Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
777/17.4T8FAF.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
ESBULHO
VIOLÊNCIA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – A decisão favorável no procedimento de restituição provisória de posse, prescinde da efectiva existência de prejuízos de ordem patrimonial já concretizados ou da prova da existência de um verdadeiro periculum in mora”.

2 - Os únicos requisitos para a procedência da restituição provisória de posse são a existência desta última, o esbulho e a violência.

3 – A violência que releva é, não só a que seja exercida sobre as pessoas, como também a que seja exercida sobre a coisa, em especial quando esteja ligada à pessoa esbulhada e desde que impeça o exercício do direito por parte deste.

4 - O corte, mesmo que parcial, de um caminho onerado com servidão de passagem a favor de prédio rústico, através da colocação de areia, andaimes e outros objetos, por forma a impedir que os donos do prédio dominante tenham acesso com veículos de tração animal e mecânica, como vinham fazendo, ao referido prédio, constitui um acto de esbulho violento por parte dos donos do prédio serviente, a merecer a imediata restituição.

5 – O princípio da proporcionalidade no decretamento de uma providência cautelar previsto no artigo 368.º, n.º 2 do CPC (quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar), não tem aplicação na restituição provisória de posse.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

J. M. e mulher N. F. intentaram providência cautelar de restituição provisória de posse contra A. C. e mulher O. P. pedindo que, decretada a providência, sejam os requerentes restituídos provisoriamente à posse da servidão de passagem identificada nos artigos 12.º a 19.º, devoluta de coisas, para que os requerentes possam passar pelo mesmo, livremente e a qualquer hora do dia e da noite, a pé, com animais, veículos de tração animal e mecânica e ordenando-se aos requeridos que se abstenham de impedir tal utilização.
Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelos requerentes, sem prévia audição da parte contrária, após o que foi proferida sentença que julgou procedente o procedimento cautelar e determinou a imediata restituição provisória da posse aos requerentes do caminho de servidão de passagem.

Os requeridos interpuseram recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes

Conclusões:

a) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls. Dos autos, que julgou procedente a providência cautelar de restituição provisória de posse requerida, tendo determinado a imediata restituição provisória da posse aos requerentes de um alegado caminho de servidão, sem prévia audição dos requeridos.
b) Alegaram os requerentes que a favor do seu prédio e a onerar o prédio dos requeridos existe uma servidão de passagem, constituída por usucapião, e que os requeridos, sem o conhecimento ou consentimento dos requerentes, taparam tal caminho de servidão com areia, andaimes e outros objectos, assim impedindo os requerentes de aceder ao seu prédio. Mais alegando que não dispõem de qualquer acesso alternativo ao seu prédio.
c) Entendem os apelantes que o Tribunal “a quo” não efetuou uma correta apreciação da prova produzida, tendo feito uma errada subsunção jurídica dos factos dados como indiciariamente provados e por decorrência, errada aplicação do direito.
d) Com efeito, o Tribunal “a quo” deu como indiciados os factos constantes dos pontos 7), 8), 9), 10),11), 12) 13), 14) 15), 16) e 17), sem considerar nem valorar corretamente os elementos de prova existentes no processo, e que sempre determinariam uma decisão diversa, designadamente o indeferimento do procedimento cautelar.
e) Desde logo, e quanto aos documentos juntos aos autos pelos requerentes com a petição inicial, os mesmos, salvo o devido respeito, não são suficientes para dar como indiciados os factos constantes da douta decisão, antes pelo contrário.
f) Nesta sede, importa saber como classificar e que força probatória atribuir ao documento junto aos autos com a petição inicial, como 5, e que alegadamente constitui uma cópia de um pretenso “termo de transacção”, cujo teor o Tribunal “ a quo” deu como indiciado no ponto 12).
g) Transacção alegadamente extraída de um processo, cujos autos contudo não indicam nem concretizam, e jamais juntam certidão judicial, porque bem sabem inexistir.
h) Sendo que, não consta da referida fotocópia qualquer carimbo ou selo da entidade emissora, nem mesmo o suposto numero do processo. Ora, faltando no documento a menção de conformidade com o original, não pode o mesmo considerar-se como fotocópias públicas, ou seja, como fotocópias autenticadas nos termos do artº 387º, nº 1 do C.C..
i) Pelo que, sempre deveria o Tribunal “a quo” ter determinado, nos termos do artigo 265º, nº3 do C.P.C., as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, convidando a parte a apresentar a respectiva certidão.
j) Os documentos que não tenham os requisitos legais, como é o caso, não podem fazer prova plena nem indiciária, nem quanto às declarações atribuídas ao autor, nem quanto aos factos contidos nas mesmas, nos termos do citado artigo 376º do C.C..
k) Do pretenso “termo de transacção”, nem sequer resultam identificados os prédios em discussão, remetendo para o prédio “identificado no artigo 3º da petição inicial”, que curiosamente também não juntam. Não contem aquele documento qualquer elemento fáctico que permita identifica-lo como tendo conexão com o objecto da presente providência. Motivo pelo qual não se concede nem concebe que tal alegada transacção tenha sustentado a convicção do Tribunal “a quo” para dar como indiciado qualquer facto.
l) O Tribunal “ a quo” deu como indiciados a factos constantes dos pontos 7) e 15), no sentido de que: 7) Para acesso ao identificado prédio dos requerentes existe um caminho de passagem a pé, com animais, veículos de tração animal e mecânica de qualquer natureza, que se inicia junto ao caminho público/Rua …, freguesia de …, Fafe, entra no prédio dos requeridos, acima descrito, (…) 15) O dito caminho é o único acesso a pé, com animais, veículos de tracção animal e mecânica para o prédio dos requerentes acima identificado.
m) Contudo, atentos os documentos juntos aos autos pelos próprios requerentes, resulta desde logo uma realidade bem diferente.
n) Do teor do documento 2 junto com a petição inicial, que constitui uma certidão permanente do teor do prédio dos requerentes (descrito na conservatória sob o nº 674), do mesmo se extrai a existência de duas servidões de passagem, a saber: - Servidão de passagem registada pela AP 1726 de 2011/04/05: prédio serviente: 675/19970910 e prédio dominante: 674/19970910 – a exercer num caminho existente na extrema norte do prédio serviente, que atravessa no sentido norte/sul, numa extensão aproximada de 37m, com a largura de 4 metros. - Servidão de passagem, registada pela AP 978 de 2013/08/19: a pé e com veículos de tracção animal e a motor, a ser exercida através de um caminho com a largura aproximada de quatro metros e numa extensão de cento e sessenta metros, com início na estrema norte deste prédio até à estrema sul deste mesmo prédio, atingindo o prédio nº 476/…. Prédio Dominante: 674/…; Prédio serviente: 476/….
o) Encontram-se assim registadas a favor do prédio dos requerentes duas servidões de passagem, as quais oneram dois prédios distintos, e que nem sequer atravessam ou têm qualquer ligação com o dito prédio dos requeridos.
p) O prédio dos requeridos encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … (Cfr. documento que se junta e dá por reproduzido para os devidos efeitos legais e cuja junção se requer por ser imprescindível a boa decisão da causa e cuja junção não foi possível em momento anterior por ter sido a providência cautelar deferida sem prévia audição dos requeridos. (Doc. 1)
q) Documento que, curiosamente, os requerentes também não juntaram não obstante alegarem a propriedade dos requeridos sobre tal prédio.
r) Atenta tal omissão, e a importância fundamental de tal documento para esclarecimento dos factos, sempre deveria o Tribunal “a quo” ter oficiado pela sua junção antes de decretar a providência. Tal documento permitiria ao julgador, sem sombra de dúvidas, confirmar que o prédio dos requeridos não coincide com qualquer das descrições prediais referidas como prédios servientes, e mais, que no prédio dos requeridos não se encontra registada qualquer servidão predial, como se imporia caso tivesse existido qualquer providência anterior com reconhecimento daquele direito.
