Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
114/10.9TBPTL.G2
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INCAPACIDADE
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - A fixação do grau de incapacidade compreende um juízo de facto que reclama conhecimentos científicos – maxime, definição de sequelas –, e um juízo de direito traduzido na indagação e aplicação da tabela.
2 - O juízo de facto sindicável através da impugnação da decisão em matéria de facto é o decorrente das concretas lesões e sequelas alegadas que fundamentam o enquadramento na tabela de avaliação de incapacidades – este, sim, jurídico.
3 - Assim, o contributo que as testemunhas podem dar nesta matéria não é, seguramente, ao nível da qualificação da incapacidade
4 – Devendo a indemnização por dano patrimonial futuro corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida, com o que se pode fazer uso a fórmulas matemáticas, deve o montante indemnizatório ser fixado por recurso á equidade e com ponderação de variantes dinâmicas que tenham por base também as concretas circunstâncias de vida do lesado.
5 – É adequado o valor indemnizatório de 10.000,00€, atribuídos ao sinistrado que sofreu traumatismo crâneoencefálico, com hemorragia subaracnoideia, fractura da base da odontóide e do corpo de C3, sem desvio, traumatismo torácico com hemitorax pela drenagem, ferida abrasiva da face anterior do hemitorax esquerdo e ferida incisa do polegar direito, com lesão dos extensores, esteve internado cerca de 1 mês, ficando, depois, alguns dias acamado, tendo permanecido durante ambos os períodos em estado de agitação e sem conseguir alimentar-se pelas suas próprias mãos. Sofreu dores constantes durante o período de acamamento, e temeu vir a morrer em consequência das lesões sofridas. Usou colar cervical durante cerca de 4 meses, e foi sujeito a sessões de fisioterapia, ficando com limitação da mobilidade do polegar direito (que não faz a extensão) e flexão dolorosa palmar do punho, cervicalgias residuais e cicatriz arredondada com 10 cm de diâmetro, na face anterior do hemitorax esquerdo.
6 – É adequado o valor indemnizatório de 41.300,00€ se a vítima, de 27 anos, auferindo como tractorista, 800,00€ por mês, ficou afectada de IPP de 11,65%,.
7 – Verificando-se que a indemnização pecuniária por facto ilícito foi objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, a mesma vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 do CC (interpretado restritivamente), a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

R.. interpôs recurso da sentença.
Pede a sua revogação e substituição por acórdão deste Tribunal da Relação, que condene a R. a pagar ao A. a quantia de €175.639,15 e juros, à taxa legal, a contar da data da citação.
Formula as seguintes conclusões:
1ª- À pergunta do A. sobre a percentagem da IPP [do A.], determinada de acordo com a Tabela I (Âmbito laboral) aprovada pelo DL 352/2007, os peritos intervenientes no exame responderam, inicialmente, com o “non sense”
“Em virtude do acidente o autor não ficou a padecer de uma Incapacidade Parcial Permanente para o Trabalho de 19,53%”.
2ª- A resposta ao quesito 37º deriva directamente e exclusivamente do relatório do exame médico-legal, na sua última versão.
3-ª Surpreendentemente, as avaliações da situação do A. feitas segundo a tabela do âmbito civil e segundo a tabela do âmbito laboral quase coincidem numericamente.
4ª- Ambas estabelecem uma proporção da situação deficiente do lesado, relativamente ao valor 100, este considerado como representativo da normalidade psico-somática do examinado.
5ª- Subsiste, ainda, a questão intermédia da qualificação do estado do lesado, que deve ser subsumido às previsões tabelares.
6ª- Essa qualificação é uma operação científica, que exige conhecimentos especializados, muito distantes dos conhecimentos jurídicos e, portanto, fora do alcance dos tribunais e das argumentações que neles se geram.
7ª- Melhor, no sentido de “mais expressivo”, do que quaisquer relatórios médicos é a apreciação dos comportamentos do lesado, nos domínios familiar, profissional, social, neste incluindo as práticas desportivas, em períodos dilatados decorridos após a lesão.
8ª- Indicar-se que o lesado pode trabalhar e exercer a profissão anterior, sem referir sequer uma posição numa escala-paradigma de dor, transforma a perícia médico-legal num acto de julgamento obscuro, a que nada acrescenta a habitual menção “embora com esforços acrescidos”, porque esta menção é intrinsecamente vaga e indefinida.
9ª- Além disso, a prova testemunhal é trazida por vizinhos e companheiros de trabalho que tiveram oportunidade de observar o lesado não durante alguns minutos, mas no decurso de dias e semanas, ao mesmo tempo que com ele conversaram e receberam informação sobre as suas limitações.
10ª- A aplicação do disposto no DL 352/2007, de 23-10, deverá ocorrer em acumulação dos valores determinados no âmbito laboral e no âmbito do direito civil.
11ª- As lesões emergentes de um acidente podem ser:
a) Do âmbito exclusivo do direito civil, se o lesado não é laboralmente activo nem tem possibilidades de vir a sê-lo;
b) Do âmbito acumulado do direito civil e do direito do trabalho, se o lesado for laboralmente activo ou se, não o sendo no momento da lesão, tem expectativas jurídicas de vir a sê-lo mais tarde.
12ª- É facto incontrovertível que não existem lesões relevantes em direito laboral que não o sejam, também, em direito civil.
13ª- No relatório preliminar do DL n.º 352/2007, lê-se a fls. 7715 – 2ª col.ª – 1º §: “No direito laboral, por exemplo, está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do direito civil e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinado.”
14ª- E logo a seguir, no penúltimo parágrafo:
“Por isso mesmo opta o presente decreto-lei pela publicação de duas tabelas de avaliação de incapacidades, uma destinada a proteger os trabalhadores no domínio particular da sua actividade como tal, isto é, no âmbito do direito laboral, e outra direccionada para a reparação do dano em direito civil.”
15ª- Deve começar por valorizar-se a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, “assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinado.”
16ª- O termo “suplementarmente” não permite dúvidas sobre a necessidade de utilizar as duas tabelas e de fazer acumular as indemnizações apuradas relativamente à valorização de cada tabela.
17ª- O exame pericial não passa de mais um elemento, a considerar, em conjunto com outros, no cômputo numérico da indemnização a fixar.
