Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1099/17.6T8VNF.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: TRIBUNAL DE RECURSO
REGRA DA SUBSTITUIÇÃO DO TRIBUNAL DE RECURSO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA SOBRE QUESTÃO QUE DEVIA CONHECER
NULIDADE DA DECISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
. A regra da substituição do Tribunal de recurso ao tribunal recorrido não pode ser entendida como tendo aplicação nos casos em que o tribunal recorrido simplesmente não se pronuncia sobre nenhuma das questões suscitadas e de que devia conhecer.

. Pretendeu-se que o tribunal de recurso supra alguma nulidade pontual que possa ter ocorrido, mas não que seja ele a proferir totalmente a decisão, deste modo suprimindo totalmente um grau de jurisdição.

. A intenção subjacente à regra da substituição que tem como fundamento a celeridade não se aplica aos casos de total ausência de pronúncia, devendo, nesses casos, a decisão ser anulada.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

José e Maria vieram propor processo especial de revitalização.
Alegaram, em síntese, que são casados entre si, exercendo ambos a profissão de administradores de empresas. Desde há alguns anos que abraçaram a administração da sociedade X – Sociedade de Construções, S.A. da qual são também accionistas, assim como de outras sociedades ligadas àquele grupo económico.

Ao longo dos últimos anos e particularmente entre os anos de 2009 a 2011, seja enquanto administradores da sociedade X - Sociedade de Construções, S.A.”, seja das demais empresas ligadas ao grupo económico que aquela integra, foram sendo constrangidos a prestar o seu aval pessoal em operações de reestruturação de financiamento bancários que já então estavam em curso nessas sociedades.

Em consequência de circunstâncias completamente alheias às suas pessoas e vontades, mormente em virtude da grave crise económica que assolou Portugal, desde o ano de 2009, a X - Sociedade de Construções, S.A. viu-se forçada a recorrer a um processo especial de revitalização que correu termos sob o número 2879/13.7TBBRG, no qual veio a ser aprovado plano de recuperação, o qual foi devidamente homologado.

Apesar da aprovação do referido plano, alguns bancos avançaram com acções executivas contra os requerentes que acabaram por se apresentar a juízo e requereram a abertura do processo especial de revitalização, o qual correu termos sob o número 703/14.2TBBRG, no qual foi aprovado plano de recuperação que foi homologado.

Devido a circunstâncias supervenientes, a sociedade X recorreu a novo PER com o objectivo de ajustar algumas das medidas constantes daquele Plano de Recuperação à nova realidade económica que corre termos sob o nº 4579/15.4T8VNF.

Em virtude das alterações sofridas, a X mostra-se incapaz de retomar o pagamento do passivo, conforme estava previsto, obrigando também os requerentes a recorrer a um novo plano de recuperação.

Encontram-se numa situação económica difícil mas que é susceptível de recuperação.

Foram reclamados créditos e deduzidas impugnações.
A fls 344 foram decididas as impugnações e considerou-se como lista de créditos definitiva a lista apresentada a fls 68 com a inclusão resultante da procedência da impugnação de Banco A, S.A.
A fls 416 e ss foi junta a versão final do plano de revitalização.

Os credores Bank, S.A. – Sucursal em Portugal, Banco B, S.A. e Banco C, S.A. pronunciaram-se pela não homologação do plano, suscitando diversas questões nos seus requerimentos de fls 392, 406, 440 e 447.
A fls 453 e ss os devedores pronunciaram-se sobre a recusa de homologação.

Foi proferida sentença com o seguinte teor:

“Nestes autos de processo especial de revitalização de José e Maria, considerando o teor do plano de fls. 416 e segs. e o resultado da votação do mesmo, devendo o mesmo considerar-se aprovado, e por entender que se não verifica nenhuma das situações a que aludem os artigos 215 e 216 CIRE, decido homologar, nos termos do disposto nos artigos 222 F,5 e, 215º e 216º, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o plano de recuperação apresentado nestes autos.
Custas pelos devedores.
Notifique, publicite e registe (artigo 222 F, 5 CIRE)”.