s) Aliás, nem faria sentido que os requerentes viessem invocar a usucapião para reconhecimento de um direito que já teriam levado a registo. Acto que certamente teriam efectuado se de facto tal servidão, a onerar o prédio dos requeridos, estivesse reconhecida por qualquer transacção judicial como, falsamente, alegaram os requerentes.
t) A verdade é que não existe qualquer servidão a onerar o prédio dos requeridos a favor do prédio dos requerentes.
u) Uma leitura atenta dos documentos bastaria para desde logo dar como não indiciado o ponto 15), atendendo a que existem já duas servidões, a favor do prédio dos requerentes, e a onerar prédios contíguos àquele, devidamente constituídas e registadas, e com melhores condições do que a pretensa servidão que agora os requeridos pretendem ver reconhecida, atenta a largura de tais servidões (4 metros), possibilitando a passagem a pé, com veículos de tracção animal e com motor. – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial.
v) Servidões essas que, servindo o prédio dos requerentes, lhes possibilita a
passagem para aquele seu prédio. Não se compreendendo nem se admitindo a invocação de qualquer prejuízo decorrente de uma alegada impossibilidade de aceder ao seu prédio.
w) Assim, nunca poderia o Tribunal “a quo” dar como indiciado que o dito caminho de servidão “é o único acesso a pé, com animais, veículos de tracção animal e mecânica para o prédio dos requerentes.”.
x) Sempre deveria a M.ª Juiz “ a quo” ter oficiado pelo esclarecimento da existência daquelas duas servidões, cujos elementos constavam dos autos, e que se encontram devidamente registadas nos respectivos prédios.
y) Ao não ter procedido nesta conformidade, ocorreu uma nulidade, por omissão de diligências, que sempre se reputariam como fundamentais à descoberta, ainda que indiciaria, da verdade material.
z) Padece a sentença do Tribunal “a quo” de nulidade por omissão de diligências essenciais ao apuramento dos factos, e ainda do vício de erro notório na apreciação da prova, o qual deve ser conhecido e declarado pelo Tribunal "ad quem”.
aa) Julgando procedente a presente impugnação da decisão da matéria de facto, deverá dar-se como não indiciados os pontos 7), 8), 9), 10),11), 12) 13), 14)
15), 16) e 17) do elenco dos factos dados como indiciariamente provados pelo Tribunal “a quo”.
bb) Com a predita alteração, deverá ser revogada a providência cautelar decretada, com as legais consequências.
cc) Ainda que assim não se entenda, sempre deverá a mesma ser declarada nula por erro na subsunção dos factos ao direito.
dd) Ainda e sem prescindir do erro na apreciação da prova vindo de referir, entendem os Recorrentes que mas mal andou o Tribunal “a quo” na formação da sua convicção, ao concluir pela verificação dos requisitos indispensáveis à providência cautelar peticionada.
ee) A restituição provisória de posse, enquanto providência especificada, depende da verificação dos requisitos da posse, do esbulho e da violência.
ff) Considerando os dados elencados de 1) a 5), admite-se a conclusão a que chegou o Tribunal “ a quo”, da demonstração indiciária da posse dos requerentes sobre o prédio rústico denominado “A”. Contudo, não resultou nem poderia resultar suficientemente indiciado qualquer posse dos requerentes sobre um pretenso caminho a atravessar o prédio dos requeridos, e ainda que aquele seria o único caminho serviente daquele seu prédio.
gg) Quanto ao requisito do esbulho, consiste na privação da posse, resultou dos factos indiciados que os requerentes não podem transitar para o seu prédio com veículos de tracção animal e mecânica. Porém não resultou indiciado “face à conduta descrita dos requeridos, os requerentes não podem transitar para o prédio a pé e com animais.”
hh) Assim, ainda que se admitisse ter existido, por parte dos requeridos, alguma acção que de alguma forma tenha afectado a alegada posse invocada pelos requerentes, o que apenas se concebe por mero raciocínio académico, tal situação circunscrever-se-ia no âmbito da mera turbação, na medida em que apenas ocorreria uma diminuição do gozo ou exercício do pretenso direito de passagem.
ii) Assim, também por via deste pressuposto, ou melhor, da falta da sua verificação (esbulho), estaria a presente providência cautelar votada ao insucesso, impondo-se a sua revogação.
jj) Acresce que, ainda que se admitisse, para mero efeito de raciocínio, que o
douto Tribunal “a quo” pudesse considerar estarem indiciariamente provados os requisitos supra referidos, da posse e do esbulho, não se verificou, claramente, preenchido o requisito da violência, o qual é imprescindível para a concessão da mesma (cfr. art. 377º do C.P.Civil).
kk) No que toca a este requisito, o Tribunal “ a quo” concluiu que “ com a sua
actuação os requeridos tomaram uma posição de força ostensiva para com os requerentes, ao taparem e eliminando, ainda que em parte, o caminho do qual os requerentes se serviam para aceder ao seu prédio, demonstrando de forma inequívoca a sua intenção de não permitir que os requerentes utilizem o dito caminho, impedindo-os, efectivamente, de o fazer (…) Assim, duvidas não existem de que o esbulho foi violento.”
ll) Salvo o devido respeito, a ilação a que chegou o douto Tribunal “ a quo” não encontra qualquer fundamento válido na prova produzida.
mm) Sobre este elemento da violência, sempre se dirá que o mesmo apenas
se pode julgar verificado quando o pretenso acto de esbulho atinja de algum modo a pessoa do possuidor ou de quem defenda a coisa, ou seja, apenas o esbulho que seja acompanhado de ameaças ou de outro comportamento susceptível de afectar a segurança de quem possui ou detém a coisa.
nn) Nos termos do art. 1261º nº 2 do C.Civil a posse é considerada violenta
quando para obtê-la, o possuidor usou de coacção física ou coacção moral nos termos do art. 255º.
oo) Só a violência sobre as pessoas é que tem relevância jurídica. Só uma
pessoa pode ser objecto de coacção moral. Só uma pessoa pode ser, através de ameaça à sua integridade física, à sua honra ou à sua propriedade ou de terceiro, constrangida a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa.