18ª- Nem podia deixar de ser assim, uma vez que a responsabilidade civil emergente de actos ilícitos praticados por mera culpa está sujeita a juízos de equidade e que a força probatória dos relatórios periciais é fixada livremente pelo Tribunal.
19ª- As conclusões do relatório médico-legal têm um alcance meramente indicativo, não só por terem sido estabelecidas a partir de uma Tabela com carácter meramente indicativo, mas também porque o seu valor probatório é o que lhe for atribuído livremente pelo Tribunal, no contexto das demais provas produzidas.
20ª- O comportamento dos peritos intervenientes não é no sentido da sua credibilização, não só por terem pretendido corrigir o Tribunal em área estritamente jurídica, mas também por terem recusado uma resposta leal aos quesitos formulados pelo A., ao mesmo tempo que respondiam aos pedidos de esclarecimento apresentados pela R.
21ª- O A. está convencido que ambas as Tabelas são aplicáveis ao caso destes autos, considerando:
 Que o A. é laboralmente activo;
 Que o acidente teve consequências negativas na sua capacidade laboral;
 Que o acidente não pode ser submetido à apreciação do Tribunal de Trabalho, por não ser qualificável como acidente de trabalho.
22ª- Das lesões sofridas pelo A. resultaram as seguintes sequelas:
 limitação da mobilidade do polegar direito, que não faz a extensão;
 flexão dolorosa palmar do punho direito;
 cervicalgias residuais;
 cicatriz arredondada com 10 centímetros de diâmetro, na face anterior do hemitorax esquerdo, resultante de abrasão.
23ª- O exercício profissional do A. como tractorista de monte envolve também o trabalho intercalar com a motosserra e o empilhamento de madeiras (como preparação da sua carga no atrelado do tractor).
24ª- Ao tractorista de monte compete-lhe ajudar a traçar e a esgalhar os troncos, depois de abatidos, juntar os rolos em local espaçoso para a carga e, depois, carregá-los no atrelado, a fim de transportá-los para um “cais” acessível aos camiões.
25ª- O tractorista tem de conduzir o conjunto de tractor-atrelado através de terrenos irregulares, frequentemente com declives muito acentuados, que obrigam a constantes manobras de emergência e à permanente observação, olhando para trás, do terreno que vai sendo pisado pelo atrelado, e tudo isto em meio de solavancos e de ressaltos em pedras, que nem sempre podem ser evitadas.
26ª- Toda a agilidade de movimentos que é requerida a um tractorista de monte, é anulada pela dor sempre presente nas movimentações do pescoço e dos braços.
27ª- Igualmente, o trabalho com a motosserra e o machado fica impossibilitado, pelo peso destes instrumentos e pela vibração e choque da sua utilização, associados à dor e imobilidade do dedo polegar e do punho direitos.
28ª- O A. indicou cinco testemunhas, todas com razão de ciência certa e que foram inteiramente esclarecedoras sobre a questão de saber se o A., depois do acidente, ficou ou não sem capacidade física para exercer as funções de tractorista.
29ª- Perante a prova testemunhal produzida e acima transcrita, o A. não dispõe de condições psico-físicas para o desempenho da sua profissão e só não foi, ainda, despedido, porque trabalha para o seu próprio pai, que procura assegurar-lhe um mínimo de rendimento que lhe permita subsistir, com o seu agregado familiar.
30ª- A resposta ao quesito 37º da B.I. deverá ser alterada para: Provado que, depois do acidente, o A. ficou sem capacidade física para exercer as funções de tractorista.
31ª- Os senhores peritos não são juízes, não estão autorizados a emitir juízos de equidade, não tiveram acesso a outros elementos de prova, além dos que estão nos autos sob a forma de relatórios médicos e de registos clínicos e … repetem monotonamente, em todos os relatórios, a referência à compatibilidade com o exercício da profissão anterior.
32ª- Os senhores peritos não especificaram, nem explicam, até onde chega, ou se tolera, o esforço suplementar.
33ª- Obviamente, porém, tal esforço suplementar tem um limite, para além do qual nada é possível.
34ª- Esse limite compõe-se de duas partes: a dor e a abnegação humanamente atingível.
35ª- Consideradas as características da operosidade e de energia física do A., anteriores à lesão, que foram provadas, não podem restar dúvidas de que já ultrapassou esses limites.
36ª- A fixação da indemnização pela perda da capacidade de ganho futuro do A. deverá recorrer a critérios equitativos, sem perder de vista os cálculos financeiros possíveis, de acordo com as condições do mercado.
37ª- Procedendo a uma redução equitativa deste pedido parcelar por IPP, o A. reformula-o e redu-lo para a quantia de €150.000,00.
38ª- Os danos não patrimoniais sofridos pelo A. são muitos, extensos e graves.
39ª- Esteve prolongadamente doente, temeu vir a morrer, sofreu e fez sofrer pessoas que estima particularmente, ficou a sofrer de consequências permanentes relevantes, que virão a prolongar-se por toda a sua vida, por um período expectável de 50 anos após o acidente.
40ª- Tem desgosto por ter ficado fisicamente deficiente e por sofrer incapacidade para o exercício da condução de tractores em matas.
41ª- A compensação pelos danos não patrimoniais passados e futuros não deverá ser inferior aos €25.000,00 pedidos inicialmente.
42ª- As verbas de indemnização e compensação pedidas são as seguintes:
Danos não patrimoniais passados e futuros € 25.000,00
Incapacidade funcional como tractorista de monte €150.000,00
Despesas várias € 639,15
Total €175.639,15
43ª- A esta quantia devem acrescer juros moratórios, à taxa legal de 4%, a contar da data da citação e até embolso total (C. Civil, 805º-3 e 806º-1 e 2).
44ª- Decidindo em sentido diverso do aqui peticionado, a sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 483º, 496º, 562º, 564º e 566º do Código Civil, por ter avaliado deficientemente a extensão e a gravidade dos danos suportados pelo A. e as quantias necessárias à sua compensação pelo que deve ser revogada e substituída por acórdão deste Tribunal da Relação, que condene a R. a pagar ao A. a quantia de €175.639,15 e juros, à taxa legal, a contar da data da citação.

G.. COMPANHIA DE SEGUROS, SPA contra-alegou pugnando pela improcedência.
G..COMPANHIA DE SEGUROS, SPA interpôs recurso da sentença.
Pede a alteração respectiva.
