprovou o Orçamento do Estado para 2011, veio dar nova redacção ao art.º 30.º da Lei Geral Tributária (art.º 123.º) pela forma seguinte:
1 - Integram a relação jurídica tributária:
a) O crédito e a dívida tributários;
b) O direito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição;
c) O direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto;
d) O direito a juros compensatórios;
e) O direito a juros indemnizatórios.
2 - O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
3 - O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.

Antes do aditamento o artigo 30º da LGT ficava-se pelo nº 2, onde se dispõe que “o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, permitindo o entendimento de que se trata de uma lei geral, susceptível de ser afastada por lei especial, nomeadamente pelo CIRE.
O aditado nº 3 do referido artigo 30º, segundo o qual “o disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”, afasta explicitamente o aludido entendimento, inculcando com segurança que a indisponibilidade dos créditos tributários não pode ser arredada, sem consentimento da entidade credora, pelo PI aprovado em assembleia de credores constituída no âmbito de processo de insolvência.
O artigo 125º da referida Lei nº 55-A/2010 preceitua que “o disposto no n.º 3 do artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos”.
Entrando esta lei em vigor em 01.01.2011 (art.º 187.º), ex vi do estatuído no seu artigo 125.º o disposto no n.º 3 do artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos.
Assim em 27/6/11 data em que foi proferida a decisão compreendida no artigo 214.º do CIRE e agora impugnada, teria que ser observado o regime legal preconizado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31-12.
Como se refere no Ac do STJ de 15/12/11, disponível em www.dgsi.pt “vale isto por dizer que o legislador, retirando do enquadramento legal do CIRE a concepção de que a declaração de insolvência faz extinguir os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado e as instituições de segurança social (art.º 97.º), retomam validade os princípios que informam o nosso sistema tributário no sentido de que a extinção ou redução dos seus créditos fiscais não podem ser perturbados contra a vontade do Estado manifestada através dos seus legítimos representantes”.
E por isso concordamos com a decisão recorrida quando refere que “ se verifica existir violação no plano de insolvência apresentado e aprovado, do princípio da legalidade, por derrogação de normas fiscais imperativas e indisponíveis, pela vontade das partes e dos credores, fundamento de recusa da sua homologação“.

Também não se verifica qualquer inconstitucionalidade da citada norma, e como se refere no citado Acórdão do STJ “as leis e os decretos-lei têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-lei publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos (n.º 2 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa).
A nossa Lei Fundamental assegura por esta forma que as leis gerais da República - as leis e os decretos-lei - têm igual valor, isto é, não pode considerar-se mais preponderante a disciplina legal proveniente de um acto normativo editado pelo parlamento de acordo com o procedimento constitucionalmente prescrito do que a medida legislativa proveniente do Governo, constitucionalmente validada.
Por que têm igual valor é que se impõe no caso sub judice a observância da Lei n.º 55-A/2010 de 31-12, que corporiza uma posterior e diversificada vontade legislativa direccionada a contrapor uma nova ordem ao regime jurídico pontificado no CIRE”
E concordamos com a sentença recorrida quando refere que o plano viola o disposto na alínea a) do artigo 216º do CIRE, no que respeita à recorrida G.A. Verdegaal , bem como quando se refere que “ pode concluir-se que o plano apresentado e aprovado procede a uma derrogação da aplicação do direito plasmado nas referidas decisões, procedendo a uma redução drástica e sem fundamentação do crédito da credora requerente da insolvência, propondo o pagamento de 100% de um crédito reduzido sem qualquer fundamento”.
Deste modo improcede o recurso.

Em síntese dir-se-á que os artigos 123º e 125º da Lei n.º 55-A/2010, de 31-12, que entrou em vigor a 1-1-2011, vieram afastar, mesmo para os processos de insolvência pendentes, a interpretação de que, sendo o CIRE uma lei especial, os créditos fiscais, para efeito de homologação do plano de insolvência, se encontram em plano de igualdade com os demais créditos.
Na homologação do plano de insolvência não pode haver redução, extinção ou moratória de créditos fiscais que não tenha a concordância da Fazenda Nacional, obedecendo aos pressupostos previstos nas próprias leis fiscais.

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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar as apelações improcedentes e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Guimarães, 27 de Fevereiro de 2012.
Maria Conceição Bucho
Antero Veiga
Raquel Rego