pp) Por vezes, a violência pode exercer-se sobre uma coisa e reflexamente atingir uma pessoa. Só neste caso, porque se estabelece uma relação entre a coacção e a pessoa, a violência é juridicamente relevante.
qq) Não haverá, neste perspectiva, violência relevante, quando o acto praticado o for apenas sobre a coisa, não produzindo no esbulhado qualquer constrangimento psicológico no sentido de afectar a sua liberdade, a sua segurança e tranquilidade.
rr) Ora atento o facto de, nos presentes autos, os requerentes terem alegado que os requeridos taparam parte do aludido caminho com “areia, andaimes e outros objectos”, sendo que, resulta das fotografias juntas aos autos (doc. 4) e dos depoimentos das testemunhas (designadamente da testemunha BB), que tais objectos se encontravam provisoriamente naquele local em virtude das obras que estão a ser executadas no prédio dos requeridos, não podem interpretar-se tais actos como acções de violência com um qualquer propósito de intimidar os requeridos. Tanto mais que, resultou como não indiciado que os requerentes não possam “transitar para o seu prédio a pé e com animais”.
ss) Aliás, aquando da deslocação do Sr. Agente de Execução ao local, cumpriram a providência em causa com o corte de um mero pau, conforme melhor resulta do auto de restituição a fls. dos autos e fotografias que o acompanham.
tt) Não foi feita qualquer prova de que tal violência se tenha repercutido, directa ou indirectamente sobre os requerentes, como forma de intimidação, não sendo admissível deduzir-se, instantânea e imediatamente, que a simples colocação no terreno, de objectos, directamente relacionados com obras que estavam a decorrer no local, produziu algum tipo de temor ou insegurança nos requerentes.
uu) Assim, e não estando preenchidos os requisitos cuja verificação a Lei exige para a restituição provisória da posse – por falta do pressuposto da violência - sempre tal providência deveria ter sido julgada improcedente.
vv) Para relevar, tal violência haveria de preencher determinados requisitos, que no caso em apreço se não verificaram. – Cfr. Ac. RE, de 25.11.1993, in BMJ, 431-584 , Ac. RE. de 7.2.1995, in BMJ, 442°-281, Ac. RL, de 12.12.1996, in BMJ, 462º-481 e ainda Ac. RC, de 3.12.1998, in Col. Jur. 1998, 5°-37.
ww) Dos citados acórdãos, sobressai uma ideia fundamental: a de que, para
que a violência sobre as coisas releve para efeito do decretamento da providência de restituição provisória de posse, necessário se torna que a mesma influencie psicologicamente o esbulhado, designadamente por vir acompanhada de ameaças ou de outro comportamento susceptível de lhe produzir sentimentos de receio, insegurança ou intranquilidade.
xx) Da simples colocação de objectos em parte da faixa de terreno, decorrentes da execução de uma obra, não poderá resultar qualquer sentimento de receio ou insegurança para os requerentes. Nem isso se provou ou resultou indiciado.
yy) Atento o exposto, deveria a providência cautelar de restituição provisória de posse ter sido indeferida, também por não se encontrar preenchido o requisito da violência exigido pelo art. 377º do CPC.
zz) Sem prescindir, caso se entendesse que apenas se verificavam os requisitos da posse e do esbulho, faltando o requisito da violência, de acordo com o artº 379º, ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no artigo 377°, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum, o qual está também sujeito aos respectivos pressupostos. E que, no caso, também não se verificam na sua totalidade. Concretamente in casu não ocorre o requisito da existência de lesões graves e dificilmente reparáveis.
aaa) Não resultou sequer indiciada que “a impossibilidade de procederem à vindima causará aos requerentes um prejuízo superior a € 6.000,00”.
bbb) A este respeito, é ainda pertinente chamar à colação o princípio da proporcionalidade entre os interesses dos requerentes e os sacrifícios impostos aos requeridos com o decretamento da providência.
ccc) Conforme supra referido, e resultou do depoimento das testemunhas que prestaram depoimento nos autos e das fotografias juntas com a petição inicial, a colocação dos alegados objectos em parte da aludida faixa de terreno ocorreu na sequência da execução de obras no prédio dos requeridos.
ddd) Ou seja, tratou-se de uma situação pontual, necessária aos trabalhos e à instalação das infra-estruturas necessárias, e sem qualquer outra intenção que não a de possibilitar o uso daqueles materiais e objectos na dita obra. Pode falar-se de um caso de força maior.
eee) De acordo com o princípio da proporcionalidade, consagrado no n.º 2 do art.º 368.º do CPC, a providência pode ser recusada pelo tribunal, apesar de estarem preenchidos os requisitos para o seu decretamento. Basta, para tanto, que o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
fff) No caso em apreço, e apesar dos elementos constantes dos autos, nomeadamente quanto à existência de obras no local (visíveis nas fotografias juntas como doc. 4), o Tribunal a quo, pese embora não tenha dado sequer como indiciariamente provados os prejuízos alegados, entendeu decretar a providência, sem curar de ponderar os eventuais prejuízos que daí poderiam advir também para os requeridos com a eventual necessidade de “parar” a obra em curso.
ggg) A ponderação de interesses, nesta sede e segundo a lei, sempre deveriam ser efectivamente tidos em consideração, e não o foram!
hhh) Qualquer que fosse o raciocínio seguido pelo Tribunal “ a quo”, o mesmo sempre teria de quedar pelo indeferimento da providência de restituição provisória de posse, por falta de requisitos, e, eventualmente, do indeferimento do procedimento cautelar comum, à míngua da falta de indícios do pressuposto da existência de lesões graves e dificilmente reparáveis.
iii) A douta sentença proferida, violou, além do mais, o disposto nos artigos 246º, 255º, 362º, 363º, 383º, 386º, 387º, 1251º, 1261º do Código Civil, e artigos 368º, 377º, 379º, 411º e 615º nº1 do Código de Processo Civil, razão pela qual deve ser revogada.
Termos em que na procedência do recurso, deve revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue o procedimento cautelar totalmente improcedente, com as legais consequências, para assim se fazer JUSTIÇA.

