Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
75/15.8T8TMC.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS SUBSTANCIALMENTE INCOMPATÍVEIS
INEPTIDÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- A forma de processo adequada tem de ser determinada em função do pedido ou pedidos deduzidos pelo Autor em sede de petição inicial e a(s) causa(s) de pedir que invoca para sustentar esse(s) pedido(s).

2- Com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, foi eliminado o processo especial de arbitramento, passando a ação de demarcação, tal como a ação de reivindicação, a seguir a mesma forma de processo – o processo comum de declaração.

3- Ocorre ineptidão da petição inicial com fundamento em cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis quando, em cumulação real, são deduzidos pedidos cujos efeitos jurídicos mutuamente se repelem, isto é, pedidos que mutuamente se excluem ou que assentam em causas de pedir inconciliáveis.

4- A ação de reivindicação é uma ação real, petitória e condenatória, destinada à defesa da propriedade, sendo a respetiva causa de pedir integrada pelo direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e pela violação desse direito pelo reivindicado (que detém a posse ou a mera detenção desta). O pedido é o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e a restituição desta àquele.

5- A ação de demarcação não visa a declaração do direito real, mas apenas definir as estremas entre dois prédios contíguos, propriedade de donos distintos, perante o estado de indefinição/incerteza das respetivas estremas. O direito de propriedade de Autor e Réu sobre os respetivos prédios, a demarcar, não integra a causa de pedir da ação de demarcação, mas funciona como mera condição de legitimidade ativa (Autor) e passiva (Réu) para a ação de demarcação.

6- A causa de pedir na ação de demarcação é complexa e desdobra-se na existência de prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos, cujas estremas são duvidosas ou se tornaram duvidosas. O pedido é a fixação da linha divisória entre os prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos.

7- A distinção entre ação de reivindicação e de demarcação passa por verificar se perante o(s) pedido(s) e causa(s) de pedir invocadas pelo Autor em sede de petição – a relação jurídica material por ele delineada – se invoca um conflito de títulos de aquisição dos prédios ou um conflito de prédios. Se na ação se discute o título de aquisição dos prédios, então a ação é de reivindicação (conflito de títulos). Se na ação não se discute o título de aquisição dos prédios, mas a relevância deles em relação ao prédio, no sentido de se saber onde acaba um e começa o outro (conflito de prédios), a ação é de demarcação.

8- Ocorre cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis quando o Autor instaura uma determinada ação em que pede a condenação do Réu a reconhecer o seu direito de propriedade sobre determinado prédio e que dele faz parte integrante uma determinada parcela de terreno que alega estar a ser possuída pelo Réu e pede a condenação do último a reconhecer esse seu direito de propriedade sobre esse seu prédio, nele se incluindo aquela parcela de terreno e, bem assim a restituir-lhe essa parcela de terreno (pedidos típicos da reivindicação) e em cumulação real, pede que se ordene a demarcação entre esse seu prédio e o prédio do Réu, contíguo ao primeiro (pedido típico da demarcação).

9- O vício referido em 8) determina a nulidade insuprível da petição inicial, de conhecimento oficioso, que cumpre ao Tribunal da Relação conhecer, ainda que oficiosamente.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

Filipe, residente na Rua …, Torre de Moncorvo, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra José, residente na Rua …, Torre de Moncorvo, pedindo que se:

I- declare que:

a- aquele é dono e legítimo possuidor do imóvel descrito e confrontado no art. 1º da petição inicial;
b- a parcela de terreno de que o Réu se apoderou é parte integrante do prédio do Autor;
c- a detenção e posse que o Réu vem fazendo dessa parcela é insubsistente, ilegal e de má-fé,
e que, em consequência disso se:

II- condene o Réu a:

a- reconhecer que o Autor é dono e possuidor legítimo do prédio identificado no art.1º da petição inicial e que a parcela de terreno de que ilegitimamente se apropriou integra o dito prédio;
b- entregar imediatamente ao Autor a parcela de terreno do prédio deste, de que se apoderou;
c- abster-se, de futuro, de praticar atos que perturbe a posse e o direito de propriedade do Autor;
d- repor a dita parcela no estado em que se encontrava antes da ocupação, retirando as plantações que na mesma fez.

III- ordene a necessária demarcação entre os dois imóveis na forma indicada no art. 30º da petição inicial e nos termos dos artigos 1353º e 1354º do Código Civil.

Para tanto alega, em síntese, ser dono e legítimo possuidor do prédio rústico composto por terra trigo e centeio, sito …, inscrito na matriz rústica da União de freguesias de … sob o art. ..., por o ter adquirido por compra por escritura pública de 11/04/2013;

O Autor, por si e antecessores, está na posse e fruição daquele prédio, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, há mais de 30 anos, sem qualquer ato de força ou violência, nele lavrando a terra, semeando trigo e centeio, colhendo os respetivos frutos, tal como fazem os verdadeiros donos, e pagando a respetiva contribuição autárquica, tudo fazendo em proveito próprio;

O Réu é dono e possuidor de um prédio contíguo, sito a norte do Autor, inscrito na matriz rústica da União de freguesia …, sob o art. 2545, prédio este que o Réu adquiriu por partilha judicial das heranças abertas por óbito de João e de Maria, há cerca de dois anos;

A delimitar ambos os prédios existiam seis marcos;
Em agosto/setembro de 2012, o Réu surribou e apoderou-se de uma parcela de terreno do prédio do Autor, com a área de 3.328,72 m2, representada nos documentos de fls. 13 frente e verso;
Em outubro de 2013, o Réu fez uma rodeira, com uma máquina retroescavadora nessa parcela de terreno;
Quando tomou conhecimento da invasão do seu prédio, em novembro/dezembro de 2013, o Autor instou o Réu a restituir-lhe aquela parcela de terreno, o que este anuiu fazer;
No entanto, em março/abril de 2014, o Réu plantou amendoeiras nessa parcela de terreno, o que levou o Autor, através do seu advogado, a notificar o Réu para que retirasse essas árvores do terreno, por carta registada com aviso de receção, o que este ignorou;
Em finais de fevereiro de 2015, o Réu passou a transitar com tratores pela restante parte do prédio do Autor, como se fosse dono do mesmo.

O Réu contestou, impugnando parte da matéria alegada pelo Autor, sustentando ter adquirido a parcela de terreno em discussão nos autos, por óbito de Maria e João, falecidos em 1978 e 1993, respetivamente, no ano de 2003;

Em 2004 o Réu identificou essa parcela de terreno, junto dos serviços do IFAP, passando esta a ter 1,44 hectares aráveis;
Fê-lo segundo a área que o seu avô arava e tratava, na parte inferior;
Na parte superior, a terra tem pouca aptidão agrícola, tendo-a o Réu limpo e delimitado de acordo com as marcações existentes, constituídas por dois marcos, os quais delimitavam o prédio de que o Autor se arroga proprietário;
A posse e os limites daquele imóvel nunca foram contestados por ninguém;
Em fevereiro de 2012, o Réu plantou amendoeiras nesse prédio respeitando tal área e limites do seu prédio e deixou cera de 1,60m nas bordas deste para passar qualquer veículo de tração, tendo-se mantido dentro dos limites dos dois metros existentes.
Conclui pela improcedência da ação, pedindo a sua absolvição do pedido.

Deduziu reconvenção, pedindo a condenação do Autor-reconvindo a reconhecer e restituir parte do imóvel aqui reivindicado, procedendo-se à demarcação conforme o alegado nos arts. 36º e 37º da contestação-reconvenção.

Para tanto alega, em síntese, ter demarcado o seu terreno no P3, conforme documentos de fls. 27 a 28, por dois marcos antigos e extremas dos outros imóveis confinantes, na parte superior;
Na parte inferior, o Réu delineou esse seu prédio de acordo com os confinantes e os locais onde este e os seus antecessores o aravam e semeavam;

Em fevereiro de 2012, o Réu procedeu à plantação de amendoeiras de acordo com a demarcação do imóvel P3;
No final de 2014, o Autor, usando de uma máquina, invadiu o terreno do Réu, em cerca de 1,5m, na parte confinante e numa extensão de cerca de 50 m, derrubando os dois marcos existentes e empurrando todas as pedras para cima das amendoeiras, em plena propriedade do Réu, numa área total de 569m2.

O Autor-reconvindo replicou, impugnando a matéria invocada pelo Réu-reconvinte em sede de reconvenção, mantendo a versão dos factos que tinha apresentado na petição inicial, e concluindo pela improcedência da reconvenção.
Pediu a condenação do Réu-reconvinte como litigante de má-fé, em multa e em indemnização, a serem fixadas pelo tribunal, sustentando que este alega factos relevantes para decisão da causa, que sabe serem falsos e faz um uso manifestamente reprovável do processo.

Dispensou-se a realização de audiência prévia, admitiu-se a reconvenção, fixou-se o valor da causa, proferiu-se despacho saneador tabelar e fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo havido reclamações.

Realizada audiência final proferiu-se sentença julgando a ação parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, constando aquela sentença da seguinte parte dispositiva:

“Pelo exposto e nos termos referidos supra, decide-se:

1. Julgar a acção intentada pela Autora parcialmente procedente e, em consequência:

a) Declara-se e reconhece-se que:

que o A. é dono e legitimo possuidor do imóvel descrito e confrontado em 1º da petição inicial este articulado;
que a parcela de terreno de que o R. se apoderou é parte integrante do prédio do A.;

b) Condena-se o Réu, José, a reconhecer que o Autor, Filipe, é dono e possuidor legitimo do prédio identificado em 1º desta petição e que a parcela de terreno de que ilegitimamente se apropriou integra o dito prédio

c) Condena-se o Réu, José, a entregar imediatamente ao A., Filipe, a parcela de terreno do prédio deste de que se apoderou

b) Condena-se o Réu, José, a abster-se, de futuro, de praticar atos que perturbem a posse e o direito de propriedade do A, Filipe;

c) Condena-se o Réu, José, a repor a dita parcela no estado em que se encontrava antes da ocupação, retirando as plantações que na mesma fez.
2. Absolve-se o Réu, José, do demais peticionado contra si.
3. Julgar a reconvenção totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolve-se o Autor dos pedidos contra si formulados.
Custas pelo Réu e Autor, na proporção de 90% e 10% - artigos 527º, nº 1 e 2, 528º, nº.1 do Código de Processo Civil.”

