Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
470/15.2T8VNF.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1 - Não se consideram retribuição as importâncias devidas a título de subsídio de refeição, salvo quando, essas importâncias, na parte em que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
2 – Cabe ao A., em ação que tenha na sua base a qualificação daquela prestação como retribuição, alegar e provar os pressupostos fáticos capazes de convencer que o subsídio de refeição tem carater retributivo.
3 – Não alegados e provados tais pressupostos, pode o respetivo valor ser pago através de cartão “Euroticket à la card”.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

B., residente na Rua …, autora na ação comum em epígrafe, que move contra C., S.A., não se conformando com a sentença proferida nos autos, que julgou a presente ação totalmente improcedente por não provada e absolveu a ré do pedido, vem dela interpor Recurso.
Pede que a sentença seja revogada e condenada a ré na totalidade do pedido.
Fundamenta e após conclui como segue:
1.ª - O Tribunal de primeira instância pronunciou-se sobre a questão seguinte: da ilicitude da decisão unilateral da ré de pagar à autora o subsídio de refeição através do cartão eletrónico da marca “Euroticket à la card” e, se assim se entender, quais as consequências de tal ilicitude.

2.ª - Por sentença proferida pelo Tribunal a quo, foi julgada a ação proposta pela recorrente totalmente improcedente, por não provada, e absolvida a recorrida do pedido.

3.ª - A recorrente impugna a decisão do Tribunal a quo relativa à matéria de facto, por incompleta, na medida em que não contemplou factos que deveriam ter sido dados como provados, em resultado da posição assumida pelas partes nos articulados, pelo que deve ser aditada à matéria de facto provada a seguinte:
R) O subsídio de refeição pago em dinheiro superior a € 4,27 está sujeito a tributação fiscal (IRS), como rendimento do trabalho dependente, e a contribuição social (Taxa Social Única), no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem.
S) E é considerado na base de cálculo das prestações a receber pela autora a título de subsídio de baixa por doença, subsídio de desemprego, pensão de reforma por velhice ou invalidez, reparação de acidente de trabalho ou doença profissional, e outras prestações sociais próprias dos trabalhadores assalariados.

4.ª - A recorrente aceita a demais matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, designadamente:
B) A autora foi admitida ao serviço da ré em 5/11/1973 […].
E) O subsídio de alimentação, desde o início da relação entre as partes, sempre foi pago à autora pela ré em dinheiro, mês a mês, incluído no salário mensal e discriminado na folha de vencimentos mensais.
F) Em finais de Março/princípios de Abril de 2014, a ré decidiu unilateralmente e informou verbalmente a autora de que, a partir do mês de Abril de 2014 inclusive, o pagamento em numerário do subsídio de alimentação devido mensalmente seria substituído por um crédito em montante equivalente num cartão eletrónico, que passaria a ser fornecido para o efeito e carregado em cada mês com o valor correspondente ao subsídio de refeição.
G) O mencionado cartão, da marca “Euroticket à la card”, seria titulado em nome da autora e da ré, emitido pelo “Banco…, S.A.” em parceria com a “E…” e só poderia ser utilizado pela autora no pagamento de despesas em restaurantes, supermercados e outras lojas de produtos alimentares que aceitassem esse cartão.
H) A autora manifestou imediatamente, de modo verbal, a sua discordância da decisão da ré.
I) Instada pela ré, várias vezes, a conformar-se com o dito pagamento do subsídio de alimentação por cartão, a autora manteve a recusa, afirmando que não aceitava aquela alteração e queria continuar a receber em numerário. […]
L) A ré procedeu ao pagamento do vencimento do mês de Abril de 2014, na data de 29/04/2014, oferecendo o valor do subsídio de alimentação devido (€ 114,40, correspondentes a 22 dias de serviço completo à razão de € 5,20 cada um) através de um crédito em montante equivalente carregado no referido cartão.
M) A autora reiterou a recusa de aceitação desse cartão e a ré, por sua vez, redarguiu que ou a autora recebia o subsídio através do cartão ou não o recebia, pelo que a autora efetivamente não recebeu o montante devido a título de subsídio de alimentação. […]
P) A autora manteve a não aceitação do cartão eletrónico como pagamento do subsídio de alimentação e a ré descontou nos recibos de vencimentos da autora o valor mensal dos subsídios de alimentação e recusou pagar-lhe em numerário.
Q) A autora recusou aceitar em mão o aludido “Cartão Refeição” em substituição do pagamento em dinheiro do subsídio de alimentação, pelo que ainda não recebeu os montantes que lhe são devidos a título de subsídio de alimentação dos meses de Abril a Dezembro de 2014.

