Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
218/11.0TCGMR.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: CULPA IN VIGILANDO
MENOR
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1 - A afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente, também, da sua atividade laboral.
2 - Na fixação da indemnização pelo dano não patrimonial resultante de acidente de viação, o indispensável recurso à equidade, não impede, antes aconselha, que se considere, como termo de comparação, valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.
3 - Só se a sentença ou decisão que fixe a indemnização actualizar o respectivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão é que, de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 09.5.2002, os juros de mora devidos se vencerão a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
RELATÓRIO
A presente acção declarativa de condenação foi intentada por A.. e mulher, M.., casados entre si e residentes .., Vila Nova de Famalicão, por si e em representação do filho menor de ambos J.. contra ..Companhia de Seguros, S.A. com sede .., Lisboa e Casa do Povo de.. (chamada a intervir na réplica) com sede.., Guimarães, pedindo a condenação das RR. no pagamento, acrescidos de juros após a citação:
- Ao menor, de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais no valor global de € 49745,03; acrescido da liquidação posterior pelo dano futuro.
- Aos AA. de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no montante de € 11366,30.
A fundamentar estes pedidos alegam em síntese, que:
Cerca das 17h15 do dia 10.3.2009 ocorreu um atropelamento dentro das instalações da R. Casa do Povo, onde o filho dos AA. frequentava o jardim de infância; o atropelamento ocorreu porque a porta da sala estava aberta e a educadora não foi capaz de evitar a saída da criança, consequência do que foi a mesma atropelada pela carrinha da R. Casa do Povo;
- Consequência do atropelamento o filho dos AA. sofreu lesões que lhe causaram dores e a necessidade de ser sujeito a intervenções e tratamentos médicos;
- Sofreu períodos de incapacidade e ficou com uma IPP de 20%, sendo que por via de tal vê o seu futuro comprometido em termos de opções profissionais;
ficou com a roupa que envergava inutilizada;
- Os AA. trabalham tendo a A. de ter ficado em casa a cuidar do menor, pelo que teve perdas salarais, no montante de € 1399,30; perderam a alegria de viver e continuam a sofre com o sucedido;
- A R. Casa do Povo transferiu o risco inerente ao veículo interveniente no atropelamento para a R. seguradora através a apólice n.º Au22874724.

Válida e regularmente citadas, as RR. apresentaram a sua contestação.
A R. Casa do Povo impugna motivadamente o alegado pelos AA. alegando
que foi o comportamento da criança que deu causa ao atropelamento e que todos os cuidados exigidos foram tomados, quer pela educadora e vigilante, quer pelo motorista.
A R. seguradora, aceitando ter assumido o risco pela circulação do veículo da R. Casa do Povo e bem assim ter feito um seguro de responsabilidade escolar, nega que o atropelamento seja um acidente de viação e bem assim que a culpa do sucedido é imputável à omissão do dever de vigilância da educadora

Saneado o processo e discriminados os factos assentes e os controvertidos, prosseguiu o processo a sua tramitação, vinco a realizar-se audiência de julgamento com decisão da matéria de facto controvertida e subsquente prolação da sentença com o seguinte teor:
Pelo exposto, decide-se:
A - Condenar a R. .. Companhia de Seguros, S.A. a pagar aos AA.:
1. Pelos danos sofridos por J.., a quantia de € 49745,03;
2. Pelos danos sofridos por A.. e M.., a quantia conjunta de € 11366,30
3. Os respectivos juros, às taxas legais em vigor, a contar desde a citação até efectivo e integral pagamento.
B – Absolver as RR. do demais peticionado.
Custas a cargo dos AA. e da R. seguradora, na proporção do decaimento –
cfr. art.º 527.º do C.P.Civil.

Inconformada a ré interpôs recurso, tendo apresentado as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida acolhe uma errada interpretação e valoração da prova produzida nos autos.
2. O douto Tribunal “a quo” fez tábua rasa dos depoimentos das testemunhas supra referidas, no que à velocidade diz respeito, dando como provado o quesito 14º da B.I (ponto 24º do elenco dos factos provados) quando a única resposta possível e admissível, face ao suporte probatório, deveria ter sido “não provado”.
3. No seu conjunto, de forma coerente, lógica, credível, determinante, isenta e com razão de ciência devidamente controlada confirmaram, como se pode aquilatar pela avaliação dos seus depoimentos, em destaque, que a carrinha do colégio seguia animada de velocidade lentíssima ou insignificante claramente susceptível de o seu condutor a fazer parar no espaço livre e visível à sua frente.
4. Pelo que é de todo incompreensível que o tribunal tenha antes concluído pelo contrário. Razão pela qual se requer, por via do presente recurso, a anulação da matéria de facto dada como provada no que ao art.24º concerne.
5. Sem prescindir, ainda que assim não fosse, há uma clara contradição entre o art.24º e o art.61º, do elenco dos factos dados como provados pela douta sentença, uma vez que um é a impugnação frontal do outro.
6. Igualmente em choque frontal surge a própria fundamentação da sentença e o ponto 61º da matéria de facto, sendo sufragada pelo Meritíssimo Juiz uma posição que decerto não se coaduna com a resposta afirmativa dada a tal matéria.
7. Tais contradições enviesam a sentença proferida, com todas as suas consequências legais.
8. Por outro lado, tendo em consideração toda a matéria de facto dada como provada, os demais elementos factuais constantes do processo e de acordo com as mais elementares regras de experiência de vida e do bom senso, deve-se concluir que a produção do sinistro deveu-se única e exclusivamente à omissão do dever de cuidado e vigilância que especialmente e de forma intensa impendia sobre a Sra. educadora de infância.
9. Tivesse a Sra. Professora o simples gesto de fechar a porta e o acidente nunca teria ocorrido! Aliás, era exactamente essa a conduta que qualquer bom pai de família teria adoptado, dada a iminência de chegada da carrinha escolar e o facto de a atenção estar a ser desviada pela presença de uma mãe de outra criança.
10. Que culpa tem o pobre condutor de a Sra. Professora ter deixado a porta aberta? Porque razão deve ser ele responsabilizado por uma falha só e apenas imputável a outrem?
11. A conclusão a que se deve chegar é que efectivamente ao condutor mais não era exigível; este é um motorista, com devidas e determinadas funções. Considerar que lhe era igualmente exigível velar pela segurança de crianças que deveriam estar a ser vigiadas por outrem, é claramente colocar sobre o condutor um fardo demasiado pesado que ele, justificadamente diga-se, não pode carregar.
12. Quanto aos montantes indemnizatórios, entendeu o douto tribunal “a quo” arbitrar a uma indemnização no valor de € 35.000,00 a título de danos patrimoniais; € 20.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo menor e € 20.000,00 como compensação pelos danos sofridos pelos pais.
13. Ora, entende a Recorrente, ressalvando sempre o devido respeito por opinião diversa, que tais montantes se mostram excessivos e desajustados, atendendo não apenas aos factos dados como provados, mas também aos parâmetros que vêm sido seguidos pela nossa jurisprudência, humanista como nenhuma outra.
14. Deste modo, de acordo com a posição defendida pela ora Recorrente e já supra melhor explanada, deve ser arbitrada ao menor uma indemnização a título de danos patrimoniais num valor nunca superior a € 17.500,00/€18.000,00. Outro não poderá ser o entendimento sob pena de se subverterem as regras que presidem ao instituto da responsabilidade civil.
15. A título de danos não patrimoniais, reconhecendo que estes danos merecem não só tutela como especial atenção, deve ser fixada uma indemnização nunca superior a € 12.500,00.
16. Pelos danos morais sofridos pelos pais não deverá ser atribuído valor superior a € 5.000,00 (€ 2.500,00 para cada), quantia esta que, atendendo aos contornos do caso em concreto, se mostra adequada e proporcional.