Assenta nas seguintes conclusões:
I. A indemnização fixada pela incapacidade parcial permanente de que o apelado ficou afectado, de € 41.300, deverá ser reduzida para não mais de € 20.000.
II. Os juros de mora sobre o capital daquela indemnização, atribuído por danos não patrimoniais, deverão ser contados desde a data de prolação da sentença recorrida e não da citação da apelante.
III. O tribunal recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do disposto nos artºs 564º, 566º e 805º do CC e do artº 64º/7 do DL: 291/07.

R.. contra-alegou defendendo a improcedência.
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Exaramos, agora, um breve resumo dos autos para melhor compreensão.
R.. e L.., vieram propor contra G.. – COMPANHIA DE SEGUROS, S.P.A., a presente acção ordinária, pedindo a condenação da Ré a pagar, a título de indemnização por acidente de viação, € 213.895,89 ao Autor e € 1.814,88 à Autora, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
A requerimento da Ré, foi admitida a intervenção acessória de J...
Proferida sentença, foi a mesma objecto de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual, por acórdão de 6 de Novembro de 2012, determinou a anulação do julgamento relativamente aos quesitos 33.º e 37.º, ordenando a respectiva repetição.
Depois da única diligência instrutória, junto dos peritos, procedeu-se a nova audiência de discussão e julgamento, respondendo-se àqueles dois quesitos e foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condenou a Ré G.. – COMPANHIA DE SEGUROS, S.P.A. a pagar:
- ao Autor R.., a quantia de € 51.939,15 (cinquenta e um mil novecentos e trinta e nove euros e quinze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação sobre € 41.939,15 e desde a presente data sobre o restante, até integral pagamento;
- à Autora L.., a quantia de € 91,60 (noventa e um euros e sessenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à mesma taxa, desde a citação até integral pagamento.
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Das conclusões acima transcritas decorrem as seguintes questões a decidir:
A) No recurso interposto pelo A.:
1ª – O Tribunal errou no julgamento do quesito 37º?
2ª – A compensação pelos danos não patrimoniais não deve ser inferior a 25.000,00€?
3ª – A indemnização pela incapacidade funcional como tractorista de monte deve ser no valor de 150.000,00€?
B) No recurso interposto pela R.:
1ª – A indemnização pela IPP deve ser reduzida para não mais do que 20.000,00€?
2ª – Os juros de mora sobre o capital daquela indemnização deverão ser contados da data de prolacção da sentença?
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MATÉRIA DE FACTO
A 1ª questão que nos ocupa prende-se com o errado julgamento da matéria de facto ínsita no quesito 37º.
Segundo conclui o Recrte., (29ª) perante a prova testemunhal produzida e acima transcrita, o A. não dispõe de condições psico-físicas para o desempenho da sua profissão e só não foi, ainda, despedido, porque trabalha para o seu próprio pai, que procura assegurar-lhe um mínimo de rendimento que lhe permita subsistir, com o seu agregado familiar, pelo que (30ª), a resposta ao quesito 37º da B.I. deverá ser alterada para: Provado que, depois do acidente, o A. ficou sem capacidade física para exercer as funções de tractorista.
Era o seguinte o teor do quesito 37º:
Depois do acidente o A. ficou sem capacidade física para exercer as funções de tractorista?
A este quesito respondeu-se não provado.
O Tribunal formou a sua convicção “no complemento da prova pericial vertida a fls. 377, única capaz de esclarecer a matéria em causa, pelos conhecimentos científicos que envolve.”
Argumenta o Recrte. que essa qualificação é uma operação científica, que exige conhecimentos especializados, muito distantes dos conhecimentos jurídicos e, portanto, fora do alcance dos tribunais e das argumentações que neles se geram. Mas já estão próximo dos tribunais as manifestações concretas da vida dos lesados, que indiciam a dimensão e o alcance da incapacidade de que são portadores, à luz das exigências próprias da profissão que exerciam até à ocorrência do facto lesivo. Como é evidente, a área da dor é extremamente fugidia e só o próprio lesado, apesar de todos os subjectivismos, pode dar uma ideia ajustada da sua intensidade e suportabilidade, se é constante ou progressiva. Melhor, no sentido de “mais expressivo”, do que quaisquer relatórios médicos é a apreciação dos comportamentos do lesado, nos domínios familiar, profissional, social, neste incluindo as práticas desportivas, em períodos dilatados decorridos após a lesão. Esta observação e subsequente transmissão ao Tribunal é que constitui a verdade da condição psico-física do lesado emergente da lesão. Não assim uma mera declaração do técnico com origem livresca, tantas vezes emitida sem precedência de qualquer manipulação da área física posta em causa.
Alega ainda que, no caso destes autos, o comportamento dos peritos intervenientes não é no sentido da sua credibilização, não só por terem pretendido corrigir o Tribunal em área estritamente jurídica, mas também por terem recusado uma resposta leal aos quesitos formulados pelo A., ao mesmo tempo que respondiam aos pedidos de esclarecimento apresentados pela R.. E ainda que, além das lesões concretas resultantes do despiste e das sequelas que se mantêm, após o termo dos tratamentos, existem, ainda, os depoimentos das testemunhas que foram indicadas para responder à matéria do quesito 37º – cinco testemunhas, todas com razão de ciência certa e que foram inteiramente esclarecedoras sobre a questão de saber se o A., depois do acidente, ficou ou não sem capacidade física para exercer as funções de tractorista.
Contrapõe a Recrdª que em nada sendo de censurar, à luz de um critério de bom senso e ponderação, a valorização do juízo médico-legal efectuado no âmbito dos presentes autos – arvorado na experiência e conhecimentos médicos dos senhores peritos que efectuaram aquela análise e juízo – acima de um juízo elaborado meramente por observação, sem qualquer conhecimento ou experiência médica que o sustente, como o feito pelas testemunhas invocadas pelo apelante e que depuseram em sede de audiência. Depoimentos esses que, em rigor, nem sequer contrariam as conclusões do sobredito relatório médico-legal, porquanto confirmam, de facto, que o apelante exerce a sua profissão com esforços suplementares, mas dos quais não é possível retirar, de forma alguma, e ao contrário do que quer fazer crer o apelante, que este, em virtude do sinistro dos autos, ficou sem capacidade física para exercer a função de tractorista.
Vejamos, então, como decidir.