Inconformado com o assim decidido, o Autor veio interpor recurso daquela sentença, apresentando as seguintes conclusões:

1ª – Os factos provados sob os nºs. 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 evidenciam que o recorrente, por si e antecessores, há 20, 30 e mais anos, ininterruptos, exerce, sobre o prédio a que aí se alude, uma posse titulada, de boa-fé, pública e pacífica – artigos 1260º, nºs 1 e 2, 1261ºe 1262º do Código Civil.
2ª – Em consequência de tal posse, radicou-se no A./recorrente o domínio desse prédio – 1287º e 1296º do mesmo diploma.
3ª – Por sua vez, é de má-fé a posse que o R./recorrido vem exercendo sobre a parcela de terreno do prédio do recorrente – artigo 1260º, nº2, 2ª parte, do citado diploma.
4ª- De resto, a douta sentença recorrida, expressamente, refere que o recorrido ocupa tal parcela contra a vontade do recorrente, seu legitimo proprietário, inexistindo qualquer titulo que legitime a sua conduta.
5ª – Assim, a posse do R./recorrido é insubsistente, ilegal e de má-fé.
6ª – Do facto provado em 11, verifica-se que o prédio do recorrente estava demarcado do prédio do recorrido, por marcos de 15 em 15 metros, ao longo da estrema dos prédios.
7ª – E do facto provado em 12, resulta que o recorrido surribou e apoderou-se de uma parcela do prédio do recorrente, inexistindo, atualmente, demarcação entre os prédios.
8ª – O recorrente peticionou a demarcação entre os prédios de A. e R. em conformidade com os meios de prova disponíveis, estabelecendo-se e definindo-se em reta a linha divisória, implantando-se os marcos desaparecidos e outros intermédios que se mostrassem necessários ao longo da linha divisória e, ainda, nos termos dos artigos 1353º e 1354º do Cód. Civil.
– Do Auto de Inspeção ao local de fls. 82, dos croqui de fls. 90 e 93 dos autos e dos depoimentos das testemunhas Fátima, Manuel, J. J. e A. S., evidenciados em sede de motivação da sentença, constata-se que o Tribunal dispõe de elementos suficientes e precisos para ordenar a demarcação.
10ª – Impondo-se, assim, e até para evitar futuros desentendimentos entre A. e R. quanto à linha divisória, que se ordene a demarcação em conformidade com os referidos meios de prova.
11ª - Ao julgar improcedente o pedido de declaração de que a detenção e posse que o R. vem fazendo da parcela de terreno do prédio do A. é insubsistente, ilegal e de má-fé, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 1260º, nº2 , 2ª parte, do Cód. Civil.
12ª - E, ao julgar improcedente a demarcação entre os prédios de recorrente e recorrido, violou o disposto nos artigos 1353º e 1354º do Cód. Civil.
13ª – Atendendo ao sumariamente exposto, deve a decisão recorrida ser substituída por acórdão que :

a) - declare que a detenção e posse que o recorrido vem fazendo da parcela de terreno do prédio do recorrente é insubsistente, ilegal e de má-fé; e
b) – ordene a demarcação entre os prédios de recorrente e recorrido em conformidade com os meios de prova supra referidos.

O apelado (Réu) contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação, apresentando os seguintes argumentos:

“O aqui Recorrente, não se conformando com a Douta Sentença, vem pedir a sua revogação, essencialmente porque não lhe é delimitado o terreno conforme este pretende, suscitando para isso matéria de fato que nem sequer consta da Sentença, aliás nem podia. Isto porque no essencial a ação intentada processualmente é de reivindicação e não de demarcação. Sendo certo que o que pretendia o aqui autor/ recorrente era uma ação de demarcação, pois, como se pode constatar numa breve leitura dos autos, está em causa os limites/extremas da propriedade e não o seu dono e legitimo proprietário. A própria ação e contestação, com reconvenção é bem expressa, pois ambos colocam em causa uma faixa de terreno adjacente, arrogando-se ambos dos limites indefinidos, pois não existem marcos ou delimitações. Tal no entanto, já foi alvo de recurso intentado pelo aqui recorrente, e, neste caso, poderá ser causa prejudicial do presente recurso.
Não pode no entanto o aqui recorrente de deixar de contestar o Douto alegado, pois sempre o recorrente aproveita para querer dar como provado aquilo que não está provado em sede de sentença, procurando assacar dividendos que não lhe pertencem.
Para além de que ao recorrente em sede de Sentença lhe foram injustamente atribuídos direitos sobre uma parcela mal definida de terreno, vem agora tentar colmatar a deficiente prova produzida em termos de delimitações e áreas, procurando acrescentar ao que já ficou já provado, socorrendo-se do auto de inspeção ao local, que já foi sobejamente considerado em sede de fundamentação de sentença.
Analisando o conteúdo das alegações do recorrente e da Douta Sentença, constata-se ab initio que os fundamentos usados nada mais são do que uma tentativa de abalar, quer a livre convicção do julgador, quer a fundamentação alicerçada e conjugada da prova documental (fotografias/auto de inspeção ao local) e testemunhal, apreciando os factos necessários (ainda que seja na opinião do aqui recorrido tenha sido ultrapassado tal limite processual) para dar resposta a uma ação típica de reivindicação.
Mas vejamos pontualmente o alegado de modo a poder contestar e não deixar dúvidas sobre a decisão de 1 a instância acerca da matéria recorrida;

I. Da destrinça entre a ação de reivindicação e da ação de demarcação. Erro sobre a forma de processo. Dos pedidos incompatíveis. Da nulidade nos termos do artigo 193 nº 4 do C.P.C.

1. Como se vislumbra da breve resenha histórica o autor recorrido intentou uma ação declarativa de condenação em que o recorrido peticionou:

1. Declarar-se:

a) Que o A é dono e legitimo possuidor do imóvel descrito e confrontando em 1 Q deste articulado;
b) que a parcela de terreno de que os R. se apoderou é parte integrante do prédio do A.;
c) que a detenção e posse que o R. vem fazendo dessa parcela é insubsistente, ilegal e de má-fé;

E, por via de consequência:

2. Condenar-se o R:
a) A reconhecer que o A. é dono e possuidor legitimo do prédio identificado em 1. desta petição e que a parcela de terreno de que ilegitimamente se apropriou integra o dito prédio;
2. A entregar imediatamente ao A. a parcela de terreno do prédio deste de que se apoderou;
c) A abster-se de no futuro praticar atos que perturbem a posse e o direito de propriedade do A;
d) A repor a dita parcela no estado em que se encontrava antes da ocupação, retirando as plantações que na mesma se fez.
3. Ordenar-se a necessária demarcação entre os dois imóveis na forma indicada em 30 e nos termos dos artigos 1353 e 1354 do Cod. Civil.
2. Ora, conjugando tal pedido, com o articulado em 18 da douta p.i., o autor acusa o R., aqui recorrente de ter “surribou e apoderou-se de uma parcela de terreno, deste prédio com a área de 3.328,37 m2” 3. Como se vislumbra, estamos a tratar de um aparte ínfima do imóvel (49 991,00 m2) sita "espaço contíguo entre os dois imóveis"
4. Nunca esteve, nem está em causa a propriedade do imóvel nem do autor (recorrente) nem do reu (aqui recorrido), mas sim de uma delimitação de extremas onde outrora existiram marcos delimitativos.
5. E bem alega o autor ao peticionar a demarcação dos imóveis, pois na realidade essa é a intenção real do autor, bem sabendo este que nunca esteve em causa a propriedade do imóvel dos quais ambos sempre respeitaram.
6. E tal era a incerteza da linha divisória que o aqui recorrente enxertou uma reconvenção, alegando que tal parte extrema do terreno era do aqui R./recorrente e não do aqui A. /recorrido.
7. Nesta senda, e atendendo à forma processual usada, a Douta Sentença, está limitada apenas a apreciar se o autor/recorrido é dono e legitimo proprietário do imóvel identificado em 1. pelo autor/recorrido.
8. Não pode sequer determinar que faixa de terreno pertence ao autor ou ao réu, a delimitação ou a localização real dos marcos ou limites do mesmo, isto, porque se trata de matéria respeitante a uma ação de demarcação prevista nos artigos 1353 e 1354 do C.C.
9. Nos termos dos artigos invocados;
“O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das extremas entre o seu prédio e os deles; a demarcação é feita de conformidade com os títulos, pela posse, por outro meio de prova ou, finalmente, "se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais".
10. Nos termos do artº 1354º nº2 C.C, o direito a demarcar prédios depende, não tanto da invocação de uma linha de demarcação, mas antes da própria inexistência de demarcação em si - tudo o mais deve ser conhecido pelo próprio tribunal, aplicando, para efeitos da fixação de uma linha de demarcação, os critérios principal e supletivo previstos no citado artº 1354º.
11. Mais cito;
I. Nas ações de demarcação há duas subespécies; a das que se propõem a simples aposição de marcos ou sinais visíveis numa linha limite conhecida e indiscutida e as de que em primeira linha se destinam a fixar essa linha, determinando as extremas.
II. quando existam entre as partes divergências sobre a linha de estremas a ação é dispositiva.
Acórdão do STJ, de 14 de Novembro de 1972,BM] nQ 221, pág. 159.
12. Era esta a intenção real do Autor/recorrido quando intentou a ação, pelo que a Douta Sentença apenas pode condenar no reconhecimento mútuo da propriedade dos imóveis contíguos, do autor e do réu, recorrido e recorrente, facto que não fez in casu.
13. E disso constatou a Meritíssima juíza do Tribunal a quo, ao não proceder à demarcação das extremas e colocação de marcos como o A recorrido na realidade SEMPRE pretendia.
14. Pelo que deveria, atento o teor do recurso do autor, declarar todo o processado nos autos nulo ou anulável nos termos do artigo 193, nº 4 do C.P.C. pois padece de um vício de forma processual, ab initio, pois;
a) existe um erro na forma processual usada.
b) contradição entre os pedidos do autor/recorrido que exigem duas formas processuais distintas.

Ou caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se admite,
15. Ser reduzida a Sentença na sua apreciação, devendo dar-se como não escrita a parte em que reconhece a parcela de terreno ocupada pelo R. como parte integrante do prédio do A, bem como a entregar tal parcela de terreno do prédio que se apoderou.
16. Limitando o processo a uma ação declarativa de reconhecimento e não de reivindicação (colocação de marcos e determinação das extremas), já que o objecto do pedido é tipicamente uma ação de demarcação.
17. Salientando que não se encontra em causa a titularidade do imóvel, mas da demarcação das extremas e colocação de marcos, facto ao qual em sede de contestação/reconvenção o aqui recorrente/R, entendeu que as estremas e marcos eram noutro local, e que a área que se alega usurpada nunca foi retirada ao prédio recorrido/A. (Vide contestação/ reconvenção - artigos 21, 22, 28, 29, e 30.)
18. Ao contrário, foi o reconvindo (recorrido) que invadiu o terreno do R/recorrente, em cerca de um metro e meio na parte confinante, numa extensão de cerca de cinquenta metros. (Vide contestação/ reconvenção - artigos 21, 22, 28,29, e 30.)
19. Ou seja, está sempre em causa as extremas do imóvel e ambas as partes concorrem para a sua marcação, não sendo esta a forma de processo, mas uma acção de demarcação
20. Parece não entender isso o recorrente, como não entendeu a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, que agora se viu num dilema, pois, para além de não haver matéria de facto provada para saber das reais dimensões, não poderia dar resposta a uma matéria que processualmente é típica de uma ação de demarcação.
21. Este foi a verdadeira razão da discórdia do aqui recorrente que ab initio deveria ter visto o seu processo indeferido liminarmente, ou nulo ou anulável nos termos do artigo 193, nº 4 do C.P.C. pois padece de um vício de forma processual.
II. Sobre a invocada matéria constante do auto de inspeção ao local;
22. Como se pode extrair da Douta Sentença, e como já foi referido, esta encontra-se assente, quer na livre convicção do julgador, quer a fundamentação alicerçada e conjugada da prova documental (fotografias/auto de inspeção ao local) e testemunhal, apreciando os factos necessários (ainda que seja na opinião do aqui recorrido tenha sido ultrapassado tal limite processual) para dar resposta a uma ação típica de reivindicação.
23. Parece-nos pretender o recorrente evidenciar uma série de factos que não constam da matéria provada, mas nada mais.
24. Nada refere ou peticiona o recorrente que tais indiciados factos, referidos no auto de inspeção, sejam alvo de outros factos provados que devam ser acrescidos à Douta sentença.
25. Por outro lado, como já foi dito, o auto de inspeção ao local já foi sobejamente apreciado em sede de sentença, e deste forma extraídos os factos que na livre convicção do julgador se encontram provados e fundamentados.
26. Pelo que, não peticionando o recorrente o que quer que seja, acrescentando novos factos por exemplo, e estando estes sido apreciados em sede de sentença, deve ser indeferido o presente recurso.
Nestes termos e nos demais de direito deve o presente recurso ser indeferido a tout court, fazendo-se assim Veneranda Justiça como já é apanágio desse Douto Tribunal”.

