Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
74/03.2TBVMS.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: INVENTÁRIO
COMPOSIÇÃO DE QUINHÃO
LICITAÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. O artigo 1377 do CPC. deve ser interpretado de molde a dar preferência à escolha dos bens licitados, por parte do licitante, até ao valor do seu quinhão ou que não o ultrapasse em muito.
2. O não licitante apenas tem direito a integrar o seu quinhão com bens não escolhidos pelo licitante e até ao limite da sua quota.
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

A… requereu inventário por óbito de sua esposa M…, que ocorreu a 11 de Setembro de 1991, com quem foi casado no regime de comunhão geral de bens, tendo esta deixado dois descendentes maiores, B… e J… e testamento.
Foi apresentada, oportunamente, relação de bens, indicando bens imóveis, que sofreu reclamação por parte dos interessados J… e B….
E a fls. 126 foi apresentada relação de bens adicional composta por bens móveis. E a fls. 281 foi apresentada nova relação de bens adicional composta por bens móveis e créditos face às reclamações apresentadas, oportunamente.
Por despacho de fls. 309 a 312 foram remetidos os interessados para os meios comuns quanto às questões suscitadas nos pontos 7 e 12 da reclamação apresentada por B…, mantendo-se a relação de bens apresentada em conformidade com o despacho de fls. 210 e seguintes, prosseguindo os autos para partilha dos bens nela constantes, sendo marcada conferência de interessados.
Na conferência de interessados, mencionada na acta de fls. 318 a 320, foi acordado que os Bens Imóveis são os que constam das verbas 1 a 23 da relação de bens junta a fls. 17 a 24 e ainda a verba 24 da relação adicional de fls. 281 dos autos. E foram licitadas pelo A… as verbas, 1 a 23 e por B… a verba 24, pelos valores que constam na respectiva acta, sendo declarado pelos interessados que não prescindiam de tornas.

O interessado B…, ao abrigo do disposto no artigo 1377 n.º 1 e 2 do CPC veio, a fls.329 e seguintes, requerer que lhe sejam adjudicadas as verbas 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 23 para comporem o seu quinhão e que o cabeça de casal deposite as tornas que lhe compete, face ao valor das outras verbas.
O interessado e cabeça de casal A…, a fls. 333, veio exercer o seu direito de escolha das verbas licitadas para composição do seu quinhão indicando as verbas 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22.

Foi elaborado Mapa de Partilha a fls. 340. e foram determinados os quinhões de cada interessado, sendo o do cabeça de casal no montante de 267.972,82€, o do interessado B… no montante de 85.264,09€ e o do interessado J… no montante de 85.264,09€. Em face das licitações, o cabeça de casal terá a receber as verbas licitadas no montante de 483.300€, tendo de pagar tornas ao B… no montante de 85.063€ (porque lhe é adjudicada a verba 24 que licitou pelo valor de 201€) e ao J… no montante de 85.264.09€.

A fls.345 a 347 o interessado B…, ao abrigo do disposto no artigo 1377 n.º 1 e 2 do CPC e em resposta ao requerido pelo cabeça de casal e licitante, vem escolher as verbas licitadas em excesso pelo cabeça de casal que lhe deverão ser adjudicadas (2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23) e a que licitou, tendo a receber de tornas 7.964,08€, devendo ser adjudicadas ao cabeça de casal as verbas 1, 22, porque, pelo seu valor, nunca poderiam ser adjudicadas ao requerente e a verba 9 deverá ser adjudicada ao cabeça de casal por fazer parte do quintal da verba 1.

A fls. 349 foi proferido despacho a notificar o cabeça de casal no sentido de completar ou alterar a escolha vertida no requerimento de fls. 333, por não preencher o valor do seu quinhão.
A fls. 351 o cabeça de casal veio apresentar nova escolha no seguimento do despacho de fls. 349 em que indica as seguintes verbas: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10,11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 9, pagando a quantia de 24.227,61€ a título de tornas.

A fls. 356 foi proferido despacho ao abrigo do disposto no artigo 1377 nº 1 do CPC no sentido de que o cabeça de casal deveria indicar, por ordem decrescente de preferência, os bens por si escolhidos, uma vez que as verbas escolhidas de que não prescinde ultrapassam o valor do seu quinhão.
Em face deste despacho, o cabeça de casal veio a fls. 358 indicar a ordem de preferências das verbas escolhidas da seguinte forma: 2, 3, 4, 5,6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 1, 9.

A fls.360 foi proferido despacho ao abrigo do disposto no artigo 1377 n.º 2 e 3 do CPC que adjudicou ao interessado B… a verba n.º 23, licitada pelo cabeça de casal e não escolhida para integrar o seu quinhão e cujo montante (56.100€) não ultrapassa o valor do quinhão do interessado B….

A fls. 374 foi proferida sentença homologatória da partilha tendo em conta o mapa da partilha de fls. 340 e 341, adjudicando a cada um dos interessados o respectivo quinhão de harmonia com o que estabelece o artigo 1382 n.º 1 do CPC vigente à data do requerimento do inventário.

Inconformado com o decidido, o interessado B… interpôs recurso de apelação, formulando conclusões.
Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido.
Das conclusões do recurso ressalta a questão de saber se é de adjudicar as verbas 1, 9 e 22 ao licitante, que compõem o seu quinhão e ainda conferem direito de tornas aos não licitantes, por ser a solução que melhor defende a equidade na partilha, ao abrigo do disposto no artigo 1377 n.º 1 a 3 do CPC.

Damos como assente a matéria de facto acima relatada.

Vamos conhecer da questão enunciada.
O artigo 1377 do CPC. veio permitir um maior equilíbrio no preenchimento dos quinhões, inspirado no espírito de justiça, evitando o apossamento do acervo hereditário por aqueles que tenham mais capacidade económica e financeira. Pretende-se que a composição de quinhões seja, o mais possível, em substância, quando os interessados assim o desejem, defendendo-os da corrosão da moeda, uma vez que os bens, em princípio, são menos vulneráveis à inflação.
Para cumprir este desiderato, foi dado o direito de escolha ao licitante, quando o não licitante ou o que tenha licitado em bens de menor valor requeira a composição do seu quinhão com bens de que não licitou. Esse direito está limitado ao seu quinhão. O que quer dizer que deve escolher dentre os bens que licitou, aquele ou aqueles que integrem ou não excedam em muito o valor do seu quinhão, como emerge do artigo 1377 n.º 3 e 1374 al. a) do CPC.
Por sua vez, o não licitante ou o que licitou em menor valor apenas poderá ver o seu quinhão ser composto por bens licitados não escolhidos, até ao montante do seu quinhão. O que quer dizer que não deve passar de credor de tornas a seu devedor (artigo 1377 n.º 2).

No caso em apreço, o apelante pretende que sejam adjudicados ao cabeça de casal licitante as verbas 1, 9 e 22, porque integram o seu quinhão e, além disso, proporcionam-lhe tornas, sendo-lhe adjudicadas as restantes verbas no montante de 77.501€. Esta forma de composição dos quinhões é a que melhor se adequa ao espírito e letra do artigo 1377 do CPC., uma vez que o direito do licitante não é absoluto, está limitado pelo princípio da justiça, da equidade.

O tribunal recorrido, no despacho de fls. 360, em face da escolha do cabeça de casal, e seguindo a sua vontade de preferência, o valor do seu quinhão e o do interessado B…, não licitante nas verbas em questão, adjudicou àquele as verbas por si escolhidas até integrar o seu quinhão (2 a 21 e 1) tudo no montante de 261.200€. Depois ponderou entre adjudicar-lhe a verba 9, que se encontrava em último lugar da sua preferência ou adjudicá-la ao interessado B… e concluiu que não a poderia adjudicar a este interessado porque o quinhão do cabeça de casal não ficaria preenchido e excederia largamente o quinhão do B…. Assim afectou a verba n.º 23 (valor de 56.100€) ao quinhão do B…, não licitante, a única verba licitada pelo cabeça de casal que, não excedendo o quinhão daquele, não faz parte da lista de verbas consideradas por si imprescindíveis e que foi escolhida pelo não licitante.

E julgamos que a ponderação do tribunal recorrido está de acordo com os princípios acima enunciados, na medida em que respeita o direito do licitante, que pode escolher as verbas que entender, de acordo com a sua preferência, até integrar o seu quinhão ou não o ultrapassar em muito e o direito do não licitante, que pode escolher de entre as verbas não escolhidas pelo licitante até compor o seu quinhão, nunca o ultrapassando, para não passar de credor a devedor de tornas. Na verdade, de entre as verbas licitadas e não escolhidas pelo licitante restaram a 22 e a 23. E destas, apenas foi escolhida pelo apelante a verba 23, que atendendo ao seu valor – 56.100€ – se enquadra no seu quinhão. Daí que o tribunal nunca poderia adjudicar ao apelante a verba 22 porque, face ao seu valor de 90.000€, ultrapassava o seu quinhão e não fora por si escolhida.

A composição enunciada pelo apelante e que pretende que seja seguida viola a letra e o espírito do artigo 1377 do CPC. Na verdade, não respeita o direito do licitante. Este, segundo o apelante, face ao número de verbas licitadas e aos seus valores, apenas estaria condenado a escolher as verbas 1, 9 e 22, porque integrariam o seu quinhão e as restantes, as que escolheu, ficavam aquém do seu quinhão, sendo completado com tornas, recebendo, em substância várias verbas. O certo é quem liderou a licitação, tomou a iniciativa em mudar os valores apresentados na relação de bens não tinha direito de escolha, neste caso. Estava sujeito às circunstâncias dos valores dos bens, e aos interesses exclusivos do não licitante, que desejava compor o seu quinhão com bens e ainda receber tornas. Seria negar o princípio da preferência do licitante, como prémio pela licitação, pelo risco que correu em licitar em mais bens do que precisaria para completar o seu quinhão, e beneficiar o não licitante, que poderia escolher as verbas que entendesse, mesmo contra a vontade do licitante. Esta solução inverteria os princípios consagrados no artigo 1377 do CPC, acima explanados.

Concluindo: 1. O artigo 1377 do CPC. deve ser interpretado de molde a dar preferência à escolha dos bens licitados, por parte do licitante, até ao valor do seu quinhão ou que não o ultrapasse em muito.
2. O não licitante apenas tem direito a integrar o seu quinhão com bens não escolhidos pelo licitante e até ao limite da sua quota.

Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante.
Guimarães, 05/03/2015
Espinheira Baltar
Henrique Andrade
Eva Almeida