17. Tudo visto e ponderado e independentemente da soma das indemnizações arbitradas, é certo e seguro que a Recorrente só pode responder até ao montante do capital do contrato de seguro escolar, isto é, e atendendo ao caso em concreto, até ao montante de €13.966,34 (por razões óbvias exclui-se aqui o dano morte. Cfr. o ponto 9 do elenco dos factos assentes)
18. Acima deste valor deve a indemnização ser suportada pela Co-Ré como é da mais elementar justiça.
NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e, em consequência, ser a Recorrente condenada a ressarcir os danos efectivamente sofridos pela produção do acidente, com base no contrato de seguro escolar até ao valor limite do capital deste (€13.966,34 in casu), quantia essa acrescida de juros desde a prolação da sentença, excepto em relação aos decorrentes da IPP (€ 9.975,96) que devem ser contados desde a citação.
Assim confiadamente se espera ver julgado porque assim se mostra ser
DE LEI E DE DIREITO.

Os autores contra alegaram defendendo a improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, decisão que foi mantida por despacho proferido neste Tribunal da Relação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

A apreciar temos as seguintes questões
● a matéria de facto deve ser alterada
. decisão final a proferir

Fundamentação
De Facto
Na 1ª instância foi considerada provada e não provada a seguinte factualidade
1. A R. casa do Povo é a proprietária do estabelecimento de ensino sito em Rua.., Guimarães, destinado a creche e jardim de infância e que assegura a guarda, educação e ocupação e vigilância de alunos em idade pré-escolar (a partir do três anos e escolar).
2. Os autores A.. e esposa M.., realizaram em Setembro de 2006, um contrato pelo qual a R. Casa do Povo, na sua creche e jardim de infância assegurava a guarda, educação e ocupação e vigilância do menor J...
3. J.. é filho de A.. e esposa M.. e nasceu a 01/06/2001.
4. No dia 10 de Março de 2006 ocorreu um acidente em que foram intervenientes o menor J.. e o veículo automóvel de matrícula ..-HM, propriedade da Casa do Povo de...
5. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº AV2287472, a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação provocados pelo veículo ..-HM encontrava-se transferida para a segunda Ré ..Companhia de Seguros SA., até ao montante de pelo menos 1.200.000,00€ por acidente para danos corporais e de 6000.000,00€, por acidente, para danos não corporais.
6. A Casa do Povo de.. é a proprietária do estabelecimento de ensino sito na Rua.., Guimarães, destinado a creche e jardim-de-infância e que assegura a guarda, educação, ocupação e vigilância de alunos em idade pré-escolar.
7. A Casa do Povo de.. assegurava a guarda, educação, ocupação e vigilância do menor J.., filho dos Autores.
8. A R. Casa do Povo primeira tinha celebrado com a Companhia de Seguros.. contrato de seguro de responsabilidade civil por acidente escolar, titulado pela apólice nº ES42013471.
9. Este contrato de seguro de acidentes pessoais (cujas condições particulares e especiais estão juntas aos autos a fls. 60 e aqui se dão por integralmente reproduzidas) apresentava as seguintes condições e capitais seguros, por pessoa segura que é o mesmo que dizer, por aluno:
Despesas de tratamento………………………….€ 1.995, 19
Invalidez permanente…………………………......€ 9.975, 96
Morte ………………………………………… € 1.995, 19
Responsabilidade Civil ……………………………€ 1.995, 19
10. No dia 10/03/2009 foi efetuada participação do acidente pela Casa do Povo do.. à seguradora.., para efeito de acionamento dos contratos de seguro referidos nos pontos 5 e 8.
11. O acidente ocorreu dentro do espaço escolar do estabelecimento de ensino referido em 6.
Factos Provados
12. No dia 10 de Março de 2009, pelas 17,15 horas, o menor J.., estava em atividades escolares na sala que habitualmente ocupa com os demais colegas e alunos da mesma idade, isto é, a sala destinada aos meninos com 6 anos de idade.
13. O J.. estava a brincar com outro colega da mesma idade.
14. Como a porta da sala de atividades se encontrava aberta, o J.. dirigiram-se para o exterior da sala e seguiu para o recreio.
15. A educadora que estava na sala encontrava-se a conversar com a mãe de outra criança.
16. O espaço de recreio, dentro do estabelecimento da R. Casa do Povo começa logo à saída da sala de atividades e prolonga-se por mais alguns metros.
17. Existe um alpendre no recreio à saída da sala de atividades.
18. Nesse alpendre é habitual parar um veículo ligeiro de passageiros com a finalidade de recolher os alunos quando estes têm que ser transportados para fora do estabelecimento, quer seja em viagem de estudo, quer seja para os transportar para as suas residências.
19. No preciso momento em que o J.., saiu da sala de atividades, ia a passar no alpendre o veiculo acima identificado, com a matrícula ..-HM, conduzido por A.., funcionário da primeira R. Casa do Povo.
20. O J.., foi atropelado pelo veículo ..-HM.
21. A R. Casa do Povo tinha conhecimento de que naquela área circulava a viatura ..-HM.
22. Caso a porta da sala de atividades se encontrasse fechada, seria evitado que o menor saísse correndo para o exterior daquela.
23. O condutor do veículo ..-HM sabia que ao conduzi-lo dentro do estabelecimento de Creche e Jardim de Infância, junto á porta de entrada e saída dos meninos das salas de atividades, se poderia deparar de modo repentino com um menor saindo do seu interior.
24. Porém imprimia ao veículo velocidade que não lhe permitia parar no espaço livre e visível á sua frente de modo a evitar um atropelamento.
25. O menor J.. era um menino saudável, bem-disposto, feliz e sorridente.
26. Do acidente resultaram para o J.., lesões que se consubstanciaram na fratura-luxação do astrágalo do pé esquerdo.
27. Consequência do que a criança apresenta deformidade na face interna do calcanhar, dor à pressão no calcâneo, limitação dolorosa do tarso, mais evidente na flexão plantar.
28. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 8.9.2009.
29. O período de défice funcional temporário total foi de 62 dias.
30. O período de défice funcional temporário parcial foi de 121.
31. O quantum doloris é de 5 em 7.
32. O défice funcional permanente da integridade físico-psiquica é de 9 pontos, sendo de admitir a existência d e dano futuro.
33. O dano estético é de 3 em 7.
34. As sequelas implicam repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer que se manifestam nas limitações ao jogar futebol, correr, tomar banho, caminhar a pé, participar em brincadeiras com os amigos, não ser capaz de fazer caminhadas e outras.
35. O J.. teve que fazer tratamentos médicos e sofreu intervenções cirúrgicas.
36. No dia do acidente (10/03/2009), foi assistido no Hospital de Riba D'Ave.
37. Nesse mesmo dia foi operado e foi-lhe feita redução incruenta e fixação de fratura com fios de Kirshner e faciectomia do pé.
38. Em 12/03/2009, teve alta hospitalar e foi acompanhado em consulta externa.
39. Em 14/4/2009, sofreu intervenção cirúrgica para que lhe fossem retirados os fios de Kirshner.
40. Teve que estar de cama no seu domicílio de 12/03/2009, até 30/04/2009.
41. Manteve-se em consulta externa até 08.09.2009.
42. O J.. teve inquietação, angustia e sofreu susto.
43. Sofreu dores, quer quando foi atropelado, quer posteriormente, antes e depois das intervenções cirúrgicas e dos tratamentos médicos.
44. Sofre ainda dores quando pega em pequenos objetos ou pretende deslocar se.
45. Não pode correr como os outros meninos da sua escola, como tanto gostava.
46. Não consegue jogar á bola, como até então o fazia com muito prazer.
47. E não consegue acompanhar os outros meninos, seus colegas nas horas do recreio das atividades escolares.
48. O menino J.. tem diminuição da capacidade de locomoção e claudica.
49. O menor pode vir a necessitar de se submeter a novas intervenções cirúrgicas.
50. Podendo vir a agravar-se as suas sequelas em medida que não pode, ainda, ser computada.
51. A criança sofre de tristeza.
52. Do acidente resultou que o J.., ficou com o vestuário que usava então (calças, camisola e roupa interior) destruído e perdeu o calçado (sapatilhas).
53. Ambos os pais do menor A.. e a M.., trabalham.
54. E tiveram que optar por um deles ficar em casa com o filho, pois este não se movimentava, nem conseguia alimentar-se ou fazer a sua higiene sozinho.
