Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1707/15.3T8BGC.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE
LIVRANÇA EM BRANCO
AVAL
ASSUNÇÃO CUMULATIVA DE DÍVIDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo Relator):

I. O contrato de abertura de crédito é uma das operações bancárias previstas no artigo 362º do Código Comercial, tratando-se dum contrato pelo qual um banco se obriga a colocar à disposição do cliente uma determinada quantia pecuniária (acreditamento ou “linha de crédito”), por tempo determinado ou não, ficando este obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões;

II. A especificidade que decorre do contrato de abertura de crédito ser em conta-corrente é a de que o creditado pode não só efectuar sucessivos lançamentos, como ainda efectuar depósitos, “repristinando” assim o montante do crédito de que pode dispor, o que não sucede na modalidade de contrato de abertura de crédito simples, em que não há repristinação da disponibilização de fundos;

III. Se no contrato de abertura de crédito em conta corrente, além de a Autora ter aberto um crédito, numa conta bancária, em conta corrente a favor da 1ª Ré até ao montante máximo de 15.000,00 Euros (relação fundamental), foi ainda constituída uma obrigação cambiária constante de uma livrança em branco, subscrita por aquela 1ª Ré (parte devedora) e avalizada pessoalmente pelos Segundos e Terceiros Outorgantes, tal não significa, só por si, que estes últimos assumiram cumulativamente aquela primeira dívida (art. 595º do CC).

IV- Para que isso suceda, tal como também é defendido no lugar paralelo que constitui a fiança, não basta à Autora alegar e provar a prestação do aval. É necessário algo mais, já que a declaração de aval é apenas um de entre vários elementos a ter em conta pelo intérprete para apurar, dentro dos cânones hermenêuticos (art. 236º do CC), se, pelo seu comportamento, o sujeito pretendeu igualmente ficar vinculado enquanto “assuntor” da obrigação fundamental.

V- Assim, para este efeito, tal pretensão de reconhecimento da qualidade de Assuntor só podia ser acolhida pelo Tribunal, se a Autora lograsse efectuar essa prova através de outros elementos exteriores ao mero texto da declaração cambiária de aval”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

A Autora, Banco X, intentou acção declarativa de condenação com processo comum declarativo contra os Réus, PP – Creche de Actividades de Tempos Livres, Lda., Maria, Teresa e Fernando, alegando, em síntese, ter, no exercício da respectiva actividade comercial, enquanto instituição de crédito, celebrado no dia 27/3/2009 com a 1ª Ré, PP Creche de Actividades de Tempos Livres, Lda., um contrato de abertura de crédito em conta corrente, por via do qual a referida Demandada se obrigou a constituir uma conta de depósito à ordem no Banco Demandante.

Mais alegou a Autora ter a mesma, no âmbito do aludido negócio - com validade por 6 meses e renovável, de forma automática e sucessiva por iguais períodos -, concedido à 1ª Ré um crédito até ao montante máximo de 15.000,00 Euros, crédito esse cujo capital efectivamente utilizado pela aludida Demandada vencia juros à taxa anual de 6,0020%, sendo ainda devida comissão de 1,00% sobre o montante de crédito não utilizado e uma outra comissão de gestão, a qual seria debitada semestralmente, no início de cada período de contagem de juros.

Esclareceu ainda a Autora que, em caso de incumprimento e necessidade de recurso a acção judicial para cobrança do aludido crédito, aquela poderia reclamar, para além dos referidos juros remuneratórios, indemnização fixada em cláusula penal no montante que resultasse da aplicação da sobretaxa de 4% ao ano, calculada sobre o capital em dívida desde a data da mora.

Neste contexto, referiu ainda a Demandante que, de acordo com o aludido negócio, a 1ª Ré se obrigava a amortizar integralmente o saldo devedor apurado na conta corrente no termo do prazo contratual ou das respectivas renovações, sendo que, para garantia de tais obrigações e tal como previsto no contrato de abertura de crédito em conta corrente, tal Demandada havia subscrito uma livrança em branco, avalizada pela 2ª Demandada, Maria (na altura, sócia-gerente da 1ª Ré) e por Luísa, tendo-a entregue, no momento da celebração do negócio, à Autora, tal como previsto no clausulado negocial, nos termos do qual as referidas avalistas declararam expressamente consentir na referida prestação de aval nas condições aí previstas, assumindo, por essa via, a obrigação de garantir a referida dívida da sociedade mutuária.

Sucede que – continua a Autora – em 24/10/2011 foi celebrado entre a mesma e os Réus um contrato adicional ao referido contrato de abertura de crédito, pelo qual todas as partes acordaram em retirar a qualidade de avalista à referida Luísa e, por outro, acordaram em atribuir tal qualidade aos 3º e 4º Demandados, Teresa e Fernando, bem como em alterar o spread contratado a partir da data de 27/9/2011, sem prejuízo dos efeitos do contrato anteriormente produzidos.

Finalmente, alegou a Autora que a 1ª Ré deixou de cumprir as obrigações decorrentes do contrato de abertura de crédito, sendo os demais Réus – enquanto garantes da referida dívida da aludida mutuária - solidariamente responsáveis por tal débito, o qual ascende a 15.000,00 Euros, a que acresce a quantia de 2.788,79 Euros, a título de juros vencidos, bem como o montante de 771,25 Euros a título de cláusula penal calculada desde 27/1/2014 e as quantias de 324,00 Euros, 12,96 Euros e 283,78 Euros, a título de despesas na conta da mutuária, impostos sobre despesas, comissões financeiras e imposto de selo.

Conclui a Autora peticionando a condenação dos Réus no pagamento àquela da quantia global de 19.380,56 Euros, acrescida dos juros moratórios calculados à taxa legal, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento.
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Regularmente citados os Réus, apenas a 2ª Ré, Maria, deduziu Contestação, por via da qual, além de alegar a insolvência da 1ª Demandada por sentença transitada em julgado proferida no proc. 454/14.8TBBGC, invocou excepção peremptória extintiva do direito de crédito alegado como causa de pedir da acção, referindo, em síntese, terem as partes, no contrato de abertura de crédito e, sobretudo, no contrato adicional, pretendido, por via de acordo de novação objectiva aí mencionado, extinguir as obrigações decorrentes daquele primeiro negócio para a 1ª Demandada, mediante a constituição de nova obrigação que passou a ocupar o lugar daquela, nova obrigação essa de natureza estritamente cambiária, que vinculava a 1ª Ré, bem como os 2º, 3º e 4ª Réus (estes, apenas e só, enquanto avalistas, e não enquanto mutuários ou garantes da dívida da mutuária que nunca foram). Nessa medida, como na Petição Inicial, apenas teria sido invocada a obrigação decorrente do contrato de abertura de crédito, e não a aludida obrigação cambiária, e como pelo contrato adicional havia sido operada a referida novação objectiva, ter-se-ia de concluir pela extinção da obrigação resultante do contrato de abertura de crédito com a consequente absolvição do pedido da 2ª Demandada, a qual nunca se havia obrigado a garantir as obrigações da 1ª Demandada decorrentes do referido negócio, mas apenas – e como referido - a contrair obrigação cambiaria autónoma, cuja existência não foi invocada pela Demandante naquele articulado.
Mais impugnou a 2ª Ré que, por via do aludido contrato adicional, a mesma tivesse, a par dos 3º e 4º Réus, assumido a dívida decorrente do contrato de abertura de crédito por via de negócio de assunção cumulativa de dívida, outrossim se tendo obrigado apenas a prestar um aval em letra em branco, assumindo, por essa via, e apenas, uma obrigação cambiária, cuja existência não foi, de resto, invocada pela Demandante.
Concluiu assim a 2ª Ré pela respectiva absolvição do pedido.
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Foi concedido à Demandante o contraditório relativamente à excepção peremptória deduzida pela 2ª Demandada, tendo aquela apresentado requerimento de fls. 46 e ss., nos termos do qual alegou não ter havido qualquer novação objectiva da obrigação decorrente para a 1ª Ré do contrato de abertura de crédito, outrossim apenas a modificação de tal obrigação quanto a aspectos acessórios, razão pela qual a referida excepção peremptória deduzida pela 2ª Ré teria de improceder.
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A fls. 55 e ss. foi a instância declarada extinta por inutilidade superveniente da lide relativamente à 1ª Ré, tendo em conta a insolvência desta decretada por sentença transitada em julgado no proc. 454/14.8TBBGC. Foi ainda, nessa sede, proferido despacho saneador, sem indicação do objecto do litígio e selecção de temas de prova.
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De seguida, foi realizado a Audiência Final (no âmbito da qual foi ainda a Autora notificada para juntar aos autos o original da livrança a que aludia o contrato adicional celebrado entre as partes em 24/10/2011, não tendo a mesma junto tal documento).
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Finalmente, foi proferida a seguinte sentença:

“Decisão:

Pelo exposto, decide o Tribunal:

I. Julgar improcedente, por não provada, a acção intentada pela Autora, Banco X contra os Réus, Maria, Teresa e Fernando, absolvendo estes do pedido.
II. Custas pela Autora (artigos 527º nº1 do NCPC e 6º do RCP com referência à Tabela I) em anexo a este último diploma).”
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É justamente desta decisão que a Autora/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES

1. A causa de pedir da acção consiste no contrato de abertura de crédito com conta corrente com a respectiva modificação introduzida pelo contrato adicional em 27/9/2011, celebrado entre a A. e 1ª Ré, esta na qualidade de mutuária.
2. Os restantes Réus celebraram o contrato, assumindo a aludida dívida, celebrando, ainda um pacto de preenchimento de uma livrança, cujo original não se encontra junto aos autos.
3. A cláusula sétima inserida no contrato de abertura de crédito (incluindo as modificações introduzidas pelo “adicional”) deve ser interpretada como pressupondo a assunção, por parte dos 2º, 3º e 4º RR. da dívida decorrente para a 1ª R. - enquanto mutuária - do aludido negócio.
4. Uma vez que a dívida existente no momento da subscrição desse contrato adicional ainda é ilíquida, por via dessa iliquidez, os 3º e 4º RR. mandataram, também, a A. para a liquidar, dentro de determinados pressupostos, e no prazo em que viesse a entender estarem verificados os demais pressupostos, designadamente, o prazo de vencimento e incumprimento por parte dos RR.
5. Deste modo assumindo a dívida resultante dessa liquidação que a A. viesse a fazer.
6. A sentença recorrida recusa a procedência da acção invocando a inexistência de fiança no contrato.
7. Mas a A. não alega como causa de pedir a fiança, mas sim e antes, a assunção de dívida por banda dos 2º 3º e 4º demandados.
8. Os 2º 3º e 4º RR não assumiram obrigação subsidiária (art. 638.º nº, 1), e constituíram-se em devedores principais, juntamente com o primitivo devedor.
9. Os 2º,3º e 4º RR. fizeram sua a obrigação que recaía sobre o devedor principal no momento da assunção, respondendo assim por dívida própria.
10. Os 2º, 3º e 4º RR. respondem pela obrigação, com o conteúdo que esta possuía no momento da assunção.
11. Assim, e no caso presente e em face dos dizeres da citada cláusula contratual, estamos em presença dum acordo em que o terceiro se vincula ao cumprimento da dívida de outrem, segundo o regime da assunção cumulativa de dívida
12. O objectivo decisivo tido em vista pelas partes (2º, 3º e 4º Réus) ao contratar, foi o de reforçar o crédito da A., oferecendo ao credor uma garantia maior, com a intenção das partes de que os novos devedores pagassem a dívida da 1ª R.
13. É esta a conclusão que se pode retirar do teor dos pontos 20 a 34 considerados provados na sentença decorre do contrato de abertura de crédito de mútuo e seu adicional e junto pela Autora, cujo teor não foi impugnado pelos Réus (cfr. Artigo 376º do CC).
14. E a verdade é que os 2ª, 3ª e 4º RR., ao procederem à entrega da livrança, assinada em branco e avalizada por estas, constitui confissão de tais factos contida esta última no aludido contrato de mútuo e repetida no contrato adicional, demonstra de per si esta intenção de os 2º,3º e 4º RR. assumirem de motu próprio a dívida da R. mutuária.
15. A sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação dos artºs 595º nº 1 e 2 do Cod Civil.

Termos em que, com o douto suprimento do omitido, deve ser concedido provimento ao recurso, Revogando-se a douta sentença recorrida e decretando-se a procedência da acção...”.
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Foram apresentadas contra-alegações, onde a Recorrida pugna pela improcedência do Recurso, formulando as seguintes conclusões:

A. O objecto do recurso apresentado pelo Recorrente é saber se perante as declarações constantes da cláusula sétima do contrato, celebrado em 27-03-2009, os Recorridos se vincularam também como devedores da obrigação subjacente ao abrigo do instituto jurídico da assunção de dívida previsto no artigo 595.º do Código Civil.
B. O que se reconduz a um problema de interpretação das declarações negociais.
C. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – art. 236º nº 1 do CC - teoria da impressão do destinatário.
D. Tratando-se de negócios formais, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso – art. 238º nº 1 do CC. O texto do documento surge assim como um limite à validade do sentido com que o negócio deva valer, apurado esse sentido nos termos gerais da interpretação - Vide E. SANTOS JÚNIOR sobre a interpretação dos negócios jurídicos, p. 153.
E. Nos presentes autos a Recorrida não intervém no contrato de abertura de crédito em conta corrente, apenas aí sendo indicada como avalista.
F. A Recorrida subscreveu como avalista as duas livranças a que os dois contratos fazem referência, posteriormente entregues ao Recorrente.
G. As declarações da Recorrida não tiveram outra finalidade que não autorização do preenchimento das livranças.
H. Uma coisa é aceitar as estipulações do contrato, aceitação que é necessária por tais estipulações determinarem e balizarem os termos do preenchimento da livrança.
I. Coisa bem diferente é assumir a responsabilidade pela satisfação da obrigação fundamental ou subjacente, o que as declarações não revelam e nem foi essa a intenção.
J. É apenas na qualidade de avalista que a Recorrida subscreveu as declarações constantes dos dois contratos e é apenas nessa qualidade que a mesma é indicada e referenciada.
K. Tanto mais que o Recorrido adoptou a designação de PARTE DEVEDORA para identificar apenas a Recorrida PP – Creche de Actividades de Tempos Livres, Lda.
L. Ao passo que à Recorrida lhe atribuiu a designação de 2.º OUTORGANTE.
M. O que denota uma clara distinção entre ambas.
N. A declaração que a Recorrida fez a constar do n.º 1 da cláusula 7.ª dos contratos faz uma clara distinção entre a qualidade em que intervém, resultando da mesma que a sua responsabilidade é abstracta e cambiária.
O. Em lado algum a Recorrida assume a dívida que está subjacente à obrigação cambiária, não valendo como tal a entrega das livranças em branco e por si avalizadas.
P. Um declaratário normal, de capacidade e diligência médias, colocado na posição do declaratário real, não atribuiria às mencionadas declarações dos Recorridos/Avalistas outro sentido que não seja o de que estes, tendo subscrito as livranças nessa qualidade, aceitaram as estipulações do contrato tendo em vista o preenchimento desses títulos cambiários, fim inequivocamente visado por tais declarações.
Q. Com efeito a douta decisão recorrida não padece do apontado erro de interpretação e aplicação do artigo 595.º, do Código Civil.

4. Nestes termos e nos demais de direito que Vexas. doutamente suprirão, o que se impetra:
A. deve o recurso apresentado pelo Recorrente sociedade Banco X. ser julgado improcedente e, por via disso, confirmar-se a sentença recorrida.”
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso- cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a Recorrente coloca a seguinte questão que importa apreciar:

- Saber se a cláusula sétima inserida no contrato de abertura de crédito (incluindo as modificações introduzidas pelo “adicional”) deve ser interpretada como pressupondo a assunção, por parte dos 2º, 3º e 4º RR. da dívida decorrente para a 1ª R. - enquanto mutuária - do aludido negócio.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

“Fundamentação de facto:
Factos provados:

Com relevância para a decisão a proferir e expurgando-se todos os factos conclusivos alegados pelas partes nos articulados, consideram-se provados os seguintes factos:

1 Designadamente, os artigos 11º, 12º, 14º, 15º, 17º, 18º, 19º, 20º, 22º, 23º, 24º, 31º, 40º, 41º, 42º, 45º, 46º, 47º a 49º, 53º a 56º, 60º a 86º da Contestação e 1º a 21º do requerimento de fls. 46 e ss.

1. A Autora, Banco X é uma instituição de crédito que exerce a actividade bancária.
2. No exercício da sua actividade comercial, a Autora celebrou, no dia 27/3/2009, um contrato de abertura de crédito em conta corrente com a 1ª Ré, PP – Creche e Actividades de Tempos Livres, Lda., aí denominada “Parte Devedora” (cfr. documento de fls. 7 a 11, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos), sendo ainda 2º e 3ª Outorgantes no aludido negócio, a 2ª Ré, Maria e Luísa.
3. De acordo com o contrato referido em 2), a 1ª Ré obrigou-se a constituir uma conta de depósito à ordem, na modalidade “Banco X Gestão Activa”, no Banco Autor.
4. Por sua vez, no âmbito ainda do aludido contrato, a Autora abriu um crédito, na aludida conta bancária, em conta corrente a favor da 1ª Ré até ao montante máximo de 15.000,00 Euros.
5. Após a contratação da aludida conta corrente, a conta de aplicação financeira seria automaticamente constituída, auferindo juros calculados diariamente de acordo com o definido no preçário da Autora.
6. O referido contrato de abertura de crédito em conta corrente foi celebrado pelo prazo de 6 meses com início em 27/3/2009 e termo em 27/9/2009, renovando-se o acordo, sucessiva e automaticamente por iguais períodos.
7. O capital efectivamente utilizado pela 1ª Ré referido em 4) vencia juros, durante o primeiro trimestre, à taxa anual de 6,0020%.
8. Os juros eram calculados diariamente, numa base de 360 dias e em função dos montantes de utilização efectiva de fundos pela 1ª Ré, sendo pagos mensal e postecipadamente.
9. Conjuntamente com o pagamento de juros seria também paga pela 1ª Ré uma comissão de imobilização de 1,00% sobre o montante do crédito não utilizado.
10. A 1ª Ré obrigou-se ainda a pagar à Autora uma comissão de gestão de acordo com o preçário desta, a qual seria debitada semestralmente, no início de cada período de contagem de juros.
11. Finalmente, a 1ª Ré obrigou-se a amortizar integralmente o saldo devedor apurado na conta corrente no termo do prazo contratual ou das respectivas renovações.
12. No referido contrato, ficou ainda estipulado que, em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual e se a Autora recorresse a juízo para recuperação dos seus créditos, o que sucedeu, seria devida, além dos juros remuneratórios, uma indemnização que resultasse da aplicação da sobretaxa de 4% ao ano, calculada sobre o capital em dívida desde a data da mora.
13. Por outro lado, ficou também acordado que ficariam por conta da 1ª Ré todas as despesas que a Autora fizesse para manter, garantir ou haver o seu crédito.
14. Na cláusula sétima do contrato referido em 2), estipularam ainda as partes o seguinte:

“1. Em caso de incumprimento do contrato, o Banco X e a Parte Devedora (1ª Ré) acordam expressamente que o Banco X poderá substituir as obrigações da Parte Devedora mediante novação, por uma obrigação cambiária constante de uma livrança em branco, a qual, neste acto, é entregue ao Banco X, subscrita pela parte e avalizada pessoalmente pelos Segundo e Terceiro Outorgantes. 2- A livrança será oportunamente preenchida quando o Banco X o entender, com indicação do montante que será de valor igual ao do saldo devedor na conta corrente, composto por capital, juros e demais encargos, apurados na data do encerramento da conta, que coincidirá, em caso de não prorrogação, com a data do termo do período contratual, acrescido de todos e quaisquer encargos de natureza fiscal. 3 – A livrança é domiciliada em Bragança e é pagável no 30º (trigésimo) dia contado da data do encerramento da conta. 4- O Banco X poderá acrescentar ao valor da livrança o montante dos juros contados à taxa nominal anual, desde a data do vencimento do contrato até ao vencimento da livrança e esta vencerá juros à taxa legal. 5- Os Segundo e Terceiro Outorgantes declaram expressamente acordar na prestação de aval na referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento da mesma nos termos da presente cláusula durante o período de vigência do contrato, bem como nas eventuais renovações do mesmo.”
15. A 1ª Ré subscreveu uma livrança, tendo-a entregue em branco à Autora no momento da outorga do contrato referido em 2).
16. A referida livrança foi, na mesma data, avalizada, pessoalmente, por Maria (sócia-gerente da 1ª Demandada e 2ª Ré nesta acção) e por Luísa.
17. A livrança em causa seria oportunamente preenchida quando, tal como resulta de 14), a Autora o entendesse com indicação do montante que seria de valor igual ao do saldo devedor na conta corrente, composto por capital, juros e demais encargos, apurados na data de encerramento da conta, a qual coincidiria, em caso de não prorrogação do contrato, com a data do termo do período contratual, acrescidos de todos e quaisquer encargos de natureza fiscal.
18. A Autora poderia, tal como resulta ainda de 14), acrescentar ao valor da livrança o montante dos juros contados à taxa nominal anual desde a data do vencimento do contrato até ao vencimento da livrança, a qual vencia juros à taxa legal.
19. No contrato referido em 2), a 2ª Ré, Maria e Luísa, declararam expressamente acordar na prestação de aval na referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no referido contrato de abertura de crédito em conta corrente, tendo dado o seu consentimento ao preenchimento da referida livrança durante todo o período de vigência do contrato.
20. No dia 24/10/2011, foi celebrado entre a Autora e os 1ª, 2ª, 3ª e 4º Réus, por escrito, um contrato adicional ao referido contrato de abertura de crédito em conta corrente (cfr. documento de fls. 11v. a 14 que aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos).
21. Pelo referido contrato adicional, acordaram as partes em retirar a qualidade de avalista à referida Luísa e, por outro lado, acordaram em atribuir a qualidade de avalista a Teresa e Fernando, respectivamente, 3º e 4º Réus, mantendo-se igualmente a qualidade de avalista da 2ª Ré, Maria.
22. Ficou também acordado entre as partes no referido contrato adicional a revisão do spread aplicável ao referido contrato de abertura de crédito em conta corrente.
23. No referido contrato adicional, acordaram as partes na alteração das cláusulas 3ª e 7ª do referido contrato de abertura de crédito;
24. Passando a cláusula 3ª a estabelecer que o capital efectivamente utilizado no referido contrato de abertura de crédito vencia juros, durante o 1º trimestre, à taxa anual nominal (TAN) de 9,2860%;
25. E, por sua vez, passando a cláusula 7ª a possuir a seguinte redacção: “1 - Em caso de incumprimento do contrato, o Banco X e a Parte Devedora (1ª Ré) acordam expressamente que o Banco X poderá substituir as obrigações da Parte Devedora, mediante novação, por uma obrigação cambiária constante de uma livrança em branco, a qual neste acto é entregue ao Banco X, subscrita pela Parte Devedora e avalizada pessoalmente pela Segunda e Terceiros Outorgantes; 2- A livrança será oportunamente preenchida quando o Banco X o entender com indicação do montante que será de valor igual ao do saldo devedor na conta corrente, composto de capital, juros e demais encargos, apurados na data do encerramento da conta, que coincidirá, em caso de não prorrogação, com a data do termo do período contratual, acrescido de todos e quaisquer encargos de natureza fiscal. 3- A livrança é domiciliada em Bragança e é pagável no 30º (trigésimo) dia contado da data do encerramento da conta. 4- O Banco X poderá acrescentar ao valor da livrança o montante dos juros contados à taxa nominal actual, desde a data do vencimento do contrato até ao vencimento da livrança e esta vencerá juros à taxa legal. 5- A segunda e terceiros contraentes declaram expressamente acordar na prestação do aval na referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento da mesma nos termos da presente cláusula, durante todo o período da vigência do contrato, bem como nas eventuais renovações do mesmo.”
26. No que respeita à cláusula 7ª, declarando os 2º, 3º e 4º Réus, tal como resulta de 25), expressamente acordar na prestação de aval na referida livrança, nas condições e para os efeitos previstos no referido contrato de abertura de crédito em conta corrente, tendo ainda os referidos Demandados dado os respectivos consentimentos à Autora, para o preenchimento da referida livrança durante todo o período de vigência do contrato.
27. Ainda nos considerandos do aludido contrato adicional ficou consignado o que se segue: “Que o contrato inicial se encontra titulado por documento particular ao qual se encontra anexa uma livrança com efeitos novatórios a ser preenchida nas condições nele estabelecidas.”
28. Ficou finalmente estipulado que seriam da responsabilidade da 1ª Ré todas as despesas incorridas pela Autora no que concerne a celebração do contrato adicional.
29. Por fim, Autor e Réus, acordaram que, em tudo o resto, se mantinha o convencionado no contrato de abertura de crédito referido em 2).
30. As alterações introduzidas pelo contrato adicional produziram efeitos a partir de 27/9/2011.
31. A 1ª Ré, bem como os demais demandados, não restituíram à Autora o montante de crédito concedido por esta àquela, no valor de 15.000,00 Euros.
32. A 1ª Ré, bem como os demais demandados, não procederam ao pagamento dos juros devidos entre 27/12/2013 e 6/10/2015 nos seguintes montantes:

• Juros de 27/12/2013 a 26/3/2014 (à taxa de 10,3230000% - 387,11 Euros;
• Juros de 27/3/2014 a 26/6/2014 (à taxa de 10,3880000%) – 398,21 Euros;
• Juros de 27/6/2014 a 26/9/2014 (à taxa de 10,4250000%) – 399,63 Euros;
• Juros de 27/9/2014 a 6/10/2015 (à taxa de 10,2920000%) – 1603,84 Euros;
33. Venceu-se ainda desde a data de 27/1/2014 a cláusula penal de 3,000000%, no montante de 771,25 Euros.
34. Finalmente, a título de despesas na conta da 1ª Ré, imposto sobre despesas, comissões financeiras e imposto de selo, venceram-se ainda, respectivamente, as seguintes quantias não pagas pela 1ª Demandada e pelos demais Demandados: 324,00 Euros, 12,96 Euros, 199,78 Euros e 283,78 Euros.
35. Por sentença proferida em 30/6/2014 no âmbito do proc. 454/14.8TBBGC que correu termos no 1º Juízo da Instância Local da Comarca de Bragança e transitada em julgado, foi a 1ª Ré declarada insolvente.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Conforme resulta das posições da Recorrente e da Recorrida, a matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal Recorrido não foi impugnada pelo mecanismo processualmente próprio, pelo que o presente Tribunal terá de se pronunciar sobre as questões colocadas pelas partes tendo em consideração apenas aquela factualidade.
Na verdade, a Recorrente não chega a deduzir a pertinente Impugnação da matéria de facto, com obediência ao disposto no art. 640º do CPC, conformando-se, assim, com a decisão sobre a matéria de facto produzida pelo Tribunal Recorrido.
Nessa medida, não tendo sido deduzida Impugnação da matéria de facto, e não sendo caso do presente Tribunal proceder à alteração oficiosa da matéria de facto (cfr. nº 1 do art. 662º do CPC) (1), deverá a factualidade dada como provada manter-se nos exactos termos que se mostram vertidos na Decisão Recorrida.
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Aqui chegados, e dentro destes pressupostos fácticos, importa, pois, que o presente Tribunal se pronuncie sobre a questão que se coloca no presente Recurso, que contende apenas com a interpretação do clausulado do contrato celebrado (e respectivo adicional), nomeadamente, da sua cláusula 7ª.

Ficou aí estabelecido (segundo a redacção do aditamento ao contrato) que:

“1 - Em caso de incumprimento do contrato, o Banco X e a Parte Devedora (1ª Ré) acordam expressamente que o Banco X poderá substituir as obrigações da Parte Devedora, mediante novação, por uma obrigação cambiária constante de uma livrança em branco, a qual neste acto é entregue ao Banco X, subscrita pela Parte Devedora e avalizada pessoalmente pela Segunda e Terceiros Outorgantes; 2- A livrança será oportunamente preenchida quando o Banco X o entender com indicação do montante que será de valor igual ao do saldo devedor na conta corrente, composto de capital, juros e demais encargos, apurados na data do encerramento da conta, que coincidirá, em caso de não prorrogação, com a data do termo do período contratual, acrescido de todos e quaisquer encargos de natureza fiscal. 3- A livrança é domiciliada em Bragança e é pagável no 30º (trigésimo) dia contado da data do encerramento da conta. 4- O Banco X poderá acrescentar ao valor da livrança o montante dos juros contados à taxa nominal actual, desde a data do vencimento do contrato até ao vencimento da livrança e esta vencerá juros à taxa legal. 5- A segunda e terceiros contraentes declaram expressamente acordar na prestação do aval na referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento da mesma nos termos da presente cláusula, durante todo o período da vigência do contrato, bem como nas eventuais renovações do mesmo.

Além disso, mais se provou que:

26. No que respeita à cláusula 7ª, declarando os 2º, 3º e 4º Réus, tal como resulta de 25), expressamente acordar na prestação de aval na referida livrança, nas condições e para os efeitos previstos no referido contrato de abertura de crédito em conta corrente, tendo ainda os referidos Demandados dado os respectivos consentimentos à Autora, para o preenchimento da referida livrança durante todo o período de vigência do contrato.
27. Ainda nos considerandos do aludido contrato adicional ficou consignado o que se segue: “Que o contrato inicial se encontra titulado por documento particular ao qual se encontra anexa uma livrança com efeitos novatórios a ser preenchida nas condições nele estabelecidas.”
28. Ficou finalmente estipulado que seriam da responsabilidade da 1ª Ré todas as despesas incorridas pela Autora no que concerne a celebração do contrato adicional.
29. Por fim, Autor e Réus, acordaram que, em tudo o resto, se mantinha o convencionado no contrato de abertura de crédito referido em 2).
30. As alterações introduzidas pelo contrato adicional produziram efeitos a partir de 27/9/2011”.
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No presente Recurso, a Recorrente insiste em defender que, por força da referida cláusula, os 2º, 3º e 4º Réus teriam assumido – de forma cumulativa com a 1ª Demandada (artigo 595º do CC) – a dívida correspondente ao saldo devedor na conta corrente de tal negócio, sendo assim tais demandados solidariamente responsáveis com a 1ª Ré por tal débito.

Já a Recorrida defende que assim não é, alegando, em síntese, que:

- as obrigações decorrentes do contrato de abertura de crédito já se encontrariam extintas por novação objectiva (cfr. artigos 857º e 859º do CC), atento o vertido na cláusula sétima do contrato adicional (cfr. ponto 25) dos factos provados)- argumentação já rebatida na sentença recorrida, com fundamentação que aqui se subscreve.
- ainda que assim se não entendesse, o teor da referida cláusula 7 – quer em função da menção à aludida novação objectiva que o preenchimento da livrança pela Autora pressuporia, quer pela própria natureza da garantia em causa (aval) aí mencionada - nunca poderia fazer concluir pela assunção por parte da referida 2ª Ré da dívida decorrente para a 1ª Demandada da execução do contrato de abertura de crédito, não se podendo extrair da declaração daquela contida na aludida cláusula contratual qualquer manifestação de uma vontade de assumir (de forma cumulativa) a dívida da 1ª Ré, mutuária, resultante do aludido contrato de abertura de crédito.
Cumpre decidir (sendo que os argumentos apresentados por ambas as partes já foram – devidamente- ponderados pela decisão recorrida).
Em primeiro lugar, importa aqui definir de uma forma precisa qual é a causa de pedir da presente acção, pois que, salvo o devido respeito, a Recorrente parece não ter entendido o âmbito do fundamento que invocou para a sua própria pretensão.
Na verdade, é incontornável ter o nosso legislador optado pela denominada teoria da substanciação (2), segundo a qual “… a afirmação da situação jurídica tem de ser fundada em factos que, ao mesmo tempo que integram, tal como os outros factos alegados pelas partes, a matéria fáctica da causa, exercem a função de individualizar a pretensão para o efeito da conformação do objecto do processo” (3).

Tal opção impõe ao autor que alegue os factos de onde deriva a sua pretensão.
A causa de pedir é assim “… integrada pelo facto ou factos produtores do efeito jurídico pretendido, e não deve confundir-se com a valoração jurídica atribuída pelo autor a qual, de todo o modo, não é vinculativa para o tribunal, devido ao princípio, consignado no art. 664º (do anterior CPC), segundo o qual o tribunal conhece oficiosamente do direito aplicável” (4).

Nesse sentido, aponta, de uma forma decisiva, a definição constante do nº 4 do art. 581º do CPC, que, fazendo referência às normas de direito material que estatuem o efeito pretendido, exige que se aleguem os factos concretos contidos na respectiva previsão.