Antes de mais importa relembrar que, na sequência de acórdão proferido por nós no âmbito dos autos, se decidiu anular o julgamento relativamente aos quesitos 33º e 37º, “de forma a que os quesitos em referência possam vir a ser respondidos após realização da perícia ordenada com resposta aos quesitos pertinentes que definiram o respectivo objecto e que, neste momento, e não se registando qualquer discussão acerca das lesões e sequelas apuradas, se deverá cingir ao quesito formulado pelo A. sob o nº 25 e aos quesitos 33º e 37º da base instrutória”.
No cumprimento do assim decidido, o Tribunal recorrido ordenou que se completasse a perícia de acordo com o decidido no aresto mencionado. E, apresentado o complemento respectivo, designou-se audiência de discussão e julgamento, na qual se decidiu dispensar as testemunhas convocadas por se entender “que não deve haver lugar a produção de prova testemunhal, por manifesta inutilidade”, visto que os quesitos exigiam “conhecimentos científicos que não podem ser substituídos pela prova testemunhal (tal como refere o acórdão a fls. 358).
Sobre este despacho não se registou qualquer impugnação.
Serve este enquadramento para sustentar que, também nesta sede, não há lugar á reapreciação dos depoimentos proferidos pelas testemunhas durante a primitiva audiência.
Desde logo, porque o que está em causa é a resposta ao quesito 37º que contém matéria estritamente médica, não se vendo que uma avaliação médico legal possa, nesta matéria, ser beliscada pela avaliação que as testemunhas possam fazer do comportamento do lesado.
Por outro lado porque, como consignámos no acórdão já referido, “Sendo, embora, verdade, que, a tabela introduzida no sistema legal em 2007 “não constitui um manual de patologia sequelar nem um manual de avaliação”, tendo sido “concebida para utilização exclusiva por verdadeiros peritos” (intróito ao Anexo II), também é verdade que a avaliação pericial é sindicável pelo juiz que não fica proibido de apreciar livremente o juízo pericial.
Por isso é que a fixação do grau de incapacidade continua, do nosso ponto de vista, a compreender um juízo de facto que reclama conhecimentos científicos – maxime, definição de sequelas –, e um juízo de direito traduzido na indagação e aplicação da tabela. Para tanto é essencial que se conheça o quadro clínico considerado na perícia, o que, no caso concreto, falha.”
Ou seja, o juízo de facto sindicável através da impugnação da decisão em matéria de facto é o decorrente das concretas lesões e sequelas alegadas que fundamentam o enquadramento na tabela de avaliação de incapacidades – este, sim, jurídico.
Assim, o contributo que as testemunhas podem dar nesta matéria não é, seguramente, ao nível da qualificação da incapacidade.
Esta envolve um juízo de direito que reclama conhecimentos científicos.
Este juízo efectua-se em presença de concretas sequelas.
Ora, no caso concreto, as sequelas já estão provadas, sem que sobre os factos que as sustentam – o ponto 32º da matéria de facto abaixo transcrita – tivesse incidido qualquer impugnação.
Donde, querendo insurgir-se contra a resposta dada pelos peritos, o que a parte deve fazer é evidenciar que estas concretas sequelas não foram classificadas, o que não é, de todo, o caso (conforme bem decorre do enquadramento efectuado pelos peritos – Cap. I 1.1.1.-b), 7.2.2.2.1-a) e 8.1.5.5.1-b) da TNI –. Para além disso, não está afastada uma impugnação que logre convencer que as sequelas apresentadas são de tal molde que a resposta dada pelos peritos é um absurdo. Ora, tendo-se provado que em consequência do acidente, o Autor ficou com limitação da mobilidade do polegar direito (que não faz a extensão) e flexão dolorosa palmar do punho, cervicalgias residuais e cicatriz arredondada com 10 cm de diâmetro, na face anterior do hemitorax esquerdo, resultante de abrasão, não é de todo admissível que a resposta dada pelos peritos pudesse ser outra que não a reflectida na sua análise, ou seja, “Não. Apto para a profissão habitual.”.
E, concomitantemente, a resposta do Tribunal ao quesito 37º – Depois do acidente o A. ficou sem capacidade física para exercer as funções de tractorista – também não pode ser senão a de não provado.
Termos em que improcede a questão que nos ocupa.

Uma palavra apenas para referir que todo o circunstancialismo invocado na alegação do A. – designadamente as repercussões das sequelas no exercício profissional, as competências que tal exercício envolve –, a sustentar a sua tese carece da prova dos factos que ali invoca. Não se vendo que tal matéria tenha sido carreada para os autos, é óbvio que a mesma não pode sustentar qualquer resposta ao quesito 37º.
***
Resultam provados os seguintes factos:
A) - No dia 27 de Janeiro de 2007, pela 1h10m, na freguesia de Moreira do Lima, Ponte de Lima, no km 18,6 da Auto-Estrada n.º 27, ocorreu o despiste do veículo ligeiro de passageiros de matrícula XS-.., então conduzido por J...
B) - O XS era da marca “Volkswagen”, modelo “Pólo”, e foi fabricado no ano de 1992.
C) - J.. era, na data referida em A), o proprietário do referido veículo de matrícula XS-96-56.
D) - O Autor nasceu no dia 18 de Maio de 1980.
- À data do acidente, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrentes da circulação do XS-96-56 estava transferida para a Ré, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0084-10201034-000 (fls. 151 a 153).
1.º,2.º - Antes do acidente, o XS seguia no sentido Ponte de Lima – Viana do Castelo, pela metade esquerda da faixa que corresponde a este sentido de marcha, a cerca de 140 km/h.
4.º,5.º - Em despiste, o XS bateu no separador central, em cimento, da A27.
6.º - Após este primeiro embate, o XS foi projectado para a direita, descrevendo uma curva em derrapagem da esquerda para a direita.
7.º - Finda a derrapagem, o XS embateu na protecção lateral da via, 75 m à frente do embate no separador central.
8.º - Do local do segundo embate, o XS continuou em derrapagem na direcção de Viana do Castelo e foi embater no talude marginal do lado direito da pista, sito a cerca de 45 m do local do segundo embate.
9.º - Após o terceiro embate, o XS avançou cerca de 30 metros, na direcção de Viana do Castelo, e imobilizou-se, em posição oblíqua, ocupando parcialmente a berma correspondente ao sentido de trânsito que seguia.