Tanto o Banco C, S.A. como o Banco B, S.A, interpuseram recurso.
O Banco C terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:

.I.A publicação a que se refere o artigo 17º-F, nº 3 do CIRE não foi efectuada.
II. Houve, pois, clara e não negligenciável violação de regras procedimentais, pelo que a douta sentença viola o disposto no artigo 17º -F, nº 3 e 215º, ambos do CIRE
III. O ora Recorrente, participou nas negociações havidas no âmbito dos autos, tendo emitido voto desfavorável ao plano apresentado
IV. Em sequência, de harmonia com o disposto no artigo 17º-F, nº2 do CIRE, deu conta das razões que deveriam levar à não homologação do plano (submissão dos devedores e ora recorridos a anterior PER, aprovado e homologado, que estes não cumpriram e só quando se viram confrontados com pedido de insolvência, se propuseram a novo PER -com o intuito de se furtarem à declaração de insolvência; que se prevê para o s créditos comuns, como o é o do recorrente, o perdão total de juros vencidos e vincendos e quaisquer outras despesas, e ainda um perdão de 70% do capital em dívida; que se prevê um período de carência inicial de 12 meses após homologação, e o pagamento do que remanescer após o dito perdão em 21 (!) anos, sendo 66,66% a pagar nos primeiros 20 anos, em prestações semestrais, e o remanescente pago a final - consubstanciando o plano uma remissão forçada de dívida, e não um plano de pagamentos; o crédito do recorrente funda-se em avais dos devedores, sendo que as reduções de capital, proscrição de juros e outros encargos bem como o prazo de 21 anos previsto para liquidação implica a destruição prática da função do aval; que ao quartar, em termos substanciais, a plenitude da cobrança do crédito, o plano viola disposições legais imperativas, vg o art 32º da LULL, já que o aval é incondicional,e e viola o art 217º, nº 4 do CIRE, pois afecta a subsistência e montante dos direitos do ora exponente contra os devedores, que se assumiram como garantes da subscritora das livranças, sendo o plano uma forma de fugir à responsabilidades que os devedores assumiram enquanto avalistas, em claro prejuízo da segurança do comércio jurídico, representando só por si o perdão de 70% da dívida provisão desajustada, não proporcional, suficiente para a rejeição do plano, na medida em que coloca, nos termos do artigo 216º, nº l do CIRE, o ora recorrente numa situação mais gravosa do que a ausência do plano, não podendo a revitalização dos devedores ser prosseguida a qualquer custo, nem traduzir-se num prejuízo insuportável para os credores - sendo certo que nada se retira do plano quanto às particulares circunstâncias que permitam concluir que os devedores vão pagar, e omitindo-se que a sociedade avalizada se encontra em situação de irreversível insolvência, tendo-se sujeitado a sucessivos PER's, que não cumpre) .
V. Sobre NENHUMA das questões apontadas pelo recorrente se pronunciou a douta sentença recorrida, limitando-se a referir que" não verifica nenhuma das situações a que aludem os artigos 215º e 216º CIRE"
VI. Pelo que a douta sentença é nula, por omissão de pronúncia (dr artigo 615º, nºl alínea d) do CPC), ao não apreciar o alegado pelo ora recorrente
VII. Pelo que, a sentença recorrida não podia deixar de apreciar o alegado pelo recorrente, mormente quanto ao facto de se colocar o ora recorrente numa situação mais gravosa do que aquela que existiria, na ausência de plano, Ou quanto ao facto de o plano violar disposições legais imperativas (32º da LULL - pois o aval é incondicional) e art 217º, nº 4 do CIRE (pois afecta a subsistência e montante dos direitos do ora exponente contra os devedores, que se assumiram como garantes da subscritora das Iivranças)
VIII. O plano apresentado impõe ao ora Recorrente um sacrifício desproporcionado e inaceitável, e um desequilíbrio injustificado entre o interesse na recuperação dos devedores, e a preservação da boa saúde financeira do ora recorrente - não sendo imaginável que se possa admitir que receber 70% do capital emprestado, sem juros, e em 21 anos, seja negócio equilibrado.
IX. Achando-se verificada a hipótese normativa prevista no artigo 216.º, n.º 1, alínea a), do CIRE.
X. Como resulta do douto Acórdão da Relação de Guimarães de 05-11-2015 ( http://www.dgsi.pt/jtrg. nsf/86c25a698e4e 7 cb 78025 7gec004d383 2/ 45311c4e9d 1cc 07180257fOe005a878b?OpenDocument)"... não deverá também ser homologado o plano quando resultem demonstradas circunstâncias que permitam sustentar a não recuperação do devedor ou a existência de uma desproporcionalidade entre a recuperação do devedor, aceite pela maioria dos seus credores, e o sacrifício decorrente dela imposto ao credor reclamante."
XI. Em suma, a sentença recorrida padece assim de nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615º nº 1, alínea d) do CPC) e viola ainda o disposto no art.º 216.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, artigo 32º da LULL bem como o disposto no artigo 217.º, n.º 4 do CIRE, devendo, por isso, ser substituída por outra que aprecie as questões levantadas pelo ora recorrente e consequentemente, em face dos argumentos acima expostos, decida no sentido da não homologação do Plano de Revitalização, fundamentando a decisão no facto de ter sido requerida pelo ora recorrente a não homologação deste e de o mesmo colocar inevitavelmente ora Recorrente numa situação menos favorável do que aquela em que estaria na ausência de qualquer plano.
XII.O aval é " .... o negócio jurídico cambiário unilateral e abstracto que tem por conteúdo uma promessa de pagar a letra e por função a garantia desse pagamento" (Cfr. V ASCONCELOS, PEDRO PAIS DE, in "Direito Comercial- Títulos de Crédito", AAFDL, Lisboa, 1988/1989, pago 74)
XIII. A responsabilidade emergente do aval é autónoma e independente da do avalizado, respondendo o avalista a par dos demais subscritores pelo pagamento integral do título (cfr. art. 47°, n° 1 e 2 da LULL)
XIV. Como resulta do disposto no artigo 32°, n° 2 da LULL, o aval, que tem um valor "per se", subsiste mesmo que o acto do avalizado seja nulo por qualquer razão, que não o vício de forma.
xv. O negócio cambiário tem um carácter constitutivo, dando a emissão da letra ou da livrança origem a uma específica relação jurídica, distinta e separada de outra qualquer já existente, donde emerge para qualquer interventor ( maxime, para o avalista) uma obrigação nova, substantiva e distinta de qualquer outra preexistente XVI. É, também, o negócio jurídico cambiário incondicional, por isso se significando a impossibilidade legal dos seus efeitos serem sujeitos a qualquer condição, já que tal retiraria a terceiros a possibilidade de avaliar com segurança o valor real do direito, através do simples confronto literal com o exarado no título (
XVII. Os títulos (livranças) em que se baseia o crédito do ora recorrente foram subscritos em branco, juntamente com autorizações de preenchimento, subscritas, inter alia, pelos ora recorridos, permitindo irrevogavelmente ao ora recorrente proceder ao preenchimento das livranças, nos elementos em falta em conformidade com o disposto no artigo 10° da LULL
XVIII. O recurso a tal contratação compreende-se, visando responder à necessidade de prestação de garantia ( via aval) de um direito de crédito ainda não inteiramente definido, de verificação futura e quantitativamente ainda determinado
XIX. A aludida autorização de preenchimento é, para todos os efeitos, um mandato, nos termos do art.º 1157.° do C.Civil
XX. Mandato esse, e pela finalidade inerente ( as livranças entregues em branco são para garantia de um crédito do ora recorrente) é conferido no interesse do próprio mandatário.
XXI. Tendo em conta que o preenchimento integral ainda se não verificou" a homologação do acordo corresponde, grosso modo, a revogação do mandato - o que é proibido pelo artigo 1170°, n° 2 do CC), e sua substituição por um negócio atípico ( um acordo entre credores, submetido a autorização judicial) que contém em si mesmo uma revogação "contra legem" do mandato atribuído
XXII. É, pois, o plano nulo, nos termos do disposto no art. 280°, n º1 do CC, por violação de norma legal imperativa.
XXIII. A douta sentença recorrida, ao permitir, via homologação, que a dívida ainda a determinar completamente e a inscrever nos títulos, seja reduzida, suprimido o pagamento de juros e alongando o prazo de pagamento para 21 anos consubstancia a aposição de condições ao aval, e a revogação do mandato para preenchimento conferido também no interesse do ora recorrente, violando o disposto, nos artigos 10°,20°,31°,32 ° da LULL ( aplicáveis ex vi do artigo 75° do mesmo diploma), bem como os artigos 1170, n° 2 e 280°, n'º1 do CC. XXIV. A LULL resulta da incorporação na ordem jurídica interna de convenção internacional, aprovada, ratificada e promulgada nos termos à data vigentes.
XXV. Prevalecendo, pois, hierarquicamente, e de harmonia com o disposto no artigo 8º , nº 2 da CRP, as normas constantes da LULL, sobre qualquer disposição de direito ordinário (posto que o previsto no artigo 277º, nº l, CRP contempla expressamente a violação dos princípios constitucionais nele consagrados, devendo, congruentemente, a fiscalização concreta, nos termos do disposto no artigo 280º , nº l da CRP, abranger não apenas a violação directa de norma constitucional, mas também a infracção de norma que, nos termos da CRP, r prevalece sobre ela - como é o caso de tratado ou convenção internacional)
XXVI. O artigo 32° da LULL prevê o aval como incondicional e imodificável
XXVII. O Artigo 17º-F n° 10 do CIRE prevê que "A decisão [ de homologação do plano ]vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no nº 4 do artigo 17º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal. "
XXVIII. Na medida em que o plano permite a redução do crédito a inscrever nos títulos, o mesmo torna o aval condicional, em clara violação do artigo 32° da LULL,
XXIX. Assim, o artigo 17°-F, n° 10 do CIRE contraria norma hierarquicamente superior ( o citado artigo 32° da LULL), porque permite a introdução de uma condição ao aval,
XXX. Sendo inconstitucional, por ofensa ao disposto no artigo 8°, nº 2 da CRP
XXXI. O artigo 17° F do CIRE permite o condicionamento do aval aposto em livrança não preenchida, bem como a supressão do pacto de preenchimento.
XXXII. Tais declarações negociais são havidas pelos artigos 10° e 32° da LULL, como incondicionais e irretractáveis - fundando-se a anuência do ora recorrente à celebração dos negócios subjacentes na circunstância de, por via das livranças e avais apostos, existir uma garantia - o património dos avalistas, ora recorridos - que responderia até ao limite estatuído no pacto de preenchimento.
XXXIII. O artigo 17°- F do CIRE, ao permitir a promoção de acordo que faz "letra morta" do previsto na autorização de preenchimento e da incondicionalidade do aval, viola o princípio da confiança, sendo inconstitucional, por ofensa ao artigo 2° da CRP,
nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, conhecendo para mais das inconstitucionalidades invocadas, deve ser revogada a douta sentença recorrida, e substituindo-se a mesma por outra que aprecie as questões levantadas pelo ora recorrente e, consequentemente, não homologue o plano de revitalização apresentado pelo devedor, pelos fundamentos invocados.