5.ª - O presente recurso visa também matéria de direito, nos termos do art. 639.º, n.º 2, do CPC.

6.ª - A retribuição é um elemento essencial do contrato de trabalho, como consta da noção legal deste – art. 11.º do CT.

7.ª - O art. 127.º, n.º 1, al. b), do CT impõe como dever da recorrida o pagamento pontual da retribuição da recorrente.

8.ª - O art. 129.º, n.º 1, al. d), do CT proíbe à recorrida diminuir a retribuição da recorrente.

9.ª - Do conceito de retribuição fazem parte o vencimento base e o subsídio de alimentação, porque prestação regular e periódica paga diretamente em dinheiro, em contrapartida do trabalho da recorrente – art. 258.º do CT.

10.ª - Segundo os arts. 258.º e ss. e 276.º e ss. do CT, a recorrida não pode substituir prestações remuneratórias em dinheiro por prestações doutra forma, sem o acordo da recorrente.

11.ª - O mesmo resulta do disposto no art. 406.º, n.º 1, do Cód. Civil: o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes.

12.ª - A recorrente não consentiu em que fosse substituída ou compensada a verba pecuniária do subsídio de alimentação por prestações doutro tipo, que não o pagamento na totalidade em numerário e como sempre acontecera desde o início da relação contratual entre as partes.

13.ª - A recorrida quer impor um modo de pagamento do subsídio de alimentação que não permite à recorrente dispor livremente do que é seu por direito, legal e contratual.

14.ª - O cartão “Euroticket à la card” não é de utilização universal, só pode ser empregado nos estabelecimentos comerciais aderentes e que tenham o código de atividade fiscal do ramo alimentar, e não pode ser usado para proceder ao levantamento do seu saldo em numerário ou sua transferência bancária, numa caixa automática “ATM”.

15.ª - A recorrente ficará prejudicada com a decisão unilateral da recorrida, pois, em face das novas regras introduzidas pelo Orçamento de Estado de 2014, enquanto o subsídio de refeição pago em dinheiro superior a € 4,27 está sujeito a tributação fiscal (IRS), como rendimento do trabalho dependente, e a contribuição social (Taxa Social Única), no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, o subsídio de refeição pago através de cartão eletrónico e cujo montante diário não exceda € 6,83 fica isento de IRS e contribuições obrigatórias para a Segurança Social (TSU) – respetivamente, art. 2.º, n.º 3, al. b), 2), do Código do IRS, e art. 46.º, n.º 2, al. l), e n.º 3, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.

16.ª - Donde, a recorrente verá reduzidas as prestações a receber a título de subsídio de baixa por doença, subsídio de desemprego, pensão de reforma por velhice ou invalidez, reparação de acidente de trabalho ou doença profissional, e outras prestações sociais serão correspondentemente reduzidas, pois todas elas têm como base de cálculo as folhas de remunerações entregues na Segurança Social e sujeitas a descontos legais.

17.ª - As duas conclusões antecedentes reforçam que o subsídio de alimentação pago pela recorrida à recorrente, no valor diário de € 5,20, tem a natureza jurídica de retribuição.

18.ª - Tanto é retribuição que, se a recorrente não prestar serviço num dia em que deveria comparecer no local de trabalho, perde o direito à quantia correspondente de subsídio de refeição.

19.ª - A alteração da forma de pagamento do subsídio de refeição em dinheiro para pagamento através de “cartão eletrónico de refeição” depende de acordo entre empregador e trabalhador, pelo que, sem tal acordo (in casu, por decisão unilateral da recorrida, contra a vontade expressa da recorrente), a alteração é ilícita.