55. A opção recaiu sobre a mãe, atendendo à maior ligação afetiva e disponibilidade profissional.
56. A mãe, M.., é trabalhadora da sociedade B..., SA, auferindo mensalmente a quantia de € 795,00€.
57. Ambos os pais têm acompanhado o menor seu filho para todas as consultas médicas, tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas, o que lhes causa sofrimento.
58. Os autores tinham um filho saudável, com alegria de viver e isso dava-lhes gosto e fazia-os sentirem-se orgulhosos na sua função de pais, que acompanhavam o desenvolvimento e crescimento do filho.
59. Com a ocorrência do acidente os AA. perderam a alegria de viver.
60. E desconhecem quanto tempo ainda vai durar o seu sofrimento.
61. No momento do acidente, o veículo de transporte escolar seguia em marcha lenta.
62. A Casa do Povo de.. é uma associação sem fins lucrativos que desempenha funções de pendor social, sendo uma das valências a Creche e Jardim Infância Casa do Povo de Serzedelo.
63. Esta valência encontra-se equipada com todos os requisitos necessários ao bom desenvolvimento e educação dos seus utentes, tendo afetos um total de 21 funcionários, entre educadores de infância, auxiliares educativas, empregadas de limpeza, e motoristas, a acautelar a educação e ocupação de, pelo menos, 100 alunos.
64. O pessoal educativo em cada sala de aula é composto por uma educadora e uma auxiliar educativa.
65. Pela confiança que os progenitores depositam na Casa do Povo de.., procederam à inscrição de uma outra filha
66. O menor J.., conjuntamente com outro colega da mesma idade, iniciaram uma brincadeira arremessando reciprocamente objetos, designadamente “Lego”, tendo a educadora prontamente proibido a brincadeira de arremesso, ordenando às crianças que nela não prosseguissem.
67. O menor J.., sem que nada permitisse prevê-lo, correu em direção à porta de saída da sala de aula, tendo a educadora tentado alcança-lo, o que não conseguiu.
68. O menor, no momento em que transpôs a porta de saída da creche, veio a embater na parte frontal do HM.
69. O condutor do mesmo não se apercebeu da aproximação do menor a tempo de evitar o acidente.
70. No dia 10 de Março de 2009, pelas 17.15 horas, o veículo em causa, marca Volkswagen, modelo Transporter, propriedade da R. Casa do Povo, dirigia se para o local, no interior da Creche, onde habitualmente fica guardado.
71. A roda direita da frente da carrinha calcou parcialmente o pé do menor.
72. A mãe do menor esteve de licença de parto.

Factos não provados
Não se provou que:
73. O colega da criança saiu a correr da sala de atividades onde se encontravam e o J.. saiu a correr atrás dele.
74. Do acidente resultaram para o J.., lesões que se consubstanciaram em traumatismos, escoriações e contusões várias no corpo.
75. O J.. pretende tirar um curso superior, sendo sua aspiração ser professor de educação física
76. O que se tornou impossível.
77. Se viesse a exercer tal atividade profissional, poderia auferir um salário médio de € 750,00.
78. A criança tivesse ficado desgostosa e depressiva em relação à vida futura.
79. O valor do vestuário fosse de € 140,00.
80. Desde a data do acidente (10/03/2009) e até 30/04/2011, de modo ininterrupto, a M.., teve que deixar de trabalhar para tomar conta do seu filho J...
81. Pelo que naquele período deixou de receber a título de salários a quantia de € 1.333,30.
82. A M.. também teve perdas salariais, em termos de proporcionais que não recebeu, respeitantes a Ferias, Subsidio de férias e Subsidio de Natal, no montante de € 33,00.
83. A inscrição da irmã do J.. tivesse sido feita depois de ocorrido o acidente.
84. O J.. aproveitou o facto de tanto a educadora como a auxiliar educativa não o conseguirem alcançar, para sair da sala a correr.
85. A porta de saída para o recreio encontrava-se aberta por, àquela hora, os progenitores se deslocarem àquele local para ir buscar os seus descendentes
86. A porta da sala de aula, por motivos de segurança escolar e de imposição do Ministério da tutela, deverá manter-se aberta durante as aulas, e a direção pedagógica poderá entrar a qualquer momento, para manter permanente perceção do interesse e postura dos alunos.
87. A Casa do Povo de.., quando interpelada pelo facto de a progenitora do menor se encontrar em casa sem receber o seu vencimento mensal, pagou-lhe tais quantias.
88. A Creche e Jardim de Infância da Casa do Povo de.. é um estabelecimento de ensino de direito privado, no qual não existe qualquer trânsito de veículos e muito menos aberto ao trânsito público.
89. Quando o condutor se preparava para estacionar, ao passar junto da sala das crianças de 5 anos saiu desta, totalmente desamparado, o infeliz menor J...
90. Atenta a súbita conduta do menor foi totalmente impossível ao condutor da carrinha evitar o sinistro.
91. A licença de parto da A. tivesse sido até ao dia 25 de Março de 2009.

De Direito
Primeira questão
Alteração da matéria de facto provada
Não tendo sido questionada, nem em 1.ª instância, nem em sede de recurso, a existência do atropelamento do filho dos AA, importa voltarmos a nossa atenção para a matéria de facto impugnada e valores da indemnização questionados.
Contesta a ré o acerto da decisão sobre a matéria de facto, pretendendo a alteração dos factos 14 e 55 da base instrutório (os quais correspondem aos pontos nº 24º e 61º dos factos dados como provados na sentença) baseando-se, para tal, em ilações a retirar da realidade que identifica e da prova testemunha produzida.
Vejamos.
Começámos por dizer que na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito.
Na verdade, dispõe o art. 607º, n.º 4 do NCPC, “Na fundamentação o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…)” – os factos, repete-se, que não conclusões, generalidades ou matéria de direito.
Como assim, mesmo no âmbito de vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
Partindo desta afirmação de princípio, importa analisar o teor dos referidos pontos 14º e 55º.Quanto à matéria do ponto 14º, afigura-se-nos que a mesma comporta, por um lado, matéria de direito (porém imprimia ao veículo velocidade que não lhe permitia parar no espaço livre e visível à sua frente de modo a evitar um atropelamento”) com base na qual se procura sustentar a verificação do elemento subjectivo do ilícito e de cuja comissão pretende acusar-se o condutor e que se materializa na violação do comando da velocidade a que devem circular os veículos.
Por outras palavras, o que se pretende com tal descrição é preencher directamente, sem factos concretos que a suportem, a previsão constante do art. 24º do C.da estrada no seguinte segmento que dele consta: “ O condutor deve regular a velocidade de modo … fazer parar o veiculo no espaço livre e visível à sua frente”.…”.
Por sua vez, o ponto 55º dos factos provados comporta afirmações que são claramente conclusivas, a saber: “… No momento do acidente o veículo de transporte escolar seguia em marcha lenta
Trata-se, nos segmentos em apreço, de descrições de natureza conclusiva a extrair de outros factos que tenham sido dados como provados e dos quais resultem as concretas condições de deslocação e de circulação em segurança do veiculo.
Por outras palavras, trata-se de conclusões a extrair ou não, em sede interpretativa e integradora, de outros factos dados como provados, designadamente daqueles que constam dos pontos 17º) a 23º) dos factos provados, razão pela qual não podem tais conclusões constar da matéria de facto provada
Face a quanto vem de referir-se, devem ser eliminados o ponto 14º e 55º dos factos provados, o que se determina.
Em consequência do exposto, fica prejudicada a invocada contradição entre os fundamentos da decisão e os factos em apreciação.
Segunda questão
A quem imputar a produção do sinistro
Sustenta a recorrente que Por outro lado, tendo em consideração toda a matéria de facto dada como provada, os demais elementos factuais constantes do processo e de acordo com as mais elementares regras de experiência de vida e do bom senso, deve-se concluir que a produção do sinistro deveu-se única e exclusivamente à omissão do dever de cuidado e vigilância que especialmente e de forma intensa impendia sobre a Sra. educadora de infância.
Vejamos então.
Nos termos do n.º 1 do artigo 483.ºdo Código Civil, «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação»
Agir com culpa «significa actuar em termos de a conduta do agente merecer reprovação ou censura do direito.