11.º - O local onde se deu o despiste tinha traçado rectilíneo e estava equipado com iluminação por candeeiros altos, que estavam em funcionamento.
13.º - À data do acidente, o tempo estava seco.
14.º - A pista de rodagem onde se deu o despiste tinha a largura de 7,60 metros e era constituída por tapete betuminoso sem deficiências visíveis.
15.º,16.º - No momento do acidente, o Autor viajava no XS, sentado no banco ao lado do condutor, por oferecimento deste.
18.º - Em consequência do acidente, o Autor foi projectado, por rebentamento do seu banco, para fora do XS.
22.º - Em consequência do acidente, o Autor sofreu traumatismo crâneoencefálico, com hemorragia subaracnoideia, fractura da base da odontóide e do corpo de C3, sem desvio, traumatismo torácico com hemitorax pela drenagem, ferida abrasiva da face anterior do hemitorax esquerdo e ferida incisa do polegar direito, com lesão dos extensores.
23.º,24.º - Após o acidente, o Autor foi socorrido no serviço de urgência do Centro Hospitalar do Alto Minho, EPE, em Viana do Castelo, onde esteve internado até ao dia 21 de Fevereiro de 2007.
25.º - Quando regressou a casa, o Autor esteve alguns dias acamado.
26.º - Enquanto se manteve internado e acamado, o Autor permaneceu em estado de agitação e sem conseguir alimentar-se pelas suas próprias mãos.
27.º,28.º - Ainda como consequência do acidente, o Autor sofreu dores constantes durante o período de acamamento, e temeu vir a morrer em consequência das lesões sofridas.
29.º - O Autor teve alta clínica no dia 5 de Julho de 2007.
30.º,31.º - Por causa das lesões sofridas no acidente, o Autor usou colar cervical durante cerca de 4 meses, e foi sujeito a sessões de fisioterapia.
32.º - Em consequência do acidente, o Autor ficou com as seguintes sequelas: limitação da mobilidade do polegar direito (que não faz a extensão) e flexão dolorosa palmar do punho, cervicalgias residuais e cicatriz arredondada com 10 cm de diâmetro, na face anterior do hemitorax esquerdo, resultante de abrasão.
33.º - Em virtude do acidente, o Autor ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente, com base no Anexo I do Decreto-Lei n.º 352/07, de 11,65%.
34.º - À data do acidente, o Autor era um homem saudável, robusto e activo.
35.º - Nessa altura, o Autor trabalhava para o seu pai como tractorista de madeiras.
36.º - No exercício dessa profissão, o Autor, além de conduzir o tractor, ajudava nas operações de carga e descarga.
38.º - Na altura do acidente, o Autor ganhava cerca de € 800,00 por mês.
39.º,40.º,41.º,42.º - Em consequência do acidente, o Autor gastou € 35,00 em consultas de ortopedia, € 55,00 por um relatório médico, € 75,00 numa electromiografia dos membros superiores e € 65,00 numa ecografia.
43.º,44.º,51.º - Por causa do acidente, o Autor foi ao Porto pelo menos nos dias 11, 18, 23,29 e 30 de Maio de 2007, em viatura própria conduzida pela Autora, para ser observado por um médico da Ré.
45.º - Em taxas moderadoras por causa do acidente, o Autor pagou € 29,15.
49.º,50.º - No período que se seguiu ao acidente, a Autora assistiu o seu marido, ora Autor, quer no hospital quer em casa, enquanto ele esteve acamado.
52.º - Pelo acompanhamento ao Autor referido na resposta conjunta aos quesitos 43.º, 44.º e 8, a Autora deixou de auferir € 91,60.
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ANÁLISE JURÍDICA
Podemos, agora, avançar para a discussão da questão que enunciámos em 2º lugar no recurso interposto pelo A. – a compensação pelos danos não patrimoniais não deve ser inferior a 25.000,00€.
Na sentença recorrida entendeu-se como adequada a compensação no valor de 10.000,00€.
O montante da indemnização é fixado equitativamente, tendo em atenção, as circunstâncias referidas no Artº 494º – ou seja, o grau de culpa, a situação económica do agente e a do lesado e demais circunstâncias do caso (nº 3).
No caso concreto, a culpa do condutor, segurado da R., foi reconhecida na sentença, não merecendo discussão.
A R., responsável pela indemnização, é uma empresa seguradora.
Os danos verificados na pessoa do Recrte. assumem gravidade relevante, o que, aliás, não é posto em causa no recurso.
Assim, e sabendo-se que a indemnização “deverá constituir um lenitivo para os danos suportados”, devendo constituir “uma efectiva possibilidade compensatória” (Acórdão do STJ de 25/06/2002, disponível no sítio www.dgsi.pt), também é um facto que a justiça tem na sua base uma ideia de proporção e de adequação.
A indemnização deve, assim, ser proporcional á gravidade do dano, sendo este o campo de actuação, por excelência, das regras da prudência e do bom senso, sendo que não é fácil encontrar o valor adequado à indemnização do sofrimento.
A matéria de facto cuja prova se obteve permitir-nos-à aquilatar da justeza do valor arbitrado.
Provou-se que em consequência do acidente, ocorrido em 27/01/2007, o Autor sofreu traumatismo crâneoencefálico, com hemorragia subaracnoideia, fractura da base da odontóide e do corpo de C3, sem desvio, traumatismo torácico com hemitorax pela drenagem, ferida abrasiva da face anterior do hemitorax esquerdo e ferida incisa do polegar direito, com lesão dos extensores. Esteve internado até ao dia 21 de Fevereiro de 2007. Quando regressou a casa, o Autor esteve alguns dias acamado. Enquanto se manteve internado e acamado, permaneceu em estado de agitação e sem conseguir alimentar-se pelas suas próprias mãos. Sofreu dores constantes durante o período de acamamento, e temeu vir a morrer em consequência das lesões sofridas. Teve alta clínica no dia 5 de Julho de 2007. Por causa das lesões sofridas no acidente, o Autor usou colar cervical durante cerca de 4 meses, e foi sujeito a sessões de fisioterapia, ficando com limitação da mobilidade do polegar direito (que não faz a extensão) e flexão dolorosa palmar do punho, cervicalgias residuais e cicatriz arredondada com 10 cm de diâmetro, na face anterior do hemitorax esquerdo, resultante de abrasão.