Os requerentes contra alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto, nulidade da sentença, preenchimento dos requisitos para o decretamento da providência e eventual existência de desproporcionalidade na decisão.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na decisão foram considerados os seguintes factos:

Factos indiciados
Com relevância para a decisão, resultaram indiciados os seguintes factos:

1) Os requerentes são donos e legítimos possuidores do prédio rústico, sito no Lugar …, na freguesia de …, do concelho de Fafe, denominado “A”, com área de 8812 m2, a confrontar do Norte com M. M., de Sul e Poente com J. M., e de Nascente com caminho de servidão, FP e DS, descrito na conservatória sob o número …, e inscrito na matriz sob o artigo ….
2) Tal prédio adveio à posse e propriedade dos requerentes por lhes haver sido doado, através da escritura de doação, lavrada a fls. 139 a fls. 140 verso, do Livro n.º ..-A, do Cartório Notarial de Fafe de SM, outorgada em 13 de Agosto de 2013.
3) Há mais de 20 anos, que os requerentes, por si e seus antepossuidores, estão na posse, uso e fruição do aludido prédio, nele semeando erva, milho, feijão, centeio, plantando batatas e vinha, podando, sulfatando as vides, colhendo as uvas, apascentando o gado e cortando lenhas e madeira.
4) O que tudo sempre têm feito, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre tal prédio.
5) O identificado prédio encontra-se registado a favor dos requerentes na Conservatória do Registo Predial de Fafe, sob a ap. n.º … de 2013/08/19.
6) Os requeridos são donos do prédio urbano, destinado a habitação e com logradouro, sito no lugar de …, freguesia de Passos e inscrito na matriz sob o artigo ….
7) Para acesso ao identificado prédio dos requerentes existe um caminho de passagem a pé, com animais, veículos de tração animal e mecânica de qualquer natureza, que se inicia junto ao caminho público/Rua …, freguesia de …, Fafe, entra no prédio dos requeridos, acima descrito, na sua parte sul/nascente, dirige-se para sul-norte, no percurso cerca de 50 metros, passando por baixo de uma ramada, até atingir o prédio dos requerentes supra descrito.
8) Esse caminho tem a largura de cerca de 3 metros, existe feito dentro da área do prédio dos requeridos acima descrito, há mais de 15, 20 e 30 anos, com leito próprio, bem calcado pela passagem de pessoas, animais, trânsito de veículos de tracção animal e mecânica, sendo bem visível.
9) Do descrito caminho servem-se os requerentes para aceder àquele seu prédio, por ele transitando, a toda a hora e durante todo o ano, a pé e com animais em toda a extensão do caminho e também com veículos de tração animal e mecânica de qualquer natureza, da via pública para o seu prédio e vice-versa.
10) Conservando-o, reparando-o, tapando os buracos e retirando as ervas que nele crescem.
11) O que por si e antepossuidores já fazem há mais de 20, 30 e 50 anos, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de passagem a favor daquele seu aludido prédio e a onerar o descrito prédio dos requeridos.
12) No dia 18.02.1988, os Senhores C. M. e mulher R. N., e os Senhores FP e mulher G. B., respectivamente pais do requerente e requerido, antepossuidores, respectivamente, dos prédios dos requerentes e dos requeridos acima identificados, lavraram transacção judicial no âmbito de providência cautelar que correu termos neste Tribunal Judicial de Fafe, e tendo como objecto os prédios e caminho de servidão supra descritos, e em que clausularam:

1. Os requeridos reconhecem e aceitam o direito de servidão dos requerentes, em favor do prédio destes, identificado no art.3º da petição inicial, e incidindo no prédio dos requeridos através de um caminho já existente, definido e trilhado com a extensão de cerca de 50 metros e três metros de largura, que se inicia na Estrada Municipal penetrando naquela extensão no prédio dos requeridos e atingindo o prédio dos requerentes identificado no art.3º da petição constituída por usucapião.
2. Tal servidão de passagem, a pé, com gado salto e preso, carro de bois, máquinas e alfaias agrícolas, exerce-se durante todo o ano;
3. Acordam requerentes e requeridos em conservarem a entrada do caminho junto à Estrada Municipal uma cancela lá implantada pelos requeridos, e de que os requerentes detêm hoje e deterão sempre a respectiva chave.
13) Há cerca de uma semana, os requeridos, sem consentimento e contra a vontade dos requerentes, taparam o aludido caminho com areia, andaimes e outros objectos, impedindo assim a passagem dos requerentes.
14) Face à descrita conduta dos requeridos, os requerentes não podem transitar para o seu prédio com veículos de tracção animal e mecânica de qualquer natureza.
15) O dito caminho é o único acesso a pé, com animais, veículos de tração animal e mecânica para o prédio dos requerentes acima identificado.
16) Pelo que os requerentes se encontram impedidos de retirar do aludido prédio rústico o que quer que seja, designadamente, estando impedidos de o vindimarem, bem como de cortarem a erva, como sempre fizeram.
17) O que causa prejuízos aos requerentes pelo facto de não poderem manter o terreno cultivado e de colherem os frutos que aí têm plantados, sobretudo as uvas, sendo esta a época da sua colheita e se não forem vindimadas podem apodrecer e estragarem-se.