Tal ocorre, quando o agente, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo» - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral Vom ! 3ª edição, Coimbra , Almeidna, 1980 pp 451
No caso dos autos, a existir uma actuação culposa, estaremos em face da culpa na modalidade de negligência, pois está excluída liminarmente uma conduta dolosa.
Ainda segundo Antunes Varela, no âmbito da negligência cabem, em primeiro lugar, os casos «…em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar» (negligência consciente), assim como se compreendem os casos «…em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse a diligência devida» (negligência inconsciente)- ob cit pp 463.
A negligência consiste, por conseguinte, na omissão de um dever de cuidado, dever que teria, na prática, se tivesse sido observado, obstado à produção do evento.
Cumpre, portanto averiguar se a educadora de infância omitiu algum dever de cuidado que, no caso, uma vez observado, teria evitado o sinistro.
A resposta é afirmativa.
De efeito, apurou-se que:
12. No dia 10 de Março de 2009, pelas 17,15 horas, o menor J.., estava em atividades escolares na sala que habitualmente ocupa com os demais colegas e alunos da mesma idade, isto é, a sala destinada aos meninos com 6 anos de idade.
13. O J.. estava a brincar com outro colega da mesma idade.
14. Como a porta da sala de atividades se encontrava aberta, o J.. dirigiram-se para o exterior da sala e seguiu para o recreio.
15. A educadora que estava na sala encontrava-se a conversar com a mãe de outra criança.
16. O espaço de recreio, dentro do estabelecimento da R. Casa do Povo começa logo à saída da sala de atividades e prolonga-se por mais alguns metros.
17. Existe um alpendre no recreio à saída da sala de atividades.
18. Nesse alpendre é habitual parar um veículo ligeiro de passageiros com a finalidade de recolher os alunos quando estes têm que ser transportados para fora do estabelecimento, quer seja em viagem de estudo, quer seja para os transportar para as suas residências.
19. No preciso momento em que o J.., saiu da sala de atividades, ia a passar no alpendre o veiculo acima identificado, com a matrícula ..-HM, conduzido por A.., funcionário da primeira R. Casa do Povo.
20. O J.., foi atropelado pelo veículo ..-HM.
21. A R. Casa do Povo tinha conhecimento de que naquela área circulava a viatura ..-HM.
22. Caso a porta da sala de atividades se encontrasse fechada, seria evitado que o menor saísse correndo para o exterior daquela.
23. O condutor do veículo ..-HM sabia que ao conduzi-lo dentro do estabelecimento de Creche e Jardim de Infância, junto á porta de entrada e saída dos meninos das salas de atividades, se poderia deparar de modo repentino com um menor saindo do seu interior.
66. O menor J.., conjuntamente com outro colega da mesma idade, iniciaram uma brincadeira arremessando reciprocamente objetos, designadamente “Lego”, tendo a educadora prontamente proibido a brincadeira de arremesso, ordenando às crianças que nela não prosseguissem.
67. O menor J.., sem que nada permitisse prevê-lo, correu em direção à porta de saída da sala de aula, tendo a educadora tentado alcança-lo, o que não conseguiu.
68. O menor, no momento em que transpôs a porta de saída da creche, veio a embater na parte frontal do HM.
69. O condutor do mesmo não se apercebeu da aproximação do menor a tempo de evitar o acidente.
70. No dia 10 de Março de 2009, pelas 17.15 horas, o veículo em causa, marca Volkswagen, modelo Transporter, propriedade da R. Casa do Povo, dirigia-se para o local, no interior da Creche, onde habitualmente fica guardado.
71. A roda direita da frente da carrinha calcou parcialmente o pé do menor.
Ao contrário da decisão recorrida, não retiramos da matéria de facto apurada e supra descrita a existência de elementos constitutivos da culpa do condutor do veículo interveniente. De facto, não encontramos provada a violação de qualquer norma especifica do C. da Estrada nem que o dito condutor tenha agido com inconsideração, negligência ou falta de destreza pois apesar de se ter apurado que O condutor do veículo ..-HM sabia que ao conduzi-lo dentro do estabelecimento de Creche e Jardim de Infância, junto á porta de entrada e saída dos meninos das salas de atividades, se poderia deparar de modo repentino com um menor saindo do seu interior também se provou que O condutor do mesmo não se apercebeu da aproximação do menor a tempo de evitar o acidente. E factualidade provada não temos para concluir que tal aconteceu por conduzir distraído ou por qualquer outra razão imputável ao condutor do veículo.
Já no que diz respeito ao menor é inquestionável que este, sem que nada permitisse prevê-lo, correu em direção à porta de saída da sala de aula, tendo a educadora tentado alcança-lo, o que não conseguiu, o menor, no momento em que transpôs a porta de saída da creche, veio a embater na parte frontal do HM. contribuiu para o desfecho acidental ocorrido. Mas poder-se-á falar em culpa do menor?
A culpa lato sensu exprime um juízo de reprovação pessoal da acção ou da omissão do agente que podia e devia ter agido de outro modo, e é susceptível de assumir as vertentes de dolo ou de negligência.
A culpa stricto sensu ou mera negligência traduz-se, grosso modo, na omissão pelo agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, por seu turno, as vertentes de consciente ou inconsciente.
No primeiro caso, o agente prevê a realização do facto ilícito como possível, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação; no segundo, o agente, embora o pudesse e devesse prever, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não o previu.
Ora, à data do acidente, o menor tinha seis anos, pelo que se presume falta de imputabilidade no mesmo (art. 488.º, n.º 2 do C. Civil), além de que não parece poder afirmar-se que o menor era capaz de discernir ou entender o perigo em que se colocou e querer o facto danoso que veio a suceder.
Para uma criança de seis anos, em que na normalidade da vida esta se confunde com a brincadeira despreocupada, sem consciência das exigências impostas pelo viver em sociedade, brincar como brincou neste dia não representa mais do que o preenchimento da sua vida lúdica. O seu comportamento não se enquadra sequer no conteúdo da negligência inconsciente. A imprevidência (tal como é concebida pelos adultos) faz, normalmente, parte do quadro mental de qualquer criança (da idade da dos autos) não sendo exigível que ela possa ou deva prever as consequências de um dado acto usando de uma diligência que ela não tem e muito menos que paute a sua conduta por normas estradais que de todo lhe passam despercebidas.
A movimentar-nos no domínio da culpa esta só poderia ser in vigilando nos termos do art. 491.º, no qual se estabelece uma presunção de culpa in vigilando das pessoas que por lei forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural, como acontece com os pais em relação aos filhos menores.
E cremos ser essa a situação dos autos, uma vez que resultou provado que
A Casa do Povo de.. assegurava a guarda, educação, ocupação e vigilância do menor J.., filho dos Autores.
Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, in “ Código Civil Anotado “, Vol. I., pags. 492 a 493 :
“ Quando haja qualquer lesão cometida pelo incapaz, a lei presume, portanto, que ela proveio de culpa in vigilando.
( … ) A prova de que não há culpa, ou melhor, o afastamento da responsabilidade pode obter-se por dois modos : ou provando-se que se cumpriu o dever de vigilância, ou mostrando-se que o dano se teria produzido, mesmo que se cumprisse esse dever. Só portanto, em face de cada caso se pode definir a posição do obrigado à vigilância.
( … ) As pessoas atingidas pela obrigação de indemnizar não respondem pelo facto de outrem, mas por facto próprio, visto a lei presumir que houve falta ( omissão ) da vigilância adequada ( culpa in vigilando ) “.
Jurisprudencialmente vide, pelo seu interesse e relevo, a este propósito:
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Janeiro de 2007
(relator Afonso Correia), publicado in “ Responsabilidade Civil e Contrato de Seguro “, Colectânea Temática, Colectânea de Jurisprudência Edições, pags. 114 a 118, onde se refere que :
“ Esta presunção baseia-se em várias considerações :
a)Num dado da experiência ( segundo a qual boa parte dos actos ilícitos praticados pelos incapazes procede de uma falta de vigilância adequada ) ; b)Na necessidade de acautelar o direito de indemnização do lesado contra o risco da irresponsabilidade ou de insolvabilidade do autor directo da lesão ; c)Na própria conveniência em estimular o cumprimento dos deveres que recaem sobre aqueles a cuja guarda o incapaz esteja entregue.