Em presença dos danos cuja prova se obteve, afigura-se-nos que o valor arbitrado não merece censura, estando em consonância com outros casos, alvo da apreciação do STJ, como por exemplo aquele que foi alvo do Ac. do STJ de 11/04/2013, Procº 201/07.0TBBGC.P1.S1 em que se decidiu: numa situação que revela um quadro de stress pós-traumático, com sinais de uma experiência pessoal directa que envolveu a morte, o que o obrigou a recorrer a terapêutica psiquiátrica, sendo forte o sofrimento psicológico de que padece o recorrente em consequência do embate, tratando-se de sofrimento que perdurará durante toda a sua vida..., mostra-se adequada a indemnização de € 10 000.
Mantém-se, pois, o valor arbitrado.
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E, assim, chegamos à 2ª questão enunciada no recurso interposto pelo A. – a indemnização pela incapacidade funcional como tractorista de monte deve ser no valor de 150.000,00€ –, que analisaremos em conjunto com a que identificámos em 1º lugar no recurso interposto pela R. – a indemnização pela IPP deve ser reduzida para não mais do que 20.000,00€.
O valor arbitrado na sentença cifrou-se em 41.300,00€.
Para tanto, ponderou-se que” Quanto à incapacidade parcial permanente de que o Autor ficou portador... não se provou que a mesma lhe tenha trazido repercussão directa na sua actividade profissional, face à (nova) resposta (e negativa) que mereceu o quesito 37.º. Assim, pese embora as sequelas do acidente, mas perante aquela ausência de prova, é de afastar liminarmente qualquer cálculo de indemnização que parta do pressuposto de uma incapacidade para o trabalho (como o Autor o faz na petição inicial). Acresce ainda – e não é despiciendo no caso – a circunstância de o Autor ser jovem (tinha 27 anos à data do acidente), o que significa que, ao contrário de outros sinistrados muito mais velhos e com profissões que não exigem grandes qualificações, lhe restam possibilidades de efectuar uma reconversão profissional, se quiser obviar, ou pelo menos minorar, o impacto que as sequelas possam ter, para ele, no ofício de tractorista.
...
o Autor deve ser indemnizado pela Ré: é que qualquer incapacidade funcional traz malefícios à vida diária (e, portanto, também à vida profissional) de quem os sofre, quanto mais não seja pela menor resistência do corpo ao esforço e pelo cansaço mais rápido, bem como pelas limitações criadas para actos antes facilmente praticados...
Vejamos!
A incapacidade permanente parcial que afecta o A., estabelecida à luz da Tabela Nacional de Incapacidades vigente para o Direito Laboral é uma incapacidade para o trabalho. Embora não se tenha provado que a mesma é absoluta para o exercício da profissão de tractorista – o que era a luta do A. – tal IPP afecta a actividade profissional por impor esforços suplementares. Donde, estamos perante uma diminuição física com repercussões laborais, normalmente designada por dano da perda ou diminuição da capacidade aquisitiva.
Este dano, sendo indemnizável, requer uma complexa operação que permita aferir do valor mais justo para o ressarcir. E tem sido longo o caminho trilhado pela jurisprudência, designadamente do STJ, no sentido de fixar uma metodologia que possa servir de barómetro na determinação do valor da indemnização.
Tal método de cálculo, compreendendo, embora, alguma dificuldade, também tem vindo a obter consenso no sentido de dever “corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida” (Ac. STJ de 16/12/2010, CJASTJ, T. III, 223).
Assentou-se, desde há alguns anos a esta parte, a fim de conferir alguma objectividade ao método, que “o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado, recebendo aplicação frequente a tabela descrita no Ac. de 4/12/2007, assente numa taxa de juro de 3%” (ídem).
O valor assim apurado deverá, porém, ser corrigido com recurso á equidade, de forma a adequar o montante às especificidades de cada caso, permitindo “a ponderação de variantes dinâmicas”, como sejam a provável evolução da situação profissional do lesado, o aumento da produtividade e do rendimento disponível, a melhoria das condições de vida....
Ou, dito de outra forma, os critérios, quaisquer que eles sejam, “não podem olvidar a perenidade do emprego, como a progressão na carreira, a melhoria de vida, a evolução salarial, a inflação, os índices de produtividade, o desenvolvimento tecnológico, as alterações das taxas de juro, as despesas com a saúde, a susceptibilidade de o lesado trabalhar para além da reforma” (Ac. do STJ de 16/05/2012, proferido no âmbito do procº 290/07.8PATNV.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Neste percurso podemos identificar pelo menos três métodos que podem servir de ponto de partida para o estabelecimento do valor indemnizatório: de um lado, o trabalho da autoria do Conselheiro Sousa Dinis, publicado na CJAST, T.I, 2001, 5; de outro, a solução proposta no Ac. de 25/06/2002 publicado na CJAST, , T. II, 128; e, por fim a metodologia constante do Ac. do STJ de 4/12/2007 (Refª 07A3836, disponível em www.dgsi.pt), que disponibiliza uma tabela tendo como suporte a aplicação do programa informático Excell à fórmula utilizada pelo STJ no Acórdão de 1994.
Seguindo de perto estas metodologias, temos o seguinte:
1ª - Para o caso de dano resultante de incapacidade permanente parcial, tendo por base o rendimento anual subtraído da perda por incapacidade, obter-se-à o contributo (perdido) da vítima para o rendimento anual. A partir deste, determinar-se-à, por recurso a uma regra de três simples, qual o capital necessário para, á taxa de juro elegível, se obter aquele rendimento. Á importância assim obtida, deverá aplicar-se um ajustamento decorrente do recebimento antecipado do capital, ajustamento esse que a jurisprudência tem aceite como devendo ser de ¼, pois a antecipação no recebimento do capital origina uma mais valia para quem recebe, visto beneficiar do recebimento por inteiro, o que lhe permite a aplicação de forma a obter novos rendimentos. O resultado obtido será, depois, ainda objecto do prudente arbítrio do juiz, que ponderará todas as circunstâncias que no caso relevarem.
2ª - Ou ainda, agora na solução proposta no Ac. de 25/06/2002 (CJAST, , T. II, 128) podemos, a partir do rendimento anual perdido, multiplicá-lo pelo número de anos prevísseis de vida, fazendo, depois, incidir o ajustamento sobre este resultado.
