Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1043/12.7TBFAF.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 1ª CÍVEL
Sumário: I – Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
II – Há que aquilatar da concreta conduta do titular do direito, de avaliar o seu zelo face às circunstâncias apuradas, por forma a concluir estarmos, ou não, perante uma conduta negligente a dispensar a tutela contemplada no artº 323º, nº2, do Código Civil.
III - Sendo o réu interveniente no acidente, ausentando-se sem fornecer a respectiva identificação e não constando qualquer seguro sobre o identificado veículo, não pode ser qualificada de negligente a conduta do autor que, tendo proposto a acção cinco dias antes de se completar o prazo de três anos, o identificou como Fábio, que é, errando nos respectivos apelidos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO.

1. José intentou a presente acção declarativa ordinária contra Fundo de Garantia Automóvel e Fábio, pedindo a condenação destes a pagar~lhe a quantia de €39.976,60, acrescida de juros legais vincendos até efectivo pagamento.
Em síntese, alegou que no dia 7 de Junho de 2009, pelas 11 horas, foi vítima de acidente de viação por culpa do réu Fábio, de que que lhe resultaram danos materiais e morais de que pretende ser ressarcido.

2. Contestou o primeiro réu impugnando os fundamentos da acção e alegando que não responde pela indemnização devida pela incapacidade temporária absoluta na medida em que a mesma tenha sido satisfeita pela Segurança Social.
Por seu turno, o segundo contestou dizendo ser o autor o culpado do acidente e, por excepção, alegando a prescrição do direito por ter sido citado mais de três anos após a data do evento lesivo.
3. Replicou o autor invocando que a acção foi proposta nove dias antes de completado o prazo de prescrição e que a citação tardia do Réu Fábio
não lhe é imputável, já que este não se lhe identificou correctamente.

4. O Centro Distrital de Segurança Social de Braga, Instituto da Segurança Social, IP, citado para o efeito, pediu a condenação dos Réus a reembolsar-lhe a quantia de €1.576,76, paga ao autor a título de subsídio de doença, pretensão que o FGA contestou impugnando os factos alegados e invocando que não responde pela quantia peticionada, face ao disposto no art° 51°, nº3, do DL 291/2007, de 21 de Agosto e o Fábio também impugnando os factos.

5. Por despacho de fls. 203 a 208, foi admitida a intervenção principal espontânea deduzida pelo Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E.

6. Realizando-se, depois, a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou:
a) os réus, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de €20.536,94, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, à taxa de 4%;
b) os réus, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de €5.000,00, acrescida de juros de mora vincendos desde a sentença e até integral pagamento, à taxa de 4%;
c) o réu Fábio a pagar ao Centro Distrital de Segurança Social de Braga, Instituto da Segurança Social, IP, a quantia de €1.576,76.

7. Inconformado, apelou o réu Fábio - recurso a que aderiu o outro réu nos termos da declaração de fls.304 -, rematando as pertinentes alegações com as seguintes conclusões:
A) Andou mal o Tribunal à quo ao proceder à aplicação do artº 323, nº1 e 2 do CC, visto que tal norma não é aplicável ao caso em apreço.
B) Quanto à citação ou notificação judicial levada a cabo pelos serviços judiciais, ao contrário daquilo que defendo o Tribunal à quo, nada há que apontar. Quanto a este ponto é necessário recapitular as seguintes datas:
Data da ocorrência do sinistro: 07-06-2009;
Data da entrada da acção (contra o indicado “Fábio”): 28-05-2012;
Data da citação: 29-05-2012;
Devolução: 31-05-2012;
Data da nova Citação (esta ao Fábio):
14-06-2012;
C) Quanto à suposta demora da citação nos serviços judiciais, a mesma não existiu, pois pela simples análise/leitura das datas, verificamos que a acção é citada no dia seguinte à data da sua entrada em Tribunal.
D) O Tribunal à quo vem “desculpar” o A. pela ocorrência do lapso de identificação do Réu Fábio. Ou seja, o A. andou cerca de três anos para identificar o Réu Fábio e só o fez quando esses três anos já tinham passado.
E) A matéria de facto demonstrada, o lapso na identificação do Réu Fábio constante da Petição Inicial é imputável ao Autor.
F) Tratando-se do pedido de reconhecimento de uma obrigação emergente de responsabilidade civil extra-contratual, o prazo de prescrição é o que se mostra estatuído no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
G) Nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do CC, “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial (…)”, contudo quando o Réu Fábio foi citado em 14-06-2012, já o prazo de prescrição tinha ocorrido há cerca de uma semana (em 07-06-2012).