Por sua vez o Banco B formulou as seguintes conclusões:

A) O ora Recorrente, credor reclamante nos presentes autos de processo especial de revitalização, participou nas negociações havidas, tendo-lhe sido remetido, em 14/07/2017, o Plano de Revitalização para que, até 19/07/2017, emitisse o competente voto.
B) Assim, ora Recorrente enviou à Senhora Administradora Judicial Provisória, no dia 18/07/2017, o seu voto contra o Plano de Revitalização apresentado pelos Devedores.
C) Além disso, no dia 19/07/2017, o ora Recorrente, apresentou requerimento nos autos requerendo a não homologação o Plano de Revitalização apresentado, expondo as razões pelas quais considerava que o mesmo era inaceitável.
D) Sucede que, na sequência do referido requerimento, veio a ser publicado, no dia 21/07/2017, anúncio de depósito do plano no Tribunal, de acordo com as recentes alterações ao CIRE.
E) Assim, o ora Recorrente, veio apresentar as suas alegações, como previsto no artigo 17.º-F, n.º 2 do CIRE, pugnando uma vez mais pela não homologação do plano.
F) Como se referiu nos aludidos requerimentos, o crédito reclamado pelo ora Recorrente, no montante global de € 238.634,35, diz respeito a uma livrança (caução de um contrato de empréstimo) subscrita pela X – Sociedade de Construções, S.A. no montante de € 197.054,67 e vencida em 29/07/2013, a qual foi avalizada a favor daquela sociedade pelo aqui Devedor, Manuel e Filipe.
G) Ora, no que diz respeito aos créditos comuns como é o caso do crédito reclamado pelo ora Recorrente, o plano de revitalização apresentado prevê um perdão total de juros vencidos e vincendos e ainda um perdão de 70% do capital, sendo que o pagamento dos 30% do capital seria efectuado em 21 anos.
H) Nos requerimentos que o ora Recorrente apresentou nos autos pugnando pela não homologação do Plano, o mesmo expôs as várias razões que fundamentavam o seu pedido, nomeadamente o facto de o Plano de Revitalização prever o pagamento de apenas 30% do capital em dívida e de o Devedor ser avalista da X, S.A., concluindo que a homologação do Plano sempre implicaria uma real e efectiva redução das garantias prestadas ao ora Recorrente, subvertendo por completo a função do aval (garantir o pagamento da dívida por parte do devedor principal).
I) Além disso, o ora Recorrente não deixou de notar que o Plano apresentado consubstancia uma clara redução da percentagem do crédito que conseguirá cobrar, pelo que viola claramente o disposto no artigo 217.º, n.º 4, do CIRE, já que afecta a existência e o montante dos direitos do ora Recorrente contra o Revitalizando que é terceiro garante da obrigação assumida pela X S.A..
J) Assim, conforme referido pelo Recorrente nos aludidos requerimentos, é evidente que a homologação do Plano apresentado coloca o ora Recorrente, em situação mais gravosa do que a que decorreria da ausência de qualquer plano.
K) Todavia, em 07/08/2017, veio a ser proferida sentença que homologou o plano de revitalização apresentado, sem se pronunciar sobre as questões levantadas nos requerimentos do ora Recorrente, as quais não poderiam deixar de ser apreciadas.
L) Logo, dado que sentença que homologou o Plano de Revitalização não se pronuncia sobre as questões levantadas nos requerimentos apresentado pelo ora Recorrente (nem sequer referindo que foi requerido pelo Banco B a não homologação do plano), a mesma padece de nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC).
M) Na verdade, o Tribunal a quo não podia deixar de tomar posição quanto ao facto notório de o Plano de Revitalização apresentado ser a forma encontrada pelos Devedores para se desvincularem da maior parte das obrigações que assumiram, nomeadamente a assumida pelo Devedor na qualidade de avalista da X – Sociedade de Construções, S.A..
N) Logo a sentença recorrida não podia deixar de apreciar o alegado pelo Recorrente e de concluir que a homologação do plano de revitalização apresentado o coloca numa situação mais gravosa do que a que decorreria da ausência de qualquer plano, pois ao desvincular o devedor da maior parte das obrigações que assumiu enquanto avalista da X, S.A., forçosamente impõe ao ora Recorrente um sacrifício injustificável e desproporcionais prejuízos.
O) É que, com a homologação do plano de revitalização apresentado, verifica-se a extinção da maior parte das garantias prestadas ao ora Recorrente, facto é tanto mais evidente se tivermos em consideração que a sociedade avalizada se encontra na iminência de ser declarada insolvente, informação que os Devedores omitem, apesar de conhecerem a situação financeira da X, S.A., atenta a sua qualidade de Administradores da mesma.
P) Note-se que o Plano de Revitalização apresentado ficciona a viabilização da X, S.A., pelo que, para além de todo o exposto, é notório que o mesmo assenta também em premissas falaciosas que mais não visam do que iludir e prejudicar os credores.
Q) Assim, é evidente que o Plano de Revitalização apresentado impõe ao ora Recorrente um sacrifício inaceitável quando o mesmo, enquanto credor, merece ver salvaguardados os seus interesses ou direitos que são tanto ou mais relevantes para o bom funcionamento da economia como a revitalização dos Devedores.
R) Com efeito, o pagamento, nos termos previstos no plano com a extinção da maior parte da responsabilidade assumida pelos Devedores enquanto avalistas, sempre seria uma benesse intolerável, como manifestamente excessiva e injustificável, sendo evidente que os princípios da proporcionalidade e adequação ficam comprometidos com a homologação do Plano de Revitalização apresentado, ficando assim claramente verificada a hipótese normativa prevista no artigo 216.º, n.º 1, alínea a), do CIRE.
S) Face a todo o exposto, a homologação o plano apresentado coloca o ora Recorrente numa situação mais gravosa do que a que decorreria da ausência de qualquer plano (artigo 216.º, n.º 1, alínea a) do CIRE) e tendo sido requerida, por tal motivo, a não homologação do mesmo, o Tribunal Recorrido não poderia deixar de conhecer e apreciar as questões levantadas nos requerimentos apresentados.
T) Em suma, a sentença recorrida padece assim de nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615.º, 1, alínea d) do CPC) e viola ainda o disposto no art.º 216.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, bem como o disposto no artigo 217.º, n.º 4 do CIRE,
U) Devendo, por isso, ser substituída por outra que aprecie as questões levantadas pelo Recorrente nos requerimentos por si apresentados e consequentemente, em face dos argumentos acima expostos, decida no sentido da não homologação do Plano de Revitalização apresentado, fundamentando a decisão no facto de ter sido requerida pelo Banco B a não homologação deste e de o mesmo colocar inevitavelmente ora Recorrente numa situação menos favorável do que aquela em que estaria na ausência de qualquer plano.
nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por outra que aprecie as questões levantadas pelo ora recorrente e consequentemente não homologue o plano de revitalização apresentado pelo devedor, com os fundamentos aqui invocados.

Os devedores contra alegaram, pugnando pela manutenção do despacho de homologação, mas não apresentaram conclusões.

II – Objeto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
a questão a decidir é a seguinte:
. se a sentença é nula por omissão de pronúncia.

III – Fundamentação

A situação factual é a supra exposta.