3ª - Uma outra metodologia possível é a que consta do Ac. do STJ de 4/12/2007 (Refª 07A3836, disponível em www.dgsi.pt), que disponibiliza uma tabela que, partindo de dados tidos como bons pelo Supremo em 1994 ( Ac. de 1994.05.05) permite, através de operações aritméticas simples, chegar a resultados na determinação da indemnização da IPP, como dano patrimonial futuro, tendo apenas como suporte a aplicação do programa informático Excell à fórmula utilizada pelo STJ no dito Acórdão de 1994, e que, segundo o seu autor, foi construída tendo como referência a atribuição de 3% ao factor aí indicado como taxa de juro previsível no médio e longo e prazo, taxa essa que, apesar dos anos, tem vindo a confirmar-se dada a estabilidade do euro.
No caso concreto o A. tinha, à data do acidente, 27 anos. Foi-lhe atribuída uma IPP de 11,65%. Auferia 800,00€ por mês enquanto tractorista.
Por outro lado, podemos assentar, para a variante taxa de juro do capital, nos 3%, valor que a jurisprudência vem considerando.
O contributo da vítima para o rendimento anual, nesta data, seria, então, de 11.200,00€. A perda resultante da IPP de 11,65%, cifrar-se-ia em 1.304,80€ (11.200,00x0.1165). Considerando ainda que o A., após o acidente, teria uma esperança de viver até aos 79 anos (valor aproximado), contaria com mais 52 anos, o que lhe resultaria numa perda de 67.849,60€.
Numa outra operação, ao juro elegível de 3%, há, agora, que apurar qual o capital que, a tal taxa, seria necessário para repor a perda. Assim, temos, 1.304,800x100/3=43.493,33€.
Aplicando sobre os resultados obtidos com uma e outra das fórmulas o já mencionado ajustamento de ¼ imposto pelo recebimento antecipado do capital, vemos que o valor obtido se cifra em 50.887,20€ no primeiro caso e em 32.620,03€ no segundo.
Já segundo a metodologia proposta no Ac. do STJ de 4/12/2007, aplicada ao caso sub-júdice, a partir das variantes que enunciámos acima (salário anual à data mais próxima do acidente, IPP de 11,65 e o factor aplicável a um período de 50 anos (o acórdão apenas disponibiliza dados até este período), que é, respectivamente, quase o tempo restante de vida activa) já obteríamos, porém, o valor mínimo de indemnização de 25.179,15€ (11.200,00x25,72976x0,1165-1/4).
Tanto aqueles, quanto estes, são valores norteadores para o julgador e não valores absolutos, até porque, conforme decorre do que se dispõe no Artº 566º/3 do CC, na impossibilidade de averiguar o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver como provados. Assim, cabe ao julgador adequar a lei às necessidades sociais e ás concretas circunstâncias, de forma a atingir a justiça do caso concreto.
Aqui chegados, constatamos que o valor encontrado na sentença recorrida – 41.300,00€ – se revela adequado.
Trata-se de um jovem, com perspectivas de melhoria profissional no futuro, com uma profissão medianamente qualificada, o que se traduz numa previsível melhoria da capacidade de ganho. A tudo acresce a circunstância de as sequelas que o afectam não assumirem contornos que imponham uma acrescida preocupação.
Improcedem, deste modo, e quanto a esta questão, ambos os recursos.
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Resta a 2ª questão enunciada no recurso interposto pela R. – os juros de mora sobre o capital daquela indemnização deverão ser contados da data de prolacção da sentença.
Alega a Recrte. que a indemnização arbitrada pelo tribunal a quo foi por danos não patrimoniais, já que reconheceu não o ser por qualquer dano patrimonial futuro de perda de rendimentos. Daí que os juros de mora se devam contar da data da decisão, o mesmo acontecendo em relação ao dano patrimonial futuro de perda de rendimentos.
A questão que nos ocupa cinge-se, assim, à determinação do momento de início da contagem de juros de mora sobre a quantia arbitrada a título de indemnização pela incapacidade (isto não obstante a alegação não ser muito explícita, mas considerando que a sentença apenas quanto a esta repercutiu os juros ao momento da citação).
Não subscrevemos inteiramente a conclusão da Recrte. segundo a qual o Tribunal a quo não reconheceu o dano patrimonial futuro de perda de rendimentos. Na verdade, não obstante o texto que acima transcrevemos, afigura-se-nos que o que ficou subentendido foi que a incapacidade que afecta o A. não é uma incapacidade absoluta para o trabalho. Contudo, reconheceu-se que a mesma se repercute na vida profissional.
De todo o modo, é nosso entendimento que a IPP de que o A. ficou portador é uma incapacidade para o trabalho, como acima já explicámos.
Posto isto, detenhamo-nos sobre a questão que enunciámos.
Sobre a quantia arbitrada a título indemnizatório da incapacidade, a sentença recorrida fez incidir juros de mora à taxa anual de 4% desde a citação.
O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (Artº 805º/1 do CC). Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação provier de facto ilícito (Artº 805º/2-b) do CC).
No caso, estamos em presença de obrigação adveniente de responsabilidade civil extra-contratual, fundada em facto ilícito, obrigação essa que, até ao trânsito em julgado da sentença, é ilíquida.
Ora, estipula o Artº 805º/3 que se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido... Tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja mora nos termos da primeira parte.
Em presença deste dispositivo, a decisão não ofereceria dúvidas.
Esta regra, introduzida no nosso ordenamento jurídico em 1983, teve em vista combater o fenómeno da inflação e os seus efeitos desequilibradores nas relações jurídicas creditícias, designadamente, nas derivadas de facto ilícito ou risco.
Ocorre, porém, que em presença do que se dispõe no Artº 566º/2 do CC – a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos –, gerou-se uma corrente jurisprudencial tendente a interpretar a segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º, na sua ligação sistemática com o artigo 566.º, n.º 2, ambos do Código Civil.
Houve, assim, que dar resposta à questão que se prende com a determinação do momento de início da contagem de juros de mora sobre os quantitativos da indemnização arbitrada a título de responsabilidade civil por facto ilícito ou pelo risco, designadamente os respeitantes a danos não patrimoniais e a danos patrimoniais futuros por incapacidade geral permanente.