H) Não se verificou-se, assim, qualquer facto de interrupção da prescrição.
I) a interrupção da prescrição verifica-se quando ocorre um facto, ou promovido pelo titular do direito, v.g. através de um acto judicial evidenciador de querer agir por forma a reclamar o direito de que se arroga, ou aceite pelo devedor, v.g. reconhecimento da situação ou do facto “(a) quem a prescrição pode prejudicar”, ou seja o prescribente” cfr. aresto ob. Cit.
J) Relativamente ao Réu Fábio o direito que o Autor quer ver reconhecido está prescrito.
K) O Tribunal à quo decidiu com base nos depoimentos das testemunhas do A., descurando os depoimentos das testemunhas do R. Fábio.
L) Pela audição do depoimentos, verifica-se que as testemunhas do A. (José Nuno e José Fernando) são contraditórias nos seus próprios depoimentos e entre si.
M) As testemunhas do A. que o acompanhavam de bicicleta naquele dia referem que sempre ouvem as motas e que naquele dia não ouviram. Tal teria de ter sido posto em causa pelo Tribunal à quo pelo simples facto de se tratar de cerca de 10 motas, que fazem muito barulho, sendo de pôr em causa o facto de não ouvirem o referido precisamente naquele dia.
N) As bicicletas a testemunha Nuno Edgar (única que presenciou) confirma que seguiam os três ciclistas lado a lado e que o embate se deu contra o A. que seguia em contramão.
O) O tribunal “a quo”, não apreciou corretamente os depoimentos destas testemunhas, uma vez que desconsiderou por completo o conteúdo dos mesmos, ou melhor, retirou deles conclusão diversa daquela que seria a devida pela justiça.
P) Do depoimento das testemunhas acima referenciadas e cujas passagens dos depoimentos se encontram transcritos, indubitavelmente, se depreende que as bicicletas circulavam lado a lado e que seguiam no sentido descendente (por isso, naturalmente com alguma velocidade, sendo certo que ao serem pelo menos 10 motas, ouvia o barulho da sua aproximação, que era inevitável).
Q) Não podia o Tribunal a quo concluir que o R. foi quem violou as regras estradais, dando causa ao acidente, uma vez, da prova gravada resulta que o mesmo seguia pela sua mão de trânsito quando se deparou com a bicicleta do A. (uma vez que as bicicletas seguiam lado) e mesmo após o embate o R. Fábio manteve-se na sua na sua mão de trânsito.
R) O tribunal deveria ter estabelecido o fio condutor entre a decisão da matéria de facto e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção, fazendo a respectiva apreciação crítica, nos seus aspectos mais relevantes. Mas tal não se verificou.
S) O depoimento das testemunhas foi no sentido de que a circulação das motas era audível, que pelos condutores das motas foi prestado todo o auxílio e informações, bem como pela testemunha Nuno Edgar é convictamente referido que as bicicletas circulavam lado a lado e que as motas vinham devagar e à sua mão de trânsito (até porque a mota do R. transportava duas pessoas).
T) O Tribunal à quo supôs que o R. conduzia fora de mão, contudo não analisou o facto de ter sido referido que os praticantes de BTT seguirem lado a lado e terem caído todos (tais factos revelam que não houve alternativas de desvios e que, como seguiam em sentido descente, seguiam a uma velocidade mais elevada que as motas).
U) Com base nos factos levados aos autos e de acordo com a prova produzida, a decisão deveria ter sido outra, ou seja, os factos supra referidos que constam como não provados, deveriam ser dados como provados, os não provados como provados (em conformidade com o supra descrito) e o Réu absolvido.
V) A posição de marcha de qualquer veículo, deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando uma distância destes uma distância que permita evitar acidentes, artº 13º do do C.Estrada.
W) Desta norma resulta que o condutor deve abster-se de invadir a metade da faixa de rodagem do seu lado esquerdo, a qual se destina aos veículos que circulem em sentido inverso.
X) Não resulta provado o ponto de embate.
Y) Consequentemente não é possível concluir pela culpa exclusiva do condutor do veículo do R., nem que o condutor do veículo segurado da Ré não concorreu para este sinistro. Assim, não se provando a culpa efectiva ou presumida de qualquer dos condutores, a responsabilidade deve ser distribuída por ambos, nos termos do artigo 506º do CC que regula a responsabilidade em casos de colisão de veículos.
Z) A lei presume a distribuição igualitária da contribuição de cada veículo para a ocorrência do embate.
AA) Com base na prova gravada, a responsabilidade deve ser distribuída por ambos, nos termos do artigo 506º do CC que regula a responsabilidade em casos de colisão de veículos.
BB) A lei presume a distribuição igualitária da contribuição de cada veículo para a ocorrência do embate.
CC) Da prova gravada (no entendimento do R.) não há elementos seguros que levem a considerar que uma das duas condutas sobreleve em termos de perigo ou de gravidade a outra, pelo que, face às circunstâncias do caso e de harmonia com o regime legal aplicável, que a culpa deve ser igualmente repartida.
Conclui pela revogação da decisão na medida acima assinalada.

8. Foram oferecidas contra-alegações pela autor.
9. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.
A. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1- O autor é beneficiário da Segurança Social, Centro Distrital de Braga, com o n° … - alínea A) dos Factos Assentes.
2- Tendo apresentado junto da Segurança Social uma incapacidade temporária para o exercício da actividade profissional, resultante de acto de terceiro, durante o período de 08 de Junho de 2009 a 27 de Outubro de 2009 ¬ alínea B) dos Factos Assentes. 3- O que determinou o pagamento, a título de subsídio de doença, o montante de €1.576,76 - alínea C) dos Factos Assentes.
4- A petição inicial deu entrada em Tribunal no dia 28.05.2012, tendo o autor identificado o réu como Flávio …, residente em …4615-805 Agilde - alínea D) dos Factos Assentes.
5- E a carta da citação do mesmo veio devolvida com a menção "endereço insuficiente" - alínea E) dos Factos Assentes.
6- A fls. 42 o autor apresentou requerimento onde pretende a rectificação da identidade do réu para Fábio …, residente na Travessa do Monte …, 4615-805 Agilde, local onde veio a ser citado - alínea F) dos Factos Assentes.
7- Encontra-se junto a fls. 74 e 75, documento denominado de "requerimento - declaração para registo de propriedade", relativo ao veículo/motociclo marca Kawasaki, modelo kdt 200, matrícula …CI, a gasolina, de cor verde, onde figura como comprador o réu Fábio e vendedor Bruno, datado de 02.01.2008 - alínea G) dos Factos Assentes.
8- Em 07 de Junho de 2009, o proprietário do veículo motociclo, de matrícula CI, não tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de viação transferida para companhia de seguro mediante contrato de seguro válido e titulado por respectiva apólice - alínea H) dos Factos Assentes.
9- No dia 07 de Junho de 2009 pelas 11,00 horas, na estrada que liga a estrada que faz ligação entre a E.N. 311 e a E.N. 206 (estrada do Confurco ¬Capela da Senhora da Guia) ao lugar de Tourão, freguesia de Moreira do Rei, concelho de Fafe, ocorreu um embate em que foram intervenientes o Autor, que circulava na sua bicicleta de marca Mondraker - Podium, e um motociclo de conduzido pelo réu Fábio - quesito 1º da Base Instrutória.
10- O autor seguia em direcção ao lugar de Tourão, Moreira do Rei - quesito 2º da Base Instrutória.
11- A cerca de 1,50 km da estrada do Confurco, pela sua direita e a menos de metro da Berma - quesito 3º da Base Instrutória.
12- Tendo a faixa de rodagem pelo menos 3m de largura e sendo o piso em terra batida - quesito 4º da Base Instrutória.
13- O Réu Fábio circulava em sentido contrário - quesito 5º da Base Instrutória.
14- O local descreve uma curva à direita no sentido de marcha do autor e à esquerda no sentido de marcha do demandado Fábio - quesito 6º da Base Instrutória.
15- Sendo que o Réu Fábio cortou a curva por dentro, fora de mão e à sua esquerda - quesito 7º da Base Instrutória.
16- Indo embater no Autor e na bicicleta por este conduzida - quesito 8º da Base Instrutória.
17- Em consequência do sinistro o Autor perdeu os sentidos ficando inanimado, à sua direita e encostado a berma da estrada, atento o seu sentido de marcha - quesito 9º da Base Instrutória.
18- O réu Fábio também ficou ferido - quesito 10º da Base Instrutória.
19- Tendo um colega que seguia com o autor chamado uma ambulância por um para cada um dos feridos - quesito 11º da Base Instrutória.
20- Entretanto, e antes da chegada das ambulâncias, o Réu Fábio foi embora sem dar qualquer explicação sobre a propriedade ou seguro do seu motociclo - quesito 11º da Base Instrutória.
21- Em resultado do sinistro a bicicleta do autor ficou danificada, cuja reparação orça em €1.752,00, a saber:
a) Quadro Mondraker - Podium Pro Carbon no valor de 791,67 €;
b) Pedaleira SLXno valor de 129,17 €;
c) Travão traseiro SLX no valor de 131 ,67 €
d) Par de pedais TI no valor de 123,33 €
e) Selim Selle Itália no valor de 58,33 €
f) Grade de bidão no valor de 12,50 €
g) Punhos no valor de 8,33 €
h) Mudança trás XT no valor de 0,60 €, a que acresce IVA, no montante de 291,99 € - quesito 12º da Base Instrutória.
22- O autor havia adquirido a bicicleta pelo preço de, pelo menos, €2.000,00 - quesito 13º da Base Instrutória.
23- Em consequência do estado em que ficou, o Autor encontra-se privado, até à data, de utilizar a bicicleta para lazer - quesito 14º da Base Instrutória.
24- As roupas (fato de treino) e sapatilhas que o Autor vestia na data do sinistro referido em 10, em consequência da queda sofrida, ao raspar no chão, ficaram inutilizadas - quesitos 17º e 18º da Base Instrutória.
25- Após o sinistro o autor foi transportado de ambulância e assistido no Centro Hospitalar do Alto Ave em Guimarães onde foi submetido a estudo radiológico e posteriormente transferido para o Centro Hospitalar do Alto Ave de Fafe onde ficou internado no Serviço de ortopedia - quesito 19º da Base Instrutória.
26- Onde foi submetido a tratamento conservador com imobilização gessada do membro inferior esquerdo (bota) e também submetido a tratamento conservador - quesito 20º da Base Instrutória.
27- Em 24/06/2009 teve alta no internamento e transitou a consulta externa de ortopedia no Hospital de Fafe - quesito 21º da Base Instrutória.
28- Com indicação para fazer tratamento fisiátrico o que também efectuou no Hospital de Fafe e teve alta definitiva em 27/10/2009 - quesito 22º da Base Instrutória.
29- Em consequência do embate o autor sofreu lesões, designadamente:
a) Traumatismo na face com fractura do malar esquerdo;
b) Traumatismo do punho esquerdo com fractura da apófise estiloide do cubito;
c) Traumatismo do torax com fractura do 3.0 arco costal esquerdo;
d) Traumatismo da bacia com fractura dos ramos ileo e isqueo púbicos à esquerda;
e) Traumatismo do tornozelo e pé esquerdos com fractura do maléolo tibial - quesito 23º da Base Instrutória.
30- O que lhe determinou uma incapacidade temporária geral total de 24 dias (do dia 07/06/2009 ao 30/06/2009) - quesito 24º da Base Instrutória.
31- Uma incapacidade temporária geral parcial de 119 dias (do dia 1/07/2009 ao 27/10/2009) - quesito 25º da Base Instrutória.
32- Uma incapacidade profissional de 143 dias (de 07/06 ao 27/10/2009) ¬ quesito 26º da Base Instrutória.
33- Com o quantum doloris fixável no grau 4 numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 - quesito 27º da Base Instrutória.
34- As lesões descritas em 29 deixaram sequelas no Autor, designadamente:
a) Do traumatismo da face, parestesias com hipotesia das paredes moles ao nível da região malar esquerda da região maso-geniana esquerda e lábio superior à esquerda;
b) Do traumatismo da bacia, dor persistente pós- fracturária dos ramos ileo-isqueo-púbicos esquerdos nomeadamente ao nível da sínfise púbica;
c) Do traumatismo do tornozelo e pé esquerdos, rigidez do tornozelo com défice na flexão plantar entre 00-300 e na extensão 00-150 - quesito 28º da Base Instrutória.
35- Em consequência, o Autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de sete pontos, compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares -quesito 29º da Base Instrutória.
36- O Autor exerce a actividade de técnico de montagem de ar condicionado, mediante a retribuição de 650,00€/mensais - quesito 30º da Base Instrutória.
37- Por via da sua actividade, tem de carregar objectos pesados, manter-se a trabalhar de pé e executar várias tarefas que dele exigem esforço físico e agilidade motora e manual, que lhe causam sacrifício - quesito 31º da Base Instrutória.
38- Na data do sinistro referido em 9 o Autor era saudável, robusto e trabalhador - quesito 32º da Base Instrutória.
39- Em resultado do sinistro o Autor padeceu dores e sofrimento físico e moral, mercê das lesões e tratamentos - quesito 33º da Base Instrutória
40- Em resultado do tratamento, internamento e sujeição a intervenção cirúrgica o Autor sentiu abalo psicológico, agravado pela privação da companhia da mulher e filhos e outros familiares e amigos e do seu aconchego familiar e da sua casa - quesito 34º da Base Instrutória.
41- Tem ainda dores, sobretudo com mudanças de tempo e as sequelas tenderão a agravar-se - quesito 35º da Base Instrutória.
42- Em resultado do sinistro advieram ao Autor despesas moderadoras e meios complementares de diagnóstico efectuados no Centro Hospitalar do Alto Ave, num total de 153,40 € - quesito 36º da Base Instrutória.
43- O local onde se deu o sinistro referido em 9 é um caminho com inclinação para quem segue, como o autor, em sentido descendente - quesito 40º da Base Instrutória.
44- O Autor era praticante de BTT e seguia com outros dois praticantes da modalidade - quesitos 41º a 43º da Base Instrutória.
***
B. Há que ter presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

Primeira Questão: Impugnação da matéria de facto.
Ao presente recurso é aplicável o regime consignado no novo Código de Processo Civil, face ao estatuído no artº 5º, nº1, da Lei Preambular do mesmo.
Nas conclusões, como se disse, é que se fixa o objecto do recurso, pelo que nelas devem ser indicados
Nesta matéria, rege agora o artº 640º que, no que ao ónus do recorrente interessa, é similar ao anterior artº 685º-B, mas com algumas alterações.
Assim, segundo o nº1 daquele, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Como se pode ler in “Recursos no Novo Código de Processo Civil” de Abrantes Geraldes, 2013, pag. 126, «em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação de recurso e síntese nas conclusões» e, no mesmo sentido, o acórdão, ali citado, do STJ de 23.02.2010 in dgsi.pt.
Do mesmo modo, «deixará sempre expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas» - pag. 127.
Acontece que, lidas as doutas conclusões, ali não se contêm os exactos pontos da sentença que se pretendem ver alterados, colhendo-se tão só considerações genéricas sobre alguma factualidade, sem enunciação do seu concreto ponto por referência à sentença sob recurso.
Portanto, pelos fundamentos enunciados, é de rejeitar a reapreciação da matéria de facto, mantendo-se a consignada pela primeira instância.
Relativamente à apreciação jurídica deverá considerar-se que começa o réu por se insurgir contra a decisão proferida sobre a excepção de prescrição, esta com fundamento em ter decorrido mais de três anos sobre o acidente, ao tempo em que foi citado.
No que agora releva, estabelece o artigo 323º do Código Civil:
1- A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2- Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
Estribando-se no teor do preceito e afirmando que só por negligência do autor em não averiguar a correcta identificação do apelante, é que a citação ocorreu para além daquele prazo, entende não ser aplicável o regime consignado no artº 323º, nº2, do Código Civil.
Dos autos resulta que a petição inicial deu entrada em Tribunal no dia 28.05.2012, tendo o autor identificado o réu como Flávio …, residente em…, 4615-805 Agilde.
A carta da citação do mesmo veio devolvida com a menção "endereço insuficiente".
A fls. 42 o autor apresentou requerimento onde pretende a rectificação da identidade do réu para Fábio …, residente na Travessa do Monte da Serra, … 4615-805 Agilde, local onde veio a ser citado a 14-06.2012.
O acidente ocorreu a 07 de Junho de 2009.
Reflectino o princípio que a prescrição se interrompe pela citação, o nº2 do falado artº 323º consagra também o de que a citação tardia não imputável ao autor não o deve prejudicar, para tanto se exigindo que a concorrência de três requisitos:
- que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção;
- que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;
- que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao Autor (cf. Acórdão do STJ de 14 de Janeiro de 2009, in www.dgsi.pt).
Nas palavras de inúmera jurisprudência publicada, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido efectivamente a lei, em qualquer estado do processo, até à verificação da citação.
Ou, dito de outro modo no aresto desta Relação datado de 26.04.2007 (itij), «O exame a fazer sobre a conduta da parte no sentido de se saber se há, ou não há, culpa do demandante na efectivação da citação que se quer regular e atempadamente feita, há-de resultar da ponderação sobre o procedimento que ele tomou no sentido da concretização deste acto judicial, impondo-se-lhe para tanto uma actuação zelosa, expedita, desembaraçada, apropriada e adequada à sua fácil e célere ultimação, isto é, que pratique dentro do prazo de cinco dias todos os actos processuais indispensáveis à produção da citação».
Portanto, havendo que aquilatar da concreta conduta do titular do direito, de avaliar o seu zelo face às circunstâncias apuradas, por forma a concluir estarmos perante uma conduta negligente a dispensar a tutela contemplada no artº 323º, nº2, do Código Civil, então urge chamar à colação o que se provou de relevante, a saber:
O acidente ocorreu a 07 de Junho de 2009.
Nessa data, o proprietário do veículo motociclo, de matrícula …-CI, não tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de viação transferida para companhia de seguro mediante contrato de seguro válido e titulado por respectiva apólice.
Encontra-se junto a fls. 74 e 75, documento denominado de "requerimento - declaração para registo de propriedade", relativo ao veículo/motociclo marca Kawasaki, modelo kdt 200, matrícula …-CI, a gasolina, de cor verde, onde figura como comprador o réu Fábio … e vendedor Bruno …, datado de 02.01.2008.
Em consequência do embate o autor perdeu os sentidos.
Antes da chegada das ambulâncias, o réu Fábio … foi embora sem dar qualquer explicação sobre a propriedade ou seguro do seu motociclo.
Ora, se conduta censurável se pode assacar é ao réu Fábio que pretende tirar proveito do instituto da prescrição, pois que se tivesse permanecido no local por forma a fornecer às entidades que prestaram socorro, ou às pessoas que com o autor circulavam, a sua completa e correcta identidade não haveria qualquer dificuldade na propositura da acção sem erro no nome, de resto não total; tanto mais que nem sequer tinha seguro válido, pelo que também por essa via se mostrava inviável a aquisição da verdadeira identidade do demandado.
Portanto, sendo o réu interveniente no acidente, ausentando-se sem fornecer a respectiva identificação e não constando qualquer seguro sobre o identificado veículo, não pode ser qualificada de negligente a conduta do autor que, tendo proposto a acção cinco dias antes de se completar o prazo de três anos, o identificou como Fábio, que é, errando nos respectivos apelidos.
Sempre seria, então, de considerar que a acção não tinha prescrito em face do que se consigna no sempre citado artº 323º, nº2, do Código Civil.
Acontece, todavia, que de acordo com o artº 498º, nº3, do mesmo diploma, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
Ora, resulta da factualidade provada que, em consequência do acidente o autor sofreu múltiplas lesões corporais graves, com perda de sentidos, inúmeros traumatismos, sequelas e incapacidades permanentes de relevo e, assim sendo, não pode haver dúvidas de que tais lesões têm claro enquadramento na previsão do crime de ofensas graves à integridade física por negligência plasmado no artº 148º, nº3, do Código Penal, o que significa que o prazo de prescrição é de 5 anos e não de 3 (cf. artº 118ºCP).
Daí que sempre a excepção da prescrição teria de ser julgada improcedente, como foi.
Quanto ao acidente, a procedência completa do recurso nesta parte pressuporia a reapreciação da prova em sentido favorável, que não ocorreu.
Mas, sempre se diga que a solução jurídica pugnada por via de aplicação do regime da responsabilidade pelo risco não conduziria a uma distribuição igualitária de contribuição de cada um dos veículos.
Sendo verdade que, de acordo com o artº 506º, nº1, do Código Civil, se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos, não se olvide que embora a lei presuma a distribuição igualitária da contribuição de cada veículo para a ocorrência do embate (nº2), deve, todavia, ter-se em conta a estrutura dos veículos envolvidos, nomeadamente o peso e dimensão para se determinar a contribuição de cada um.
Ora, é manifesto que a capacidade de uma moto em causar danos, pela sua natureza de veículo com motor, envergadura, peso e velocidade que atinge, é inquestionavelmente superior à de uma bicicleta e, por essa razão, também nunca o Tribunal poderia concluir por igual grau de contribuição de cada um destes intervenientes.
Por todo o exposto, as apelações têm de improceder.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar totalmente improcedentes ambas as apelações e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos réus.

Guimarães, 26.02.2015
Raquel Rego
António Sobrinho
Isabel Rocha