20.ª - A decisão recorrida violou, além de outras que V. Exas. observarão, as normas legais e não fez a interpretação e a aplicação corretas dos arts. 11.º, 127.º, n.º 1, al. b), 129.º, n.º 1, al. d), 258.º, 276.º, n.º 1, todos do Cód. do Trabalho, nem dos arts. 406.º, n.º 1, e 804.º e ss., do Cód. Civil.

21.ª - Desde Abril de 2014, a recorrida constituiu-se devedora à recorrente das quantias a título de subsídio de alimentação, ainda não pagas.

22.ª - A recorrida deve ser condenada a pagar à recorrente a quantia devida a título de subsídio de refeição, em numerário.

23.ª - Essa quantia deve ser acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal estipulada no art. 559.º, n.º 1, do Cód. Civ., e na Portaria n.º 291/03, de 8-4 (4% ao ano, até nova atualização), atentas as disposições legais que regulam a mora do devedor (arts. 804.º e ss. do Cód. Civ.), uma vez que se trata de obrigações com prazo certo, vencidas, líquidas e exigíveis em cada uma das datas indicadas no petitório.

24.ª - Outrossim, deve ser a recorrida condenada a pagar à recorrente os sobreditos subsídios de alimentação em numerário, desde Abril de 2014 inclusive, com isenção de IRS e de descontos para a Segurança Social até ao montante de € 4,27 por dia, e sobre o excedente até € 5,20, ou seja, sobre € 0,93, condenada a processar os respetivos IRS e descontos sociais obrigatórios, lançando-os nos recibos de vencimentos da recorrente e nas folhas de remunerações, e entregando-os na Segurança Social.

25.ª - E bem assim deve ser a recorrida condenada a pagar à recorrente todos os subsídios de alimentação que se vencerem, em numerário e nos demais termos acima peticionados.

26.ª - A recorrente tem ainda o direito de exigir a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 do art. 829.º-A do Cód. Civ., com vista a forçar o cumprimento por parte da recorrida das aludidas obrigações, que liquida em € 5,00 por cada dia de atraso no cumprimento.

C., S.A., com sede na Rua…, Recorrida nos autos supra identificados, tendo sido notificada da interposição de recurso de apelação, veio apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, nas quais conclui pela manutenção da sentença.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido de improcedência da apelação.