Da nulidade por omissão de pronúncia

A sentença será nula, quer no caso do juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artº 615, nº 1, alínea d), do CPC). Desde logo, importa precisar o que deve entender-se por questões, cujo conhecimento ou não conhecimento constitui nulidade por excesso ou falta de pronúncia. Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artº 615º, nº 1, al. d) do CPC. Por questões deve entender-se “os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente cumpre, ao juiz, conhecer (artº 660, nº 2 – actual 608º, nº 2)”(1). Deve assim distinguir-se as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes (2). O disposto na alínea d) do nº 1 do artº 615º do CPC tem de ser interpretado em conjugação com o disposto no artº 608º, nº 2, do CPC, que impõe ao juiz resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e ainda que não se ocupe senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A fls 392 a 397 o credor Bank veio opor-se à homologação do plano e invocar a violação não negligenciável das normas do plano de recuperação, em especial, do princípio de igualdade de tratamento dos credores, que desenvolve ao longo de 6 páginas, invocando nomeadamente em defesa da sua tese, diversa jurisprudência.
A fls 406 a 410 também o credor Banco B veio pugnar pela não homologação do acordo por a sua aprovação o colocar em situação mais gravosa do que a que existiria na ausência de qualquer plano, encontrando-se preenchida a alínea a) do nº 1 do artº 216º do CIRE e que o Plano apresentado contém vícios e irregularidades procedimentais, o que desenvolve ao longo de 8 páginas, citando também algumas decisões jurisprudenciais.
A fls 443 – 444 veio também o Banco C pugnar pela não homologação do plano porque a sua aprovação o colocar em situação mais gravosa do que a que existiria na ausência de qualquer plano, e a fls 447 – 449 veio apresentar novo requerimento, alegando fazê-lo na sequência do depósito do Plano de Revitalização de 21.10.2017, mantendo a sua oposição, pugnando pela não homologação.

Sobre todos estes requerimentos o Tribunal a quo não se pronunciou, limitando-se de modo genérico a dizer que que se não verifica nenhuma das situações a que aludem os artigos 215 e 216 CIRE, fórmula vaga que não pode ser entendida como pronúncia sobre as questões suscitadas pelos apelantes.