Também o Réu interpôs recurso daquela sentença, apresentando as seguintes conclusões:

1. A intenção real do Autor/recorrido quando intentou esta ação declarativa era segundo o pedido (colocação de marcos e determinação das extremas), uma ação de demarcação nos termos do artigo pois nunca esteve em causa a propriedade quer do autor quer do R.
2. Não se encontra em causa a titularidade do imóvel, mas da demarcação das extremas e colocação de marcos, facto ao qual em sede de contestação/reconvenção o aqui recorrente/R., entendeu que as estremas e marcos eram noutro local, e que a área que se alega usurpada nunca foi retirada ao prédio recorrido/A.. (Vide contestação/ reconvenção – artigos 21, 22, 28, 29, e 30.)
3. A acrescer, alegou o R. e sede de reconvenção que foi o A/reconvindo que invadiu o terreno do R/recorrente, em cerca de um metro e meio na parte confinante, numa extensão de cerca de cinquenta metros. (Vide contestação/ reconvenção – artigos 21, 22, 28, 29, e 30.)
4. Ou seja, está sempre em causa as extremas do imóvel e ambas as partes concorrem para a sua marcação, não sendo esta a forma de processo, mas uma ação de demarcação.
5. Assim peticionado pelo autor consubstancia uma ação de demarcação e não uma acção declarativa como este apelida.
6. Pelo que deve todo o processado nos autos ser declarado nulo ou anulável nos termos do artigo 193, nº 4 do C.P.C. pois padece de um vício de forma processual, ab initio, pois;
a) existe um erro na forma processual usada.
b) contradição entre os pedidos do autor/recorrido que exigem duas formas processuais distintas.
7. Nulidade que aqui se invoca para todos os efeitos legais, devendo esta ser declarada por esse Venerando Tribunal.
8. Caso assim não se entenda o que só por mera hipótese se admite, deve a Douta Sentença ser reduzida por esse Venerando Tribunal, limitando, ou mandando limitar pelo Tribunal a quo à mera apreciação da titularidade dos imóveis em litígio. (adequação formal do processo)
9. Só por erro na apreciação da matéria constante dos autos é que se pode concordar que seja dado como provado o número 12. dos factos provados, padecendo a sua fundamentação de vícios e contradições, pois para além de resultar de matéria controvertida (áreas) e não aceite pelas partes ( ao invés do que consta da sentença (artigos 21. a 23. da Contestação e 28. a 30. Da Reconvenção)) , esta contradiz-se ao dizer o R./recorrente respondeu “que lhe pertencem a ele próprio.”
10. Nitidamente existe um vício na fundamentação, uma deficiente análise da matéria de facto que é preciso corrigir por esse Venerando Tribunal.
11. Pelo que não pode ser dados como provado o artigo 12. pelo menos na parte da sua medição, salientando que não existe qualquer medição no auto de inspeção ao local, não existe nenhuma prova testemunhal ou documental fidedigno (como um levantamento topográfico) que contabilizasse em metros tal parte do imóvel, como na fundamentação apenas se refere à identificação da parcela feita por estes nas fotografias aéreas juntas aos autos.
12. Pelo que, sem prejuízo dos vícios anteriormente ou posteriormente alegados, deve ser dado como não provada a área determinada no número 12. da matéria provada, dando como provado apenas que “o R. se apoderou de uma parcela de terreno”.
13. Na douta p.i o A./recorrido alega que comprou o imóvel com 20 000,00 m2 e que vai duplicar a área do imóvel que consta na matriz, ou seja de 20 000,00m2 quadrados passa para 49 991m2 ou seja um aumento de 124,75 % da área do imóvel.
14. Na mesma peça exige o A./recorrido ao aqui R./recorrente uma área de 3328,37 m2, alegando a sua ocupação do imóvel nas suas extremas.
15. O que subtraindo à área do imóvel do R/ recorrente que consta da matriz ou seja de 13000,00 m2, o aqui R/recorrente fica com uma área de 9 671,63 m2, gerando assim uma injustiça difícil de suportar.
16. Segundo as regras da experiência, as matrizes prediais, especialmente as mais antigas, tem inscritas uma área inferior ao real, tudo para evitar impostos sobre a propriedade.
17. Como também, oram as boas regras da experiência que, não é normal alguém comprar um imóvel e aumentar-lhe a área em 124,75%.
18. Seria normal o julgador, na sua prudência e arbítrio questionar-se como é que alguém multiplica a sua área e ainda vem exigir do prédio contíguo uma parte de terreno.
19. O julgador com o devido respeito, não teve assim um sentido de apreciação critica sobre os factos que lhe foram carreados nos autos, desprezou as regras de experiência e da normalidade, diga-se matéria constante da p.i. e da contestação, mais, preferindo abstrair-se de uma realidade “nua e crua” que é a usurpação das áreas dos imóveis rústicos para a concretização de projetos agrícolas com subvenções comunitárias.
20. Deve por isso o Venerando Tribunal ad quem, no uso dos poderes que lhe foram atribuídos, considerar como não provados todas as áreas determinadas em sede de sentença, nomeadamente dando como não provados os números 11 e 12, bem como adequar-se a decisão final, nomeadamente as alíneas a) (segundo ponto), b) (segunda parte), c), d) e e).
21. Mas mais, conjugando os dois factos provados, segundo a área que foi peticionada, e que implica uma redução de quase 1/3 do imóvel na área confinante, o aqui A./recorrente deixa de ter acesso pela rodeira, passando a ter um muro de suporte na parte inferior como limite.
22. Para além do aqui alegado, vislumbra-se mais uma vez que o Tribunal a quo não teve em consideração quer a prova testemunhal quer as regras da experiência comum, ao negar sequer que o R/recorrente lhe seja negado uma parte da propriedade que sempre foi sua, parte que confrontava com a rodeira em causa.
23. O uso de tal terreno confinante foi severamente reiterado pelas testemunhas e encontra-se explícito nas fotografias aéreas o uso daquela parte do imóvel.
24. Mais uma vez deve o Venerando Tribunal ad quem, no uso dos poderes que lhe foram atribuídos, considerar como não provados todas as áreas determinadas em sede de sentença, nomeadamente dando como não provados os números 11. e 12., bem como adequar-se a decisão final, nomeadamente as alíneas a) ( segundo ponto), b) (segunda parte), c), d) e e).

Nestes termos devem todo o processado nestes autos ser declarados nulos nos termos do artigo 193, nº 4 do C.P.C., ou caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se admite, por procedência dos vícios invocados, deve a decisão ser alterada, limitando-se a declarar a propriedade dos imóveis em litígio, fazendo-se assim a justa e perfeita justiça como já é apanágio de V. Exªs.

O apelado (Autor) respondeu, pugnando pela improcedência da apelação interposta pelo apelante (Réu), apresentando os seguintes argumentos:

“I- Quanto à matéria das conclusões 1. a 8.

Diz o recorrente que o peticionado pelo A. consubstancia uma ação de demarcação e não uma ação declarativa e, por via disso, deve todo o processado nos autos ser declarado nulo ou anulável nos termos do artigo 193º do CPC, porquanto existe erro na forma processual usada e incompatibilidade entre os pedidos formulados pela A. por determinarem duas formas processuais distintas.
Ora o processamento das ações de demarcação estava previsto no Código de Processo Civil, no Livro III, Titulo IV, Capítulo IX, artigos 1052º e segs..

E dizemos estava porque, com a entrada em vigor do D.L. 329- A/95, de 12/12, em 01/03/1996, as ações de demarcação, entre outras, deixaram de ser tramitadas sob a forma de processo especial prevista nos artigos 1052º e segs. do CPC.. Com efeito,
“As ações de arbitramento, reguladas como processo especial, nos artigos 1052º a 1068º, abrangiam, nos termos do nº1 daquele preceito, a prevenção contra o dano, a expropriação por utilidade particular, a cessação ou mudança de servidão, a demarcação, a destrinça de foros, a redução de prestações incertas, a divisão de águas, a divisão de coisa comum e, genericamente, todas aquelas em que se pretendesse a realização de um arbitramento.
Tais ações tinham como único denominador comum a realização de um arbitramento, de tal modo que sempre que ação visasse a realização daquele tipo de prova havia que recorrer àquele processo especial.

Na reforma processual de 1995 foi entendido que «a prova pericial- também ela objecto de profunda reformulação e flexibilização – se revelará perfeitamente idónea para dar resposta, no quadro do processo comum de declaração, às necessidades e interesses tutelares com a instituição da figura do arbitramento, com a vantagem de outorgar ao juiz o poder- dever de valorar livremente os resultados da perícia a que seja necessário proceder», ao invés do que sucedia anteriormente, em que a decisão judicial em muitos casos era meramente homologatória do laudo dos árbitros (cf. antigo art. 1054º - 2).

Em suma: as ações de prevenção contra o dano (arts. 1346º e 1347º do Cód. Civil), as de expropriação por utilidade particular (art. 1550º do Cód. Civil), de cessação e mudança de servidão (arts. 1568º e ss. do Cód. Civil) e de demarcação (arts. 1353º e ss. do Cód. Civil) passam a seguir a forma de processo comum de declaração, surgindo, aí, a prova pericial como um dos meios probatórios utilizáveis.” (Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 18º Edição Actualizada, Setembro/2004, pág. 1252)
Daqui resulta, pois, que a demarcação, à semelhança da reivindicação, é tramitada sob a forma de processo comum de declaração.

Assim e sem necessidade de mais considerandos, conclui-se que não houve erro na forma processual usada e, consequentemente, não foi cometida a nulidade processual prevista no artigo 193º do CPC.

II – Quanto à matéria vertida nas conclusões 9. a 24.

Da motivação da sentença resulta que, por força dos depoimentos aí descriminados, bem como, pelos croquis de fls. 90 e 93 feitos pelas testemunhas Manuel e J. J., documentos juntos a fls. 117 e segs., inscrição matricial e descrição predial, o tribunal não teve dúvidas de que o R. se apoderou de uma parcela de terreno do prédio do A.
Mais, teve como certo que tal parcela tem a área de 3.328,37m2, uma vez que o R. não pôs em causa tal área, limitando-se a dizer que esses metros quadrados lhe pertenciam.
Por isso, deu, e bem, como provado o facto 12.
Contudo, na sua alegação, o R./recorrido, embora admita que se apoderou de uma parcela de terreno do prédio do A. (conclusão 12.), vem, contudo, dizer que, face ao que alegou de 21 a 23 da contestação e de 28 a 30 da reconvenção, tal área foi impugnada e, em consequência, existem contradições na fundamentação com referência a tal facto, pelo que deve ser dado como não provado por este Venerando Tribunal.
Senhores Desembargadores, bastará atentar na alegação que o R./reconvinte fez nesses itens da contestação/reconvenção, para se concluir que, efetivamente, não impugnou a área da dita parcela de terreno.
E se não a impugnou, de nada lhe serve vir agora dizer que nenhuma prova foi feita sobre tal área.
De modo que, a douta sentença recorrida não incorreu em contradição na fundamentação.

Por outro lado, tendo o A. alegado que a área verdadeira do seu prédio é de 49.991m2, vem o R./recorrente dizer que a sentença recorrida, ao dar como provado o facto 12,“ desprezou as regras de experiência e da normalidade”, porquanto, desse modo, a área do seu prédio fica reduzida a 9.671,63m2.
Ora este argumento, salvo o devido respeito, é falacioso e apenas visa confundir V. Exas., Senhores Desembargadores.

Isto porque, independentemente do prédio do R. ter a área de 20.000m2 ou de 49.991m2, a verdade é que a área de terreno referida no facto provado em 12 (3.328,37m2) não pertence, nem nunca pertenceu, ao prédio do R. e, por isso, a douta sentença recorrida não lha está a retirar.
Tal área pertence ao prédio do A. e, por isso, a sentença recorrida, fazendo justiça, condenou o R. a entregá-la ao A..
De resto, como já anteriormente se evidenciou, o R./recorrente admite, na conclusão 12., que se apoderou de uma parcela de terreno do prédio do A..