Factos não indiciados

Com relevância para a decisão a proferir, resultaram não demonstrados, ainda que indiciariamente, os seguintes factos:

a) Face à descrita conduta dos requeridos, os requerentes não podem transitar para o seu prédio a pé e com animais.
b) A impossibilidade de procederem à vindima causará aos requerentes um prejuízo superior a € 6.000.00.

Discordam os apelantes da decisão que fixou a matéria de facto, designadamente, quanto ao constante dos pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 da matéria indiciariamente apurada.
Verifica-se, contudo, da análise das suas alegações, que apenas se referem expressamente ao ponto 12, por um lado, e aos pontos 7 e 15, por outro lado, nenhuma alusão fazendo aos demais pontos que consideram incorretamente julgados, nem referindo qualquer meio probatório que, segundo eles, imporia uma decisão sobre tais pontos da matéria de facto diversa da recorrida.
Assim, quanto aos pontos n.ºs 8, 9, 10, 11, 13, 14, 16 e 17, por falta de cumprimento do ónus a cargo dos recorrentes que impugnem a decisão relativa à matéria de facto, constante do artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, vai tal impugnação de imediato rejeitada.
E quanto aos pontos 12 e 7 e 15, terá a mesma que ser julgada improcedente.
Com efeito, é verdade que o documento de onde consta a “transação” referida no ponto 12, é uma mera fotocópia, não autenticada, nem certificada pelo tribunal/processo de onde foi extraída. Contudo, estamos no âmbito de um procedimento cautelar que deve ser encarado como um “meio simples e rápido que permita, sem delongas, acautelar os prejuízos que naturalmente decorram da demora na obtenção de uma decisão definitiva favorável”, devendo a decisão do tribunal basear-se “em regra, num juízo de verosimilhança e não de certeza ou do elevado grau de probabilidade que se exige para as decisões definitivas”. Daí que “o maior ou menor investimento na averiguação da matéria de facto deve ser avaliado pelo circunstancialismo do caso concreto: o valor da prova produzida, o grau de credibilidade que merecem as testemunhas, o grau de dificuldade na apreciação da matéria de facto ou o valor dos interesses em jogo, sem esquecer ainda os simples comportamentos processuais de qualquer das partes e todos os factos instrumentais ou indiciários que, de acordo com a experiência comum, possam determinar a convicção do juiz acerca dos factos essenciais e, deste modo, induzi-lo a admitir ou a rejeitar a medida cautelar” – Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III volume, Almedina, págs. 107 e 108. O que se verifica, no caso concreto, é que, de acordo com a motivação exarada pela Sra. Juíza, uma das testemunhas confirmou ter celebrado a transação em causa, esclarecendo os termos e a conjuntura em que a mesma foi celebrada, sendo que os depoimentos testemunhais se revelaram “essencialmente credíveis, porque sérios, seguros e coerentes entre si e com a prova documental”.
Assim, não estando em causa os depoimentos testemunhais, uma vez que os apelantes não os indicam como meios probatórios que impusessem decisão diversa da recorrida, teremos que aceitar a convicção do julgador formada com base nos mesmos e em conjugação com os documentos existentes nos autos.
E o mesmo se diga quanto à certidão do teor do prédio dos requerentes e à constatação de que estão registadas a favor do prédio dos requerentes duas servidões de passagem a onerar outros dois prédios que não o dos requeridos. Este facto, por si só, não é suscetível de pôr em causa a decisão proferida nos pontos 7 e 15, atendendo à prova testemunhal produzida, à ignorância do concreto circunstancialismo dessas outras hipotéticas servidões e ao facto de o registo predial, como é sabido, não ser constitutivo – veja-se, a propósito, o Ac. do STJ de 05.05.2016, proferido no proc. 5562/09 (www.dgsi.pt) e onde são mencionados no mesmo sentido, os acórdãos do STJ de 16.06.83, BMJ 328, p. 546 e de 10.03.98, processo n.º 97A710: “Afigura-se-nos ser entendimento pacífico que a presunção resultante da inscrição do direito não abrange a área, limites, estremas ou confrontações dos prédios descritos no registo pois que o registo predial, que não é constitutivo, não tem como finalidade garantir os elementos de identificação do prédio (OLIVEIRA ASCENSÃO, obra citada, p. 352, e, entre outros, os Acs. do STJ de 27/11/93, 5/7/2001, 4/5/2004, 8/10/2009 e 13/02/2014, acessíveis em www.dgsi.pt). Com efeito, as descrições predial, a matricial ou a notarial de um prédio, pese embora constituírem elementos (enunciativos) importantes de identificação, não servem, exclusivamente, para a exacta determinação física ou da real situação desse prédio, enquanto unidade fundiária contínua.”
Não há, portanto, qualquer motivo para alterar a decisão relativa à matéria de facto proferida em 1.ª instância.