Nas suas contra-alegações os devedores não se pronunciam sobre a alegada nulidade por omissão de pronúncia.
O PER é um processo pré-insolvencial que tem como maior vantagem a possibilidade do devedor obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente e no qual os credores detém um papel fundamental: o de consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem o PER ou, então, manterem-se irredutíveis (3).
Aprovado o plano, é o mesmo sujeito à apreciação do juiz com vista à sua homologação, aferindo-se nesta fase da conformidade legal das medidas aprovadas.
À homologação ou não homologação do plano aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras previstas no Titulo IX, em especial nos Artº 215º e 216º do CIRE, ex vi do artº 17ºF/5.
Nos termos do artº 215º do CIRE o juiz pode recusar, oficiosamente, a homologação do plano de revitalização aprovado na assembleia de credores, no caso em que ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza. Entende-se por regras procedimentais as que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, enquanto as segundas se reportarão ao dispositivo do plano de revitalização, bem como aos princípios que lhe devam estar subjacentes.
A lei não define o que são vícios não negligenciáveis, e tem-se entendido que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, diversamente se verificando quanto às infracções que afectem, tão só as regras de tutela particular, que podem ser afastadas com o consentimento do protegido, sem deixar de atender, por razoável, o critério geral utilizado pela própria lei processual no art.º 195, do CPC. (4)
Dispõe o nº 1 do artº 216º do CIRE que a homologação deve ser recusada também quando, a pedido de algum credor, se demonstre em ternos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência dele ou que o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
Por sua vez o nº 2 do artº 192º do CIRE estabelece uma regra geral de tutela dos interesses dos credores e dos direitos de terceiros ao consagrar que “o plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados”.
E no que respeita ao conteúdo do plano de recuperação, o art. 195º do CIRE dispõe que “O plano (…) deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência” (nº 1), em comparação com os resultados projectados a partir da sujeição da liquidação do património ao regime geral da insolvência (nº 2, al. d).
Estabelece ainda o artº 194º que o plano obedece ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas (nº 1 do artº 194º) ou do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável (nº 2 do artº 194º).
Como tem sido entendido “ a igualdade dos credores não impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria, nem afasta a possibilidade de, mesmo entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, se estabelecerem diferenciações desde que a estas não presida a arbitrariedade, por serem justificadas as circunstâncias objectivas” (5).
E, conforme ensinam Carvalho Fernandes e João Labareda
(6), entre as circunstâncias que, em concreto, podem ser atendidas para estabelecer justificadas diferenciações, contam-se, para além da distintiva classificação e das categorias hierárquicas dos créditos, a diversidade das suas fontes.
No art. 47, distinguem-se três classes de créditos: créditos “garantidos e privilegiados”, os créditos “subordinados” e os créditos “comuns”. Os créditos “garantidos e privilegiados são aqueles que beneficiam, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais e gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes (alínea a) do nº 4 do artº 47º do CIRE. Créditos subordinados são os que se encontram descritos nas diversas alíneas do artº 48º, para o qual a alínea b) do nº 4 do artº 47º remete e créditos comuns, os demais créditos (alínea c) do nº 4 do artº 47º do CIRE.
Referem, ainda, aqueles autores que, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos e que a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito.
O plano deve, pois, tratar de forma igual o que é igual e desigualmente o que é desigual. O princípio da igualdade dos credores supõe, assim, uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista. E, justamente, a perspectiva pela qual se fundamenta essa desigualdade e, consequentemente, a justificação para o tratamento desigual que não podem ser arbitrárias. O Tribunal deve limitar-se a analisar se a regulação desigual da situação dos credores é manifestamente desadequada, por inexistência de fundamento razoável e relevante.
No caso, embora tivessem sido suscitadas pelos apelantes as questões de violação do princípio da igualdade, violação de regras procedimentais e implicar a homologação do plano uma situação mais gravosa para o credor, o tribunal recorrido nada disse.
E, ainda que se entenda, que o disposto nos artigos 17ºA a 17ºI não se aplica já ao caso dos autos, por força das alterações introduzidas ao Código do CIRE pelo DL 79/2017, de 30/06 que entrou em vigor no dia seguinte (artº 8º do DL 79/2017), de aplicação imediata aos processos pendentes (artº 6º, nº 1 do DL 79/2017), por os devedores serem pessoas singulares, sendo que com as alterações introduzidas ficou claro que o processo de revitalização era exclusivo de empresas (artº 1º e artº 17º-A, nº 1 do CIRE), as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º que o artº 17ºFº mandava aplicar, mantém-se também no caso do processo especial para acordo de pagamento. Assim, no decurso do prazo de 10 dias, a partir da publicação do anúncio no portal do Citius, advertindo da junção do plano, qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações (artº 222º F, nº 2) e o julgador tanto no caso do processo de revitalização, como no caso do processo especial para acordo de pagamento, regulado nos artigos 222-A a 222-J, aditados pelo DL 79/2017, aplicável ao devedor não empresa, continua obrigado, ao apreciar o plano para efeitos de homologação, a aplicar, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º (como já o fazia por aplicação do disposto no artº 17º-F, nº 5, atual artº 17º,-F, nº 7).
Poderá o Tribunal de recurso e substituir-se ao tribunal recorrido quando este não se pronuncia sobre qualquer das questões suscitadas pelos interessados credores?
Não se desconhece o disposto no artº 665º do CPC que por nós tem sido recorrentemente aplicado.
Não se desconhece também que com a aplicação deste preceito legal, fica postergado um grau de jurisdição que o legislador entendeu suprimir, em prol da celeridade processual.
Foi o Dec-Lei 329-A/95 de 12/2 que introduziu a regra da substituição no artº 715º do CPC, antecedente do actual artº 665º, onde no seu preâmbulo se pode ler que se “consagra-se expressamente a vigência da regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido, ampliando e clarificando o regime que a doutrina tem vindo a inferir da lacónica previsão do artigo 715º do Código de Processo Civil, por se afigurar que os inconvenientes resultantes da possível supressão de um grau de jurisdição são largamente compensados pelos ganhos em termos de celeridade na apreciação das questões controvertidas pelo tribunal ad quem. Neste sentido, estatui-se que os poderes de cognição da Relação incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrido as não haja apreciado, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução que deu litígio - cumprindo à Relação, assegurado que seja o contraditório e prevenindo o risco de serem proferidas decisões surpresa, resolvê-las, sempre que disponha dos elementos necessários”.
A Relação estava e continua a estar obrigada a assegurar o contraditório, prevenindo o risco de serem proferidas decisões surpresa (artº 3º, nºs 1 e 3 do CPC).
Não se pode olvidar que a função do tribunal de recurso é essencialmente de reponderação de decisão já proferida, mas no caso de ela não se ter pronunciado sobre todas as questões que devesse ter conhecido, declarar a nulidade e conhecer do objecto da apelação, desde que disponha dos necessários elementos.
Como refere Abrantes Geraldes, em “Cassação ou substituição? Livre escolha ou determinismo legislativo?” acessível em www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/ager_MA_26153.doc e também acessível em http://www.trl.mj.pt/PDF/Recursos_%20sub.pdf “na apelação, ainda que o Tribunal da Relação confirme a arguição das referidas nulidades, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, prossegue com a apreciação das demais questões suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 715º, nº 2, do CPC. (7) (sublinhado nosso). Mesmo nos casos em que o tribunal a quo tenha deixado de apreciar determinadas questões por considerá-las prejudicadas, o legislador abdicou do duplo grau de jurisdição, conferindo à Relação poderes para conhecer de imediato dessas questões, por razões de economia e eficácia. Tal só pode acontecer se estiverem imediatamente disponíveis os elementos necessários, o que não acontece quando a matéria de facto se revele insuficiente para apreciar, com segurança, as diversas questões.” (8)
A regra da substituição do Tribunal de recurso ao tribunal recorrido não pode ser entendida como tendo aplicação nos casos em que o tribunal recorrido simplesmente não se pronuncia sobre nenhuma das questões suscitadas e de que devia conhecer.