Ora, no caso concreto, tendo em conta a pretensão deduzida, e a factualidade que consubstancia essa pretensão, não há dúvidas que a Autora invoca, como causa de pedir, a celebração de um contrato de abertura de crédito em conta corrente, e o seu alegado incumprimento, com a consequente alegada operatividade da assunção de dívida por partes dos RR. que, segundo aquela, teria sido constituída a seu favor na citada cláusula âmbito desse contrato.

Aqui chegados, estando perfeitamente delineada a causa de pedir que fundamentava os pedidos formulados pela Autora, importa, ainda, neste âmbito, esclarecer, em breves palavras, o conteúdo típico do contrato que aqui se encontra em discussão, e bem assim em que é que consiste a invocada Assunção cumulativa da dívida (por contraponto à prestação de Aval Cambiário).

Como é sabido, o contrato de abertura de crédito é uma das operações bancárias previstas no artigo 362º do Código Comercial (5), tratando-se dum “…contrato pelo qual um banco se obriga a colocar à disposição do cliente uma determinada quantia pecuniária (acreditamento ou “linha de crédito”), por tempo determinado ou não, ficando este obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões…” (6).

Assim, como se conclui no Ac. da RG de 17.12.2015 (7) “(…) no seu núcleo essencial, o contrato de abertura de crédito é, tal como o mútuo ou o desconto bancário, um contrato de concessão de crédito; ou seja, um convénio mediante o qual uma entidade, que, por regra, é bancária, coloca à disposição de outra, temporariamente, determinada quantia em dinheiro. Mas, ao contrário do mútuo, em que a entrega do dinheiro (ou outra coisa fungível) é seu elemento constitutivo (artigo 1142.º do Código Civil), no contrato de abertura de crédito essa entrega de dinheiro necessariamente pode, ou não, ocorrer…”.

Nesta conformidade, “ sublinhe-se que a abertura de crédito é um contrato meramente consensual no sentido em que a sua validade e perfeição não se encontra dependente de qualquer acto de entrega do montante pecuniário; ao invés do empréstimo bancário (em que se pode estipular a efectiva entrega do dinheiro pelo banco ao cliente), a abertura de crédito fica perfeita com o mero acordo tendente à disponibilização daquele montante, o qual de resto poderá nem sequer vir a ser movimentado pelo cliente creditado…” (8).
Neste âmbito, compete, assim, “ao creditado decidir se e em que termos vai utilizar os fundos colocados à sua disposição…” (9).
Trata-se, pois, de um contrato “…através do qual um banco, creditante, constitui a favor do seu cliente, creditado, por um período de tempo, determinado ou não, uma disponibilidade de fundos que este poderá utilizar se, quando e como entender conveniente…” (10).
Aqui chegados, importa referir que, “a abertura de crédito, gerando para o Banco a obrigação de manter à disposição do cliente, por um certo período de tempo, uma determinada quantia em dinheiro, para que este o utilize se quiser, quando quiser e nas quantidades que quiser até ao montante do limite de crédito (acordado), apresenta uma específica função económica face ao mútuo tradicional, uma vez que proporciona uma rigorosa adequação do crédito às especificas necessidades do cliente, pela exacta correspondência temporal entre o momento da efectiva atribuição do crédito e da sua utilização, sendo os juros devidos limitados ao período de utilização efectiva do crédito e apenas sobre a quantia efectivamente utilizada, não obstante o montante ou limite de crédito poder ser muito superior ao valor de que o cliente vem realmente a dispor…” (11).
Assim, “este contrato desempenha uma importante função prática, servindo os interesses de ambas as partes.
Para o creditado, ele assegura de antemão a disponibilização dos fundos necessários para concretizar um determinado negócio em vista em condições financeira e operacionais mais vantajosas do que num caso de empréstimo bancário (que implicaria o pagamento imediato de juros, além de lhe permitir mobilizar o montante disponibilizado na estrita medida das suas necessidades).
Para o creditante, ele assegura o encaixe de uma remuneração sem risco, consistente na comissão de abertura de crédito (também designada de comissão de comissão de imobilização).” (12)
A especificidade que decorre do contrato de abertura de crédito ser em conta-corrente é a de que “… o creditado pode não só efectuar sucessivos lançamentos, como ainda efectuar depósitos, “repristinando” assim o montante do crédito de que pode dispor…”, o que não sucede na modalidade de contrato de abertura de crédito simples, em que não há repristinação da disponibilização de fundos (13).
Feitas estas distinções, importa ainda esclarecer que não se pode, neste âmbito, confundir o contrato de abertura de crédito em conta corrente – que como se referiu aqui constitui a causa de pedir - com a relação cambiária também “mencionada” no mesmo contrato.

Na verdade, e conforme decorre do teor do contrato de abertura de crédito em conta corrente, além de a Autora ter aberto um crédito, numa conta bancária, em conta corrente a favor da 1ª Ré até ao montante máximo de 15.000,00 Euros (relação subjacente), foi ainda constituída uma obrigação cambiária constante de uma livrança em branco, subscrita pela 1ª Ré (parte devedora) e avalizada pessoalmente pelos Segundos e Terceiros Outorgantes (ou Terceiros Contraentes- v. adicional do contrato).

Ora, como é bom de ver, fundando, como se referiu, a Autora a sua pretensão na alegação de terem os Réus incumprido o contrato de abertura de crédito em conta corrente, fica claro que tal pretensão de os responsabilizar contratualmente só poderia ser acolhida se, de alguma forma, os demais Réus tivessem assumido alguma obrigação (nomeadamente, a de restituição ou reembolso das somas utilizadas e demais encargos) no âmbito desse contrato.

Sucede que o que ficou expressamente declarado no contrato celebrado- na cláusula 7ª do contrato- é que os Réus “apenas” prestaram, em termos cambiários, um aval, subscrevendo tal obrigação cambiária no local próprio da livrança, por sua vez, também outorgada pela 1ª Ré e de cuja entrega à Autora se notícia no próprio contrato.

Como é sabido, o aval é uma garantia pessoal das obrigações, característica dos títulos de crédito, concretamente, das letras, livranças (arts. 30º e ss. da LULL) e cheques (arts. 25º e ss. da LUC).
O aval é, assim, nos termos legais, o acto pelo qual um terceiro ou um signatário do título cambiário garante o pagamento dele por parte de um dos seus subscritores.
Assim, pode-se dizer que o aval, tal como a fiança, apresenta-se como uma garantia pessoal, o que significa que pelo aval um determinado património torna-se também responsável pelo pagamento de uma dívida alheia.
A distinção entre as duas figuras, no entanto, faz-se, segundo alguns autores, pelo facto de o aval, contrariamente à fiança, constituir uma obrigação com uma certa autonomia com respeito à obrigação garantida (14).
E é este carácter autónomo do aval que, "... de certo modo, descaracteriza-o como uma verdadeira garantia pessoal pois o avalista passa a responder ... como devedor de uma obrigação própria ... " (15).
Assim, “... transparece do art. 32 da LULL a ideia de que perante o credor a obrigação do avalista é mais uma obrigação paralela da que recai sobre o avalizado do que uma obrigação subsidiária como sucede na generalidade dos casos de fiança ... “ (16).
Daí que se possa dizer com o Prof. Romano Martinez que o aval é um negócio jurídico abstracto cuja validade não está na dependência da relação causal e por isso ele tem um regime e uma natureza diversa dos da fiança.
Como é sabido, no domínio cambiário assumem relevância princípios específicos como os princípios da literalidade, abstracção, independência e autonomia.
Por outro lado, no caso concreto, é também de atender à especifica situação cambiária a que a obrigação cambiária constituída pelos RR. se encontra correlacionada, isto é, à situação cambiária inerente à subscrição de um titulo de crédito ou cambiário , no caso, uma livrança.
Isto significa que os RR. ao aporem a sua assinatura na livrança, assumindo a constituição de um aval em favor da subscritora, assumiram, desde logo, uma obrigação cambiária ("valorizando" assim a livrança , por exemplo , em caso de endosso), obrigação essa plenamente válida dentro dos princípios que dominam a actividade cambiária.
Obrigação essa que não é subsidiária do avalizado, mas sim assume a característica de ser uma obrigação solidária em relação ao avalizado (art. 47º, I , da LULL) e daí que, por exemplo, o avalista não goze do benefício de excussão prévia (17).
Aqui chegados, podemos, assim, afirmar, em resumo, que a obrigação assumida pelos RR., neste âmbito, é uma obrigação cambiária pessoal, paralela, solidária, autónoma, literal e abstracta.
Interessa-nos, no caso concreto, em especial, o facto de a obrigação assumida pelos aqui RR. possuir a característica da autonomia nos termos atrás expostos.
Na verdade, como garantia cambiária, afirma Pinto Furtado (18), “o aval não garante, obviamente, a relação subjacente de que é sujeito o subscritor avalizado, mesmo que o portador possa recorrer a essa relação”.
E daí que, para contornar esta limitação, as instituições de crédito façam intervir, com frequência, os avalistas também como garantes da obrigação subjacente, através de fiança assumida em documento autónomo- o que não terá sucedido no caso concreto.
“O interesse desta acumulação é patente: embora no confronto com a fiança, o aval se revele uma garantia mais sólida, porque isenta da característica da acessoriedade, a sua prestação isolada não constitui a situação óptima do ponto de vista do credor, uma vez que não o acautela perante o risco de invalidade ou prescrição cambiária. Verificada uma destas situações, o credor fica privado de instrumento jurídico para agredir o património do avalista, uma vez que deixa de poder usar a letra ou a livrança para o demandar e não tem com ele qualquer outra ligação sobre a qual possa fundar um pedido…”(sublinhado nosso) (19).
Neste contexto, a declaração dos avalistas não pode visar outra finalidade que não seja a de preenchimento da aludida livrança, com a inerente assunção da respectiva obrigação cambiária.
Coisa bem diferente é assumir a responsabilidade pela satisfação da obrigação fundamental ou subjacente, para a qual a declaração de avalista nada releva.
Nesta conformidade, pode-se concluir que, intervindo na qualidade de avalistas de uma livrança, os Réus apenas podiam ser responsabilizados cambiariamente, não se podendo retirar da constituição do aval qualquer consequência jurídica no âmbito da relação jurídica fundamental subjacente a essa relação cambiária- ou seja, dessa posição de avalistas não se pode reconhecer, em princípio, que os RR. tenham assumido, de igual forma, a responsabilidade pela obrigações que viessem a surgir no âmbito da relação subjacente.
Aqui chegados, importa, no entanto, atender à argumentação da Recorrente, que como se referiu, continua a insistir na tese que na cláusula 7ª ficou estipulado que as Rés assumiram cumulativamente a dívida (decorrente da relação fundamental) (art. 595º do CC).
No fundo, esta argumentação contende com uma questão de interpretação do contrato celebrado, nomeadamente, com a interpretação do que ficou declarado pelas partes contraentes na citada cláusula 7ª do contrato.
Já atrás se transcreveu integralmente a referida cláusula e não há dúvidas que a única obrigação aí assumida pelos Réus é a “obrigação de prestação do aval na referida livrança” subscrita pela devedora principal.
A questão que a Recorrente coloca é a de saber se, apesar da referida literalidade, tal cláusula poderá ainda configurar, não apenas uma afirmação redundante da respectiva vontade de avalizar a eventual obrigação cambiária contida na referida livrança, mas também uma assunção, por parte dos Réus, da dívida reportada à relação jurídica subjacente decorrente do aludido contrato de abertura de crédito nos termos do artigo 595º do CC.
Como já se referiu, é habitual que, para contornar a limitação do aval prestado só operar em sede cambiária, as instituições de crédito façam intervir, com frequência, os próprios avalistas também como garantes da obrigação subjacente, através de fiança (ou outro tipo de garantia) assumida em documento autónomo- o que, no caso concreto, não se verificou.

Nesta medida, e procurando interpretar a referida cláusula 7ª, não se consegue atingir como é que a Recorrente pretende defender que da mesma possa resultar uma obrigação de assunção cumulativa das obrigações resultantes da relação subjacente (do contrato de abertura de crédito em conta corrente).
Com efeito, tal interpretação não encontra, desde logo, qualquer apoio no texto do contrato.

Senão vejamos.

Como dissemos, a tarefa que incumbe aqui realizar é a de interpretação do contrato (e do seu adicional), tendo em conta as cláusulas contratuais já atrás mencionadas, e todas as circunstâncias que o legislador manda atender nesta sede interpretativa.
Vejamos quais são essas circunstâncias.
É conhecida a regra legal essencial na interpretação dos contratos: a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º, nº 1, do CC).
É generalizadamente aceite que o legislador consagrou a doutrina da impressão do destinatário, de cariz objectivista, valendo a declaração com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Assim, do citado preceito legal resulta que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, se dá prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário, mas a lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia.
“Há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, ….e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo” (20), sendo que o declaratário normal corresponde ao "bonus pater familias" equilibrado e de bom senso, pessoa de qualidades médias, de instrução, inteligência e diligência normais.

Por outro lado, no domínio da interpretação de um contrato podem surgir como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: "a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos" (21); ou, dito de outra maneira, “… os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento), a finalidade prosseguida, etc…” (22).
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (art. 237º do CC).
Nos negócios formais acresce que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238º, nº 1, do CC) (23).

Estas considerações podem aqui ser resumidas nos seguintes pontos (24):

1. Em geral, se se conhecer a vontade real dos declarantes, a declaração vale de acordo com a mesma (art. 236º, nº 2 do CC);
2. Se tal vontade real não for conhecida, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
3. no domínio da interpretação de um contrato surgem como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos;
4. nos negócios formais a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso- não se aplicando, no entanto, tal exigência se for conhecida a vontade real dos declarantes e as razões determinantes da forma do negócio não se opuserem a tal validade (art. 238º, nº 2 do CC).
Ora, no caso concreto, não consta da matéria de facto nenhuma indicação sobre a vontade real dos declarantes, para além daquilo que se infere do clausulado do contrato.
Tratando-se de um documento escrito, a interpretação deve, pois, começar com a interpretação do texto do acordo que foi subscrito pelas partes.
Ora, dessa análise interpretativa é fácil constatar, desde logo, que a interpretação que a Recorrente/Autora pretende dar ao acordo não tem o “mínimo de correspondência com o texto” do clausulado do acordo.
Para melhor esclarecimento, e antes de entrar, mais em pormenor, na interpretação do clausulado do contrato, cumpre aqui ainda referir, de uma forma sintética, em que é que consiste a assunção cumulativa de dívida (art. 595º do CC).
Como o próprio nome indica, a transmissão ou assunção de dívida é a operação pela qual um terceiro (“Assuntor”) se obriga perante o credor a efectuar a prestação devida por outrem (25).
A assunção opera uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo, nem da identidade da obrigação.

A substituição do devedor pode alcançar-se por uma das duas vias descritas no artigo 595° do CC:

- ou por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor- al. a) do referido preceito legal ;
- ou por contratação directa entre o novo devedor (“Assuntor”) e o credor, independentemente de consentimento do primitivo obrigado- al. b) do referido preceito legal .
Sucede que, apesar de o legislador utilizar a expressão transmissão (transmissão da dívida) (26) - expressão que inculca a ideia de que a obrigação se transfere, sem perda da sua identidade, do primitivo devedor para o assuntor, “ficando aquele exonerado a partir do momento em que este se vincula perante o credor” (27) - a verdade é que, nestas situações, a intervenção do terceiro, em vez de ter por fim exonerar o primitivo (o antigo) devedor, visa apenas colocá-lo ao lado deste (sem o exonerar), dando ao credor, “não o direito a uma dupla prestação, mas o direito de obter a prestação devida através de dois vínculos, à semelhança das obrigações com devedores solidários” (28) - daí que a doutrina se refira à situação criada o nome de assunção cumulativa de dívida, co-assunção de dívida, acessão ou adjunção à dívida, assunção multiplicadora ou reforçativa da dívida.
“A assunção cumulativa é assim um contrato pelo qual um terceiro aceita responder solidariamente com o devedor, na qualidade de um segundo devedor independente, mas a ele equiparado” (29).
Ora, feitas estas considerações, e face ao teor da cláusula aqui em discussão (e face à matéria de facto provada), não se consegue atingir como é que os Réus, ao prestarem as declarações que ficaram a constar do texto do contrato celebrado – onde expressamente declararam que prestavam aval -, se tenham colocado nesta posição de co-assuntores de eventuais dívidas que viessem a responsabilizar a Devedora em sede da relação subjacente à relação cambiária de que eram avalistas.

Na verdade, interpretando o teor de tais cláusulas, não se afigura ao presente Tribunal que se possa afirmar que os RR. tenham assumido essa qualidade de Assuntor, em sede da figura da assunção cumulativa de dívida, já que, de uma forma sintética, se pode opor, a esse raciocínio interpretativo realizado pela Autora, o facto de inexistirem quaisquer elementos exteriores ao mero texto da declaração cambiária de aval que possam apontar nesse sentido- o que, como iremos ver de seguida, aqui sempre seria de exigir, em termos de ónus de prova, à Autora/Recorrente.
A questão tem-se levantado em sede de Fiança- e daí a referência que o Tribunal Recorrido efectuou a essa figura jurídica, procurando nesse lugar paralelo alguma indicação interpretativa no sentido de apurar se a “declaração de prestar aval pode valer como declaração de assunção cumulativa da obrigação fundamental extracartular” (a exemplo, do que vem sendo discutindo para a Fiança).
E bem andou o Tribunal Recorrido em socorrer-se desse lugar paralelo interpretativo, porque “a assunção cumulativa aproxima-se, quer do recurso à solidariedade passiva como instrumento de garantia, quer da fiança em que o fiador não goze de benefício da excussão…” (30).
Nessa medida, julga-se que as exigências que aí se vêm fazendo no sentido de eventualmente a declaração de aval poder valer como fiança poderão aqui ter também pertinência.
Na verdade, tal como se vem exigindo para igual problema que tem sido colocado em sede da transmudação do aval para fiança (por ex. em situações em que a obrigação cambiária prescreveu), dever-se-á entender, também aqui, que esta transformação nunca poderá ser tida como automática- sendo que, no caso concreto, mais do que uma transformação, o que se pretende é uma dupla valoração da declaração de prestação de aval no sentido de a mesma valer também como assunção da obrigação extracartular !
Com efeito, naquelas situações (da Fiança) vem-se entendendo que “… a existir, a fiança constituirá um negócio paralelo, que acresce ao aval e que carece de ser demonstrado por outro expediente que não a simples declaração cambiária do avalista aposta no título: é necessário algo mais. A imprescindibilidade desse quid, composto geralmente por dados extracartulares, é reforçada pelo comando geral que determina que “a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada (art. 628º, nº1 do CC), no sentido em que a vontade de afiançar deve ser unívoca e clara.
Quer isto dizer que a declaração de aval será apenas um de entre vários elementos a ter em conta o intérprete para apurar dentro dos cânones hermenêuticos (art. 236º do CC), se, pelo seu comportamento, o sujeito pretendeu igualmente ficar vinculado enquanto fiador da obrigação fundamental. Requer-se, portanto, que o credor alegue e prove os respectivos elementos de onde resulta essa conclusão…” (31).
Ora, tal como efectuou o Tribunal Recorrido, ao proceder a esta ponderação, pode-se facilmente constatar que a Autora soçobrou integralmente no cumprimento deste ónus de prova que sobre ela recaía.
Ou seja, incumbia-lhe alegar e provar que, além da declaração de prestação de aval, os Réus pretendiam com a cláusula 7ª (ou, em geral, com o contrato celebrado) ficar também vinculados ao cumprimento da relação fundamental, assumindo cumulativamente essa responsabilidade.
Mas a verdade é que a Autora/Recorrente não logrou alegar, nem efectuar a prova dessa factualidade.

Com efeito, dos termos contratuais apenas resulta que os RR. declararam prestar aval à obrigação cambiária assumida pela 1ª Ré e nada mais do que isso.
Ora, conforme decorre do que se acaba de expor (e também é defendido no lugar paralelo que constitui a fiança) não bastava à Autora alegar e provar a prestação do aval.
É necessário algo mais.
Como se referiu, a declaração de aval é apenas um de entre vários elementos a ter em conta pelo intérprete para apurar dentro dos cânones hermenêuticos (art. 236º do CC), se, pelo seu comportamento, o sujeito pretendeu igualmente ficar vinculado, enquanto “assuntor” da obrigação fundamental.
Ora, a verdade é que essa pretensão da Autora de ver aqui reconhecida, por esta via, a alegada assunção cumulativa da obrigação fundamental não pode decorrer, como se disse, da mera declaração de prestação de aval expressamente plasmada no contrato celebrado.
Com efeito, exigia-se que a Autora lograsse efectuar essa prova através de outros elementos exteriores ao mero texto da declaração cambiária de aval.
Ora, conforme decorre do exposto, esses elementos não foram sequer alegados pela Recorrente e, nessa medida, pode-se também afirmar que tais elementos interpretativos não existem no caso concreto.

Aliás, pode-se até dizer que existem elementos interpretativos que apontam no sentido contrário e que decorrem do clausulado do contrato:

-não existe qualquer referência expressa à assunção cumulativa.
-não existe qualquer referência à responsabilidade cumulativa pela dívida da relação fundamental;
-as designações das partes contraentes são significativamente diferentes (a 1ª Ré é a Parte Devedora; os RR. são outorgantes ou terceiros contraentes (no adicional) (ou seja, não são partes devedoras da relação fundamental…)- intróito; cl. 7ª (incumprimento do contrato);
- na cláusula 1ª, nº 6 (do contrato) apenas a 1ª Ré autoriza que os saldos negativos sejam compensados por transferências de outras contas bancárias que sejam necessárias (e não os demais RR.); no mesmo sentido, a cl. 6ª, nº 5 e 6 do contrato.
- na cláusula 4ª a obrigação de amortização incumbe apenas à Parte Devedora (1ª Ré); assim como na cl. 9ª o pagamento do saldo, em caso de resolução do contrato, incumbe apenas à Parte Devedora.
-os segundos outorgantes e os terceiros contraentes surgem sempre na qualidade de avalistas (no contrato e no adicional) - v. quanto ao adicional, por exemplo, os considerandos 3 a 6.

Assim, por todo o exposto, não podemos deixar de concordar com a interpretação a que chegou o Tribunal Recorrido, no sentido de não reconhecer a existência da Assunção Cumulativa de Dívida (resultante do contrato de abertura de crédito em conta-corrente- relação fundamental subjacente à relação cambiária)
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Aqui chegados, pode-se, assim, manter na íntegra a fundamentação de direito que o Tribunal de Primeira Instância desenvolveu na sentença que proferiu:

“…Assim vistas as coisas, importa referir desdobrar-se a questão decisiva a resolver nesta sede em duas subquestões: (i) por um lado, saber se a referida cláusula sétima inserida no contrato de abertura de crédito (incluindo as modificações introduzidas pelo “adicional”) poderia, em abstracto, ser interpretada como pressupondo a assunção, por parte dos 2º, 3º e 4º Demandados da dívida decorrente para a 1ª Demandada – enquanto mutuária - do aludido negócio; (ii) sendo a resposta a tal questão inicial afirmativa, saber se, atenta a redacção da aludida cláusula e a referência aí contida à novação da obrigação decorrente de tal contrato pela obrigação cambiária a inscrever pela Autora na livrança em branco, tal interpretação seria, em concreto e em face do aludido clausulado negocial, ainda admissível.

Ora, diga-se, desde já, que a primeira das subquestões referidas já foi tratada na jurisprudência, nomeadamente, nos acórdãos do STJ de 16/2/1983 e de 2/3/1983 (publicados, respectivamente, em BMJ nº 324, p. 597 e nº 325, p. 519) com os seguintes, respectivos, dizeres: “A clareza e sentido do vocábulo “avalista” não admite a produção de prova exterior aos títulos de crédito, tendente a demonstrar que onde se escreveu “avalista” se deve ler “fiador” e “A clareza e o alcance do vocábulo utilizado – avalista – não permitem, dado o disposto nos artigos 236º, 238º, 376º, 493º, 394º e 628º do Código Civil que, onde se escreveu “avalista” se leia fiador e que, em face de tal, se deva considerar expressamente declarada a vontade de se prestar garantia, não a um obrigado cambiário, mas sim a mutuário.”

Não esquecendo existirem acórdãos em sentido aparentemente oposto aos citados (cfr. os acórdãos do STJ de 15/10/1981 e de 22/2/1984, publicados, respectivamente, no BMJ nº 310, p. 308 e nº 334, p. 5027), saliente-se que a jurisprudência contida naqueles primeiros arestos é aquela que melhor corresponde à interpretação da cláusula nº 7 do contrato de abertura de crédito e do contrato adicional evidenciados na matéria de facto provada segundo a teoria da impressão do destinatário (artigo 236º nº1 do CC), porquanto se efectivamente as partes quisessem estipular uma garantia, por parte dos 2º, 3º e 4º Demandados da obrigação decorrente da relação jurídica subjacente assumida pela 1ª Ré no contrato de abertura de crédito, sempre o poderiam ter dito de forma expressa e inequívoca, tanto mais assim quanto é de crer que o clausulado foi fornecido e predisposto pela Autora, enquanto instituição de crédito que assume habitualmente tal prática negocial.
É também essa a solução mais conforme ao disposto nos artigos 628º e 217º nº1, primeira parte, do CC, disposições essas, de acordo com as quais a declaração de prestação de fiança tem de ser “expressa”, no sentido de traduzir uma manifestação directa (e, portanto, não indirecta ou ambígua) de vontade de prestação de tal garantia.

É também, finalmente, essa a interpretação mais conforme às diferenças de regime assinaláveis entre o aval e a fiança (ou entre aquele e a figura da assunção cumulativa de dívida – artigo 595º do CC), porquanto se mostram diversos, nomeadamente, os prazos de prescrição da obrigação cambiária e da obrigação decorrente da relação subjacente, a vinculação dos garantes (nomeadamente, quanto à possibilidade de, na fiança e salvo disposição em contrário, o fiador poder invocar o benefício de excussão).
É também essa, por último, a interpretação da referida cláusula que melhor garante a parte contratual mais fraca, nomeadamente, e no caso, os garantes, pessoas singulares…”.
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Trata-se de conclusão que, conforme decorre do exposto, se subscreve integralmente, e que conduz necessariamente à improcedência do Recurso.
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III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
-o Recurso interposto pela Autora/Recorrente totalmente improcedente;
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Custas pela Recorrente (artigo 527.º nº 1 do CPC);
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Guimarães, 19 de Abril de 2018


Pedro Alexandre Damião e Cunha
Maria João Marques Pinto de Matos
José Alberto Moreira Dias

1. Sobre os casos em que tal alteração oficiosa pode ocorrer, v. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo CPC”, págs. 241 e ss., explicitando o Autor os seguintes exemplos: “… quando o Tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de determinado meio de prova…” (por ex. um documento com valor probatório pleno); “quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (art. 358º do CC e arts. 484º, nº1 e 463º do CPC) ou tenha sido desconsiderado algum acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art. 574º, nº 2 do CPC)”; “ou ainda nos casos em que tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente” (por ex. presunção judicial ou depoimento testemunhal nos termos dos arts. 351 e 393º do CC); “Em qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material deve integrar na decisão o facto que a primeira instância considerou provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo da sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte… “; finalmente, acrescenta este autor que “também não oferece dúvidas a possibilidade… de se modificar a decisão sobre a matéria de facto quando for apresentada pelo Recorrente documento superveniente que imponha decisão”- tudo situações que não se verificam no caso concreto.
2. Por oposição à teoria da individuação, segundo a qual bastaria ao autor indicar o pedido, cabendo ao juiz esgotar na sentença todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor
3. Lebre de Freitas, in “Introdução ao processo civil”, pág. 57.
4. Abrantes Geraldes, in “Temas da reforma do processo civil”, Vol. I, pág. 194.
5. Trata-se, além do mais, de um contrato atípico (sem regime legal próprio), embora nominado (art. 362º do CCom), socialmente típico, sedimentado na praxis comercial e bancária.
6. José A. Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, pág. 501. No mesmo sentido, Calvão da Silva, in” Direito Bancário”, pág. 365.
7. (relator: João Rodrigues), in Dgsi.pt
8. José A. Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, pág. 503, nota 961. Cfr., também, ac. do Stj de 13.12.2000 (relator: Sousa Dinis), in Cj, t. III págs. 174 a 176; Sofia Gouveia Pereira, in “O contrato de abertura de crédito bancário”, págs. 43 e 44 estabelece esta distinção em função de dois critérios: a abertura de crédito é um contrato consensual; o mútuo é um contrato real (uma vez que exige a entrega do dinheiro ou da coisa fungível mutuada); aquele primeiro contrato é, em regra, bilateral ou sinalagmático; o mútuo é um contrato unilateral ou não sinalagmático (pois gera obrigações apenas para uma das partes, uma vez que a entrega da coisa pelo mutuante integra o próprio contrato, nasce apenas uma obrigação para o mutuário de restituição).
9. Almeno de Sá, in “Direito Bancário”, pág. 107, nota 78.
10. Sofia Gouveia Pereira, in “O contrato de abertura de crédito bancário”, pág. 7.
11. Paulo Olavo da Cunha, in “Lições de Direito comercial”, pág. 249. No mesmo sentido, v. Simões Patrício, in “Direito Bancário privado”, pág. 310: “Movimentando a conta mediante levantamentos efectuados por cheque ou outro meio adequado, o cliente dispõe da vantagem de só se endividar (e pagar os respectivos encargos) à medida exacta das suas necessidades de financiamento; por exemplo, à medida em que evoluir a execução de determinado projecto de investimento”. De uma forma mais aprofundada, v. Sofia Gouveia Pereira, in “O contrato de abertura de crédito bancário”, págs. 16 a 19.
12. José A. Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, pág. 502.
13. V. Sofia Gouveia Pereira, in “O contrato de abertura de crédito bancário”, págs. 36 e 37. Segundo José A. Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, pág. 502 “este contrato pode revestir diversas modalidades. De acordo com o critério da sua realização, a abertura pode ser simples ou em conta-corrente (consoante o crédito disponibilizado é imobilizável de uma só vez ou em tranches, incluindo a faculdade de renovação automática do “plafond” de crédito mediante entradas…(acrescentando, em nota 958) É a chamada cláusula de crédito “revolving”…..”. Sobre as modalidades do contrato de abertura de crédito, v., ainda, Pestana Vasconcelos, in “Direito Bancário”, págs. 209 e 210.
14. V. Ferrer Correia , in “Lições de Direito Comercial”, Vol. III, pág. 206 e ss..
15. Pedro Romano Martinez, in “Garantias do Cumprimento”, pág. 67.
16. Antunes Varela, in “Das Obrigações em geral”, Vol. II , pág. 468.
17. V. Ferrer Correia, in “Lições”, Vol. III, pág. 125.
18. In “Títulos de Crédito”, pág.155
19. Carolina Cunha, in “Manual de Letras e Livranças”, pág. 157.
20. Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico”, pág. 208.
21. Luís Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, pág. 416/417.
22. Cfr., a este propósito, Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, pág. 213.
23. V. A. Varela/ P. Lima, in CC anotado, vol. I, pág. 225 que defendem, como aqui também se defende, que o art. 238º do CC visa resolver um problema de interpretação; existem, no entanto, outras interpretações doutrinárias que assim não o entendem e que se mostram elencadas por Evaristo Mendes/Fernando Sá, no “Comentário ao CC anotado- parte geral”, págs. 546 e 547;
24. Para uma síntese destas regras, v. Rui Pinto Duarte, in “ A interpretação dos contratos”, págs. 54 a 58; com interesse, ver, também as anotações de Evaristo Mendes/Fernando Sá, no “Comentário ao CC anotado- parte geral”, págs. 532 e ss..
25. Antunes Varela, in “Das Obrigações em geral”, vol. II, pág. 349. Com interesse para estas distinções, v. também, Leite de Campos, in “Contrato a favor de terceiro”, pág. 67 e ss.; e “CCivil anotado” por Antunes Varela e Pires de Lima , Vol. I , pág. 610 e ss.;
26. V. a epígrafe da secção em que o Código Civil regula a matéria.
27. Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, pág. 349. No mesmo sentido, Vaz Serra, in Rlj ano 110, pág. 306: “ ...na co-assunção da dívida não se produz qualquer transmissão de dívida , apenas se junta um novo devedor ao antigo ... “.
28. Antunes Varela, obra citada, págs. 349 e 350.
29. Luís Menezes Leitão, in “Garantia das Obrigações”, pág. 142.
30. Pestana Vasconcelos, in “Direito das Garantias”, pág. 191. Sobre a distinção entre assunção cumulativa de dívida e fiança, v. Menezes Leitão, ob. Cit., pág. 143.
31. V. Carolina Cunha, in “Manual de Letras e Livranças”, pág. 159.