Acresce que, nas conclusões 21., 22. e 23., o recorrente vem dizer que, com os factos provados em 11. e 12., deixa de ter acesso por uma rodeira, passando a ter um muro de suporte na parte inferior como limite.
Para tal, transcreve, no corpo das suas alegações, um excerto do depoimento da testemunha A. G..
Ora, dessa transcrição não se vislumbra que, com os factos provados em 11. e 12., o R. deixe de ter acesso por qualquer rodeira, passando a ter um muro de suporte na parte inferior como limite.
Sendo que, a sentença recorrida apreciou a prova no seu conjunto e não descortinou tal factualidade, a qual, de resto, o R. nunca alegou, a não ser agora em sede de recurso.
Por tudo o que se deixa dito, a sentença recorrida não merece censura”.
*

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:

I- Apelação do Autor:

a- se a sentença recorrida padece de erro de direito ao julgar improcedente o pedido formulado pelo apelante (Autor ) em que este pede que se declarasse que a detenção e posse que o apelado vem fazendo da parcela de terreno do prédio do apelante é insubsistente, ilegal e de má-fé, bem como ao julgar improcedente o pedido de demarcação entre os prédios de apelante e apelado;

II- Apelação do Réu:

b- se a sentença recorrida é nula e, bem assim todo o processado, por:
b.1- erro na forma de processo;
b.2- ineptidão da petição inicial por contradição dos pedidos deduzidos pelo apelado em sede de petição inicial, que exigem duas formas processuais distintas;
c- se a sentença recorrida incorreu em erro de direito ao não limitar a sua apreciação à questão da titularidade dos prédios em litígio;
d- se o tribunal a quo incorreu em erro na fixação da matéria de facto que julgou como provada sob os pontos 11º e 12º dos factos provados na sentença recorrida e se, uma vez reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova das áreas dadas como provadas nesses itens;
e- se na sequência do eventual sucesso da impugnação da matéria de facto ou independentemente dele, a sentença recorrida se pode manter.
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O tribunal a quo deu como provados e não provados os seguintes factos:
Realizada a audiência de julgamento, dela resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a boa decisão da causa:

Da Petição Inicial

1. Encontra-se inscrito na matriz a favor do Autor, o prédio rústico denominado, terra para trigo e centeio, sita no …, a confrontar de norte João (atualmente com o R.), nascente e sul M. J. e poente caminho público, inscrita na matriz rústica da União das Freguesias de ..., deste concelho, sob o artigo ... (anteriormente, tal imóvel encontrava-se inscrito na matriz rústica da freguesia de ... sob o artigo …) (artigo 1º e 2º da petição inicial) e inscrito a favor do Autor na Conservatória do Registo Predial, por via da descrição nº. ….
2. Este imóvel veio ao domínio e posse do A. por compra que dele fez a X - Florestal Turismo e Aviação, Lda., e a Manuel e esposa, Fátima, por escritura pública de 11/04/2013, lavrada na Conservatória do Registo Predial (artigo 3º da petição inicial).
3. Aos vendedores Manuel e esposa, Fátima, adveio metade indivisa do imóvel por herança de seus pais e sogros, falecidos há mais de 30 anos. (artigo 4º da petição inicial).
4. À vendedora X adveio a outra metade indivisa do imóvel por compra a V. T., falecida há cerca de 20 anos (artigo 5º da petição inicial).
5. O A., por si e pelos seus aludidos antecessores, está na posse e usufruição do imóvel, por forma ininterrupta e à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, há mais de 15, 20, 30 e mais anos (artigo 6º da petição inicial).
6. Os antecessores do A. lavraram a terra, semearam trigo e centeio, colheram os respetivos frutos, tal como fazem os verdadeiros donos (…) (artigo 7º da petição inicial).
7. O A., desde que o adquiriu até à presente data, desmatou a terra, surribou-a, regularizou o terreno, retirou a pedra resultante da surriba, plantou amendoeiras, lavrou a terra (…) (artigo 8º da petição inicial).
8. Por outro lado, o R. é dono e possuidor de um prédio contiguo, sito a norte do prédio do A., composto de terra de centeio, sito na …, a confrontar de norte A. M., nascente A.C., sul A. V. (atualmente com o A.) e poente C. C., inscrito na matriz rústica da União das Freguesias de ... sob o artigo 2454 e, anteriormente, sob o artigo 1265 da matriz rústica da freguesia de ... (artigo 13º da petição inicial)
9. Este prédio veio à posse do R. por partilha judicial das heranças de João e de Maria, há cerca de 2 anos (artigo 14º da petição inicial).
10. O aqui R. adquiriu tal terreno por sucessão, por óbito de Maria e João falecidos em 1978 e 1993, respetivamente, no ano de 2003, imóvel este com a área de 13000 m2 (artigo 13º da contestação).
11. Na estrema dos prédios do A. e do R. existiam, pelo menos, seis marcos, constituídos por amontoados de pedra solta, conhecida, vulgarmente, por pedra de seixo, com o diâmetro aproximado de um metro e a altura aproximada de 60/70cms, cada um, espaçados de 15 em 15 metros (artigo 16º da petição inicial).
12. O R. surribou e apoderou-se de uma parcela de terreno deste prédio do Autor, com a área de 3.328,37m2 (artigo 18º da petição inicial).
13. Em Julho de 2014, a pedido do Autor, o Mandatário deste, através de carta registada com aviso de receção, instou o R. a retirar as amendoeiras e a repor o terreno no estado em que ele se encontrava anteriormente à sua ocupação ilegítima (artigo 23º da petição inicial)
*
II. 2 Não se provou que

i. (…) e pagaram a respetiva contribuição autárquica, tudo fazendo em seu exclusivo proveito (artigo 7º da petição inicial)
ii. (…) e colheu os respetivos frutos, assim como, pagou a respetiva contribuição autárquica, tudo fazendo em seu exclusivo proveito (artigo 8º da petição inicial)
iii. Quer uns, quer outros, jamais tiveram a consciência de lesar, que não lesaram, os direitos de quem quer que seja (artigo 11º da petição inicial)
iv. Embora na matriz conste que o prédio do A. tem a área de 20.000m2, a verdade é que o mesmo tem a área de 49.991m2 - protesta apresentar documento (artigo 15º da petição inicial)
v. Em Agosto/Setembro 2012, quando o prédio que é agora do A. estava ainda em nome das pessoas referidas em 3º, mas já estava na posse do A., (artigo 18º da petição inicial)
vi. Nessa altura, com esta surriba foram arrancados os marcos existentes na linha divisória de ambos os prédios (artigo 19º da petição inicial)
vii. Mais tarde, em Outubro/2013, o R. fez uma rodeira, com uma máquina retroescavadora, na parcela antecedentemente indicada em 18º (artigo 20º da petição inicial)
viii. Após ter tomado conhecimento desta invasão, ou seja, por volta de Novembro/Dezembro de 2013, o A. instou o R. a restituir-lhe a parcela de terreno mencionada em 18º, tendo este anuído a fazê-lo (artigo 21º da petição inicial)
ix. Porém, em Março/Abril de 2014, surpreendentemente, o R. plantou amendoeiras na supra indicada parcela de terreno do prédio do A. (artigo 22º da petição inicial)
x. E, em finais de Fevereiro/2015, passou a transitar com tratores pela restante parte do prédio do A., como se do mesmo fosse dono (artigo 25º da petição inicial)
xi. No ano de 2004, o aqui R. junto dos serviços do IFAP, identificou a parcela, passando esta a ter 1,44 ha aráveis (artigo 14º da contestação)
xii. E fê-lo segundo a área que o seu avô arava e tratava, na parte inferior, na parte superior, terra com pouca aptidão agrícola, limpou-o e delimitou-o de acordo com as marcações existentes, constituídas por dois marcos (que delimitavam o prédio que se arroga o A.) e os limites das propriedades na parte superior (árvores) (artigo 15º da contestação)
xiii. Mas não só a área que o seu avô tratava e seus antepassados, tal área era sobejamente conhecida pelo R. que muitas vezes o arou e semeou juntamente com o seu avô e família, bem como depois da morte daquele, isto durante mais de vinte ou mais anos, tendo sido respeitada tal propriedade e limites pelos seus vizinhos e conhecidos (artigo 16º da contestação)
xiv. Nunca tal posse e limites do imóvel foram contestados, nunca houve qualquer ato de violência nesta posse, exercida à vista de todos, não se coibindo de exercer os direitos de uso sobre tal propriedade, na sua plenitude como realmente o exerceram (artigo 17º da contestação)
xv. Respeitando tal área, o aqui R. plantou em fevereiro de 2012 amendoeiras, deixando cerca de um metro e sessenta nas bordas do imóvel para passar qualquer veículo de tração (artigo 19º da contestação)
xvi. Tendo-se mantido dentro dos limites de dois marcos existentes (que não tinham a distância de quinze metros, mas cerca de cem metros) que limitavam o seu terreno (artigo 20º da contestação)
xvii. Como já foi referido o R. (reconvinte) demarcou o seu terreno no P3 por dois antigos marcos e extremas dos outros imóveis confinantes, na parte superior (artigo 25º da contestação)
xviii. Como na parte inferior, o delineou de acordo quer com os confinantes quer pelos locais onde este e os seus antecessores o aravam e semeavam (artigo 26º da contestação)
xix. Em Fevereiro de 2012 procedeu à plantação de amendoeiras de acordo com a demarcação do imóvel no P3, reiterando, demarcação esta de acordo com o referido de 15. a 20. desta contestação/reconvenção (artigo 27º da contestação)
xx. Para espanto seu, no final do ano de 2014 o A. reconvindo, usando de uma máquina invadiu o terreno do aqui R. reconvinte em cerca de um metro e meio na parte confinante (artigo 28º da contestação)
xxi. Numa extensão de cerca de cento e cinquenta metros, derrubando os dois marcos existentes e empurrando todas as pedras para cima das amendoeiras em plena propriedade do aqui reconvinte (artigo 29º da contestação)
xxii. Numa área total de 569 m2, área esta que não se estima por um valor inferior a 569,00 euros, correspondente ao preço de mercado (artigo 30º da contestação)
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B- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Réu (apelante) vem invocar a exceção da nulidade de todo o processado com fundamento em erro na forma de processo e, bem assim com fundamento em ineptidão, por cumulação substancial de pedidos, alegando para tanto que na presente ação nunca esteve em causa a propriedade dos imóveis propriedade do Autor e do Réu, mas sim a delimitação das respetivas estremas, onde outrora existiram marcos delimitativos da propriedade.

Sustenta ainda, que ao peticionar a demarcação dos imóveis, a vontade real do Autor era que se delimitasse as estremas desses prédios, bem sabendo aquele Autor que nunca esteve em causa a propriedade dos imóveis, propriedade essa que aquele e o apelante sempre respeitaram, tanto assim que o apelante, perante a incerteza dessa linha divisória, enxertou uma reconvenção, alegando que tal parte estrema do terreno era dele e não do Autor.

Conclui, sustentando que, atendendo à forma processual usada, a sentença recorrida está limitada apenas a apreciar se o Autor (apelado) é ou não dono e legitimo proprietário do imóvel identificado no art. 1º da petição inicial, não podendo, sequer, determinar se a faixa de terreno pertence àquele apelado ou se ao apelante, bem como proceder à delimitação ou localização real dos marcos ou fixar os limites daquele prédio, isto porque se trata de matéria respeitante a uma ação de demarcação.

Mais conclui que todo o processado é nulo ou anulável, uma vez que padece ab initio de erro na forma processual usada e de contradição entre os pedidos deduzidos pelo apelado, que exigem duas formas processuais distintas.

Resulta do que se vem dizendo, que não obstante a evidente confusão de conceitos jurídicos invocados pelo apelante, suscitando o mesmo, em sede de recurso, a nulidade de todo o processado com fundamento em erro na forma de processo e, bem assim por ineptidão da petição inicial por alegada contradição substancial dos pedidos que nela foram formulados pelo apelado (Autor), as primeiras questões que incumbe a esta Relação apreciar são justamente as enunciadas exceções, tendo presente que, nos termos do disposto no art. 608º, n.º 1 ex vi art. 666º, ambos do CPC, o acórdão conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância.

Compreende-se que assim seja, dado que a procederem as exceções dilatórias da nulidade do processado por erro na forma de processo ou por ineptidão da petição inicial, na medida em que essas exceções obstam ao conhecimento do mérito da causa e dão lugar à absolvição do Réu (apelante) da instância (art. 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, al. b), 186º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CPC), automaticamente ficarão prejudicados os demais fundamentos de recurso aduzidos pelo apelante (Réu) e, bem assim pelo apelante (Autor) em sede de recurso que também interpôs da sentença recorrida.

Acresce que sobrepondo-se a exceção dilatória da ineptidão inicial baseada em cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis ao erro na forma de processo, dado que, nos termos do n.º 4 do art. 186º do CPC, a nulidade decorrente dessa cumulação de pedidos (e/ou de causas de pedir) substancialmente incompatíveis subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo, impõe-se, por imperativo legal, conhecer, em primeiro lugar, da invocada exceção da ineptidão da petição inicial com fundamento em cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis. (1)
*
B.1- Da exceção dilatória da ineptidão da petição inicial por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis.

Como referido, sustenta o apelante (Réu) que a intenção real do apelado ao instaurar a presente ação foi que se delimitasse as estremas entre o prédio de que se arroga proprietário, este identificado no art. 1º da petição inicial, e o prédio propriedade do apelante, identificado no art. 13º do mesmo articulado, alegando para tanto que, nos presentes autos, não está em causa a propriedade do apelante e do apelado sobre aos referidos prédios, concluindo que, consequentemente, a sentença recorrida apenas podia condenar no reconhecimento mútuo da propriedade daqueles imóveis contíguos de recorrente e recorrido, o que não fez, e que todo o processado é nulo ou anulável por existir contradição entre os pedidos formulados pelo apelado (Autor), que exigem duas formas processuais distintas.

Vejamos se assiste razão ao apelante.

Precise-se que uma coisa é o erro na forma de processo e outra, bem diversa, é a invocada ineptidão da petição inicial com base em “contradição entre pedidos”, que na linguagem legal e, consequentemente, correta, se subsume à cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis.

Quanto ao erro na forma de processo, continuando a atual lei processual civil a prever a existência de um processo comum, que o atual art. 548º do CPC, estatui seguir uma forma única (quando nos termos do anterior vigente art. 462º, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20/02, e que vigorou até à reforma operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, se estabelecia que as formas de processo comum eram três: ordinário, sumário e sumaríssimo), a par do processo especial (arts. 546,º 548º e 549º do atual vigente CPC), ocorre erro na forma de processo quando, correspondendo a pretensão do Autor à forma de processo especial, este utiliza o processo comum, ou vice-versa, ou quando aquele use uma forma de processo comum (no anterior CPC, já que, no atual, face à unicidade de forma de processo comum, a situação não se coloca) em vez de outra, que competia à sua pretensão, ou, ainda, quando utiliza um processo especial em vez de outro (2).

Decorrência do princípio do dispositivo, em função do qual “o processo é coisa ou negócio das partes. É uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas. O juiz arbitra a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado” (3), o processo inicia-se sob impulso do Autor, mediante a apresentação de petição inicial, onde deduz o respetivo pedido ou pedidos e alega causa ou causas de pedir em que assenta esse(s) pedido(s). Consequentemente, tendo o Autor de instaurar a ação, optando entre as várias formas processuais, aquela que corresponde e se adequa à sua pretensão, é por essa pretensão e, portanto, pelo pedido ou pedidos formulados pelo Autor e a causa de pedir em que o mesmo alicerça esses pedidos, que se há-de aquilatar do acerto ou do desacerto em que incorreu ao eleger a forma de processo que empregou (4).

Significa isto que, contrariamente ao pretendido pelo apelante, a forma de processo não se afere pela vontade real do Autor prosseguida com a instauração da presente ação, sequer por referência à pretensão que aquele devia ter deduzido, mas, única e exclusivamente, pelo pedido ou pedidos que formulou e pela causa ou causas de pedir que invocou na petição inicial para ancorar esse pedido ou pedidos.

Com efeito, é pelo pedido ou pelos pedidos deduzidos pelo Autor e pelas causa de pedir que aquele invocou para ancorar esse(s) pedido(s) que se há-de verificar da correção ou falta dela da forma processual que o Autor escolheu ao instaurar à ação, com vista a atingir o desiderato que prossegue, sendo, em princípio, irrelevante, para esses efeitos, o que o Réu (apelante) venha alegar em contrário na contestação ou em sede de reconvenção, sobre a matéria de facto, natureza e existência, ou inexistência, do direito invocado pelo Autor, uma vez que tal alegação já contende com o mérito da causa (5).

No caso presente, o Autor (apelado) pede que se declare que aquele é dono e legítimo possuidor do imóvel descrito no art. 1º da petição inicial; que a parcela de terreno de que o Réu se apoderou é parte integrante daquele seu prédio; que se declare que a detenção e posse que o Réu vem fazendo dessa parcela é insubsistente, ilegal e de má-fé e que, consequentemente, se condene o Réu a reconhecer que o Autor é dono e possuidor legitimo daquele prédio e da parcela de terreno de que ilegitimamente se apoderou, bem como a entregar imediatamente ao Autor a parcela de terreno do prédio deste, de que se apoderou, e a abster-se, de futuro, de praticar atos que perturbem a posse e o direito de propriedade daquele e a repor a dita parcela no estado em que se encontrava antes da ocupação, retirando as plantações que na mesma fez.

Por último, o Autor pede que se ordene “a necessária demarcação entre os dois imóveis na forma indicada no art. 30º da petição inicial e nos termos dos artigos 1353º e 1354º do CC.

Sem prejuízo do desenvolvimento que infra se fará a propósito destes pedidos, máxime, da distinção entre ação de reivindicação e de ação de demarcação, é indiscutível que, com exceção deste último pedido, os restantes pedidos deduzidos pelo Autor são típicos de uma ação de reivindicação. Já este último pedido, em que o Autor pede que se ordene a demarcação entre os dois prédios, é típico da ação de demarcação.

O pretenso erro na forma de processo que vem invocado pelo Réu (apelante), ancora-se na circunstância de, segundo, ele, a ação de reivindicação seguir os termos do processo comum, enquanto a ação de demarcação ter de seguir a forma processual especial. Consequentemente, na tese do Réu (apelante), perante a diversidade de formas processuais correspondente aos pedidos que vêm formulados pelo Autor, nos termos do disposto no art. 555º, n.º 1 e 37º, n.º 1 do CPC, não é legalmente admissível a cumulação daqueles pedidos.

No entanto, semelhante alegação do apelante assenta no pressuposto erróneo de que na atual vigente lei processual civil, à ação de reivindicação e à ação de demarcação correspondem formas processuais distintas: à primeira, a forma declarativa comum, e à segunda a forma especial de processo.

Essa alegação assenta, ainda, no pressuposto erróneo de que na atual lei processual civil, a diversidade de formas processuais correspondentes aos diversos pedidos formulados pelo Autor, impede a cumulação desses pedidos, quando assim não é.

Com efeito, se é verdade que continua a vigorar, na atual lei processual civil, como princípio regra, que a diversidade de formas de processo impede a cumulação de pedidos, essa diversidade de formas de processo correspondente aos diversos pedidos deixou de constituir obstáculo intransponível à cumulação de pedidos.

É que nos termos do nº 2 do art. 37º do CPC., não obstante aos pedidos deduzidos pelo Autor correspondam formas de processo diversas, o juiz pode autorizar a cumulação dos pedidos quando os mesmos não sigam uma tramitação manifestamente incompatível e quando exista interesse relevante nessa cumulação ou quando a apreciação conjunta desses pedidos seja indispensável para a justa composição do litígio.

Significa isto, que perante o atual quadro processual civil, a diversidade de formas de processo correspondentes aos pedidos formulados pelo Autor apenas constitui obstáculo processual intransponível a essa cumulação, quando esta cumulação ofenda regras de incompetência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia (n.º 1 do art. 37º) ou quando as diversas formas de processo aplicáveis sigam tramitações processuais manifestamente incompatíveis (n.º 2 daquele art. 37º).

Depois, como bem salienta o apelado (Autor), no atual vigente CPC, e desde 1995, a ação de reivindicação e a ação de demarcação seguem a mesma forma, ou seja, a forma de processo comum.

Com efeito, se é certo que antes da revisão ao CPC, operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, se previa, no então art. 1052º do CPC, a ação de arbitramento, este processo especial foi eliminado com esta reforma.

Tal como se lê no preâmbulo do citado Decreto-Lei n.º329-A/95, de 12/12, entendeu o legislador eliminar as ações de arbitramento como categoria autónoma de ação, tendo em consideração que essa espécie de ação especial abarcava “situações heterogéneas, amontoadas no art. 1052º e tendo como único elemento aglutinador comum a realização de um arbitramento, procedendo a decisão judicial, em muitos casos, meramente homologatório do laudo de árbitros”, entendendo que a prova pericial, objeto de “profunda reformulação e flexibilização, se revelará perfeitamente idónea para dar resposta, no quadro do processo comum de declaração, às necessidades e interesses tutelados com a instituição da figura do «arbitramento», com a vantagem de outorgar ao juiz o poder-dever de valorar livremente os resultados da perícia a que seja necessário proceder”.

Desta feita, na sequência da enunciada reforma ao CPC, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, a ação de demarcação, a que se reportam os arts. 1353º a 1355º do CC, deixou de seguir o processo especial de arbitramento, passando, tal como a ação de reivindicação, a seguir a forma de processo comum de declaração, surgindo aí, a prova pericial como um dos meios probatórios utilizáveis (6).

Significa isto que a todos os pedidos formulados, em sede de petição inicial, pelo apelado (Autor), corresponde a forma de processo declarativo comum, pelo que é manifesto improceder a exceção do erro na forma de processo que vem aduzida pelo apelante (Réu), designadamente, quando pretende que aos pedidos formulados pelo apelado (reivindicação e demarcação) correspondem duas formas processuais comuns, o que não é manifestamente o caso.

A questão que se coloca e que, também, é suscitada, em sede de recurso, pelo apelante (Réu), embora com evidentes imprecisões ao nível da linguagem técnica que utiliza (“contradição entre os pedidos do Autor/recorrido”) e da construção jurídica que a esse propósito elabora, é se entre os pedidos deduzidos pelo apelado ocorre cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis.

Note-se que a cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis gera a ineptidão da petição inicial, determinativa da nulidade de todo o processado, subsistindo a nulidade ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo (arts. 186º, n.ºs 1, 2, al. c) e 4 do CPC).

A ineptidão da petição inicial com fundamento em incompatibilidade substancial de pedido ocorre quando, em cumulação real (logo, fica excluída da previsão legal da norma do art. 186º, n.º 2, al. c) do CPC) a cumulação subsidiária ou alternativa de pedidos substancialmente incompatíveis, a qual não é geradora de ineptidão, antes pelo contrário, é legalmente admitida – art. 554º, n.º 2 do CPC -, até porque a cumulação é meramente aparente), são formulados pedidos cujos efeitos jurídicos mutuamente se repelem e desde que tal incompatibilidade derive de razões substanciais e não de mero desrespeito das regras processuais de cumulação de pedidos vertidas no art. 555º, n.º 1, conjugado com o art. 37º, n.º 1, ambos do CPC (7), ou dito por outras palavras, são incompatíveis os pedidos que mutuamente se excluem ou que assentem em causas de pedir inconciliáveis, devendo esta incompatibilidade reportar-se exclusivamente aos pedidos e fundamentos invocados pelo autor e de modo nenhum ao enquadramento ou qualificação verdadeira dos factos segundo a lei. Nos casos de vícios de enquadramento jurídico o tribunal não fica na impossibilidade de decidir, devendo admitir o pedido fundado e rejeitar o que carece de fundamento (8).

No mesmo sentido se pronuncia Alberto dos Reis (9), advertindo que a incompatibilidade substancial de pedidos é uma “incompatibilidade intrínseca ou substancial, (…) isto é, a incompatibilidade de providências que o autor solicita do tribunal ou a incompatibilidade de efeitos jurídicos que o autor se propõe obter com os vários pedidos”, concluindo que “no caso de incompatibilidade de pedidos é claro que o erro praticado compromete todos os pedidos. Se a consequência é a ineptidão da petição inicial, tudo se anula” (10).

Este autor escreve que “a incompatibilidade substancial que conta para a ordem jurídica é a que resulta do facto de as pretensões produzirem efeitos jurídicos contraditórios; que sob o ponto de vista económico, os efeitos jurídicos se contradigam, é indiferente. Se os efeitos jurídicos são compatíveis, as pretensões podem acumular-se; a oposição que porventura exista entre os efeitos entre os efeitos económicos, só induzirá o autor a não tornar efetivas, simultaneamente, as duas pretensões. De resto, é duvidoso que a incompatibilidade económica coexista com a compatibilidade jurídica (…). Exemplo nítido de incompatibilidade substancial: o autor pede simultaneamente a anulação e o cumprimento de determinado contrato. A anulação supõe a nulidade do contrato, ao passo que o cumprimento supõe a validade, de modo que pretender ao mesmo tempo a anulação e o cumprimento é pretender conseguir efeitos jurídicos contraditórios. Por isso, são igualmente incompatíveis o pedido de anulação dum testamento e o pedido de entrega dum legado instituído nesse testamento. O pedido de despejo dum prédio é incompatível com o pedido de anulação de arrendamento, assim como é incompatível com o pedido de pagamento de rendas que se venceram posteriormente à procedência da ação. A incompatibilidade pode ser mais ou menos aguda. Se o autor pede simultaneamente que lhe seja reconhecido o direito de propriedade e o direito de simples fruição sobre determinado imóvel, os dois pedidos são incompatíveis, pois que os efeitos jurídicos se contradizem: um indivíduo não pode, ao mesmo tempo, ser proprietário pleno e simples usufrutuário do mesmo prédio. Mas a contradição é menos forte do que nos exemplos figurados em primeiro lugar” e conclui “quando os pedidos são substancialmente incompatíveis, podem, como vimos, deduzir-se sob a forma admitida pelo art. 273º (pedido primário e pedido subsidiário); o que não podem é deduzir-se nos termos do art. 274º” (11).

Dispõe o art. 1311º do CC, sob a epígrafe “ação de reivindicação” que: “1- O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertencer”. “2- Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”.
A ação de reivindicação é uma ação petitória e condenatória (12) destinada à defesa da propriedade, estando este tipo de ação prevista na Seção II do Titulo II, que tem justamente por epígrafe “Defesa da Propriedade”, tratando-se da ação destinada a obter a restituição da coisa de que se é proprietário do possuidor ou detentor desta.

Essencial à caracterização de uma ação como de reivindicação é que esta prossiga uma dupla finalidade típica da reivindicatio: o reconhecimento do direito de propriedade do autor sobre a coisa (imóvel ou móvel), de um lado; a consequente restituição da coisa pelo possuidor ou detentor dela, do outro. Se o autor estiver na posse da coisa mas pretender obter o reconhecimento judicial do seu direito de propriedade porque alguém o colocou em séria dúvida, o meio adequado a prosseguir a sua pretensão, não é a ação de reivindicação, mas a ação de simples apreciação positiva. Do mesmo modo, se alguém pretender a entrega da coisa porque o dono lha emprestou ou alugou, a ação a intentar não é a da reivindicação, mas sim a ação de cumprimento (13).
O direito de reivindicar é uma manifestação da sequela, uma manifestação do conteúdo do direito real. Consequentemente, a ação de reivindicação é integrada e caracterizada por dois pedidos: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio) e a restituição da coisa (condemnatio). Só através destas duas finalidades se preenche o esquema da ação da reivindicação, pondo-se, contudo, em destaque, que se o reivindicante se limitar a pedir a restituição da coisa, não formulando expressamente o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade, entende-se que aquele pedido encontra-se implícito no da restituição (14).

Por outro lado, reconhecido que seja o direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada, esta, nos termos do n.º 2 do enunciado art. 1311º do Cód. Civil, só não lhe será restituída se o reivindicado alegar e provar que é titular de um direito real (por ex: servidão, usufruto, etc.) ou de um direito de crédito (ex: contrato de arrendamento) que legitime a sua recusa em restituí-la, pelo que ao reivindicante apenas compete alegar e provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra na posse ou detenção do reivindicado, cumprindo, por sua vez, ao reivindicado o ónus de alegar e provar matéria que extinga, modifique ou impeça o direito do reivindicante em ver-lhe restituída a coisa.

Resulta do que se vem dizendo, que a ação de reivindicação é uma ação real, em que a causa de pedir é o direito de propriedade do reivindicante e a violação desse direito pelo reivindicado (possuidor ou mero detentor da coisa), enquanto o fim (logo, o seu pedido) é o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e a sua restituição ao reivindicante (relembra-se que o primeiro destes pedidos não tem de ser expressamente peticionado, considerando-se implícito no pedido de restituição).

Assim é que Manuel Rodrigues (15) sustenta que há “na ação de reivindicação um indivíduo que é titular do direito de propriedade, que não possui, há uma causa de pedir que é o direito de propriedade, e há finalmente um fim, que é constituído pela declaração da existência da propriedade do autor e pela entrega do objeto sobre que o direito de propriedade incide (…). Da causa pretendi e do seu fim resulta imediatamente a natureza da reivindicação”.

Enuncie-se que pese embora este entendimento não seja totalmente exato em face do art. 1311º do CC., porquanto a ação de reivindicação pode, também, ser usada pelo proprietário possuidor contra um simples detentor, dúvidas não subsistem que na ação de reivindicação a causa de pedir é o direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e pela lesão desse direito de propriedade pelo demandado possuir ou meramente detentor da mesma (precise-se que por força do princípio da substanciação que anima a lei processual civil nacional, a causa de pedir nas ações reais é o facto jurídico de que deriva o direito real – art. 581º, n.º 4 do CPC), enquanto o pedido é o reconhecimento desse direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e a restituição desta àquele.

Essencial para que o reivindicante lance mão da ação de reivindicação é que este possua titulo constitutivo do seu direito de propriedade sobre a coisa – porque aquele tem esse título legítimo de aquisição do seu direito de propriedade (contrato, sucessão por morte, usucapião, acessão e demais modos previstos na lei – art. 1316º do CC) e, consequentemente, não tem dúvidas quanto ao seu direito de propriedade sobre a coisa possuída ou meramente detida por terceiro e respetivos limites, reivindica-a do último, estando o êxito da sua pretensão apenas dependente, reafirma-se, do ónus da alegação e da prova do seu direito de propriedade sobre a coisa e que esta está na posse ou detenção do terceiro demandado (art. 342º, n.º 1 do CC).

Diversamente da ação de reivindicação é a ação de demarcação a que aludem os arts. 1353º a 1355º do CC.

Nos termos do citado art. 1353º do CC, “o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu direito e os deles”.

Embora conexa com o direito de propriedade, na ação de demarcação não se pretende obter a declaração de qualquer direito real ou da sua amplitude, mas apenas definir as estremas entre dois prédios, propriedade de donos distintos, que ambos aceitam serem proprietários desses seus respetivos prédios, mas em relação aos quais existe uma indefinição das respetivas estremas e, consequentemente, quanto ao domínio relativamente a uma faixa de terreno, no sentido de se saber onde acaba um prédio e começa o outro.

Assim, o direito de propriedade do autor da ação demarcação sobre o seu prédio e, bem assim do demandando sobre o prédio de que é proprietário, embora tenham de ser alegados pelo autor, esse direito de propriedade apenas funciona como mera condição de legitimidade ativa do demandante para instaurar a ação de demarcação e da legitimidade passiva para demandar aquele contra quem a instaura. Logo, diversamente do que acontece na ação de reivindicação, o direito de propriedade do autor na ação de demarcação sobre o prédio, não integra a causa de pedir da ação de demarcação, mas é mera condição da sua legitimidade para a instauração da ação.

Porque assim é, o STJ, no seu acórdão de 06/05/69 (16), sustentou que a ação de demarcação, diversamente do que acontece com a de reivindicação, não tem natureza real, mas pessoal.

Embora esta posição seja rejeita por Pires de Lima e Antunes Varela, que sustentam que diversamente do que acontece em algumas legislações estrangeiras, em que existem dois tipos de ações de demarcação: uma, que tem por finalidade a simples colocação de marcos nos extremos de dois prédios propriedade de pessoas distintas, cujos limites são certos e indiscutíveis; outra, a actio finium regundorum, que tem por finalidade a regulamentação dos confins desses dois prédios pertencentes a proprietários distintos, ou seja, a determinação das respetivas estremas, quando haja dúvidas acerca dos limites desses prédios, concluem que, no sistema civilístico nacional, a ação de demarcação tem esta última e única finalidade. Consequentemente, uma vez que na ação de demarcação se trata de definir limites dos prédios, que são ou se tornaram duvidosos, aqueles autores sustentam que quer a ação de reivindicação, quer a ação de demarcação, são ações reais, “dado que, afinal, em qualquer dos casos se discute uma questão de domínio relativamente a uma faixa de terra” (17).

Não obstante este entendimento, estes autores, tal como a jurisprudência, concluem que o direito de propriedade do autor da ação de demarcação sobre o prédio confinante com o prédio vizinho, propriedade de terceiro, não integra a causa de pedir da ação de demarcação, mas é mera condição de legitimidade do autor para a ação, sustentando que “tratando-se de definir limites duvidosos do prédio, parece que o proprietário não pode deixar de estar em juízo, para que seja plenamente eficaz a demarcação”.

Não obstante as discussões sobre a natureza jurídica da ação de demarcação, no sentido se se saber se se trata de uma ação real ou pessoal, tem-se entendido que a respetiva causa de pedir é complexa e se desdobra na existência de prédios confinantes, pertencentes a donos diferentes, e cujas estremas sejam incertas e duvidosas. A qualidade de proprietário que invoca quem pede a demarcação é mera condição de legitimidade para a ação, não integrando a causa de pedir do facto que originou a propriedade. Diversamente, a ação de reivindicação funda-se na existência do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e na posse ou detenção desta pelo reivindicado, ou seja, no direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e na violação desse direito pelo possuidor ou mero detentor dessa coisa.

A ação de demarcação tem por finalidade e, consequentemente, o seu pedido, é a necessidade de fixação das estremas, isto é, da linha divisória entre os prédio confinantes, cuja linha divisória é incerta ou tornou-se duvidosa. Diferentemente, a ação de reivindicação tem por finalidade, e esta corresponderá, consequentemente, ao respetivo pedido, o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e a restituição desta àquele (18).

Resulta do que se vem dizendo que entre ação de reivindicação e ação de demarcação não existe identidade de causa de pedir e pedidos. A causa de pedir na ação de reivindicação é o direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa (móvel ou imóvel) reivindicada e a lesão desse seu direito de propriedade pelo demandado (possuidor ou detentor da mesma). Já na ação de demarcação, a causa de pedir é a existência de dois prédios confinantes, propriedade de dois proprietários distintos e o estado de incerteza dos limites concretos desses prédios.

O pedido na ação de reivindicação é o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa reivindicada e a restituição desta ao reivindicante (reafirma-se, o primeiro pedido está implícito no da restituição). Na ação de demarcação o pedido é a necessidade de definir a linha divisória entre os prédios confinantes, propriedade de donos distintos (19).

Não obstante, nem sempre ser fácil distinguir a ação de reivindicação da de demarcação, com o conteúdo que a lei civil nacional lhe atribuiu, onde como referido, em ambas acaba, na verdade, por se discutir a questão do domínio sobre uma faixa de terreno, tem-se entendido que essa distinção passa por divisar se na concreta ação instaurada, tal como vem delineada pelo autor e atentos os pedidos que deduz, se está perante um conflito acerca do título ou um conflito de prédios.

Se se discute o título de aquisição, “como se, por exemplo, o autor pede o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a faixa ou sobre uma parte dela, porque a adquiriu por usucapião, por compra, por doação, etc., a ação é de reivindicação. Está em causa o título de aquisição. Se, pelo contrário, se não discute o título, mas a relevância dele em relação ao prédio, como, por exemplo, se o autor afirma que o título se refere a varas e não a metros ou discute os termos em que deve ser feita a medição, ou, mesmo em relação à usucapião, se não se discute o título de aquisição do prédio de que a faixa faz parte, mas a extensão, a ação é já de demarcação. Esta é, pois, como dizem alguns autores, uma ação de acertamento ou de declaração da extensão da propriedade, sem que estejam em causa os títulos de aquisição. É por isso, segundo a tradição justinianeia, esse acertamento pode ter lugar por uma repartição equitativa do terreno em causa” (20).

Na ação de demarcação não se discute, assim, os títulos de aquisição dos prédios confinantes, mas quando muito a relevância desses títulos em relação aos prédios. Não se trata, pois, de um conflito entre títulos de aquisição, mas antes de um conflitos de prédios – onde acaba um e se inicia o outro - e na possibilidade do proprietário de um prédio confinante, perante a indefinição das estremas dos prédios, obrigar o proprietário do outro prédio confinante a concorrer para a demarcação das estremas entre ambos os prédios (art. 1353º do CC).

A ação de demarcação não tem por objeto o reconhecimento do domínio, muito embora o pressuponha, mas obrigar o proprietário do prédio a concorrer para a definição das estremas entre ambos os prédios de modo a pôr termo ao estado de incerteza quanto a essas estremas, isto é, onde acaba um prédio e começa o outro. Logo, na ação de demarcação não existe um conflito entre títulos, na medida em que o autor não pretende a restituição de todo ou parte de um prédio com base no seu direito de propriedade (como acontece na ação de reivindicação), mas trata-se de um conflito entre prédios, uma vez que o que pretende é a definição da linha divisória do seu prédio em relação ao prédio confinante, propriedade de terceiro, cuja propriedade sobre esse prédio vizinho aceita, linha divisória essa a propósito do que existe incerteza (21).

Revertendo ao caso, como referido, nele o Autor (apelado) intentou a presente ação pedindo que e declare: 1- a) que é dono e legitimo possuidor do imóvel que descreve no art. 1º da petição inicial; b) que a parcela de terreno de que o Réu se apoderou é parte integrante daquele seu prédio; c) que a detenção e posse que o Réu vem fazendo dessa parcela de terreno é insubsistente, ilegal e de má-fé; e que, em consequência: 2- se condene o Réu (apelante) a: a) reconhecer que o Autor é dono e possuidor legítimo desse prédio identificado no art. 1º da petição inicial, e que a parcela de terreno de que ilegitimamente se apropriou integra o dito prédio; b) a entregar imediatamente ao Autor a parcela de terreno deste de que se apoderou; c) a abster-se, de futuro, de praticar atos que perturbem a posse e o direito de propriedade do Autor; d) a repor a dita parcela no estado em que se encontrava antes da ocupação, retirando as plantações que na mesma fez; 3- que se ordena a necessária demarcação entre os dois imóveis na forma indicada em 30º e nos termos dos artigos 1353º e 1354º do Cód. Civil.

Os pedidos formulados pelo Autor sob os pontos 1 e 2, são típicos pedidos de uma ação de reivindicação, na medida em que neles o primeiro pede que o tribunal declare e condene o Réu a reconhecer que o mesmo é proprietário do prédio que identifica no art. 1º da petição inicial e que desse prédio faz parte integrante a parcela de terreno de que o último se apoderou e, consequentemente, se condene este a restituir-lhe essa parcela de terreno, no exato estado em que se encontrava antes de a ocupar e se abstenha, de futuro, de praticar quaisquer atos que perturbem a sua posse e direito de propriedade sobre esse prédio, incluindo, evidentemente, sobre a parcela de terreno reivindicada, parte integrante daquele prédio.

O Autor funda o seu direito de propriedade sobre aquele prédio que, segundo ele, integra a faixa de terreno reivindicada, na aquisição originário, isto é, no funcionamento do instituto da usucapião.

Mas já o pedido que o Autor formula sob o ponto 3 – ordenar-se a necessária demarcação entre os dois prédios na forma indicada no art. 30º da petição inicial e nos termos dos arts. 1353º e 1354º do CC -, é um típico pedido da ação de demarcação.

Estes pedidos (reivindicação e demarcação) são intrínseca e substancialmente incompatíveis entre si, na medida em que um (reivindicação) pressupõe, como dito, que a discussão incida sobre o título de aquisição do Autor sobre esse prédio - o seu direito de propriedade, integra a causa de pedir na ação de reivindicação, pelo que o thema probandum e decidendum vai incidir, necessariamente, sobre os factos que o mesmo alega com vista à demonstração da aquisição desse seu direito de propriedade sobre aquele prédio (e parcela de terreno que reivindica e que alega fazer parte integrante daquele), por via do funcionamento do instituto da usucapião (matéria que alega nos arts. 6º a 11º, 16º a 18º da p.i.) -, enquanto o outro (demarcação) pressupõe um título de aquisição de propriedade que se afirma indiscutido entre as partes, pelo que o direito de propriedade do Autor e do Réu sobre os respetivos prédios não integra a causa de pedir da ação, não indo o thema probandum e decidendum incidir sobre esses títulos de aquisição, mas apenas sobre a relevância deles em relação aos prédios, designadamente, tratando-se de usucapião, vai-se discutir a extensão do prédio possuído pelo autor, designadamente, se a extensão da posse exercida pelo Autor se estende à totalidade da faixa de terreno a demarcar ou apena a parte dela, por existir um pretenso estado de incerteza sobre essa extensão.

Quanto aos pedidos típicos da reivindicação (pedidos 1 e 2), não há da parte do Autor qualquer estado de incerteza e daí que ele peça que se declare o seu direito de propriedade e se condene o Réu a reconhecer o mesmo e a restituir-lhe a faixa de terreno que ocupou ilegitimamente e de má-fé.

Contraditoriamente, com esses pedidos, ao formular o pedido 3 – peticionando que se ordene à necessária demarcação entre os dois imóveis nos termos dos arts. 1353º e 1354º, na forma indicada no art. 30º da petição inicial, onde sustenta que, “ao abrigo do disposto nos artigos 1353º e 1354º ambos do CC, pretende o Autor que se proceda à necessária demarcação entre o seu prédio e o do Réu, acima descrito e confrontados, de conformidade com os meios de prova disponíveis, estabelecendo-se e definindo-se em reta a linha divisória assinalada na fotografia aérea legendada que se junta sob o doc. n.º 8, e implantando-se os marcos desaparecidos e outros intermédios que se mostrem necessários ao longo da linha divisória” -, o Autor alegada um estado de incerteza do título sobre aquele prédio, mais concretamente, sobre a parcela de terreno que afirma estar na posse do Réu.

Os pedidos formulados pelo Autor (apelado), por um lado, sob os pontos 1 e 2, e por outro, sob o ponto 3, são intrínseca e substancialmente incompatíveis, na medida em que excluem-se mutuamente, e embora, como dito, assentem em causas de pedir distintas entre si, essas são causas de pedir distintas são inconciliáveis.

Dos pedidos substancialmente incompatíveis que assim vêm formulados cumulativamente pelo Autor (apelado) e da inconciliação das respetivas causas de pedir que lhes servem de base decorre, necessariamente, que o tribunal, perante a petição inicial que foi apresentada pelo Autor, fica numa situação de impossibilidade de decidir por desconhecer qual a sua verdadeira pretensão (pedidos formulados em 1 e 2 do petitório – reivindicação -, ou pedido formulado em 3 desse mesmo petitório – demarcação?).

Depois, perante a alegação em que o mesmo Autor faz ancorar esses seus pedidos, o tribunal fica forçosamente numa situação de dúvida intransponível sobre se existe ou não discussão entre aquele e o Réu a propósito do título de aquisição do direito de propriedade sobre o prédio de que se arroga proprietário, que alegadamente englobará a parcela de terreno reivindicada – reivindicação -, e consequentemente, sobre o título de aquisição dessa parcela de terreno, ou se essa discussão não existe, mas o que apenas existe é um estado de incerteza quanto às estremas daquele seu prédio, com o prédio contíguo, propriedade do Réu, que ambos aceitam serem os respetivos proprietários - demarcação.

Ao assim proceder, o Autor (apelado) cumulou efetivamente pedidos substancialmente incompatíveis, o que gera a ineptidão da petição inicial, com a consequente anulação de todo o processado (arts. 186º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CPC) (22).

Note-se que dando-se manifestamente conta da contradição substancial daqueles pedidos deduzidos pelo Autor, o tribunal a quo, num esforço louvável de salvar a ação, até porque essa é a solução que se mostra consentânea com os princípios de economia e da celeridade processuais e que se mostra conforme à filosofia que subjaz ao atual CPC, que privilegia as soluções de méritos em detrimento da forma, num esforço de interpretar a vontade real do Autor ao deduzir aqueles pedidos e, até de reconduzir o pedido por ele formulado em 3 à ininteligibilidade, escreve: “No caso em apreço. A demarcação entre o prédio do autor e do réu está perfeitamente definida e não oferece qualquer dúvida. O que acontece é que o Autor reivindicou área que o Réu se apropriou e que se contém dentro dos limites demarcados desse seu prédio e essa pretensão é aquela que é determinante na ação: só assim se compreende que os autores deduzam os pedidos supra enunciados nas alíneas a) a d), pedido 2, típicos da ação de reivindicação. O pedido de demarcação surge em segunda linha e na sequência do primeiro, sendo de salientar que, o autor nem sequer invoca os factos pertinentes à fixação da linha divisória, não indicando qualquer traçado de demarcação. Mas o mesmo torna-se despiciendo, porquanto a propriedade está reconhecida e a final o Réu é condenado a repor o status quo inicial” e conclui que: “pelo que improcede, nesta senda, o pedido de demarcação entre os prédios”.

Acontece que não é certo que o autor não invoque os factos pertinentes à fixação da linha divisória e não indique qualquer traçado de demarcação. É que no art. 30º da petição inicial, aquele Autor sustenta que a linha de demarcação deverá ser fixada “em conformidade com os meios de prova disponíveis, estabelecendo-se e definindo-se em reta a linha divisória assinalada na fotografia aérea legendada que se junta sob o doc. n.º 8, e implantando-se os marcos desaparecidos e outros intermédios que se mostrem necessários ao longo da linha divisória”. O Autor junta, a fls. 15 verso, aquela fotografia aérea, onde traça/define a referida linha divisória entre o prédio de que se arroga proprietário e o prédio vizinho, propriedade do Réu, pelo que inexiste ininteligibilidade alguma em relação a este pedido de demarcação, mas antes cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis da banda do Autor.

Acresce que o tribunal a quo não pode pretender que o pedido de reivindicação “é o determinante na ação” e que “pedido de demarcação surge em segunda linha e na sequência do primeiro”, deixando intuído que se trata de um pedido subsidiário formulado pelo Autor, quando se verifica que nada, em sede de petição inicial, consentia essa leitura.

Aliás, em sede de recurso que também interpôs da sentença recorrida, o Autor insurge-se quanto a essa sentença, na parte em que julgou improcedente o pedido de demarcação, reafirmando a indefinição das estremas daqueles prédios ao escrever (conclusões do recurso que interpôs n.ºs 10, 11 e 12) que: “Impondo-se, assim, e até para evitar futuros desentendimentos entre A. e Ré, quanto à linha divisória, que se ordene a demarcação em conformidade com os referidos meios de prova” e concluindo: “Ao julgar improcedente o pedido de declaração de que a detenção e posse que o R. vem fazendo da parcela de terreno do prédio do A. é insubsistente, ilegal e má-fé, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 1260º, n.º 2, 2ª parte, do Código Civil, e, ao julgar improcedente a demarcação entre os prédios do recorrente, violou o disposto nos artigos 153º e 1354º do Código Civil”.

Ao assim alegar, o Autor deixou bem claro (se necessário fosse perante o que alega em sede de petição inicial, que não é) que os pedidos de reivindicação por si deduzidos em sede de petição inicial foram-no cumulativamente com o pedido típico de demarcação que deduziu, não sendo este formulado a título subsidiário em relação àqueles.

Aliás, ao fazer aquele esforço interpretativo tendente a salvar a ação, o tribunal a quo, procurou interpretar a vontade real do Autor ao deduzir aqueles pedidos, concluindo que o pedido de demarcação surge “em segunda linha e na sequência do primeiro”, ou seja, é por ele deduzido a título subsidiário, quando, em sede de petição inicial, reafirma-se, nada consentia que assim fosse, como agora, em sede de recurso o Autor deixa bem claro, reafirmando que aqueles pedidos típicos da reivindicação e da demarcação foram por si deduzidos em cumulação real (não subsidiária).

Ao ir à indagação da vontade real do Autor com a dedução daqueles pedidos, quando nada consentia que o fizesse, ou então ao ir ao encontro daquilo que o Autor devia ter pedido (apenas os de reivindicação e não, também, o de demarcação), o tribunal a quo acabou por postergar o princípio do dispositivo e ao concluir pela ininteligibilidade do pedido de demarcação, quando essa ininteligibilidade não ocorre – tudo, reafirma-se, num esforço louvável de salvar a ação, esforço esse que, diga-se, o Autor manifestamente não compreendeu, sequer logrou atingir, tanto assim que se insurge contra a improcedência do pedido de demarcação que, naquele esforço, o tribunal a quo assim julgou improcedente, reafirmando, em sede de recurso, que a sua intenção foi a de cumular todos os pedidos que deduziu em sede de petição inicial (cumulação real) -, o tribunal a quo acabou por se meter por caminhos processualmente inadmissíveis, por postergarem, reafirma-se, o princípio do dispositivo.

A nulidade por ineptidão da petição inicial por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis é do conhecimento oficioso do tribunal (art. 196º do CPC), que o Réu (apelante) devia ter arguido na contestação (art. 198º, n.º 1 do CPC), o que não fez.

Independentemente dessa nulidade ter ou não sido suscitada pelo Réu em sede de contestação, porque se trata de nulidade do conhecimento oficioso, o tribunal a quo devia dela ter conhecido em sede de despacho saneador (art. 200º, n.º 2 CPC), ou não o tendo feito, e porque de nulidade insuprível se trata, na sentença.

Acontece que o tribunal a quo não conheceu dessa nulidade em sede de despacho saneador, onde se limitou a proferir despacho saneador genérico e, como tal, nos termos do n.º 3 do art. 595º do CPC, não opera caso julgado formal quanto à referida nulidade.
Neste condicionalismo, padecendo a petição inicial do vício da ineptidão por cumulação de pedidos substantivamente incompatíveis, que a fulmina de nulidade insuprível (art. 186º, n.º 4 do CPC), de conhecimento oficioso do tribunal (arts. 196º, 577º, al. b) e 578º do CPC), impõe-se a esta Relação dela conhecer, nos termos do disposto no art. 608º, n.º 2, parte final, ex vi art. 663º, n.º 2 do CPC, ainda que o apelante (Réu) não tivesse chamado a atenção do tribunal para a verificação da mesma, sob pena de incorrer em omissão de pronúncia (23).

Precise-se que quanto à chamada de atenção do apelante para a verificação da referida exceção, “nada obsta que o Réu, posteriormente à contestação, chame para elas (ineptidão da petição inicial e erro na forma de processo) a atenção. O Réu perdeu o direito de arguir; mas não está privado a faculdade de lembrar” (24).

Resulta do que se vem dizendo que impondo-se a este tribunal de recurso conhecer da exceção da nulidade de todo o processado por via da procedência da exceção da ineptidão por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, na procedência dessa exceção e configurando a mesma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e que dá lugar à absolvição do Réu da instância (cfr. art. 576º, nºs 1 e 2, 577º, al. b) do CPC), impõe-se revogar a sentença recorrida e absolver o Réu (apelante) da instância.

A absolvição do Réu (apelante) da instância determina automaticamente que fique prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos de recurso aduzidos pelo mesmo e, bem assim pelo Autor apelante no recurso que interpôs, o que aqui se declara nos termos do disposto no art. 608º, n.º 2 ex vi art. 663º do CPC

Termos em que procede o recurso interposto pelo Réu (apelante) nos termos acima enunciados e improcede, por prejudicado, o recurso interposto pelo Autor.
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Decisão:

Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar:

- o recurso interposto pelo apelante, Filipe, improcedente, por prejudicado;
- o recurso interposto pelo apelante, José, procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrido e absolvem o Réu da instância.
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Custas de ambos os recursos e em ambas as instâncias pelo Autor (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 05 de abril de 2018

José Alberto Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Maria Marinho da Cunha



1. Neste sentido Vide Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 343 e 328, lendo-se nesta que “De acordo com o n.º 4, a ineptidão da petição inicial baseada em incompatibilidade entre os pedidos não cessa por um deles ficar sem efeito por incompetência do tribunal ou erro na forma do processo. Ainda que a incompetência, porque absoluta, dê lugar à absolvição da instância (…) e a utilização duma forma processual inadequada não seja superada nos termos do art. 31º, n.º 2 (…), o objeto do processo não pode ter-se por automaticamente fixado no outro pedido, pois tal representaria ofensa ao princípio do dispositivo.
2. Acs. RP. de 17/96/1997, CJ. T. 3º, pág. 220; RL. de 22/02/2007, Proc. 8592/2006-2 in base de dados da DGSI.; Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, Ediforum, nota 2, pág. 252.
3. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374.
4. Rodrigues Basto, in “Notas ao Código de Processo Civil”, 3ª ed., 1999, pág. 262.
5. Ac. STJ, de 12/12/2002, Agr. N.º 3981/02 – 2ª, Sumários, 12/2002; RC. de 14/03/2000, BMJ, 495º, pág. 371; RL. 22/02/2007, Proc. 8592/2006 – 2, in base de dados da DGSI.
6. Ac. RG. de 01/06/2005, Proc.980/05-2, in base de dados da DGSI.
7. Ac. RC. de 25/05/2010, Proc. n.º 115/09.TBCDN.
8. Ac. STJ. 28/11/2002, Rev. n.º 3346/07-7ª Sumários, 11/2002.
9. Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, Coimbra Editora, pág. 390.
10. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 389. Na mesma linha, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. Coimbra Editora, pág. 246: “A petição considera-se (…) inepta, quando nela se cumulem pedidos substancialmente ou intrinsecamente inconciliáveis entre si. Assim sucederá quando, por exemplo, depois de arguir a anulabilidade do contrato, o autor pede a anulação deste e, ao mesmo tempo, a condenação do réu na principal prestação nascida do contrato (como se este permanecesse válido). Mas já não haverá ineptidão se, por exemplo, o autor requerer a declaração de nulidade da cláusula relativa ao preço de determinada venda, por simulação, e o reconhecimento do seu direito de preferência em relação ao preço real”, acrescentando na nota 4 que, “o art. 470º, n.º 1, permite, com efeito, que o autor deduza cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos, desde que eles sejam compatíveis. Devem considerar-se incompatíveis não só os pedidos que mutuamente se excluam, mas também os que assentam em causas de pedir inconciliáveis”. Ainda Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 179: “Quanto à cumulação de pedidos incompatíveis, só releva o antagonismo intrínseco ou substancial entre os pedidos cumulados, e não já o antagonismo meramente extrínseco ou formal, derivante de lhes corresponderem formas processuais distintas. Por outra parte essa incompatibilidade só pode existir na cumulação pura e simples ou simultânea (…o Autor sustenta que devem ser julgados procedentes, por igual, todos os pedidos); não já quando se trate da chamada cumulação alternativa (…o Autor põe os pedidos disjuntivamente, à escolha do Réu – ou dum terceiro) ou da cumulação eventual ou subordinada (…o Autor deduz um dos pedidos a título principal, e o outro ou outros apenas in subsidium – como pedidos de recurso). Pedidos incompatíveis para este efeito serão, por ex: o de divórcio e o de anulação de casamento; o de anulação dum contrato e o de indemnização pelos seu inadimplemento; o de rescisão ou resolução dum contrato bilateral e o da prestação devida nos termos desse contrato”.
11. Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, Coimbra Editora, págs. 155 a 15.
12. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 112 e 113.
13. Antunes Varela, 115º, págs. 271 e ss..
14. Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit. pág. 113. No mesmo sentido, Oliveira Ascensão, in “Direito Reais”, 5ª ed., Coimbra Editora, págs. 428 e 429, onde conclui que a ação de reivindicação “Não é de simples declaração, porque não se pretende apenas a declaração da existência de um direito ou de um facto. É antes uma ação de condenação dirigida à entrega da coia (…) Na reivindicação acumular-se-iam dois pedidos: o reconhecimento do direito real e a consequente restituição da coisa” e onde conclui que defender que se trataria de “uma ação mista, de declaração e de condenação” seria “deturpar-se sem razão a realidade. O que o autor pretende na grande maioria dos casos é a restituição. A demonstração do direito é a via dolorosa por que tem de passar para conseguir aquele desiderato”.
15. Manuel Rodrigues, “A Reivindicação no Direito Civil Português”, RLJ, ano 57º, pág. 144.
16. BMJ. 187º, págs. 71 e ss.
17. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., págs. 197 a 199.
18. Acs. STJ. de 25/09/2000, BMJ, 499º, págs. 294 a 294; RG. de 17/11/2004, CJ, t. 5º, págs. 279 a 283; 01/06/2005, Proc. 980/05-2; 13/10/2014, Proc. 2201/12.0TBFAF.G1, estes in base de dados da DGSI.
19. Acs. RC. de 29/04/2014, Proc. 289/12.2TBMGL-C1,in base de dados da DGSI.
20. Pires de Lima e Antunes Varela, ob cit., vol. III, pág. 199.
21. Acs. STJ. de 14/06/1977, BMJ, 268º, pág. 225; 10/04/1986, BMJ, 356º, pág. 285; RP. de 30/03/1989, CJ, t. 2º, pág. 214; RE. de 31/10/2013, Proc. 98/11.6TBNIS.E1, in base de dados da DGSI.
22. No sentido de que existe incompatibilidade substancial entre pedido de reivindicação e pedido de demarcação, geradora de ineptidão da petição inicial, com anulação de todo o processado, vide Acs. STJ. de 20/11/2001, Proc. 02A1029; 21/06/2006, Proc. 06A363; RG. de 01/06/2005, Proc. 980/05-2; 02/06/2011, Proc. 406/09.0TBMCN.G1; de 13/10/2014, Proc. 220/12.0TBGAF.G1; RE de 09/10/2008, Proc. 1192/08.3; de 30/06/2011, Proc. 360/08.5TVVC-C; de 31/10/2013, Proc. 98/11.6TBNIS.E1; in base de dados da DGSI;
23. Ac. STJ. de 03/05/2012, Proc. 2329/06.5TBVRL.P1.S1, in base de dados da DGSI.
24. Alberto dos Reis “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, pág. 490.