Pretendeu-se que o tribunal de recurso supra alguma nulidade pontual que possa ter ocorrido, mas não que seja ele a proferir totalmente a decisão, deste modo suprimindo totalmente um grau de jurisdição. A intenção subjacente à regra da substituição que tem como fundamento a celeridade não se aplica aos casos de total ausência de pronúncia, como ocorre no caso.

A regra da substituição tem aplicação quando por exemplo o tribunal conheceu do mérito da causa, mas por lapso, não se pronunciou sobre a litigância de má fé que tinha sido requerida por uma das partes. No recurso que interpõe dessa decisão, o recorrente suscita a nulidade por omissão de pronúncia relativamente à falta de conhecimento do pedido de condenação do apelado como litigante de má fé e suscita diversas outras questões, nomeadamente impugnando a matéria de facto e questionando o direito aplicável, ainda que a decisão de facto se mantenha inalterada. O tribunal da Relação declara a nulidade da sentença relativamente ao pedido de litigância de má fé e conhece da impugnação da matéria de facto e das questões de direito suscitadas nas conclusões e conhece ainda do pedido de litigância.

Terá também aplicação quando o tribunal recorrido julgou procedente, por exemplo, a excepção de caducidade e por isso acabou por não se pronunciar sobre o mérito e o tribunal de recurso entendeu que a exceção é improcedente, pelo que, no caso de ter todos os elementos para decidir e tenha sido observado o princípio do contraditório, conhece as questões que ficaram prejudicadas pela procedência da exceção de caducidade.

Não é nenhum destes o caso dos autos. No caso, simplesmente o tribunal de recurso não se pronunciou sobre os requerimentos dos credores onde era requerida a não homologação do plano de pagamentos e homologou o plano sem apreciar qualquer das questões suscitadas pelos credores, eventualmente por não ter atentado, por lapso, nas mesmas. A não se entender assim, no limite, nos casos em que não fosse necessária produção de prova, a 1ª instância apreciaria a pretensão do A., sem cuidar de se debruçar sobre as questões suscitadas na contestação, incumbindo depois ao tribunal de recurso conhecê-las, subvertendo as regras processuais e a função dos recursos, o que não entendemos ter sido o propósito do legislador no artº 665º do CPC.

Impõe-se assim a anulação da decisão, em conformidade, aliás, com o pedido pelos apelantes.

IV- Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente o recurso interposto pelas apelantes e declaram nula a sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que conheça dos requerimentos apresentados pelos apelantes a fls 406, 443 3 447 e após, profira decisão, sobre o pedido de homologação.

Custas pelos devedores.
Registe e notifique.
Guimarães, 18 de Dezembro de 2017

Helena Melo
João Peres Coelho
Pedro Damião e Cunha


1. Conforme defendem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 670.
2. Entre outros, Abílio Neto, Código do Processo Civil Anotado, 14.ª ed., pág. 702.
3. Catarina Serra, Processo Especial de Revitalização, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, II/III, 716.
4. Cfr. se defende no Ac TRL de 12.12.2013, proferido no proc. 1908/12 e Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, p.713.
5. Cfr. Ac do TRG de 18.06.2013, proferido no proc. 743/12.
6. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, Quid Juris, 2009, pp. 641.
7. São do Código de Processo Civil, na sua actual redacção, as disposições que forem mencionadas sem qualquer outra indicação.
8. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil - Novo Regime, 2ª ed., págs. 317 e segs.