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Exaramos, de seguida, um breve resumo dos autos, para melhor compreensão.
B. propõe contra C., S.A., ação comum emergente de contrato individual de trabalho.
Alega, em síntese, que mantém contrato de trabalho com a R. e que esta lhe paga, entre outras, um subsídio de refeição. O subsídio de alimentação a que se alude, desde o início da relação laboral entre as partes, sempre foi pago à A. pela Ré em dinheiro, mês a mês, incluído no salário mensal e discriminado na folha de vencimentos mensais. Em finais de Março/princípios de Abril de 2014, a Ré decidiu unilateralmente e informou verbalmente a A. de que, a partir do mês de Abril de 2014 inclusive, o pagamento em numerário do subsídio de alimentação devido mensalmente seria substituído por um crédito em montante equivalente num cartão eletrónico, que passaria a ser fornecido para o efeito e carregado em cada mês com o valor correspondente ao subsídio de refeição, atribuição de que discorda, o que manifestou à R.. A A. manteve a não aceitação do cartão eletrónico como pagamento do subsídio de alimentação; a Ré descontou nos recibos de vencimentos da A. o valor mensal dos subsídios de alimentação e recusou pagar-lhe em numerário. A A. recusou aceitar em mão o aludido “Cartão Refeição” em substituição do pagamento em dinheiro do subsídio de alimentação, pelo que ainda não recebeu os montantes que lhe são devidos a título de subsídio de alimentação dos meses de Abril a Dezembro de 2014.
Pede:
a) Deve ser declarada, por douta sentença, ilegal a decisão unilateral da Ré de alterar o modo de pagamento do subsídio de alimentação devido à A., contra a vontade expressa desta, de numerário para cartão, vale ou “ticket” de refeição, designadamente, para crédito no saldo de um cartão eletrónico da marca “Euroticket à la card”.
b) Deve ser declarada, por douta sentença, válida e procedente a oposição manifestada pela A. à decisão unilateral da Ré de alteração do modo de pagamento do subsídio de alimentação, de numerário para qualquer tipo de cartão, vale ou “ticket” de refeição, designadamente, através de crédito no saldo de um cartão eletrónico da marca “Euroticket à la card”.
c) Deve ser a Ré condenada a reconhecer que a A. tem o direito de receber o subsídio de alimentação que lhe é devido em numerário.
d) Deve ser a Ré condenada a pagar à A. os subsídios de alimentação vencidos dos meses de Abril a Dezembro de 2014, na soma de € 899,60, em numerário.
e) Deve ser a Ré condenada em juros de mora legais, até efetivo e integral pagamento à A., sobre a quantia peticionada na alínea anterior, sendo os já vencidos, à data da entrada em juízo desta p.i., no montante de € 14,28.
f) Deve ser a Ré condenada a pagar à A. os sobreditos subsídios de alimentação em numerário, desde Abril de 2014 inclusive, com isenção de IRS e de descontos para a Segurança Social até ao montante de € 4,27 por dia, e sobre o excedente até € 5,20, ou seja, sobre € 0,93, condenada a processar os respetivos IRS e descontos sociais obrigatórios, lançando-os nos recibos de vencimentos da A. e nas folhas de declaração de remunerações, e entregando-os na Segurança Social.
g) Deve ser a Ré condenada a pagar à A. todos os subsídios de alimentação que se vencerem após Janeiro de 2015, inclusive, em numerário e nos demais termos acima peticionados nas alíneas e) e f).
h) Deve ser a Ré condenada a pagar à A. a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 do art. 829.º-A do Cód. Civ., com vista a forçar o cumprimento por parte da Ré das obrigações acima peticionadas em que for condenada, no valor de € 5,00 por cada dia de atraso no cumprimento.
A R. contestou e concluiu pela improcedência.
Alega, em resumo, que o regime legal associado ao pagamento da retribuição não se aplica ao subsídio de refeição, visto este não ter natureza retributiva e que o pagamento em forma de cartão não traduz uma alteração da forma de pagamento.
Foi proferido despacho saneador em que se julgou a presente ação totalmente improcedente por não provada e, consequentemente, absolveu a ré do pedido.

***

QUESTÕES:

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – A sentença não contemplou factos que deveriam ter sido dados como provados?
2ª - O subsídio de alimentação pago pela recorrida à recorrente, no valor diário de € 5,20, tem a natureza jurídica de retribuição, pelo que não pode ser alterada a respetiva forma de pagamento?

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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Pretende a Recrte. que a sentença não contemplou factos que deveriam ter sido dados como provados, pugnando pela respetiva inclusão no acervo fático.
Entre a matéria cuja inclusão se pretende, está a seguinte:
R) O subsídio de refeição pago em dinheiro superior a € 4,27 está sujeito a tributação fiscal (IRS), como rendimento do trabalho dependente, e a contribuição social (Taxa Social Única), no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem.
S) E é considerado na base de cálculo das prestações a receber pela autora a título de subsídio de baixa por doença, subsídio de desemprego, pensão de reforma por velhice ou invalidez, reparação de acidente de trabalho ou doença profissional, e outras prestações sociais próprias dos trabalhadores assalariados.
Compreende-se, no contexto da decisão, a pretensão da Recrte.
Contudo, a matéria em causa traduz conclusões a retirar da apreciação da lei em presença, seja ela a lei fiscal ou para fiscal, seja a lei aplicável aos acidentes de trabalho e doenças profissionais ou, bem assim, a lei da segurança social.
Nessa medida, porque se trata de decorrências legais a ponderar em cada concreta circunstância, não carece de integrar a fundamentação de facto.
Termos em que improcede a questão em apreciação.