É, assim, que, em 2002, surge o Ac. do STJ, Uniformizador de Jurisprudência, datado de 9/05, segundo o qual se acordou na seguinte norma interpretativa: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.” (www.dgsi.pt) "A actualização monetária da obrigação pode, porém, não ocorrer apenas em 1.ª instância, podendo ter lugar na Relação ou até, excepcionalmente, no Supremo Tribunal de Justiça. Considerando o carácter geral e tão abrangente quanto possível que deverá ter a solução uniformizadora, a qual deverá abarcar, sendo caso disso, a actualização monetária expressamente efectuada nas decisões proferidas pelos tribunais superiores, será preferível que, na sua formulação, a norma interpretativa a adoptar, em vez de aludir à «sentença proferida em 1.ª instância», faça referência ao conceito de «decisão actualizadora»" .
Indagou-se ali se existe compatibilidade entre os referidos normativos ou se, pelo contrário, a compatibilização exige uma interpretação restritiva de qualquer deles, ou seja, “trata-se de saber se o juiz pode arbitrar uma indemnização em dinheiro segundo o critério de cálculo actualizado prescrito no citado n.º 2 do artigo 566.º e, ao mesmo tempo, declarar que o responsável se encontra em mora pelo pagamento de tal quantia desde a citação, acrescentando-lhe, por isso, juros de mora desde a data da mesma”.
Ponderou-se, então, que “o método de aferir o cálculo da indemnização pela data mais recente que o tribunal puder atender, que é uma das traves mestras do 'princípio da diferença', deverá ser, também, um dos princípios basilares da indemnização dos referidos danos, uma vez que se trata de ideia que decorre do próprio princípio geral da indemnização, definido no artigo 562.º.
No cálculo da 'diferença', relevam, como não podia deixar de ser, os danos derivados da demora da liquidação da indemnização.
E, porque se trata de indemnizar em 'dinheiro', um dos componentes da 'diferença', como efeito pernicioso dessa demora, deverá ser, também, a inflação, a 'décalage' entre o valor da moeda à data da ocorrência do dano e o que se verifica na citada 'data mais recente’.
...
Os juros moratórios exercem a função de indemnização pelo retardamento de uma prestação pecuniária (artigo 806.º, n.º 1), sendo, assim, devidos a título de indemnização.
No entanto, e no seguimento do que já se disse, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 200-C/80, aos juros moratórios passou a estar cometida não só a função específica de indemnizar os danos decorrentes do intempestivo cumprimento da obrigação, mas também a de contrabalançar a desvalorização monetária, numa indirecta reacção contra o princípio nominalista consagrado no artigo 550.º.
...
Chegados, porém, tempos, como os que correm, caracterizados por uma relativa estabilidade no valor da moeda, passou a acontecer, com frequência, que esse condicionalismo, associado à elevação dos pedidos indemnizatórios e ao desincentivo do protelamento das acções, resultante da já falada alteração introduzida ao n.º 3 do artigo 805.º, passaram a permitir ao juiz, sem violar o princípio do pedido, atribuir indemnizações actualizadas em conformidade com a referida norma do n.º 2 do artigo 566.º, levando já em conta não só todos os danos alegados, mas também a correcção monetária”.
Veio, assim, a concluir-se que “a aplicação da norma do n.º 2 do artigo 566.º em toda a sua expressão normativa, com a função de regra geral indemnizatória que claramente desempenha, faz com que, inevitavelmente, o n.º 3 do artigo 805.º deva sofrer uma restrição interpretativa, para a qual aponta também a consideração de que o princípio actualista que preside ao enunciado declarativo do n.º 2 do artigo 566.º não se confina ao aspecto da correcção monetária.” E que “a aplicação simultânea do n.º 2 do artigo 566.º e do artigo 805.º, n.º 3, conduziria a uma duplicação de benefícios resultantes do decurso do tempo, pelo que o n.º 3 do artigo 805.º cederá quando a indemnização for fixada em valor determinado por critérios contemporâneos da decisão”.
Efectivamente, se a indemnização tivesse sido fixada logo na data de ocorrência da lesão, certamente que a sua expressão monetária seria diferente daquela que assumirá se vier a ser fixada alguns anos mais tarde.
Impressiona-nos o argumento (contrário a esta tese) segundo o qual os juros devidos nos termos do Artº 805º/3 do CC visam compensar um mal diferente do mal da lesão pelo próprio facto ilícito: uma coisa é a indemnização devida pelo mal do facto ilícito – com actualização da obrigação pecuniária de acordo com a flutuação do valor da moeda –, outra coisa é o mal de o lesado ter de esperar longo tempo, às vezes anos e anos, pelo pagamento da indemnização – indemnização do dano de mora – e, bem assim, a circunstância de a própria lei ter optado por uma solução de equilíbrio, isto é, mandar contar a mora a partir, não da lesão, mas sim da citação.
Posto isto, retornemos ao nosso caso.
A acção deu entrada em 2010 e a indemnização veio a ser fixada em 2013, sendo que na respectiva fixação se ponderou uma “taxa de juro de 3%, a taxa de inflação de 2% (necessária ao cumprimento do Pacto de Estabilidade Europeu)”.
Donde, se nos afigura que estamos em presença do recurso ao mecanismo da actualização monetária da obrigação de indemnização nos termos do Artº 566º/2 do CC.
Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (Artº 8º/3 do CC).
Conforme ensina Abrantes Geraldes, “a interpretação uniforme do direito constitui um dos vectores por que se tutela a certeza e a segurança jurídica” (Recurso em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 423).
Daí que, entendamos ser de aplicar a norma interpretativa constante do acórdão uniformizador e, nessa medida, conclui-se que, se o juiz calcula o capital a valores actualizados, deixa de fazer sentido a aplicação retroactiva do corrector monetário.
Deste modo, procede a questão em apreciação.
***
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar:
a) o recurso interposto pelo A., improcedente e
b) o recurso interposto pela R. parcialmente procedente, revogando a sentença no segmento em que reporta os juros de mora sobre o valor atribuído a título de indemnização pela IPP à data da citação, condenando-se a R. a pagá-los desde a data de prolacção da sentença, tudo o mais se confirmando.
Custas do 1º recurso pelo A. e do 2º por ambas as partes, na proporção de 1/10 para o A. e 9/10 para a R.
Notifique.
Manuela Fialho
Edgar Gouveia Valente
Paulo Duarte Barreto