E o regime não pode considerar-se violento nem injusto, na medida em que o vigilante pode sempre afastar a presunção, nos termos da parte final do artigo “ ;
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 2008 ( relator Fonseca Ramos ), publicado in “ Responsabilidade Civil e Contrato de Seguro “, Colectânea Temática, Colectânea de Jurisprudência Edições, pags. 118 a 120, onde pode ler-se : “ O dever de vigilância radica na omissão de comportamentos próprios, que são a jusante, causa de actuações desviantes ou censuráveis dos vigilandos ; por isso se trata de culpa presumida dos obrigados à vigilância e não de responsabilidade independentemente de culpa, que só seria despoletada quando o evento culposo envolvesse culpa (em sentido impróprio, entenda-se ) do vigilando. Não é o critério da proximidade física o decisivo, em regra, muito embora se possam conceber casos em que assim possa ser “ ;
Salienta, ainda, Menezes Cordeiro in “ Tratado de Direito Civil Português “, Tomo II, pag. 576 : “ Este preceito presta-se a diversos desenvolvimentos doutrinários, sendo de relevar uma aparente obrigação de garante : não basta, para a afastar a responsabilidade, provar a justa causa de incumprimento ou, até, a desculpabilidade : apenas o cumprimento em si é relevante, sendo que, perante os danos, se presume que ele não foi levado a cabo : uma presunção ilidível. Esta solução é temperada com a aludida relevância negativa da causa virtual.
( … ) O estudo da jurisprudência é elucidativo. Nalguns casos, é evidente a falta de cuidado dos pais ; noutros, fica subjacente a ideia de que a falha residiu na insuficiente educação dada, aos filhos, desde o início ; e noutros, finalmente, constata-se uma transposição de responsabilidade ; uma vez que o filho ( ou o vigiado ) não é responsável em termos de utilidade prática, por não ter património, passa-se à responsabilidade dos pais. Trata-se de um a socialização do risco, tanto mais que há seguros especializados de responsabilidade civil.
As soluções são adequadas “.
Com efeito, o artigo 491º do Código Civil “ As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido “. é claro no sentido de definir a imediata responsabilidade dos vigilantes pelos danos causados a terceiros por quem estava legalmente sujeito à sua vigilância .( in casu o menor)
Esta é a regra que realmente assegura e acautela a esfera pessoal e patrimonial das vítimas dos actos lesivos levados em cabo por menores, fruto da sua incapacidade natural, garantindo-lhes o efectivo ressarcimento dos seus prejuízos. A ressalva que a lei estabelece, na 2ª parte do artigo 491º, prende-se com as situações em que os obrigados ao dever de vigilância venham a produzir efectiva prova de que cumpriram esse dever na plenitude, actuando e precavendo absolutamente tudo o que era possível controlar, ou demonstrando que os danos em apreço se teriam verificado ainda que o tivessem cumprido. O preceito legal em referência estabelece, portanto, uma presunção de culpa que parte do princípio de que o evento lesivo praticado por pessoa sujeita a vigilância resulta do não cumprimento adequado e culposo desse dever por parte daqueles que se encontravam legalmente obrigados a fazê-lo.
Acontece que nestes autos, nada se encontra provado que afaste a presunção de culpa - e, por inerência, a responsabilidade - expressa no dispositivo legal supra transcrito.
Mesmo que fosse de considerar a factualidade constante dos arts 14º e 55º da BI entende-se que o comando do art. 24º nº 1 do CE não tem uma aplicação tão ampla como a defendida na decisão recorrida.
A velocidade excessiva acontecerá nos casos em que, apesar do obstáculo ser visível a uma distância que, conduzindo-se atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, permitia parar o veículo sem colidir com aquele, a colisão ocorreu.
Quando o obstáculo surge de forma imprevisível e inopinadamente a uma distância em que, mesmo observando aquelas regras, não era possível evitar a colisão, não existe velocidade excessiva.
Aliás, o nº 1 do art. 24º é claro ao referir as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo. Não sendo de prever a necessidade de parar o veículo, equacionada essa necessidade na perspectiva do condutor médio (“bonus pater familiae”) e circulando-se com observância daquelas regras gerais e dentro dos limites de velocidade legalmente estabelecidos, não é exigível, sob pena de total paralisação da normal circulação rodoviária, que se circule a velocidade tal que, em qualquer circunstância, permita parar o veículo sem colidir com qualquer obstáculo, seja ele um veículo que bruscamente invade a faixa contrária, seja uma pedra lançada de um viaduto, seja uma pessoa ou animal que, em correria, atravessa a faixa de rodagem mesmo à frente ou a escassos metros do veículo ou qualquer outro obstáculo que inopinadamente surja à sua frente.
Em suma no se reporta ao dever de previsibilidade, também se entende não pode ir além do normal. Ou seja, o condutor não tem que tomar cautelas especiais desde que o espaço visível á sua frente esteja livre de qualquer obstáculo- já que não é obrigado a prever a conduta contravencional, negligente ou inconsiderada das pessoas encarregadas da vigilância das crianças- bastando-lhe que cumpra as regras gerais de trânsito.
Efectivamente o critério da culpa consagrado na nossa Lei é o da diligência do bom pai de família expresso no art.º 487 nº2 do CPC.
"Para ver se o agente teve culpa compara-se a sua conduta com a que teria tido um bom pai de família que é um homem inteiramente abstracto. No funcionamento prático do critério é muito importante a distinção entre circunstâncias externas e internas; - como teria procedido um bom pai de família colocado nas mesmas circunstâncias externas e só nessas em que procedeu o agente. Se um bom pai de família nas mesmas circunstancias externas teria procedido de outro modo, a conduta do agente será errada e haverá culpa. É a interpretação restritiva da lei" (PEREIRA COELHO, Obrigações, p. 150)
Na verdade, se a velocidade excessiva acontece nos casos em que, apesar do obstáculo ser visível a uma distância que permitia parar o veículo sem colidir com aquele, a colisão ocorreu, verifica-se que esta não existiu no caso concreto, uma vez que se apurou que No preciso momento em que o J.., saiu da sala de atividades, ia a passar no alpendre o veiculo acima identificado, com a matrícula ..-HM, conduzido por A.., funcionário da primeira R. Casa do Povo
O menor, no momento em que transpôs a porta de saída da creche, veio a embater na parte frontal do HM.
O condutor do mesmo não se apercebeu da aproximação do menor a tempo de evitar o acidente.
Ou seja, e considerando também as fotografias do local junto aos autos (fls. 58 e 59) concluímos que o embate ocorre no preciso momento em que o veículo passava à frente da porta da sala aonde se encontrava o menor, razão pela qual o condutor não se apercebeu nem se podia aperceber do menor a tempo de evitar o embate. Embate que nestas circunstâncias ocorreria fosse qual fosse a velocidade do veículo.
Não encontramos portanto culpa por comportamento activo ou passivo na actuação do condutor do veículo para a produção do acidente de resto, condição imprescindível para que pudesse vir a ser afastada a presunção de culpa imposta pelo artº 491º, do Código Civil.
Tal afastamento da dita presunção legal constituía um ónus a cargo da rés – que manifestamente não satisfizeram.
Serão, nessa medida, responsáveis pelo ressarcimento dos danos provocados aos Autores.
Trata-se, pura e simplesmente, como refere como toda a acuidade António Menezes Cordeiro na transcrição supra, de um nítido caso de socialização do risco – princípio geral preventivo, plenamente justo e adequado à recomposição do equilíbrio neste tipo de imponderáveis conflitos.
Inexistindo responsabilidade civil por facto ilícito do condutor nos termos do artigo 483º do Código Civil mas tratando-se de acidente causado por um veículo, há que indagar se subsiste a responsabilidade pelo risco a que alude o artigo 503º, nº 1?
Conhecemos a doutrina e jurisprudência tradicional – no sentido da impossibilidade da concorrência das duas responsabilidades, subjetiva do lesado e objectiva do condutor do veículo e a mais recente doutrina e jurisprudência – no sentido de que as duas responsabilidades podem concorrer.
Sufragamos a orientação retratada nos acórdãos do STJ de 11.07.2013- Fonseca Ramos- e de 20.01.2009- Salazar Casanova- e de 17.05.2012- Abrantes Geraldes, todos acessíveis em www.gdsi.pt segundos os quais as duas culpas não podem, a menos que se tratasse de culpa leve ou levíssima da vitima.
Acresce que há muito que a jurisprudência considerou não ser actividade perigosa a circulação automóvel – “O disposto no art. 493°, n.º2, do Código Civil não tem aplicação em matéria de acidentes de circulação terrestre” – Assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.11.1979, in BMJ 291-285, com anotação de Vaz Serra na RLJ 113-152.
Porém, mesmo em face da tese tradicional não se modificaria o resultado da presente acção.
Na verdade, constituindo pressuposto da mesma a existência de uma contribuição do risco do veiculo para a ocorrência do sinistro, verifica-se que esta não existiu no caso concreto, uma vez que se apurou que No preciso momento em que o J.., saiu da sala de atividades, ia a passar no alpendre o veiculo acima identificado, com a matrícula ..-HM, conduzido por A.., funcionário da primeira R. Casa do Povo
O menor, no momento em que transpôs a porta de saída da creche, veio a embater na parte frontal do HM.
O condutor do mesmo não se apercebeu da aproximação do menor a tempo de evitar o acidente.
Ou seja, e considerando também as fotografias do local junto aos autos (fls. 58 e 59) concluímos que o embate ocorre no preciso momento em que o veículo passava à frente da porta da sala aonde se encontrava o menor, razão pela qual o condutor não se apercebeu do menor a tempo de evitar o embate. Embate que nestas circunstâncias ocorreria fosse qual fosse a velocidade do veículo.
Todavia , se a porta da sala estivesse fechada ou se o menor fosse impedido de sair pela respectiva educadora ou ainda se não fosse permitida a circulação do veículo naquele local o embate não se dava (como consta do artº 22 dos factos provados) sendo pois , em nosso entender esta falta de vigilância a causa única das lesões que sofreu o menor, sem qualquer contribuição relevante dos riscos próprios do veículo.
O mero facto naturalístico de o acidente ter envolvido um veículo automóvel, como corpo em movimento, com determinado peso e dimensões, dotado de inércia, não pode ser considerado determinante de um risco causalmente adequado ao acidente, perdendo todo o relevo, quer em termos absolutos, quer em termos relativos.
Acresce dizer que a própria realidade (trânsito de um veículo no local de recreio das crianças) chama a atenção para a necessidade de remover os potenciais perigos estabelecendo outras regras de segurança, como por ex : estender a cobertura (alpendre) do recreio de forma a evitar uma maior aproximação do veículo com o local aonde se encontram as crianças; proibir o trânsito (mesmo que só para estacionar) de tal veículo nas horas de abertura da creche; manter as portas das salas de actividades sempre fechadas, sobretudo quando as educadoras estão a conversar com a mãe de uma das suas crianças, ou à hora da entrega das crianças quando existe mais confusão…. etc
Perante esta situação competia á ré Casa do Povo o dever de tomar todas as regras de segurança necessárias a evitar estas situações, e depois de as fazer cumprir.
Os factos mostram que essas regras não existiam.
Terceira questão
Se merece censura o que foi decidido quanto às parcelas indemnizatórias objecto da apelação.
Neste particular alega o recorrente que Quanto aos montantes indemnizatórios, entendeu o douto tribunal “a quo” arbitrar a uma indemnização no valor de € 35.000,00 a título de danos patrimoniais; € 20.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo menor e € 20.000,00 como compensação pelos danos sofridos pelos pais.
Ora, entende a Recorrente, ressalvando sempre o devido respeito por opinião diversa, que tais montantes se mostram excessivos e desajustados, atendendo não apenas aos factos dados como provados, mas também aos parâmetros que vêm sido seguidos pela nossa jurisprudência, humanista como nenhuma outra.
Mais entende a recorrente que, atenta a factualidade dada como provada, ficcionar um valor remuneratório mensal para o Autor/Apelado de 1.000,00€, como se fez na decisão recorrida, será manifestamente excessivo
Em seu entender, deveria o Tribunal a quo deveria tomar como ponto de partida o salário mínimo nacional conforme entendimento que tem sido sufragado pelos tribunais superiores.
Ora, e seguindo a orientação constante do acórdão recente desta Relação datado de 05.06.2014 proferido no processo nº 668/05.1 TBPTL.G1 com o qual se concorda não poderemos deixar de afirmar que o valor considerado na decisão recorrida se nos afigura equilibrado e ajustado á situação concreta em análise e à realidade económica actual.
Com efeito, trata-se de um dado da experiência que, com a evolução do ensino obrigatório e da formação escolar, profissional e académica, um jovem, quando adulto, tende a obter uma remuneração capaz de assegurar adequadas condições, e não apenas as condições mínimas de dignidade, e que em nosso entender terá de aproximar-se, pelo menos, daquela que constitui ou a que ascende remuneração média mensal para o sector privado que, sendo significativamente superior ao salário mínimo, ascendia, no ano de 2009, a um valor já algo superior ao € 1.000,00 - mais concretamente, ascendia € 1.034,00: cfr. www.gee.min-economia.pt -, abertas que ainda estão, porque de um jovem de tenra idade se trata, todas as portas e possibilidades da vida, não havendo razões para se não admitir que não pudesse vir ter uma evolução positiva e de sucesso no seu trajecto pessoal, de formação académica e de inserção profissional.
Não é nada que não se imponha em termos de normalidade e dentro do requisito previsibilidade, pois que, corresponde inequivocamente às expectativas de quem, dotado de mediana capacidade e aptidão, está em condições de entrar no mundo do trabalho, será o rendimento médio acessível a um jovem saudável dotado de formação profissional mediana, e que, como é normal, tenderá a subir ao longo da vida.
Acresce dizer que, em situações como acontece neste processo em que a actividade profissional do lesado não está ainda definida, a retribuição mínima mensal garantida é apenas um ponto de partida, pelo que o salário médio do país é mais adequado para encontrar o valor do dano biológico, devido ao facto deste valor médio reflectir de forma mais aproximada à realidade a situação económica global do país onde as indemnizações aqui em causa também se inserem.
Tal salário médio é superior à retribuição mínima mensal garantida.
Na verdade o futuro é hipotético e, por isso, aberto.
Por ser assim, os dados com os quais o tentamos antecipar só podem ser os dados reais do presente, pois só estes são conhecidos.
Assim, é de colocar a hipótese do menor ingressar no mercado de trabalho pelos seus 25 anos e cessar tal actividade pelos 70 anos, extremos que se afiguram plausíveis, este último dada a tendência para a idade da reforma aumentar.
É previsível que a vida profissional do menor se estenda por 45 anos.
Como já se afirmou no recente acórdão do STJ de 09.07.2014 proferido no processo 686/05.0 TBPNLL.S1 relatado pelo Sr Conselheiro Alves Velho há que reconhecer, em casos como estes, a dificuldade de encontrar um montante indemnizatório que previsivelmente corresponda adequadamente à compensação dos efeitos das sequelas.
Na verdade, não há qualquer profissão a considerar nem é determinável, face aos elementos disponíveis, a repercutibilidade das lesões no exercício das tarefas laborais e de utilização do corpo em geral.
não é nada que não se imponha em termos de normalidade e dentro do requisito previsibilidade; o salário mínimo, prevenindo um mínimo para a subsistência de quem trabalha, não é a regra nem corresponde às expectativas de quem, dotado de mediana capacidade e aptidão, está em condições de entrar no mundo do trabalho”.
Será certamente superior o salário médio acessível a uma jovem saudável dotado de formação profissional média/superior, a partir dos 21 anos de idade, o qual, como é normal, tenderá a subir ao longo da vida.
Ficando provado – como é o caso - que o lesado ficou com uma incapacidade permanente parcial, não há dúvida de que este dano biológico determina uma alteração na sua vida, sendo a sua situação pior depois do evento danoso, pelo que esta alteração tem de forçosamente relevar para efeitos de atribuição de indemnização.
Pelo que, sendo a incapacidade permanente, “de per si”, um dano patrimonial indemnizável, pela limitação que o lesado sofre na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, deve ser reparado, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais ou não implique qualquer esforço acrescido – cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 20/11/2011 e de 20/01/2010 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 04/12/2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
“A afectação do ponto de vista funcional, não pode deixar de ser determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado, revestindo cariz patrimonial que justifica uma indemnização para além da valoração que se impõe a título de dano não patrimonial” - Ac. do STJ, de 23.04.2009 (relator Salvador da Costa), proferido no Proc. nº 292/04, disponível em www.dgsi.pt..
De igual modo se defende no Ac. do STJ de 16.12.2010 (Lopes do Rego), disponível em www.dgsi.pt. que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido. “É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.
Assim, a incapacidade em causa, constitui uma desvalorização efetiva que, normalmente, terá expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização.
A ser assim a questão do montante exato da remuneração que o menor poderá vir a auferir, neste contexto, perde relevância, uma vez que, como já vimos este tipo de incapacidade, constitui uma desvalorização efetiva com expressão patrimonial, embora em valores não definidos e com a consequente necessidade de recurso à equidade para fixar a correspondente indemnização. Pelo que o dano biológico traduzido numa determinada incapacidade sem perda de rendimento de trabalho, é sensivelmente o mesmo, quer o sinistrado aufira € 900,00, quer aufira € 2000,00.
Quanto ao mais, a experiência ensina-nos que os dados sócio-económicos são voláteis e que não é possível fazer um prognóstico rigoroso dos salários, das taxas de juros ou da fiscalidade.
“Por isso, o recurso à equidade nesta matéria não pode ser apenas subsidiário das fórmulas, mas antes o critério primordial, que jurisprudencialmente se irá fixando, constituindo tais fórmulas apenas um mero indicador do acerto do juízo de equidade.
Ou seja, o julgador terá de compaginar as contas com o seu sentimento de justiça. Dando prevalência a este último, moderado como tem de ser pelas correntes jurisprudenciais e sem que entre em flagrante contradição com a realidade socioeconómica que as ditas contam traduzem."- cf. neste sentido Acórdão desta Relação datado de 15.10.2013 proferido no processo 106/08.8 TBPVL.G1.
“Deve-se chegar a tal indemnização através de um juízo de equidade, que não é um qualquer exercício de discricionariedade, mas antes a procura da justiça do caso concreto” – Acórdão do STJ de 07/01/2010 (Conselheiro Pires da Rosa), processo n.º 5095/04.5TBVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt.
Assentes os pressupostos acima definidos, deve ainda dizer-se que cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” (citação do acórdão do STS de 06.06.2013 (www.dgsi.pt, proc. nº 303/09.9TBVPA:P1.S relatado pela Srs Conselheira Maria dos Prazeres Beleza com o voto unânime dos adjuntos Srs Conselheiros Lopes do Rego e Orlando Afonso, que temos seguido noutras situações e vamos seguir pela orientação ajustada ao caso em apreço);… os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.”
Assim a fixação da indemnização deve pautar-se por critérios de igualdade e razoabilidade, indispensáveis à realização do princípio da equidade, relevando como de particular importância a análise de decisões de tribunais superiores relativas à reparação deste tipo de danos: veja-se assim entre outros os seguintes Acórdãos da Relação do Porto de 11/05/2011 e do STJ de 13/01/2009 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), que foi fixada em € 15.000,00 a indemnização pelo esforço equivalente à perda de capacidade de ganho de 5%, num menor de 13 anos, num caso e, no outro caso, com 8 anos e tendo-se ponderado um salário médio de € 800,00 ou de € 650/700,00. Também no Acórdão do STJ de 07/01/2010, já supra referido, entendeu-se que: “Provado que o autor tinha à data do acidente 26 anos, auferia o salário mensal de € 657,01 (14 vezes por ano) e que, em virtude do sinistro, ficou a padecer de uma IPP de 8% que não o impede do seu exercício profissional, mas exige esforços físicos suplementares, reputa-se de justa e equitativa a quantia de € 20 000 destinada à reparação dos danos patrimoniais sofridos pelo autor” .
Só ponderando todos estes elementos se logra, na verdade, "reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562º)”;
Veja-se, também, a este propósito os Acórdãos da Relação do Porto de 11/05/2011 e do STJ de 13/01/2009 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), nos quais foi fixada em € 15.000,00 a indemnização pelo esforço equivalente à perda de capacidade de ganho de 5%, num menor de 13 anos, num caso e, no outro caso, com 8 anos e tendo-se ponderado um salário médio de € 800,00 ou de € 650/700,00.
Também no Acórdão do STJ de 07/01/2010, já supra referido, entendeu-se que: “Provado que o autor tinha à data do acidente 26 anos, auferia o salário mensal de € 657,01 (14 vezes por ano) e que, em virtude do sinistro, ficou a padecer de uma IPP de 8% que não o impede do seu exercício profissional, mas exige esforços físicos suplementares, reputa-se de justa e equitativa a quantia de € 20 000 destinada à reparação dos danos patrimoniais sofridos pelo autor”
O acordão desta Relação datado de 04.04.2013 proferido no processo 97/05.7 TBPVL.G2 no qual foi fixada uma indemnização por danos futuros de 100,000 a um menor de seis anos que ficou com uma incapacidade de 50%.
No nosso caso, o autor tinha 6 anos e ficou com uma IPG de 9 pontos. As sequelas implicam repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer que se manifestam nas limitações ao jogar futebol, correr, tomar banho, caminhar a pé, participar em brincadeiras com os amigos, não ser capaz de fazer caminhadas e outras.
Considerando tudo o acima dito, não nos parece excessivo o valor fixado em 1.ª instância a títulos de danos patrimoniais.

Indemnização fixada a título de danos não patrimoniais.
No caso dos danos não patrimoniais, não há a intenção de pagar ou indemnizar o dano, mas apenas o intuito de atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares às de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspeto, da utilização que dela se faça - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 5ª edição, páginas 563 e 564.
Como também se tem dito, trata-se de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, como acontece com a indemnização, mas tão-só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização tem aqui um papel mais compensatório, mais do que reconstitutivo.
E ensina Antunes Varela in ob. cit., pág. 568, que “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.
O dano deve ser de tal modo grave que justifique a tutela do Direito, pela concessão da satisfação de ordem pecuniária – artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil.
O montante da indemnização deve ser fixado equitativamente pelo tribunal (nº 3 do referido art.º 496º), através de adequado e equilibrado critério de justiça material e concreta. Devem ser ponderadas as circunstâncias concretas de cada caso, considerando especialmente, em situações de mera culpa, a possibilidade da indemnização ser inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que a culpabilidade do agente e a situação económica deste e do lesado o justifiquem (art.ºs 494º e 496º, nº 3, do Código Civil), o que confere ainda mais a natureza de compensação, de satisfação, do que de indemnização à quantia a atribuir.
Tem entendido a jurisprudência dos tribunais superiores, de há anos a esta parte, que, para responder de modo atualizado ao comando do art.º 496º, a indemnização por danos não patrimoniais tem que constituir uma efetiva possibilidade compensatória, tem que ser significativa - Cf., entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 11.10.94, BMJ 440/449, de 17.1.2008, proc. 07B4538 e de 29.1.2008, proc. 07A4492, in www.dgsi.pt; mas também tem que ser justificada e equilibrada, não podendo constituir um enriquecimento abusivo e imoral.
Assim, a apreciação da gravidade do dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana, e a fixação da indemnização deve orientar-se em harmonia com os padrões de cálculo adotados pela jurisprudência mais recente, de modo a salvaguardar as exigências da igualdade no tratamento do caso análogo, uniformizando critérios, o que não é incompatível com o exame das circunstâncias de cada caso - neste sentido veja-se o recente Acórdão da Relação de Guimarães de 05/02/2013, in www.dgsi.pt.
São de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspetivas para o futuro, entre outras.
No caso dos autos, importa realçar os seguintes factos:
25. O menor J.. era um menino saudável, bem-disposto, feliz e sorridente.
26. Do acidente resultaram para o J.., lesões que se consubstanciaram na fratura-luxação do astrágalo do pé esquerdo.
27. Consequência do que a criança apresenta deformidade na face interna do calcanhar, dor à pressão no calcâneo, limitação dolorosa do tarso, mais evidente na flexão plantar.
28. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 8.9.2009.
29. O período de défice funcional temporário total foi de 62 dias.
30. O período de défice funcional temporário parcial foi de 121.
31. O quantum doloris é de 5 em 7.
32. O défice funcional permanente da integridade físico-psiquica é de 9 pontos, sendo de admitir a existência d e dano futuro.
33. O dano estético é de 3 em 7.
34. As sequelas implicam repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer que se manifestam nas limitações ao jogar futebol, correr, tomar banho, caminhar a pé, participar em brincadeiras com os amigos, não ser capaz de fazer caminhadas e outras.
35. O J.. teve que fazer tratamentos médicos e sofreu intervenções cirúrgicas.
36. No dia do acidente (10/03/2009), foi assistido no Hospital de Riba D'Ave.
37. Nesse mesmo dia foi operado e foi-lhe feita redução incruenta e fixação de fratura com fios de Kirshner e faciectomia do pé.
38. Em 12/03/2009, teve alta hospitalar e foi acompanhado em consulta externa.
39. Em 14/4/2009, sofreu intervenção cirúrgica para que lhe fossem retirados os fios de Kirshner.
40. Teve que estar de cama no seu domicílio de 12/03/2009, até 30/04/2009.
41. Manteve-se em consulta externa até 08.09.2009.
42. O J.. teve inquietação, angustia e sofreu susto.
43. Sofreu dores, quer quando foi atropelado, quer posteriormente, antes e depois das intervenções cirúrgicas e dos tratamentos médicos.
44. Sofre ainda dores quando pega em pequenos objetos ou pretende deslocar se.
45. Não pode correr como os outros meninos da sua escola, como tanto gostava.
46. Não consegue jogar á bola, como até então o fazia com muito prazer.
47. E não consegue acompanhar os outros meninos, seus colegas nas horas do recreio das atividades escolares.
48. O menino J.. tem diminuição da capacidade de locomoção e claudica.
49. O menor pode vir a necessitar de se submeter a novas intervenções cirúrgicas.
50. Podendo vir a agravar-se as suas sequelas em medida que não pode, ainda, ser computada.
51. A criança sofre de tristeza.
52. Do acidente resultou que o J.., ficou com o vestuário que usava então (calças, camisola e roupa interior) destruído e perdeu o calçado (sapatilhas).
53. Ambos os pais do menor A.. e a M.., trabalham.
54. E tiveram que optar por um deles ficar em casa com o filho, pois este não se movimentava, nem conseguia alimentar-se ou fazer a sua higiene sozinho.
55. A opção recaiu sobre a mãe, atendendo à maior ligação afetiva e disponibilidade profissional.
56. A mãe, M.. é trabalhadora da sociedade B..., SA, auferindo mensalmente a quantia de € 795,00€.
57. Ambos os pais têm acompanhado o menor seu filho para todas as consultas médicas, tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas, o que lhes causa sofrimento.
58. Os autores tinham um filho saudável, com alegria de viver e isso dava-lhes gosto e fazia-os sentirem-se orgulhosos na sua função de pais, que acompanhavam o desenvolvimento e crescimento do filho.
59. Com a ocorrência do acidente os AA. perderam a alegria de viver.
60. E desconhecem quanto tempo ainda vai durar o seu sofrimento.

O quadro físico e psicológico supra retratado bem justifica a importância da atribuição de indemnização por dano moral.
Atendendo a que devemos pautar-nos por critérios de igualdade e razoabilidade na atribuição da indemnização (art.º 8º do Código Civil) - o que não obsta à realização do princípio da equidade -, vejamos algumas decisões dos Tribunais Superiores relativas aos danos não patrimoniais:
- Num acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.6.2011, foi atribuída uma indemnização de € 23.000,00 a um sinistrado que ficou com ferimentos a nível da face, couro cabeludo, tórax, região dorsal e membro superior direito. Esteve internado 12 dias, apresentando traumatismo torácico com pneumotórax bilateral, fratura D4, D5 e D6 e fratura da clavícula direita. Ficou a padecer de uma IPG de 16%, sendo as sequelas descritas compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares. E mesmo após a alta dos hospitais, andou em tratamento ambulatório, durante vários meses para lhe ser prestada assistência e tratamentos médicos por diversos especialistas, pois apresentava sinais e sintomas de disfunção, temporo-mandibular, tendo sido submetido a extrações e intervenções dentárias. Esteve, em consequência do acidente, com Incapacidade Temporária Geral quase três meses; com Incapacidade Temporária Geral Parcial, cerca de 7 meses e com Incapacidade Temporária Profissional Total, cerca de 10 meses. Ficou ainda demonstrado que sofreu um quantum doloris fixável em grau 4 e que ainda hoje sente dores, tomando, por vezes, analgésicos para suportar as mesmas. Teve de se deslocar várias vezes ao Porto para tratamentos e teve de usar um colete ortopédico durante cerca de 2 meses. À data do acidente era um jovem saudável e alegre, trabalhando, como sócio gerente e, em consequência do mesmo, sentiu-se e sente-se angustiado;
- No acórdão do STJ de 29/06/2011, decidiu-se: “VIII - Em matéria de lesões físicas do demandante sobressai a fractura do cotovelo, que o obrigou a uma intervenção cirúrgica e a um período de 30 dias de incapacidade temporária geral e profissional total, seguido de um período de 177 dias de incapacidade temporária geral e profissional parcial; as dores sofridas, tendo sido fixado quantum doloris no grau 5, numa escala de 7; o dano estético, constituído pela cicatriz de 14 cm, fixado no grau 3, numa escala até 7. IX -Tendo em conta esta factualidade, com destaque para o período de tempo de doença e o quantum doloris, que são significativos, entende-se que o montante de indemnização fixado (€ 25 000) é justo e adequado à reparação dos danos não patrimoniais”
Neste quadro factual, legal e jurisprudencial comparativo, em que sobrelevam as especificidades do caso submetido à nossa apreciação, temos como justo e equilibrado o valor fixado na 1ª instância a título de danos não patrimoniais.

Quarta questão
Os juros devidos
Em obediência ao disposto no artº. 566º., nº. 2, do C.C., as indemnizações referentes aos lucros cessantes/danos futuros e aos danos não patrimoniais foram apuradas tendo em consideração os valores mais recentemente atribuídos pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
Destarte, e em conformidade com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S.T.J. nº. 4/2002, de 9/05/2002 (publicado no D.R., Série I-A, de 27/07/2002), e ainda nos termos do disposto nos artos. 805º., nº. 3 e 806º., do C.C., à importância referida acrescem juros de mora a contar desta data, às taxas legais em vigor e até integral pagamento.
Pelo pagamento são responsáveis a ré seguradora até ao limite do respectivo capital seguro e no restante a ré Casa do Povo de...

Sumário:
1 - A afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente, também, da sua atividade laboral.
2 - Na fixação da indemnização pelo dano não patrimonial resultante de acidente de viação, o indispensável recurso à equidade, não impede, antes aconselha, que se considere, como termo de comparação, valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.
3 - Só se a sentença ou decisão que fixe a indemnização actualizar o respectivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão é que, de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 09.5.2002, os juros de mora devidos se vencerão a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, a qual vai alterada nos seguintes termos:
Condena-se as rés ..Companhia de Seguros, S.A e Casa do Povo de.. a pagar aos autores:
1- Pelos danos sofridos por J.., a quantia de € 49.745,03 (quarenta e nove mil setecentos e quarenta e cinco euros e três cêntimos)
2. Pelos danos sofridos por A.. e M.., a quantia conjunta de € 11.366,30 (onze mil trezentos e sessenta e seis euros e trinta cêntimos)
3- A ré seguradora é responsável até ao limite do respectivo capital seguro
4. Os respectivos juros, às taxas legais em vigor, a contar desde esta data até efectivo e integral pagamento.
B – Absolver as RR. do demais peticionado.
Custas a cargo dos AA. e RR na proporção do decaimento –cfr. art.º 527.º do C.P.Civil.
Guimarães, 5 de Fevereiro de 2015
Purificação Carvalho
Espinheira Baltar
Henrique Andrade