Além do mais, deve acrescentar-se que os únicos requisitos para a procedência da restituição provisória de posse são a existência desta última, o esbulho e a violência. Mais nada; ou seja, não há na lei qualquer alusão à necessidade de prova do risco de dano jurídico decorrente da demora da ação possessória (“periculum in mora”), que é típico dos procedimentos cautelares – neste sentido, veja-se Acórdão da Relação de Guimarães de 08/06/2017, processo n.º 219/16.2T8PVL-A.G1, relatado pelo Desembargador, aqui adjunto, João Diogo Rodrigues.
Pode ainda ler-se, neste Acórdão: “O que levava o Prof. Alberto dos Reis, já no domínio do Código de Processo Civil de 1939, perante idêntica previsão legal (artigo 400.º), a defender que “a restituição provisória de posse não é rigorosamente uma providência cautelar. É, sem dúvida, uma providência preventiva e conservatória; mas não é uma providência cautelar, porque lhe falta a característica do periculum in mora”. E acrescentava: “Para obter a restituição o requerente não precisa de alegar e provar que corre um risco, que a demora definitiva na ação possessória o expõe à ameaça de dano jurídico; basta que alegue e prove a posse, o esbulho, a violência. O benefício da providência é concedido, não em atenção a um perigo de dano iminente, mas como compensação da violência de que o possuidor foi vítima” (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição – Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 670).
E tem sido esta a orientação seguida.(…)
Orientação que a jurisprudência também tem seguido. Como se escreveu no Ac. RP de 19/10/2009 Processo n.º 100/09.1TBVRL-A.P1, consultável em www.dgsi.pt., “neste específico procedimento cautelar “uma decisão favorável prescinde da efectiva existência de prejuízos de ordem patrimonial já concretizados ou da prova da existência de um verdadeiro periculum in mora”. Na restituição provisória de posse não interessa a prova directa da lesão grave e dificilmente reparável (A. Santos Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III, p. 83, e IV, p. 51)”. No mesmo sentido, Ac. RLx de 13/03/2008, Processo n.º 9/2008-8 e Ac. RC de 20/05/2014, Processo n.º 84/14.4TBNLS.C1, ambos consultáveis no mesmo endereço eletrónico.
Ora, (…) estando já dado como assente, sem impugnação anterior ou neste recurso, que os Requerentes têm o direito de aceder aos seus prédios pelo caminho que lhes foi violentamente obstruído pelos Requeridos, a restituição de posse já ordenada, não pode deixar de ser mantida.
E isso ainda que os mesmos Requerentes tenham outra via para aceder àqueles mesmos prédios, podendo assim agricultá-los.
Efetivamente, o que aqui está em causa não é a posse sobre tais prédios, mas sobre o próprio caminho obstruído. E, nessa medida, é essa posse que se impõe reabilitar, uma vez que a lei expressamente o prevê e consente”.

A invocada nulidade por omissão de diligências probatórias por parte da Sra. Juíza, também não tem cabimento. Não só não pode considerar-se incluída no rol das nulidades da sentença enumeradas no artigo 615.º do CPC, como, não se vê que tivesse sido omitida qualquer atividade inquisitória por parte do juiz – artigo 411.º do CPC – face à prova produzida e à convicção expressa no despacho de motivação.
Aliás, se os requeridos pretendiam alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que pudessem afastar os fundamentos da providência, deveriam, então, ter-se socorrido da oposição, prevista no artigo 372.º, n.º 1, alínea b) do CPC e não do recurso.

