Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6912/06.0TBGMR.G2
Relator: ROSA TCHING
Descritores: CONTRATO DE CONCESSÃO
AUTO-ESTRADA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
CULPA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1º- O contrato de concessão celebrado entre o Estado e uma concessionária de auto-estradas, nos termos do DL nº. 294/97, de 24/10, é dotado de eficácia de protecção em relação a terceiros – os utentes da utilização das auto-estradas.

2º- Tendo o artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18/7, vindo resolver a questão de saber se o ónus da prova da culpa recai sobre o utente da auto-estrada ou sobre a respectiva concessionária, cuja solução constituía até à sua entrada em vigor, matéria de debate por parte da doutrina e da jurisprudência, é de considerar que aquela norma tem natureza interpretativa e, como tal, aplicável a acidente rodoviário ocorrido na vigência do DL nº 294/97, de 24/10, com as alterações introduzidas pelo DL nº 287/99, de 28/07.

3º- O incumprimento das obrigações constantes das bases anexas ao citado DL nº 294/97, correspondendo à violação de normas de protecção, constitui facto ilícito que, a originar danos, implica o dever da concessionária indemnizar o lesado.

4º- Recaindo sobre a concessionária o ónus do cumprimento de tais obrigações, de harmonia com o disposto no art. 12º, nº1 da citada Lei nº 24/2007, para provar a sua falta de culpa, tem a concessionária que provar a ocorrência de um acontecimento concreto que integre o conceito de força maior, segundo a definição que nos é dada pelo nº2 da Base XLVII, ou seja, de um “acontecimento imprevisto e irresistível cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Vasco F... intentou contra AENOR – Auto Estradas do Norte, S.A., a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 7.449,33, acrescida de juros de mora.
Alegou, para tanto e em síntese, que, no dia 18 de Dezembro de 2003, pelas 8h35, na Auto-Estrada 7, ao Km 17,800, Selho-Guimarães, conduzia o seu veículo automóvel de matrícula ...-RI e que, devido à existência de uma mancha de gasóleo ou óleo na via, não conseguiu controlar o veículo, o qual guinou para a direita, tendo de seguida capotado e ido embater no talude da auto-estrada, sofrendo danos cuja reparação importa em € 7.449,33.

A Ré contestou, impugnando parcialmente a matéria de facto alegada na Petição Inicial e imputando ao autor a culpa pela produção do acidente.
Requereu, ainda, a intervenção principal provocada da seguradora “ICI – Império Comércio & Indústria (Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A.)”, a qual foi admitida.

Citada, a chamada contestou, impugnando os factos alegados na Petição Inicial e excepcionando a prescrição do direito que o autor pretende fazer valer contra si dado que foi citada para os termos da acção mais de três anos após a data do acidente.

O Autor respondeu à contestação da Chamada, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição.

Foi proferida decisão que julgou procedente a excepção de prescrição e, em consequência, absolveu a Chamada do pedido.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que condenou a Ré a AENOR – Auto Estradas do Norte, S.A., no pagamento ao Autor, Vasco F..., da quantia de € 7.449,33, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, sobre o capital em dívida de € 7.449,33, à taxa de 4%.

Dessa decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual ordenou a repetição do julgamento da causa no que concerne ao artigo 7º, da base instrutória por ser deficiente o registo da gravação da prova testemunhal que serviu de base a sua resposta.

Após a produção dos meios probatórios em causa, foi proferida a decisão acerca da matéria de facto em causa.

A final, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a Ré AENOR – Auto Estradas do Norte, S.A., a pagar ao Autor Vasco F... a quantia de € 7.449,33 (sete mil quatrocentos e quarenta e nove euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento, sobre o capital em dívida, à taxa de 4%, sem prejuízo de posterior alteração legislativa.
As custas ficaram a cargo da Ré AENOR – Auto Estradas do Norte, S.A.

Não se conformando com esta decisão, dela apelou a ré, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“I. É possível concluir, atenta a divergência de ideias a este respeito das 3 testemunhas ouvidas, que o artigo 7º da douta b. i. não devia ter sido dado como provado ou então não devia ter sido dado como provado nos moldes em que o foi (a velocidade do veículo do A. não seria inferior a 90 Km/h);
II. Depois, a apelante também não concorda com as respostas de “provado” aos artigos 10º, 11º e 12º e bem assim com a resposta de “provado apenas” ao artigo 25º - B, todos da b. i.;
III. Relativamente aos artigos 10º, 11º e 12º (os dois últimos, estando, como bem se percebe, indissociavelmente ligados ao primeiro e dependendo necessariamente dele quanto à decisão/resposta da matéria de facto), é nítido que o Tribunal a quo, na douta sentença e antes na resposta à matéria de facto, valorizou só os depoimentos transcritos de Romeu e Alexandra e claramente desvalorizou aqueles de Alexandra (funcionário da R./apelante) e Cristiano (militar da GNR). Sem razão, contudo;
IV. Quanto à testemunha Romeu, entende a apelante que é, no mínimo, extremamente duvidoso que tenha estado no local ou visto o que quer que fosse, pois não consta dos autos como tendo sido transportado ao Hospital (ao contrário do que disse), o seu depoimento colide de forma insanável e inconciliável (não se tratando de meros pormenores secundários) com aquele de Alexandra, quer no local onde se encontrava o veículo desta, quer na identificação da via em que o veículo do A. rodava e alegadamente se encontrava a mancha de uma substância gordurosa, quer ainda por esta última testemunha ter afirmado que não viu o Romeu no local do acidente;
V. Já no que respeita à testemunha Alexandra, o seu depoimento é inconsistente e incoerente, mormente quanto à hipótese de ter estado no local naquele dia e hora, atendendo não só ao destino que disse ter (aliás, segundo a testemunha, destino habitual), à hora a que ocorreu o sinistro e à distância a que se encontrava desse seu destino e ainda ao facto de ter afinal (e inexplicavelmente) saído da auto-estrada em local que não servia minimamente o seu propósito de chegar ao dito destino (cidade da Maia), numa altura em que estaria “duplamente” atrasada (pela hora e bem assim pelo acidente que diz ter presenciado);
VI. Acresce que o depoimento de ambos é claramente contrariado pelos documentos juntos aos autos pela brigada de trânsito e pelos Bombeiros de Riba d`Ave quanto à possibilidade de terem presenciado um ou mais acidentes na auto-estrada antes deste relatado nestes autos;
VII. Por isso, as divergências e incoerências registadas em ambos os referidos depoimentos e que melhor se assinalam no corpo destas alegações não são, como diz a douta sentença, meros pormenores secundários (sem importância), mas antes, isso sim, são totalmente incompreensíveis para quem – como estas testemunhas referem – tenha estado no local do acidente e/ou a ele assistido;
VIII. Já quanto aos depoimentos de Alexandra e de Cristiano, importa dizer, ao contrário da douta sentença, que não é exacto que estes se tenham unicamente apoiado nos documentos juntos aos autos (respectivamente os de fls. 46 e a participação de acidente de viação), como facilmente se conclui dos depoimentos transcritos;
IX. Além disso, esses documentos, como foi explicado, retratam, “para memória futura”, o que se passou e sobretudo o que foi (ou não foi) verificado no local do sinistro e suas imediações tanto pelos funcionários da apelante, como pelo agente da autoridade policial que se deslocaram ao local do sinistro;
X. Deste modo, e salvo o devido respeito, entende a apelante que errou a douta sentença (e antes a resposta à matéria de facto) ao responder afirmativamente aos artigos 10º, 11º e 12º da douta b. i., quando, na realidade, devia ter respondido de forma negativa (não provado) relativamente a todos estes itens da b. i.;
XI. Depois, também é claro do depoimento transcrito do Engº Luís L... e bem assim da Base LV do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho que todo o artigo 25º - B da b. i. - e não apenas parte, como sucedeu - devia ter sido considerado como provado, i. e., que o Manual a que ali se faz referência mereceu a aprovação do concedente (Estado Português) através das entidades competentes;
Segue-se que,
XII. A douta sentença está inteiramente certa quando refere que os sinistros ocorridos em auto-estrada devem ser enquadrados e analisados à luz da responsabilidade extracontratual;
XIII. Contudo, no que concerne à solução de Direito adoptada (Lei nº 24/2007, de 18 de Julho), temos que falece a razão à douta sentença do Tribunal a quo, desde logo porque inaplicável ao sinistro sub judice que, aliás, ocorreu em data bem anterior ao seu início de vigência (cfr. artigo 12º do Cód. Civil e acs. RG de 23 de Setembro de 2010 e RP de 29 de Janeiro de 2008, in www.dgsi.pt, procurado pelos descritores “acidente de viação and auto-estrada”);
XIV. De resto, nada naquela Lei nos diz que é interpretativa de uma Lei anterior, diversamente do que sustenta a douta decisão, devendo designadamente presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e exprimiu o seu pensamento adequadamente (vide Cód. Civil, artigo 9º nº 3 e também o já citado ac. RG de 23 de Setembro de 2010);
XV. Aliás, estamos antes em presença, não de uma Lei, mas de uma disposição contratual do contrato de concessão que, de forma incontroversa (veja-se o artigo 2º do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho e a Base LXXIII, encimada esta última pelo capítulo XVI – “Responsabilidade Extracontratual perante terceiros”), afasta a aplicação de qualquer outra solução jurídica a acidentes ocorridos nesta auto-estrada que não seja a responsabilidade extracontratual;
XVI. Por isso, e com muito mais propriedade, estamos antes diante de uma lei inovadora (que supre uma lacuna), exclusiva deste tipo de sinistros em auto-estrada, que não pode ter aplicação retroactiva e que, também por essa razão, afasta a solução assumida pela douta sentença de aplicar a Lei referida ao sinistro dos autos;
XVII. Nessa medida, e de harmonia, de resto, com o disposto na Base LXXIII citada, o sinistro dos autos só poderia ter sido enquadrado no âmbito da responsabilidade extracontratual, sendo certo que nesse caso, e como é evidente, impor-se-ia a absolvição da apelante;
XVIII. Efectivamente, vale neste caso tanto o princípio basilar da responsabilidade civil extracontratual (Cód. Civil, artigo 483º nº 1), como o disposto nos nºs. 1 e 2 do artigo 487º do Cód. Civil, sendo que a aplicação deste último artigo (e concretamente do seu nº 1) não está de modo algum excluída;
XIX. Aliás, apesar do ónus da prova que agora impende sobre as concessionárias de auto-estradas, esta Lei nº 24/2007, de 18 de Julho tem a grande virtude de clarificar de uma vez por todas que os acidentes de viação em auto-estrada encontram (como já sucedia antes) na responsabilidade extracontratual o seu terreno de eleição (tal como sucede com os acidentes ocorridos noutras vias), o que, de resto, também se conclui do confronto do nº 2 do artigo 12º daquela Lei com o nº 1 do mesmo preceito legal (se a autoridade policial não confirmar no local as causas do acidente, já não funciona a presunção, já imperará, sem ressalvas, o regime “normal” da responsabilidade extracontratual previsto na citada Base LXXIII);
XX. De modo que, enquadrando-se (como tem de ser, face designadamente ao que consta da Base LXXIII) este sinistro no âmbito da responsabilidade delitual, incumbia ao apelado provar a culpa da concessionária neste sinistro – e este não o fez –, sob pena de esta última dever ser absolvida (como devia, aliás, ter acontecido);
Não obstante,
XXI. Mas a referida Lei (e a inversão do ónus da prova nela prevista) também não pode ser aplicável a estes autos, na medida em que a autoridade policial não confirmou no local do acidente – e essa confirmação era obrigatória - que este se tenha ficado a dever a gasóleo existente na via (vide, mais uma vez, o douto ac. RG de 23 de Setembro de 2010);
XXII. De facto, da prova a ter em conta para este efeito, pode concluir-se facilmente que essa confirmação/verificação de que terá sido – diz o A. – gasóleo existente na via que motivou o despiste do veículo não foi feita porque pura e simplesmente não havia qualquer gasóleo na via (assim decorre claramente da participação de acidente de viação, especialmente em “vestígios no local”, mas também do depoimento transcrito do agente da autoridade, secundado, aliás, pelo depoimento do funcionário da R./apelante, Alexandra);
XXIII. Por isso, e à falta da confirmação obrigatória exigida pelo nº 2 do artigo 12º da citada Lei das alegadas causas do acidente e exigida também – “Para efeitos do número anterior (…)” – para permitir a inversão do ónus da prova prevista no nº 1 do mesmo normativo legal, resulta evidente que a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, e concretamente aquele seu artigo 12º nº 1 não tem aplicação possível ao sinistro sub judice;
XXIV. Restava assim ao A. alegar e provar os factos constitutivos do seu alegado direito e bem assim alegar e provar todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual, mormente a culpa da R./apelante, o que claramente não sucedeu;
Sem prescindir,
XXV. Ainda que se entenda – o que se faz apenas para efeito deste raciocínio – que a Lei referida é interpretativa e que, portanto, se aplica retroactivamente nesta hipótese, nem assim, e salvo o devido respeito, andou bem a douta sentença;
XXVI. Na verdade, não se deve esquecer que a presunção (a entender-se, claro está, que se trata de uma presunção – opinião que não se partilha) contida no artigo 12º nº 1 daquela Lei é isso mesmo, ou seja, uma presunção que de forma alguma é absoluta, pelo que pode ser afastada por uma prova meramente indiciária, pela chamada “prova de primeira aparência”;
XXVII. Acresce que a formulação do artigo 12º nº 1 da citada Lei faz apenas recair sobre as concessionárias, entre as quais, a apelante, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, não estando, p. e., previsto naquela Lei (e em concreto naquele artigo 12º) que as concessionárias só afastam a sua responsabilidade se provarem um caso de força maior (o nº 3 daquele artigo, lido em conjunto com o nº 2 encarrega-se de dissipar quaisquer dúvidas);
XXVIII. Ora, numa situação como a narrada pelo A. nestes autos (e partindo do princípio, apenas para este raciocínio, que o sinistro ocorreu como alegou), entende a apelante que se impõe (impunha) a sua absolvição se demonstrasse – e fê-lo, claramente - que cumpriu a sua obrigação de patrulhar a via dentro de um critério de razoabilidade, i. e., que passou no local do sinistro dentro do intervalo máximo fixado e aprovado pelo concedente (as tais 3 horas), que, naturalmente nada detectou, e ainda que não tinha conhecimento da alegada mancha de óleo/gasóleo na via antes da eclosão do acidente, o que, como evidente se torna, está directamente relacionado com a sua obrigação de sinalizar e/ou de limpar a referida mancha;
XXIX. Aliás, note-se a visível contradição em que incorreu a própria douta sentença, já que apesar de ter sido dado como provado a matéria que consta dos artigos 20º a 28º da b. i., matéria essa que, segundo o entendimento defendido na douta sentença, seria suficiente (necessário, nas suas palavras) para elidir a dita presunção, nem assim chegou à conclusão que a R. devia ser absolvida;
Ainda sem prescindir,
XXX. Ao contrário do que sustenta a douta sentença, e considerando, para este raciocínio, que existia na auto-estrada uma mancha de óleo/gasóleo que terá motivado o despiste, é absolutamente claro que a eventual culpa da R./apelante devia ser, senão totalmente excluída, pelo menos muito substancialmente reduzida;
XXXI. De facto, a douta sentença ignorou, mesmo com a matéria que considerou como provada (em especial o artigo 6º da b. i.), a culpa efectiva do A. na produção do sinistro dos autos;
XXXII. Na verdade, é manifesto que o veículo do A., por este conduzido, transitava em manifesta infracção ao disposto no artigo 14º do C. E. então em vigor, sendo certo que nada foi alegado (e muito menos provado) que, de alguma maneira, desculpasse essa sua infracção (p. e. que a via da direita estava ocupada e ou impedida por qualquer razão) – aliás, mesmo considerando a versão da testemunha Alexandra, nem assim o A. retomou, após a ultrapassagem que a testemunha diz ter acontecido, a via da direita, atento o sentido em que rodava, como era sua obrigação;
XXXIII. Por isso, a única conclusão que se pode tirar é que o veículo do A., por este conduzido, circulava naquela via central por decisão e vontade do seu condutor, mas sem qualquer justificação para tal, assim violando o disposto no artigo 14º do C. E. em vigor à data do sinistro;
XXXIV. De todo o exposto decorre que a douta sentença violou, salvo o devido respeito, o artigo 12º nºs. 1 e 2 da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, os artigos 342º, 483º, 487º e 570º, todos do Cód. Civil, o artigo 14º do C. E. e ainda a Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, razões pelas quais deve ser revogada e substituída por outra douta decisão que absolva a apelante do pedido formulado pelo A.”

A final, pede seja revogada a sentença recorrida e a sua substituição por outra que reaprecie e decida a prova sobre os artigos 7º, 10º, 11º, 12º e 25º - B da b. i. nos moldes defendidos e que julgue totalmente improcedente a presente acção e absolva a apelante do pedido.

O autor não contra-alegou.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes:
1- A Ré é concessionária da exploração da Auto-Estrada 7 – Cfr., a alínea A) dos Factos Assentes.
2- No dia 18 de Dezembro de 2003, pelas 8h35m, na Auto-Estrada 7, ao Km 17,800, o Autor tripulava o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Opel, modelo Vectra, com a matrícula ...-RI – Cfr., resposta ao quesito 1.º da Base Instrutória.
3- No local, a auto-estrada tem três filas de trânsito – Cfr., resposta ao quesito 2.º da Base Instrutória.
4- Era de dia – Cfr., resposta ao quesito 3.º da Base Instrutória.
5- A Ré cobrava, nessa data, taxa de portagem – Cfr., resposta ao quesito 4.º da Base Instrutória.
6- O Autor circulava no sentido Guimarães-Famalicão – Cfr., resposta ao quesito 5.º da Base Instrutória.
7- Na faixa do meio – Cfr., resposta ao quesito 6.º da Base Instrutória.
8- À velocidade de cerca 80 Km /h – Cfr., resposta ao quesito 7.º da Base Instrutória.
9- Ao descrever uma curva para a sua direita, não conseguiu controlar o veículo – Cfr., resposta ao quesito 8.º da Base Instrutória.
10- Porque este guinou para a direita – Cfr., resposta ao quesito 9.º da Base Instrutória.
11- Por, no local onde o Autor perdeu o controlo do veículo, existir uma mancha de gasóleo – Cfr., resposta ao quesito 10.º da Base Instrutória.
12- A Ré não procedeu à limpeza dessa mancha – Cfr., resposta ao quesito 11.º da Base Instrutória.
13- Nem à sua sinalização – Cfr., resposta ao quesito 12.º da Base Instrutória.
14- Em seguida, o veículo capotou – Cfr., resposta ao quesito 14.º da Base Instrutória.
15- E embateu no talude da auto-estrada – Cfr., resposta ao quesito 15.º da Base Instrutória.
16- Após o que deslizou nos rails – Cfr., resposta ao quesito 16.º da Base Instrutória.
17- Tendo-se imobilizado ma faixa direita da auto-estrada, junto à berma – Cfr., resposta ao quesito 17.º da Base Instrutória.
18- Na ocasião, chovia – Cfr., resposta ao quesito 18.º da Base Instrutória.
19- O pavimento estava molhado – Cfr., resposta ao quesito 19.º da Base Instrutória.
20- Naquele dia, os funcionários da Ré efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão desta – Cfr., resposta ao quesito 20.º da Base Instrutória.
21- Passaram por diversas vezes no local – Cfr., resposta ao quesito 21.º da Base Instrutória.
22- E não detectaram qualquer substância caída no pavimento – Cfr., resposta ao quesito 22.º da Base Instrutória.
23- Tais patrulhamentos são efectuados durante as 24 horas de cada dia – Cfr., resposta ao quesito 23.º da Base Instrutória.
24- E em todos os dias de cada ano – Cfr., resposta ao quesito 24.º da Base Instrutória.
25- Os patrulhamentos da Ré passaram no local cerca de duas horas antes do despiste do veículo conduzido pelo Autor – Cfr., resposta ao quesito 25.º, da Base Instrutória.
26- A Ré obrigou-se, de harmonia com o previsto no contrato de concessão, a elaborar um Manual de Operação e Manutenção – Cfr., a resposta ao quesito 25.º-A, da Base Instrutória.
27- A Ré elaborou o Manual referido, denominado “Manual de Circulação e Segurança” – Cfr., resposta ao quesito 25.º-B, da Base Instrutória.
28- Consta do referido Manual que a concessionária, aqui Ré, se obrigou a efectuar passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de três horas – Cfr., resposta ao quesito 25.º-C, da Base Instrutória.
29- A Brigada de Trânsito da G.N.R. em serviço não detectou, nos seus patrulhamentos à A.E., a presença de qualquer substância no pavimento no local onde ocorreu o despiste – Cfr., resposta ao quesito 26.º da Base Instrutória.
30- Sendo habitual, quando assim sucede, que alerte a central de comunicações da Ré para que sejam tomadas providências – Cfr., resposta ao quesito 27.º da Base Instrutória.
31- O que não aconteceu nesta ocasião – Cfr., resposta ao quesito 28.º da Base Instrutória.
32- A viatura ficou danificada – Cfr., resposta ao quesito 29.º da Base Instrutória.
33- A sua reparação importa no montante de € 7.449,33 – Cfr., resposta ao quesito 30.º da Base Instrutória.
34- É necessário reparar ou substituir um capot, no valor de € 321,09 – Cfr., resposta ao quesito 31.º da Base Instrutória.
35- Um guarda-lamas esquerdo, no valor de € 137,44 – Cfr., resposta ao quesito 32.º da Base Instrutória.
36- Um guarda-lamas direito, no valor de € 137,44 – Cfr., resposta ao quesito 33.º da Base Instrutória.
37- Um espelho eléctrico esquerdo, no valor de € 161,34 – Cfr., resposta ao quesito
34.º da Base Instrutória.
38- Os faróis direito e esquerdo, no valor de € 129,78 cada – Cfr., resposta ao quesito 35.º da Base Instrutória.
39- Uma grelha, no valor de € 48,54 – Cfr., resposta ao quesito 36.º da Base Instrutória.
40- Um pára-choques da frente, no valor de € 316,93 – Cfr., resposta ao quesito 37.º da Base Instrutória.
41- Um pára-brisas, no valor de € 139,84 – Cfr., resposta ao quesito 38.º da Base Instrutória.
42- Um vidro porta frente esquerdo, no valor de € 97,80 – Cfr., resposta ao quesito 39.º da Base Instrutória.
43- Um tejadilho, no valor de € 679,67 – Cfr., resposta ao quesito 40.º da Base Instrutória.
44- Dois faróis de nevoeiro, no valor de € 70,13 – Cfr., resposta ao quesito 41.º da
Base Instrutória.
45- É necessário trabalho de chapeiro, no valor de € 1.130,00 – Cfr., resposta ao quesito 42.º da Base Instrutória.
46- Pintura, no valor de € 1.200,00 – Cfr., resposta ao quesito 43.º da Base Instrutória.
47- Jantes, no valor de € 150,00 – Cfr., resposta ao quesito 44.º da Base Instrutória.
48- Electricista, no valor de € 125,00 – Cfr., resposta ao quesito 45.º da Base Instrutória.
49- Montagem mecânica, no valor de € 170,00 – Cfr., resposta ao quesito 46.º da Base Instrutória.
50- Braço de suspensão, no valor de € 343,85 – Cfr., resposta ao quesito 47.º da Base Instrutória.
51- Caixa de rales, no valor de € 9,00 – Cfr., resposta ao quesito 48.º da Base Instrutória.
52- Rales, no valor de € 96,50 – Cfr., resposta ao quesito 49.º da Base Instrutória.
53- Chuventos, no valor de € 42,00 – Cfr., resposta ao quesito 50.º da Base Instrutória.
54- Cola de vidro, no valor de € 40,00 – Cfr., resposta ao quesito 51.º da Base Instrutória.
55- Reparar radiador, no valor de € 136,27 – Cfr., resposta ao quesito 52.º da Base Instrutória.
56- Diversos e lâmpadas, no valor de € 15,00 – Cfr., resposta ao quesito 53.º da Base Instrutória.


FUNDAMENTAÇÃO:

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.

Assim, as únicas questões a decidir traduzem-se em saber se:

1ª- há lugar à alteração da decisão sobre a matéria de facto;

2ª- sobre a ré impende a obrigação de indemnizar o autor.

I - Relativamente à primeira das supra enunciadas questões, sustenta a ré/apelante que foram incorrectamente julgados os factos perguntados nos artigos 7º, 10º, 11º, 12º e 25º-B da base instrutória.

No caso sub judice houve gravação dos depoimentos prestados em audiência, a recorrente indicou os pontos de facto impugnados bem como os depoimentos das testemunhas em que se funda e procederam à transcrição destes mesmos depoimentos.
Por isso, nos termos do art. 712º, n.º1 do C. P. Civil e do art. 690-A do mesmo diploma legal, é possível a alteração da matéria de facto.
Por outro lado e no que respeita aos artigos 10º, 11º, 12º e 25º-B, cumpre referir que, tendo esta factualidade sido objecto de impugnação na primeira apelação interposta para este Tribunal, só se conhece dela, porquanto no acórdão proferido no âmbito daquela primeira apelação dela não se conheceu.

Perguntava-se nos seguintes artigos da base instrutória:

7º- “ À velocidade de 80 Km/h?”

10º- “ Por, no local onde o Autor perdeu o controlo do veículo, existir uma mancha de gasóleo ou óleo com a extensão de, pelo menos, quatro metros?”

11º- “A Ré não procedeu à limpeza dessa mancha?”

12º- “ Nem à sua sinalização ?”

25º-B- “ A Ré elaborou o Manual referido em 24º-A e denominado “Manual de Circulação e Segurança”, tendo esse Manual merecido a aprovação da entidade competente para o efeito ?”

Conforme se vê dos despachos de fls. 294 a 298 e de fls. 452 a 454 , os artigos 11º e 12º mereceram respostas afirmativas e os artigos 7º , 10º e 25º-B obtiveram as seguintes respostas restritivas:

7º- Provado apenas que circulava “ à velocidade de cerca de 80 Kms/h ”

10º- Provado apenas que “ por, no local onde o Autor perdeu o controlo do veículo, existir uma mancha de gasóleo”

25º-B- Provado apenas que “ a Ré elaboro o Manual referido, denominado “Manual e Circulação e Segurança”

E o Exmº Juiz a quo fundamentou as respostas dadas aos artigos 10º, 11º, 12º e 25º-B do seguinte modo:
“No que concerne à matéria dos quesitos 1.º a 19.º, a convicção do Tribunal assentou, essencialmente, nos depoimentos das testemunhas Anselmo, Inês, Romeu e Alexandra, que tiveram percepção directa da dinâmica do acidente, descrevendo com pormenor o seu desenrolar e os acontecimentos que imediatamente o antecederam.
As três primeiras testemunhas seguiam no interior do veículo do Autor – sendo certo que, quer a informação de fls. 278 v., quer a de fls. 284 confirmam que as duas primeiras ficaram feridas em resultado do mesmo. A quarta testemunha seguia noutro veículo e tinha acabado de ser ultrapassada pelo Autor, assistindo ao acidente de uma posição privilegiada.
Os relatos de todas as testemunhas são coerentes no essência, divergindo apenas quanto a pequenos pormenores secundários, o que é perfeitamente natural, tendo em consideração que se trata de um acidente que ocorreu há mais de cinco anos.
É nesta perspectiva que devem ser relevadas as divergências quanto a saber em que faixa seguia o Autor: as duas primeiras testemunhas afirmam, embora sem grande segurança, que o Autor seguia na faixa da direita; a terceira hesita entre a faixa da direita e a do meio; a quarta afirma, com maior segurança, que o Autor tinha retomado a faixa do meio, após uma manobra de ultrapassagem.
Também deve ser relevada a divergência de pormenor quanto a saber se a terceira testemunha acompanhou ou não a quarta, quando esta foi ao seu carro buscar o triângulo de sinalização: é natural alguma confusão após um acontecimento com a violência do descrito nos autos, sendo certo que a quarta testemunha sublinha que a sua principal preocupação foi assistir as pessoas que estavam feridas – é sintomático, a este propósito, que não se recorde dos danos sofridos pelo veículo, uma vez que a sua atenção estava concentrada em assistir as pessoas.
Quanto à existência de uma mancha de gasóleo na estrada, esta é afirmada pela terceira e pela quarta testemunhas, que afirma ter detectado a mesma instantes antes da ocorrência do acidente. Também aqui se compreende que as duas primeiras testemunhas nada tivessem visto, uma vez que seguiam no banco de trás.
Por outro lado, a circunstância de ambas as testemunhas terem avistado a mancha de gasóleo antes mesmo do acidente, não permite afirmar que a mesma não era visível para o Autor – razão pela qual se respondeu negativamente ao quesito 13.º.
As testemunhas Carlos – funcionário da Ré – e Cristiano – agente policial que elaborou a participação de fls. 277 a 278 também estiveram presentes no local, após o acidente, e negam a presença da referida mancha de gasóleo.
Contudo, a testemunha Alexandra baseia a sua razão de ciência na circunstância de tal mancha não vir mencionada no documento de fls. 46, já que dos factos tem uma memória muito vaga – diz que se lembra “mais ou menos” de “algumas coisas”, mas toda a reconstituição que faz dos acontecimentos baseia-se na análise do referido documento – elaborado pelos serviços da Ré –, com o qual foi confrontado no decurso da audiência de discussão e julgamento.
A testemunha Cristiano também não se lembra de nada, ou quase nada, relativamente aos factos, baseando a afirmação de que não existia qualquer substância viscosa na estrada na circunstância de o auto apenas mencionar vidros e plásticos como “vestígios no local”.
Ora, em primeiro lugar, afigura-se duvidoso que tal menção, aposta no auto, seja rigorosa: as demais testemunhas referem que, após o acidente, ficou bastante terra na estrada, devido à circunstância de o veículo ter embatido num talude que a marginava; o documento de fls. 46 refere que, às 11h11 foi dado início à lavagem da estrada “em virtude de haver muita terra nas vias”; ora, este “vestígio” não é assinalado no auto – e, escusado será dizer, a testemunha não se recorda da sua existência…
Por outro lado, a própria interpretação do que os agentes autuantes entendem como “vestígios no local” afigura-se algo “flutuante”.
Confrontem-se, para tal, os autos de fls. 277 a 283, relativos a acidentes ocorridos no mesmo dia: o de fls. 277 a 278 assinala como vestígios, “vidros e plásticos”; no de fls. 279 a 280, a posição do próprio veículo é indicada como –único – “vestígio”; no auto de fls. 281 a 282, já o próprio veículo não é considerado “vestígio”, dado que se assinala serem os mesmos “inexistentes”.
Acresce a circunstância de, em todos, se referir, com detalhe, os danos sofridos nas estruturas da via que, pelos vistos, não são considerados “vestígios”; e de nada se dizer quanto às diligências que foram efectuadas para apurar da existência de outros vestígios, mesmo quando referidos pelos sinistrados – caso do “lençol de água” referido pela condutora no auto de fls. 281 a 283 de cuja leitura se fica sem saber se alguma diligência foi efectuada com vista a apurar da sua existência.
Os depoimentos das testemunhas Carlos, António e Luís, funcionários da Ré, permitiram a resposta aos quesitos 20.º a 28.º, matéria que conhecem em virtude do exercício das suas funções. Ressalva-se, apenas, a parte final do quesito 25.º-B, que não se provou por não ter sido junto qualquer documento que comprove o acto de aprovação do “Manual” pela entidade competente.
Quanto à matéria dos quesitos 29.º a 53.º, a mesma resulta provada em face do relato das testemunha Anselmo e Romeu, conjugados com a análise dos documentos juntos a fls. 19 a 23, os quais consistem em fotografias do veículos após o acidente e orçamento de reparação que se afigura conforme com a natureza e extensão dos danos sofridos.”

E a resposta dada ao artigo 7º, nos seguintes termos:
“ A convicção do tribunal baseou-se nos depoimentos das testemunhas Anselmo e Inês, que seguiam no interior do veículo conduzido pelo Autor no momento em que ocorreu o acidente, tendo por isso percepção directa do mesmo, bem como da condução que era efectuada pelo Autor.
A primeira testemunha seguia no banco traseiro, atrás do condutor, e refere que o Autor seguiria a uma velocidade que se situa entre os 80 e 90 km/h, fundando a sua resposta na sua experiência de condução automóvel e na percepção do movimento do veículo em que seguia. –
A testemunha Inês, refere não conseguir precisar se o veículo seguia à velocidade de 70, 80, 90 ou 100 km/h, mas refere que o mesmo seguia devagar.
Ambas as testemunhas referem que, nesse dia, se deslocavam para uma reunião que teria lugar às 11 horas e que não tinham pressa de chegar, pois que iam para a mesma com bastante antecedência.
Tais depoimentos são coerentes com o mais que se apurou quanto à dinâmica do acidente e com os danos apresentados pelo veículo, tendo em consideração que o mesmo embateu no rail de protecção e no talude existente no lado direito da estrada.
Por outro lado, as testemunhas depuseram de forma objectiva e segura revelando imunidade para formar convicção do Tribunal.”

Vê-se, destes despachos, que o Mmº Juiz “a quo” explicou de forma racional e lógica as razões pelas quais deu as supra referidas respostas, indicando a razão de ciência de cada uma das mencionadas testemunhas, bem como as razões pelas quais os depoimentos das testemunhas arroladas pelo autor – Anselmo, Inês, Romeu e Alexandra – mereceram maior credibilidade do que os depoimentos das testemunhas oferecidas pela ré/apelante – Carlos e Cristiano.
E, em nosso entender, a prova produzida em audiência de julgamento ( e por nós revisitada através da respectiva audição e confrontada com as transcrições feitas) legitima a convicção formada pelo Tribunal a quo sobre tal matéria.
Por isso, resta-nos apenas rebater os argumentos avançados pela ré/apelante para colocar em crise tal convicção.
Sustenta esta que, com base nos depoimentos das testemunhas Anselmo, Romeu e Inês, ao artigo 7º da base instrutória deve ser dada a seguinte resposta: “ Provado apenas que o A. circulava a uma velocidade não inferior a 90 Kms/hora”.
Mas, em nosso entender, carece de razão.
Senão vejamos.
Os factos perguntados no citado artigo 7º correspondem aos alegados pelo autor no artigo 4º da petição inicial, sendo certo que, nos artigo 10º e 11º da sua contestação, a ré limitou-se a impugnar tal factualidade, sem ter alegado circular o autor a velocidade superior à indicada.
Ora, conforme resulta do disposto no art. 264º, n.º1 do C. P. Civil, é às partes que cabe a formação da matéria de facto em causa, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais, isto é, dos que integram a causa de pedir, fundando o pedido, e daqueles em que se baseiam as excepções peremptórias .
Por outro lado, estabelece expressamente a 2ª parte do citado art. 664º, que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes.
Mas se assim é, então, é bom de ver estar vedado a este Tribunal a possibilidade de alterar a resposta dada ao referido artigo 7º da base instrutória no sentido proposto pois que a mesma, na medida em que inclui factos que não foram alegados por nenhuma das partes, ultrapassa o âmbito do quesito e viola o citado art. 264º, n.º1.
Julgamos, contudo, assistir alguma razão à ré/apelante ao defender que a resposta dada ao referido artigo não se mostra totalmente conforme à prova produzida.
É que, se é verdade que a testemunha Inês afirmou que o autor seguia devagar, também não é menos verdade ter a testemunha Romeu afirmado que o autor conduzia o seu veículo automóvel à velocidade de 90-100 Kms/h e ter a testemunha Anselmo referido ser essa velocidade da ordem dos 80-90 Kms/h, pelo que ficamos com a convicção de que o A. circulava a uma velocidade não inferior a 80 Kms/hora.
Daí impor-se a alteração da resposta dada ao artigo 7º da base instrutória, a qual passa a ter a seguinte redacção: Provado que o A. circulava a velocidade não inferior a 80 Kms/h.

Mas sustenta ainda a ré/apelante que, atento o depoimento da testemunha Engº Luís L..., a resposta ao artigo 25º - B da b. i. devia ser totalmente afirmativa, considerando-se também como provado, que o Manual a que ali se faz referência mereceu a aprovação do concedente (Estado Português) através das entidades competentes, tanto mais resultar do disposto na Base LV do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de Julho, que tal aprovação pode ser tácita.
Cremos, porém, não assistir-lhe razão, posto que a simples confirmação desse facto pela testemunha Luís L..., por si só, não constitui prova bastante de que o dito “Manual” foi objecto de aprovação, expressa ou tácita, pela entidade competente.
Finalmente, defende a ré/apelante que as respostas aos artigos 10º, 11º e 12º da base instrutória devem ser negativas, nada justificando que o Tribunal a quo tivesse atribuído maior credibilidade aos depoimentos das testemunhas Romeu e Alexandra em detrimento dos depoimentos das testemunhas Alexandra e Cristiano.
Isto porque é duvidoso que o Romeu tenha estado no local, quer porque não consta dos autos como tendo sido transportado ao Hospital, quer porque a Alexandra afirmou não tê-lo visto no local do acidente, sendo certo que os depoimentos destas duas testemunhas revelaram-se contraditórios no que concerne ao local onde se encontrava o veículo da Alexandra e à identificação da faixa por onde o veículo do A. rodava e onde se encontrava a mancha de uma substância gordurosa.
Porque é igualmente duvidoso que a Alexandra tenha estado no local do acidente, pois que, sendo o seu destino a chagada à cidade da Maia pelas 8h 50m, mal se compreende que, àquela hora ( 8h35m), ainda circulasse naquele local da auto-estrada e que depois tivesse saído da auto-estrada na portagem de Riba D’Ave, já que este local não servia aquele destino.
Porque o depoimento destas duas testemunhas é contrariado pelos documentos juntos aos autos pela brigada de trânsito e pelos Bombeiros de Riba d`Ave quanto à possibilidade de terem presenciado um ou mais acidentes na auto-estrada antes deste relatado nestes autos.
E porque não é exacto que os depoimentos de Alexandra e de Cristiano se tenham apoiado unicamente no documento junto a fls. 46 dos autos e na participação de acidente de viação junta a fls. 17 a 18.

Que dizer?

Não se desconhece, tal como é entendimento unânime da doutrina, que a prova testemunhal é particularmente falível e precária.
Com efeito, a prova testemunhal está sujeita a dois grandes perigos: a infidelidade da percepção e da memória da testemunha e o da parcialidade.
Estes mesmos perigos assumem particular evidência no caso dos autos, visto estar em causa um acidente de viação.
Isto porque é consabido que, mesmo em relação às testemunhas presenciais, cada pessoa vê o acidente a seu modo, surgindo, por isso, versões diferentes da mesma realidade.
E porque há sempre que contar com o risco da parcialidade das testemunhas, que as levam, muitas vezes, a “ ver” e a descrever o acidente pela forma mais favorável à parte que as indicou.
Acresce, como salienta Antunes Varelas e outros , que “o tempo exerce uma acção poderosa de erosão das vivências de cada facto na memória da generalidade das pessoas: quem presencia um acidente de viação tem, no momento, a imagem viva do facto, que em grande parte perdeu quando, passados muitos meses e às vezes até anos, é chamado depor em juízo”.
Aliás, é neste contexto que, tal como o Mmº Juiz a quo, julgamos não ser de atribuir especial relevo às divergências detectadas entre os depoimentos das testemunhas Anselmo, Inês, Romeu e Alexandra, pois é perfeitamente aceitável que, decorridos cinco anos desde a data do acidente até à sua inquirição em sede de audiência de discussão e julgamento, as mesmas já não se consigam lembrar, com precisão, de alguns factos.
Por isso e em nosso entender tais divergências não devem abalar, como não abalaram, a credibilidade dos respectivos depoimentos.
E muito menos justificam que se atribua maior credibilidade aos depoimentos das testemunhas Carlos e Cristiano, os quais, pelas fragilidades que apresentam e pela sua pouca consistência, não são susceptíveis de abalarem a credibilidade daquelas primeiras testemunhas.
Acresce que, estando em causa a maior ou menor credibilidade a dar a um ou a outro grupo de testemunhas, impunha-se ao juiz julgador levar a cabo o interrogatório destas testemunhas com particular cuidado bem como o dever de se rodear de especiais cuidados na avaliação dos respectivos depoimentos.
E a verdade é que, conforme se constatou da revisitação da prova produzida na audiência de julgamento, não temos dúvidas de que o Mmº Juiz a quo, não só cumpriu de forma exemplar tal tarefa, como também formou a sua convicção de forma irrepreensível, malgrado o grau de dificuldade na apreciação da prova produzida motivado, quer pelas várias contradições e imprecisões da prova testemunhal produzida, quer pelas incongruências e lacunas reveladas na participação do acidente e respectivo croquis elaborados pelo soldado da GNR, Cristiano Andrade Pereira, juntos a fls. 17 e 18 dos autos e no relatório de turno junto a fls. 46.
Com efeito, procedendo à análise crítica dos apontados meios de prova, tal como o impõe o art. 653º, n.º2 do C. P. Civil, impõe-se-nos também dizer que nenhum valor probatório pode ser atribuído à participação do acidente e respectivo croqui, constantes de fls. 17 a 18, porquanto, ao contrário do que consta do relatório de fls. 46º, o mesmo, no que respeita aos “vestígios” encontrados no local, não contém qualquer referência à existência de terra ( dado que temos por certo), pelo que, também por isso, não pode constituir um indicador seguro da inexistência, no local, de vestígios de mancha de gasóleo.
Daí que, pelo mesmo motivo, faleça também o argumento avançado pela testemunha Cristiano no sentido de que se não fez constar esse vestígio foi porque não havia sinais da sua existência.
Do mesmo modo, julgamos que do facto de se fazer referência, na dita participação, à existência de três feridos, incluindo o condutor, não se pode concluir que a testemunha Romeu não seguia, na altura, no carro conduzido pelo autor, tanto mais que a testemunha Alexandra confirmou serem cinco os ocupantes deste veículo.
Acresce que, não obstante constar do relatório junto a fls. 46 que “inspeccionaram as vias e não detectaram qualquer indício da presença de gordura no pavimento” e as testemunhas Cristiano e Carlos terem negado a existência de mancha gasóleo no pavimento, a verdade é que consta deste mesmo relatório que o autor, aquando do acidente, apontou a existência de óleo no pavimento como causa do seu despiste, tendo este facto sido confirmado pelos depoimentos das testemunhas Romeu e Alexandra.
Assim, perante a constatada existência de contradições e incertezas, quer entre os meios de prova oferecidos pelo autor, quer entre os meios de prova apresentados pela ré, julgamos que, no que concerne às causas do embate, são os depoimentos das testemunhas Anselmo, Inês, Romeu e Alexandra, que devem merecer, como mereceram, a credibilidade do Tribunal, pelo que fica-nos também a convicção (certeza meramente subjectiva) de que o autor perdeu o controlo do veículo por, no local, existir uma mancha de gasóleo.
E se é certo não podermos garantir com cem por cento de certeza (objectiva) que as coisas se passaram deste modo, também não é menos certo, como escreve Vaz Serra , que as provas não têm forçosamente que criar no espírito do julgador uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida.
Ou, como diz Antunes Varela e outros , a prova não visa a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da probabilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente), mas apenas a criação da certeza relativa do facto, fundada no grau de probabilidade de verificação do facto.
Por tudo isto e tendo ainda em atenção que o Mmº Juiz a quo teve oportunidade de apreciar os depoimentos de todas as referidas testemunhas, com recurso aos instrumentos que lhe foram proporcionados pelos princípios da imediação e da oralidade e que nos presentes autos inexiste qualquer elemento objectivo que permita pôr em causa a convicção por ele adquirida, entendemos, não haver fundamento para este Tribunal alterar as respostas aos artigos 10º, 11º, 12º e 25º-B da base instrutória em causa, impondo-se, tão só, a alteração da resposta dada ao artigo 7º da base instrutória, a qual passa a ser a seguinte:

7º- Provado que o A. circulava à velocidade de, pelo menos, 80 Kms/h.

Procedem, pois, apenas parcialmente e nos termos referidos as I a X conclusões da ré/apelante.

II- E assente que, após as alterações supra efectuada, a factualidade a ter em conta para efeitos de decisão de mérito, é a supra descrita sob os nºs 1º a 8º. ( com a seguinte redacção “ o A. circulava a velocidade não inferior a 80 Kms/h”) e 9º a 56, importa, agora, averiguar se a matéria de facto provada permite concluir que sobre a Ré, AEOR- Auto-Estradas do Norte, S.A. impende a obrigação de indemnizar o autor.

A este respeito, diremos, desde logo, que a natureza e regime da responsabilidade das concessionárias de auto-estradas perante os seus utentes tem gerado grande controvérsia na doutrina e jurisprudência nacionais.
Sobre este tema, firmaram-se três teses:
- Uma delas, estribada na doutrina defendida por Meneses Cordeiro e Carneiro da Frada e defendida, entre outros, nos Acórdãos do STJ de 12.11.1996, de 20.05.2003 e 14.10.2004 , segundo a qual, a responsabilidade da concessionária cai no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, cabendo, por isso, ao lesado a prova da culpa do autor da lesão.
- Outra que, na esteira dos ensinamentos de Sinde Monteiro e Cardona Ferreira, defende ser tal responsabilidade contratual, assente na relação contratual estabelecida entre a concessionária e o utente da auto-estrada ( ou seja, na obrigação de proporcionar ao utente uma circulação cómoda e segura) e que, por isso, faz impender sobre a concessionária a presunção de culpa do art. 799º, nº1 do C. Civil. Neste sentido, vide, entre muitos outros, os Acs do STJ de 22.06.2004, de 02.11.2010 e de 08.02.2011 .
- Uma outra, defendida no Acórdão do STJ de 1.10.2009 , que considera que a responsabilidade da concessionária assenta no facto de ter à sua guarda coisa imóvel, sobre ela recaindo a presunção de culpa estabelecida no art.493º, n1 do C. Civil e, consequentemente o ónus de provar que agiu sem culpa.
Contrariamente ao entendimento defendido pela ré/apelante e seguido na sentença recorrida, sufragamos a tese da responsabilidade contratual.
Isto porque, mediante o pagamento da taxa de portagem, a concessionária não só permite ao utente a utilização da auto-estrada, como se obriga a assegurar tal utilização com comodidade e segurança, o que consubstancia a celebração de um verdadeiro contrato ainda que as relações entre ambos não envolvam uma declaração de vontade expressa.
E porque, ao aceitar proceder ao pagamento da “taxa-portagem, está o utente a apresentar à Brisa-concessionária uma proposta tácita em aceder à auto-estrada e, em contrapartida do pagamento dessa taxa, a concessionária está a aceitar tal proposta e está, também, tacitamente, a permitir a utilização da auto-estrada por parte do utente.
Trata-se, no dizer do Prof. Antunes Varela , de “um contrato inominado em que o utente tem como prestação o pagamento de uma taxa e a concessionária a contraprestação de permitir que o utente “utilize” a auto-estrada, com comodidade e segurança, sendo certo que o conteúdo da prestação da concessionária (…) deriva de um dos princípios fundamentais em que assenta toda a disciplina legislativa dos contratos: «o princípio da confiança» assente no stare pactos, segundo o qual cada contraente deve responder pelas expectativas que justificadamente cria, com a sua declaração, no espírito da contraparte”.
E desta relação contratual estabelecida entre a concessionária e o utente da auto-estrada resulta, desde logo, para ambos a obrigação de cumprimento integral e pontual do contrato celebrado, tal como o exige o disposto no art.406ºdo C. Civil.
Assim, a concessionária cumprirá com pontualidade a sua prestação se proporcionar ao utente uma circulação cómoda e segura desde o início do contrato – entrada na auto-estrada- até ao seu termo – saída da auto-estrada, assistindo, por isso, ao utente o direito de exigir da concessionária o cumprimento deste dever.
Se não cumprir esta obrigação de segurança e comodidade haverá incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato por parte da concessionária, cabendo ao utente o direito de exigir da Brisa indemnização pelos prejuízos causados, nos termos do art.798º do C. Civil.
Cremos, contudo, que, com a publicação da Lei nº 24/2007, de 18/7, a resolução do presente litígio, deixou de depender da adesão por uma ou por outra das teses supra enunciadas, radicando, antes, na questão de saber se o art. 12º, nº1 desta mesma lei tem aplicação ao caso vertente por se tratar de norma de natureza interpretativa.
E bem se compreende a pertinência desta questão bem como a polémica gerada, de novo, em seu redor posto que, atento o disposto no art. 12º nº1 do C. Civil, bem como a data do acidente ( 18 de Dezembro de 2003), o regime legal aplicável, seria o constante do DL nº 294/97, de 24/10, com as alterações introduzidas pelo DL nº 287/99, de 28/07.
Só assim não acontecerá se atribuirmos àquela norma natureza interpretativa, caso em que, de harmonia com o disposto no art. 13º do C. Civil, será de considerar integrada na lei interpretada, retroagindo a sua aplicação à data interpretada, sendo, por isso, objecto de aplicação imediata ao caso dos autos.
Vejamos, então, se o citado artigo 12º, tem aplicação ao caso dos autos.
Estabelece este artigo que:
“1. Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
[…]
3. São excluídos do número anterior os casos de força maior, que directamente afectem as actividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:
a) Condições climatéricas manifestamente excepcionais designadamente graves inundações, ciclones ou sismos;
b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;
c)Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra”.
Resulta, assim, claro do disposto neste artigo que, em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, causado por objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, pelo atravessamento de animais e pela existência de líquidos na via, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária.
Por sua vez, é consabido que a doutrina faz depender a qualificação de uma lei como sendo interpretativa da existência cumulativa de dois elementos:
a) Regular a lei nova uma questão de direito cuja solução, no domínio da lei anterior, era controvertida ou incerta perante a doutrina e a jurisprudência;
b) Consagrar a lei nova uma solução que a jurisprudência pudesse tirar do texto da lei anterior, sem intervenção do legislador .
Mas, sendo assim e chamando à colação tudo o que acima se deixou dito sobre as divergências doutrinais e jurisprudenciais geradas em torno da natureza jurídica da responsabilidade civil das concessionárias e, consequentemente, sobre quem incide o ónus da prova da culpa, evidente se torna que a citada lei veio resolver uma questão controversa, cuja solução constituía até à sua entrada em vigor, matéria de debate por parte da doutrina e da jurisprudência.
Daí entender-se estarem reunidos os dois requisitos para que citada norma possa ser considerada interpretativa e, por conseguinte, objecto de aplicação imediata, tal como aliás, vem sendo entendido pela jurisprudência mais recente do STJ , ainda que o sentido da interpretação dela decorrente continue a alimentar divergências no seio da jurisprudência .
Assente, que o art. 12º, nº1, al. c) da Lei 24/2007 tem aplicação ao caso dos autos, importa, agora, averiguar se a ré concessionária ilidiu a presunção de culpa nele estabelecida, ou melhor dizendo, se a existência da mancha de gasóleo na via e que provocou a perda do controlo do veículo por parte do autor, pode ser imputada à ré por violação das regras de segurança decorrentes do DL nº 294/97 .
A este respeito, escreve-se no preâmbulo deste decreto-lei que “ O carácter contratual da concessão não é prejudicado pela integração no presente diploma das bases anexas, cuja necessidade resulta da circunstância de algumas dessas bases apresentarem eficácia externa relativamente às partes no contrato”.
Significa isto, no dizer do Acórdão do STJ, de 22-6-2004 , que “ embora o contrato de concessão tenha como Partes integrantes o Estado Concedente e a (…) Concessionária, não pode esquecer-se o carácter normativo de algumas das Bases da Concessão; essas Bases não são simples cláusulas contratuais que obriguem, apenas, os Contratantes. Quis o Legislador que tais Bases tivessem eficácia externa relativamente às partes no contrato. E por isso as integrou em Dec.-Lei de que fazem parte integrante (art. 1º)”.
Entre outras, integram-se neste capítulo a Base XXXIII, cujo nº. 1 determina que “ A concessionária deverá manter as auto-estradas que constituem o objecto da concessão em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando, nas devidas oportunidades os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam, em obediência a padrões de qualidade que melhor atendam os direitos do utente”.
A Base XXXVI, nos termos da qual “A concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas …” ( nº2), bem como a “implementar os mecanismos necessários para garantir a monitirização do tráfego, a detecção de acidentes e consequente e sistemática informação de alerta do utente” ( nº3).
E a Base XXXVII, cujo nº1 impõe à concessionária a obrigação de assegurar a assistência aos utentes, “nela se incluindo a vigilância das condições de circulação”.
Mas se assim é, então, há que ter como certo, por um lado, que o contrato de concessão celebrado entre o Estado e uma concessionária, nos termos do DL nº. 294/97, de 24/10, é dotado de eficácia de protecção em relação a terceiros – os utentes da utilização das auto-estradas.
E, por outro lado, que o incumprimento das obrigações dele decorrentes, correspondendo à violação de normas de protecção, constitui facto ilícito.
Assim, para a resolução do caso em apreço importa, agora, apenas indagar se a conduta da ré é culposa e se existe o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo, já que dúvidas não se levantam quanto à concorrência de prejuízos sofridos pelo autor ( cfr. factos provados e supra descritos sob os nºs. 32º a 56º).
Nesta matéria apurou-se que:
- No dia 18 de Dezembro de 2003, pelas 8h35m, o autor circulava na Auto-estrada 7, pela faixa do meio, no seu sentido Guimarães- Famalicão, conduzindo o veículo ligeiro de passageiros de marca Opel, modelo Vectra, matricula ...-RI, a velocidade não inferior a 80 km/h.
- Ao descrever uma curva para a sua direita e devido a existência de uma mancha de gasóleo na via, o Autor perdeu o controlo do veículo, o qual guinou para a direita, capotou e embateu no talude da auto-estrada, após o que deslizou nos rails, tendo-se imobilizado ma faixa direita da auto-estrada, junto à berma.
- A Ré não procedeu à limpeza dessa mancha, nem à sua sinalização.
- Na ocasião, chovia e o pavimento estava molhado.
- Naquele dia, os funcionários da Ré efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão desta, passaram por diversas vezes no local, designadamente cerca de duas horas antes do despiste do veículo do autor, e não detectaram qualquer substância no pavimento.
Ora, provada que ficou a existência de uma mancha de gasóleo na via, que não foi limpa pelos funcionários da ré, antes de o A. circular por esse local, inquestionável se torna concluir que a ré não só não cumpriu as citadas normas de protecção e segurança, como as violou, praticando, por isso, facto ilícito.
E, a nosso ver, tal actuação, para além de ilícita, é também culposa.
É que é do conhecimento de todos nós que a existência de gasóleo na via dificulta ou impede a aderência dos pneumáticos ao piso com o consequente risco de acidente, constituindo, por isso, um obstáculo a uma circulação segura e cómoda e, consequentemente, um factor gerador de perigo para os utentes da auto-estrada.
Acresce que, de harmonia com o disposto no nº. 2 da citada Base XXXVI, só o “caso de força maior devidamente verificado” exonera a concessionária da sua obrigação de garantir a circulação nas auto-estradas em condições de segurança, pelo que, para afastar a presunção de culpa estabelecida no mencionado art.12º,nº. 1, al. c) do C. Civil, não bastará à concessionária mostrar que foi diligente ( que se esforçou por cumprir, que usou daquelas cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso empregaria um bom pai de família) ou que não foi negligente ( que não se absteve de tais cautelas e zelo, que não omitiu os esforços exigíveis, ou seja, aqueles que também omitiria uma pessoa normalmente diligente), sendo, antes, de exigir-lhe a prova do facto concreto que constitua força maior.
Assim, para provar a sua falta de culpa no incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, terá a concessionária de provar a ocorrência de um acontecimento concreto que integre o conceito de força maior, segundo a definição que nos é dada pelo nº2 da Base XLVII, ou seja, de um “acontecimento imprevisto e irresistível cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária”, posto que conforme se defende no citado Acórdão do STJ de 22.06.2004, a circunstância de tal definição ter sido dada para os efeitos estabelecidos no nº1 da referida base, não inviabiliza a sua adopção nas relações estabelecidas entre a concessionária e os utentes.
Significa isto, no caso dos autos, que quer a circunstância de, naquele dia, os funcionários da Ré terem efectuado diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão, passando, por diversas vezes, no local, designadamente cerca de duas horas antes do local, e não terem detectado qualquer substância caída no pavimento, quer o facto de a brigada de Trânsito da G.N.R. em serviço não ter detectado, nos seus patrulhamentos à A.E., a presença de qualquer substância no pavimento no local onde ocorreu o despiste, em nada relevam para efeitos de exoneração da ré-concessionária da sua obrigação de garantir a circulação em condições de segurança e, consequentemente, para efeitos de exclusão da sua culpa, pelo que impõe-se concluir que a ré/apelante não ilidiu a presunção a presunção de culpa que sobre si recai nos termos do disposto no art. 12º, nº1. al. c) da Lei nº 24/2007.
E nem se vê, contrariamente ao que defende a ré, que a eventual violação por parte do autor do disposto no art. 14º, nº1 do C. da Estrada , possa excluir ou reduzir a culpa da ré, pois que a mesma, não foi causal do acidente, sendo, por isso, irrelevante.
Deste modo, provado que está que a conduta da ré concessionária foi causa dos danos sofridos pelo autor e resultando também demonstrado o nexo de causalidade entre a actuação da ré e tais danos, dúvidas não restam impender sobre a ré/apelante a obrigação de indemnizar o autor pelos prejuízos causados.
Daí nenhuma censura mercê a sentença recorrida que, por isso, será de manter.

Improcedem todas as demais conclusões da ré/apelante.


DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente no que respeita à alteração da resposta ao artigo 7º da base instrutória, nos termos sobreditos.
Quanto ao mais julga-se improcedente a apelação e, consequentemente, mantém-se, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas a cargo da ré/apelante.

Guimarães, 28 de Junho de 2011