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FACTOS:
Estão provados os seguintes factos:
A) A ré dedica-se ao fabrico de instrumentos, equipamentos e outro material ótico não oftálmico.
B) A autora foi admitida ao serviço da ré em 5/11/1973, por acordo estabelecido entre ambas, verbalmente, no exercício das funções de montagem de peças em série, podendo proceder a ajustamentos, no fabrico dos objetos referidos em A), tendo a ré classificado a autora com a categoria e escalão profissionais de “Montadora de Peças em Série de 1.ª”.
C) A autora desempenha as aludidas tarefas durante oito horas por dia e quarenta horas semanais, distribuídas pela ré de segunda-feira a sexta-feira, com folga aos sábados e domingos.
D) Na sede e fábrica da ré, na rua da …, do concelho de …, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, mediante uma retribuição mensal de base no valor de € 649,00 (seiscentos e quarenta e nove euros), acrescida de um subsídio de alimentação no montante de € 5,20 (cinco euros e vinte cêntimos) por cada dia completo de serviço efetivo e de um prémio de assiduidade na quantia de € 10,00 (dez euros) por mês.
E) O subsídio de alimentação, desde o início da relação entre as partes, sempre foi pago à autora pela ré em dinheiro, mês a mês, incluído no salário mensal e discriminado na folha de vencimentos mensais.
F) Em finais de Março/princípios de Abril de 2014, a ré decidiu unilateralmente e informou verbalmente a autora de que, a partir do mês de Abril de 2014 inclusive, o pagamento em numerário do subsídio de alimentação devido mensalmente seria substituído por um crédito em montante equivalente num cartão eletrónico, que passaria a ser fornecido para o efeito e carregado em cada mês com o valor correspondente ao subsídio de refeição.
G) O mencionado cartão, da marca “Euroticket à la card”, seria titulado em nome da autora e da ré, emitido pelo “Banco…, S.A.” em parceria com a “E…” e só poderia ser utilizado pela autora no pagamento de despesas em restaurantes, supermercados e outras lojas de produtos alimentares que aceitassem esse cartão.
H) A autora manifestou imediatamente, de modo verbal, a sua discordância da decisão da ré.
I) Instada pela ré, várias vezes, a conformar-se com o dito pagamento do subsídio de alimentação por cartão, a autora manteve a recusa, afirmando que não aceitava aquela alteração e queria continuar a receber em numerário.
J) Por carta registada com aviso de receção datada de 28/04/2014 e recebida pela ré em 29/04/2014, subscrita pelo advogado constituído da autora, foi declarado o seguinte:

A empresa informou a minha constituinte de que, a partir do mês de Abril corrente, o pagamento em dinheiro do Subsídio De Alimentação devido mensalmente à trabalhadora seria substituído por um crédito em montante equivalente num cartão, que passaria a ser fornecido para o efeito e que esta poderia utilizar em compras em estabelecimentos comerciais.
A trabalhadora manifestou imediatamente, de modo verbal, a sua discordância da intenção da empresa.
Serve a presente para reafirmar, desta vez por escrito, que a trabalhadora não aceita que o subsídio de alimentação devido, que sempre foi pago em dinheiro e contabilizado para fins fiscais, de cobertura pelo seguro de acidentes de trabalho e de Segurança Social, seja substituído por um cartão do tipo conta-corrente, a débito, a crédito, de fidelização, de desconto ou de qualquer outro tipo.
Demais, segundo os arts. 258.º e ss. e 276.º e ss. do Código do Trabalho e os contratos coletivos de trabalho vigentes no sector de atividade em que a empresa está integrada, a entidade patronal não pode substituir prestações remuneratórias em dinheiro por prestações em espécie, sem o acordo do trabalhador.
Ora, a minha constituinte não consentiu em que fosse substituída ou compensada a verba do subsídio de alimentação por prestações doutro tipo, que não o pagamento na totalidade em dinheiro.
Assim, interpelo a “C., S.A.”, para que mantenha o pagamento em dinheiro da totalidade do subsídio de alimentação devido mensalmente à trabalhadora B..
Se a legítima vontade da trabalhadora não for respeitada, darei início ao tratamento administrativo e judicial da matéria: participação à ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho, para fins de instauração de procedimento contraordenacional, e propositura da competente ação no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão.
L) A ré procedeu ao pagamento do vencimento do mês de Abril de 2014, na data de 29/04/2014, oferecendo o valor do subsídio de alimentação devido (€ 114,40, correspondentes a 22 dias de serviço completo à razão de € 5,20 cada um) através de um crédito em montante equivalente carregado no referido cartão.
M) A autora reiterou a recusa de aceitação desse cartão e a ré, por sua vez, redarguiu que ou a autora recebia o subsídio através do cartão ou não o recebia, pelo que a autora efetivamente não recebeu o montante devido a título de subsídio de alimentação.
N) Por carta registada com aviso de receção, datada de 05/05/2014 e recebida pela ré em 06/05/2014, também subscrita pelo mandatário constituído da autora, foi declarado o seguinte:

No último recibo de vencimento passado à minha constituinte, com data de 29/04/2014 e relativo ao mês de Abril, figura uma verba denominada “Desconto Cartão Refeição”, no valor de € 114,40, em substituição do pagamento em dinheiro do subsídio de alimentação devido à trabalhadora.
A trabalhadora manifestou imediatamente, de modo verbal, como já fizera antes, a sua discordância da decisão unilateral da empresa de substituir o pagamento em dinheiro do subsídio de alimentação por um cartão passível de ser usado em compras em estabelecimentos comerciais.
Através de minha carta de 28/04/2014, foi transmitida a posição da trabalhadora, de recusa terminante de aceitação do meio de pagamento mencionado.
Admitindo que tal carta poderá não ter chegado ao conhecimento da “Leica” a tempo de ser considerada no processamento dos vencimentos do mês transato, serve a presente para reafirmar que a trabalhadora não aceita que o subsídio de alimentação devido, que sempre foi pago em dinheiro e contabilizado para fins fiscais, de cobertura pelo seguro de acidentes de trabalho e de Segurança Social, seja substituído por um cartão do tipo conta-corrente, a débito, a crédito, de fidelização, de desconto ou de qualquer outro tipo.
Demais, segundo os arts. 258.º e ss. e 276.º e ss. do Código do Trabalho e os contratos coletivos de trabalho vigentes no sector de atividade em que a empresa está integrada, a entidade patronal não pode substituir prestações remuneratórias em dinheiro por prestações em espécie, sem o acordo do trabalhador.
Ora, a minha constituinte não consentiu em que fosse substituída ou compensada a verba do subsídio de alimentação por prestações doutro tipo, que não o pagamento na totalidade em dinheiro.
Assim, interpelo a “C., S.A.”, para que reponha o pagamento em dinheiro da totalidade do subsídio de alimentação devido mensalmente, inclusive em Abril, à trabalhadora B., sujeito às deduções legais de IRS e TSU.
Se a legítima vontade da trabalhadora não for respeitada, darei início ao tratamento administrativo e judicial da matéria: participação à ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho, para fins de instauração de procedimento contraordenacional, e propositura da competente ação no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão.
O) A ré não deu resposta às duas missivas acima transcritas e, nos recibos de vencimentos dos meses subsequentes, inscreveu uma verba denominada “Subs. Aliment. Cartão Refeição”, nos montantes seguintes:
- Recibo do mês de Maio de 2014, datado de 28/05/2014, subsídio de alimentação no valor devido de € 93,60 (18 dias de serviço completo x € 5,20);
- Recibo do mês de Junho de 2014, datado de 23/06/2014, subsídio de alimentação no valor devido de € 93,60 (18 dias de serviço completo x € 5,20);
- Recibo do mês de Julho de 2014, datado de 18/07/2014, subsídio de alimentação no valor devido de € 114,40 (22 dias de serviço completo x € 5,20);
- Recibo do mês de Agosto de 2014, datado de 28/08/2014, subsídio de alimentação no valor devido de € 41,60 (8 dias de serviço completo x € 5,20);
- Recibo do mês de Setembro de 2014, datado de 29/09/2014, subsídio de alimentação no valor devido de € 109,20 (21 dias de serviço completo x € 5,20); - Recibo do mês de Outubro de 2014, datado de 23/10/2014, subsídio de alimentação no valor devido de € 114,40 (22 dias de serviço completo x € 5,20);
- Recibo do mês de Novembro de 2014, datado de 21/11/2014, subsídio de alimentação no valor devido de € 114,40 (22 dias de serviço completo x € 5,20);
- Recibo do mês de Dezembro de 2014, datado de 22/12/2014, subsídio de alimentação no valor devido de € 104,00 (20 dias de serviço completo x € 5,20).
P) A autora manteve a não aceitação do cartão eletrónico como pagamento do subsídio de alimentação e a ré descontou nos recibos de vencimentos da autora o valor mensal dos subsídios de alimentação e recusou pagar-lhe em numerário.
Q) A autora recusou aceitar em mão o aludido “Cartão Refeição” em substituição do pagamento em dinheiro do subsídio de alimentação, pelo que ainda não recebeu os montantes que lhe são devidos a título de subsídio de alimentação dos meses de Abril a Dezembro de 2014.

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O DIREITO:

A 2ª questão que urge apreciar prende-se com a modificação da forma de pagamento do subsídio de refeição - O subsídio de alimentação pago pela recorrida à recorrente, no valor diário de € 5,20, tem a natureza jurídica de retribuição, pelo que não pode ser alterada a respetiva forma de pagamento?
Em causa está a atribuição de um cartão da marca “Euroticket à la card”, titulado em nome da autora e da ré, emitido pelo “Banco…., S.A.” em parceria com a “E…” e que só poderá ser utilizado pela autora no pagamento de despesas em restaurantes, supermercados e outras lojas de produtos alimentares que aceitem esse cartão. Atribuição esta tendo em vista substituir o usual modo de pagamento do subsídio de refeição – o dinheiro.
Argumenta a Recrte. que a recorrida lhe quer impor um modo de pagamento do subsídio de alimentação que não lhe permite dispor livremente do que é seu por direito, legal e contratual. O cartão “Euroticket à la card” não é de utilização universal, só pode ser empregado nos estabelecimentos comerciais aderentes e que tenham o código de atividade fiscal do ramo alimentar, e não pode ser usado para proceder ao levantamento do seu saldo em numerário ou sua transferência bancária, numa caixa automática “ATM”. Ademais, a recorrente ficará prejudicada com a decisão unilateral da recorrida, pois, em face das novas regras introduzidas pelo Orçamento de Estado de 2014, enquanto o subsídio de refeição pago em dinheiro superior a € 4,27 (quatro euros e vinte sete cêntimos) está sujeito a tributação fiscal (IRS) e a contribuição social (Taxa Social Única), o subsídio de refeição pago através de cartão eletrónico e cujo montante diário não exceda € 6,83 (seis euros e oitenta e três cêntimos) fica isento de IRS e contribuições obrigatórias para a Segurança Social (TSU). Na verdade, o subsídio de refeição pago em dinheiro superior a € 4,27 está sujeito a tributação fiscal (IRS), como rendimento do trabalho dependente, e a contribuição social (Taxa Social Única), no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem – respetivamente, art. 2.º, n.º 3, al. b), 2), do Código do IRS, e art. 46.º, n.º 2, al. l), e n.º 3, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social. Donde, a recorrente verá reduzidas as prestações a receber a título de subsídio de baixa por doença, subsídio de desemprego, pensão de reforma por velhice ou invalidez, reparação de acidente de trabalho ou doença profissional, e outras prestações sociais serão correspondentemente reduzidas, pois todas elas têm como base de cálculo as folhas de remunerações entregues na Segurança Social e sujeitas a descontos legais. A alteração da forma de pagamento do subsídio de refeição em dinheiro para pagamento através de “cartão eletrónico de refeição” depende de acordo entre empregador e trabalhador, pelo que, sem tal acordo (in casu, por decisão unilateral da recorrida, contra a vontade expressa da recorrente), a alteração é ilícita.
E porque é que depende de acordo?
Porque, segundo os Artº 258.º e ss. e 276.º e ss. do Cód. Trab., a entidade patronal não pode substituir prestações remuneratórias em dinheiro por prestações doutra forma, sem o acordo do trabalhador.
Impõe-se, assim, que possamos concluir que o subsídio de refeição é uma prestação qualificada como retribuição à luz da lei laboral.
Contrapõe, por sua vez, a Recrdª que o subsídio de alimentação pago à Recorrente não assume natureza retributiva, pelo que se afigura inaplicável o regime legal previsto para a retribuição, sendo certo que, em qualquer caso, nunca o pagamento do subsídio de alimentação através de cartão de refeição configuraria uma verdadeira alteração na forma de pagamento, donde nada haverá a censurar.
Que decidir?
O Artº 258º/1 dispõe que se considera retribuição a prestação que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho. O conceito compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie (nº2), sendo que se presume constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador (nº 3).
A retribuição é satisfeita em dinheiro ou, estando acordado, em prestações não pecuniárias, nos termos do Artº 259º (Artº 276º/1 do CT).
Não oferece, pois, dúvidas, que a forma de cumprimento da obrigação de retribuição é a satisfação mediante entrega de dinheiro, que pode assumir as formas de cheque, vale postal ou depósito (nº2). Só mediante acordo, poderá a obrigação ser cumprida por outra forma.
Daí a relevância da qualificação da prestação em causa – o subsídio de refeição.
Ora, decorre do que se dispõe no Artº 260º/1-a) e 2 do CT que não se consideram retribuição as importâncias devidas a título de subsídio de refeição, salvo quando, essas importâncias, na parte em que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
Em presença de quanto assim se estipula, o subsídio de refeição poderá ter ou não carater retributivo. Em regra não o terá, pois presume-se que o mesmo traduz a assunção de uma despesa por parte do empregador. Mas, caso o respetivo valor exceda o montante normal e tenha sido previsto no contrato ou emerja dos usos o seu carater retributivo, então terá. Deixará, então, de ter carater assistencial e beneficiará da proteção garantida à retribuição.
Cabe, então, à A., na medida em que estes pressupostos são constitutivos do direito que se arroga, alegar e provar factos a partir dos quais possamos chegar à conclusão do carater retributivo do subsídio de refeição (Artº 342º/1 do CC).
Não se vê que os autos forneçam factualidade não considerada na sentença. E desta não emerge a conclusão em referência.
Por outro lado, a circunstância de o subsídio de refeição passar a ser pago através do mencionado cartão não lhe retira a qualidade de subsídio de refeição e como tal continua a ser designado, circunstância bastante para, em presença da legislação relativa a acidentes de trabalho e doenças profissionais ou de segurança social se levar a respetiva obrigação em consideração. Não é a forma de pagamento que o desqualifica como tal. E as consequências que se hão-de retirar da respetiva atribuição dependerão do que cada um daqueles regimes tiver como retribuição, o que pode variar se em comparação com a legislação laboral.
Por fim, não se vislumbra em que é que eventual benefício fiscal pode redundar em prejuízo para a trabalhadora.
Concluindo, nenhum argumento válido é oferecido de molde a abalar a fundamentação ínsita na sentença, aliás assente em doutrina e jurisprudência que sufragamos (de que se destaca o Ac. da RC de 3/04/2014, Procº 601/13.7TTVIS) e que, por despiciendo nos dispensamos de voltar a mencionar.

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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pelo Apelante.
Notifique.
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Elabora-se o seguinte sumário (1):
1 - Não se consideram retribuição as importâncias devidas a título de subsídio de refeição, salvo quando, essas importâncias, na parte em que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
2 – Cabe ao A., em ação que tenha na sua base a qualificação daquela prestação como retribuição, alegar e provar os pressupostos fáticos capazes de convencer que o subsídio de refeição tem carater retributivo.
3 – Não alegados e provados tais pressupostos, pode o respetivo valor ser pago através de cartão “Euroticket à la card”.

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MANUELA BENTO FIALHO
ALDA MARIA DE OLIVEIRA MARTINS
SÉRGIO ALMEIDA

(1) Da autoria da Relatora