Quanto à falta de pressupostos para o decretamento da providência, também não têm razão os apelantes.
Considerou-se, na decisão recorrida, estarem preenchidos os requisitos de posse, esbulho e violência previstos no artigo 377.º do CPC, para que seja decretada a restituição provisória de posse.
Permanecendo inalterada a matéria de facto, não há dúvida quanto ao preenchimento dos dois primeiros requisitos – posse (pontos 7 a 11 dos factos indiciados) e esbulho (pontos 13 e 14 dos factos indiciados), considerando a existência deste “sempre que alguém foi privado do exercício da retenção ou fruição do objeto possuído, ou da possibilidade de o continuar” – Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, 4.ª edição revista e atualizada, Almedina, pág. 47, citando Manuel Rodrigues, A Posse, 1981, pág. 363, definição a que também adere Moitinho de Almeida, Restituição da Posse e Ocupações de Imóveis, 2.ª edição, pág. 100 e Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. II, págs. 70 e 71.
Já a questão da violência tem sido, ao longo do tempo, abordada de formas diversas.
Por um lado, encontram-se aqueles que entendem que o esbulho só é violento se a violência tiver sido exercida sobre as pessoas, designadamente, sobre a pessoa do possuidor – tese sustentada pelos apelantes nas suas alegações de recurso e com sustentação nalguma jurisprudência mais antiga, que citam.
Por outro lado, aqueles que defendem que a violência também pode ser exercida sobre a coisa, em especial quando esteja ligada à pessoa esbulhada – posição hoje largamente maioritária.
Veja-se, neste último sentido, o recente Acórdão da Relação de Guimarães de 14/09/2017, no processo n.º 99/17.0T8AMR.G1, in www.dgsi.pt: “sendo hoje pacífico que a violência relevante para efeitos do esbulho tanto pode incidir contra a pessoa do possuidor como contra a coisa esbulhada. Neste último caso exige-se que a coisa esteja, de algum modo, ligada à pessoa do esbulhado ou quando dela resulte uma situação de constrangimento físico ou moral (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol. Almedina, pag. 43 a 45, com todas as citações doutrinárias e jurisprudenciais). Quanto à violência sobre as coisas há a destacar duas posições um pouco divergentes, na medida em que uma apenas exige uma atuação sobre a coisa esbulhada, relacionada com o esbulhado, desde que impeça o exercício do direito por parte deste. A outra impõe ainda que a atuação sobre a coisa esbulhada seja potenciadora de constrangimento ou intimidação físico ou psíquico sobre o esbulhado.
O STJ, ultimamente, no acórdão datado de 19/10/2016, relatado pela Conselheira Fernanda Isabel Pereira, e publicado em www.dgsi.pt, defende a posição mais lata, expressando-se nas conclusões da seguinte forma:
“O conceito de violência encontra-se plasmado no art. 1261.º, n.º 1, do CC, que define como violenta a posse adquirida através de coacção física ou de coacção moral nos termos do art. 255.º do mesmo Código.
VI - A violência aqui retratada não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da posse como até então a exercia – pelo que se sufraga a acepção mais lata de esbulho violento.
VII - A interpretação mais restritiva seria redutora e deixaria sem tutela cautelar o possuidor privado da sua posse por outrem que, na sua ausência e sem o seu consentimento, actuou por forma a criar obstáculo ou obstáculos que o constrangem, nomeadamente, impedindo-lhe o acesso à coisa.
VIII - Não pode deixar de se considerar esbulho violento a vedação com estacas de madeira e rede com uma altura de 1,50m executada pelos requeridos como um obstáculo que constrange, de forma reiterada, a posse dos requerentes, impedindo-os de a exercitar como anteriormente faziam, merecendo, por conseguinte, tutela possessória cautelar no âmbito do procedimento de restituição provisória de posse”.
No mesmo sentido, os Acórdãos desta Relação de 16/05/2013, processo n.º 134/13.1TBEPS.G1 (“O corte, mesmo que parcial, de um caminho onerado com servidão de passagem a favor de prédio rústico, através da colocação de vigas de cimento e arame, por forma a impedir que os donos do prédio dominante tenham acesso, como vinham fazendo, ao referido prédio, nomeadamente obstando a que nele transite um tractor com atrelado, como antes sucedia, constitui um acto de esbulho violento por parte dos donos do prédio serviente, a merecer a imediata restituição”) e de 07/05/2015, processo n.º 188/15.6T8FAF.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, entre muitos outros que vêm, atualmente, sufragando este entendimento.
Aderindo a esta última posição e em face dos factos indiciados, não há dúvida, que a violência exercida pelos requeridos ao taparem com areia, andaimes e outros objetos o caminho que os requerentes usavam para aceder ao seu prédio, é relevante para efeitos da restituição provisória de posse, dado que impede o exercício do direito do esbulhado sobre a coisa.

Fica prejudicada a questão de saber se se verificam os requisitos do procedimento cautelar comum.

Finalmente, não é aqui aplicável o disposto no artigo 368.º, n.º 2 do CPC que estabelece que a providência pode ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar, pois tal mecanismo está expressamente excluído nos procedimentos nominados, conforme decorre do disposto no artigo 376.º, n.º 1 do CPC.
Este princípio da proporcionalidade, invocado pelos apelantes, não tem, assim, aplicação na restituição provisória de posse – cfr. Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 58 (“são indiferentes os prejuízos porventura decorrentes da execução da restituição provisória decretada, em comparação com as vantagens alcançadas pelo requerente, atenta a inaplicabilidade do disposto no artigo 368.º, n.º 2”).
Do que fica exposto resulta a total improcedência da apelação, com a necessária confirmação da decisão recorrida.


III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
***
Guimarães, 23 de novembro de 2017


Ana Cristina Duarte
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro