Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
330/12.9TBCMN.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: INSOLVÊNCIA
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) Para efeitos de fixação da competência territorial a que se refere o artigo 7º do CIRE, compete ao autor ou requerente da insolvência escolher um dos dois critérios fixadores da competência, para se definir qual o tribunal territorialmente competente para a ação;
2) Optando o autor ou requerente, pelo critério da sede ou do domicílio do devedor, para efeitos de fixar a competência do tribunal e tendo havido alteração do local da sede da sociedade, o local a atender terá de ser aquele que se achar inscrito no Registo Comercial, à data em que a ação for intentada.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) “C…- Sucursal em Portugal” veio requerer, no Tribunal Judicial de Caminha, a declaração de insolvência de “V…, SA”, nos termos do seu requerimento de fls. 2 vº e seguintes.
A requerida “V…, SA” veio deduzir oposição, nos termos do seu requerimento de fls. 129 e seguintes, suscitando a incompetência territorial do Tribunal Judicial de Caminha, alegando que nos termos do artigo 7º do CIRE, é competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor e que a sede da requerida é na Rua …, concelho de Lousada, há, pelo menos, dois anos, pelo que o Tribunal territorialmente competente para apreciação deste processo é o Tribunal Judicial de Lousada e não em Caminha, Tribunal onde a presente ação de insolvência foi apresentada, sendo certo que nem a aqui Requerida tem o centro dos seus principais interesses em tal localidade, motivo pelo qual a presente situação não é igualmente subsumível à previsão constante do nº 2 do mesmo art. 7º do CIRE.
A requerente “C… – Sucursal em Portugal” veio dizer que o Tribunal de Caminha é o competente, relevando a localização da sede da requerida à data da apresentação em juízo do pedido de insolvência, que era em Caminha, invocando para tanto a certidão do registo comercial, sendo certo que a sede apenas foi alterada em 12 de Março de 2013, logo após a citação do legal representante da requerida, para os termos da presente ação.
Foi proferida a decisão de fls. 180 e seguintes que julgou procedente a exceção arguida pela requerida e declarou a incompetência territorial do Tribunal Judicial de Caminha para a presente ação e declarou competente o Tribunal da comarca de Lousada, para onde foi determinada a remessa dos autos.
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B) Inconformada com esta decisão, veio a requerente “C… – Sucursal em Portugal” interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo (fls. 203), onde formula as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do douto despacho que julgou procedente a invocada exceção de Incompetência Territorial desde douto Tribunal de Caminha para os termos da presente Ação e que condenou a requerente em custas do respetivo incidente.
II. Como bem refere o douto Tribunal a quo a este propósito estatui o nº 1 do art. 7º do CIRE que “é competente para o processo de Insolvência o Tribunal da sede ou domicilio do devedor ou do autor da herança à data da morte, consoante os casos”.
III. Dos autos para efeitos de aferição da correspondente Competência Territorial resultam dois únicos elementos, designadamente, a certidão do registo comercial da requerida e a "mera" alegação desta de que há mais de 2 anos exerce a sua atividade no concelho de Lousada.
IV. Ignorou o douto Tribunal “a quo” no douto despacho que proferiu que à data da apresentação do pedido de Insolvência em Juízo, designadamente aos 24 de Junho de 2012, a sede da requerida, em termos registrais situava-se na Rua…, Caminha.
V. Sede essa que, em termos registrais, aí se manteve até à citação da requerida na pessoa do seu legal representante, citação esta operada aos 12 de Março de 2013 e que apenas após esta data, em termos registrais, passou a constar no concelho de Lousada.VI. À data da apresentação em Juízo do pedido de Insolvência, a sede da requerida encontrava-se registada na comarca de Caminha, a qual, para os devidos efeitos, teria sempre de ser considerada a Competente para os lermos da presente Ação.
VII. Alteração de sede essa que, inclusivamente, não será alheia a circunstância de com respeito ao legal representante da requerida ser já conhecido dos autos o modo de atuação do mesmo, em razão dessa mesma qualidade noutro processo de Insolvência que nestes autos igualmente corre termos.
VIII. Acresce que, nos termos do disposto no nº 1 do art. 15º do Código do Registo Comercial é de registo obrigatório a alteração da sede no prazo máximo de 60 dias a contar da data da sua ocorrência – nº 2 do art. 15º do CRC, isto porque, o registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica das sociedades comerciais (art.º 1º do CRC) sendo certo que, os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo – nº 1 do art. 14º do CRC.
IX. Ainda (que) se admitisse como verdadeiro - o que não se concede - que a sede da requerida efetivamente se situa há mais de 2 anos no concelho de Lousada, o certo é que, não tendo tal alteração sido, como legalmente exigível, objeto de correspondente registo, não pode, ser a mesma oponível a terceiros como é o caso da aqui Requerente.
X. Por tudo quanto supra expôs apresenta-se como claro independentemente da apreciação que se faça da competência territorial suscitada não poderem ser imputadas ao requerente quaisquer responsabilidades em sede custas de incidente, porquanto se revela claro e inequívoco que a ele não deu seguramente causa.
XI. O requerente mais não fez que dar cumprimento ao que a este propósito estatui o art. 7º do CIRE, ou seja, apresentar a respetiva Ação no Tribunal da sede que com respeito à requerida constava da respetiva certidão do registo comercial em vigor.
XII. Pelo contrário, a concluir-se - o que não se concede - pela Incompetência do Tribunal Judicial de Caminha para os termos da Ação em apreço, o certo é que, dos autos consta documentação clara e evidente, que a responsabilidade do presente incidente apenas pode ser imputada à requerida em razão da sua omissão no registo atempado e legalmente exigível da alteração da sua sede social.
Termina entendendo dever o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, ser alterada a decisão proferida, substituindo-a por outra que declare Competente o Tribunal Judicial de Caminha, bem como que declare não serem devidas pelo requerente o pagamento de quaisquer custas de incidente, porquanto, inequivocamente e em quaisquer dos casos a elas não deu seguramente causa.
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C) A apelada “V…, SA” apresentou contra-alegações onde entende dever o douto despacho recorrido ser mantido in totum, negando-se provimento ao recurso.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir neste recurso é a de saber qual o tribunal territorialmente competente para conhecer da presente insolvência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) São de considerar provados os seguintes factos:
1. Em 24/06/2012 “C… – Sucursal em Portugal” veio requerer, no Tribunal Judicial de Caminha, a declaração de insolvência de “V…, SA”, tendo a ação sido autuada em 25/06/2012;
2. Pela apresentação 114/20100526 foi alterada a sede da sociedade requerida, que passou a ser Rua…, em Caminha, e anotada a publicação em http://www.mj.gov.pt/publicacoes, em 2010/05/28 (certidão da Conservatória do Registo Comercial, junta aos autos);
3. Pela apresentação 47/20130312 foi alterada a sede da sociedade requerida, que passou a ser Rua…, em Lousada, e anotada a publicação em http://www.mj.gov.pt/publicacoes, em 2013/03/13 (certidão da Conservatória do Registo Comercial, junta aos autos).
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B) Quanto à questão da competência territorial, estabelece o artigo 7º nº 1 e 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE):
1 - É competente para o processo de insolvência o tribunal da sede ou do domicílio do devedor ou do autor da herança à data da morte, consoante os casos.
2 - É igualmente competente o tribunal do lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses, entendendo-se por tal aquele em que ele os administre, de forma habitual e cognoscível por terceiros.
Face à diferença de critérios para a determinação do tribunal territorialmente competente e, face do estabelecido nos nºs 1 e 2 referidos, poder-se-ia questionar se existe alguma hierarquia entre os dois critérios.
A lei não nos dá nenhuma indicação da existência de qualquer hierarquia, pelo que qualquer um dos critérios determinativos da competência é válido e a escolha de algum deles compete ao requerente da insolvência, nem se vê que pudesse haver uma outra qualquer solução (neste mesmo sentido cfr. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado, Drs. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, página 89).
Se confrontarmos os elementos disponíveis verificamos que a ação foi intentada em 24/06/2012 (e autuada em 25/06/2012) e, pela apresentação 114/20100526, isto é, em 2010/05/26, foi alterada a sede da sociedade requerida, que passou a ser Rua…, em Caminha.
Por outro lado, pela apresentação 47/20130312, isto é, em 2013/03/12, foi alterada a sede da sociedade requerida, que passou a ser Rua…, em Lousada.
O tribunal a quo, afirmando que resulta da certidão permanente que a sede da insolvente é na Rua…, Lousada entendeu ser territorialmente competente o Tribunal de Lousada.
A este propósito importa notar que existem nos autos duas certidões permanentes, a que o tribunal a quo refere, subscrita em 12/03/2013 e válida até 12/06/2013 e uma outra, anterior, junta com o requerimento inicial, subscrita em 17/04/2012 e válida até 17/04/2013.
Como é evidente, quando a ação foi intentada só se encontrava disponível esta última onde não constava a última alteração da sede social da requerida para Lousada, como é evidente.
A questão é assim a de saber, qual o valor da dita certidão permanente ou, se se preferir, do valor do registo comercial.
O registo comercial destina-se a dar publicidade a determinadas situações jurídicas, nas quais se abrange a mudança da sede da sociedade, nos termos do disposto no artigo 3º nº 1 alínea o) do Código do Registo Comercial (CRCom), sendo obrigatória a publicação de tal registo (artigo 70º CRCom).
Importa notar que o registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida (artigo 11º CRCom).
Mas também se afirma no artigo 14º CRCom que os factos sujeitos a registo só produzem efeito contra terceiros depois da data do respetivo registo (nº 1) e os factos sujeitos a registo e publicação obrigatória nos termos do nº 2 do artigo 70º - como é o caso - só produzem efeitos contra terceiros depois da data da publicação (nº 2).
Do exposto resulta que, para efeitos de fixação da competência territorial a que se refere o artigo 7º do CIRE, compete ao autor ou requerente da insolvência escolher um dos dois critérios fixadores da competência, para se definir qual o tribunal territorialmente competente para a ação.
Por outro lado, optando o autor ou requerente, pelo critério da sede ou do domicílio do devedor, para efeitos de fixar a competência do tribunal e tendo havido alteração do local da sede da sociedade, o local a atender terá de ser aquele que se achar inscrito no Registo Comercial, à data em que a ação for intentada – e não à data de outro qualquer facto, nomeadamente, a da citação da requerida –, independentemente de, posteriormente a essa data, ter ocorrido a mudança do local da sede da sociedade.
A não ser assim e a seguir-se a tese do tribunal a quo, suportado pela posição da recorrida, estaria aberto o caminho à possibilidade de uma requerida-sociedade, poder alterar continuamente a competência territorial do tribunal.
Bastaria para tanto, depois de proposta a ação de insolvência, a requerida mudar a sede e registar tal alteração e vir invocar a incompetência territorial e, declarada esta incompetência, alterar novamente a sede e registar a alteração e, quando fosse proposta a ação no tribunal declarado territorialmente competente, vir a requerida invocar novamente a incompetência territorial e protelar o normal andamento da ação.
Importa notar que, de qualquer forma, tal situação não seria legalmente possível desde logo por força do disposto no artigo 24º nº 1 da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais - NLOFTJ), onde se diz que a competência se fixa no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, embora o exemplo sirva para ilustrar, ad absurdum, a falta de razão dos defensores daquela posição.
Nem se diga, por outro lado, como o faz a apelada que a mesma não tem o centro dos seus principais interesses em Caminha para efeitos de se retirar a competência territorial a esse tribunal, uma vez que é ao autor/requerente da ação a quem compete aferir se pretende utilizar o critério previsto no nº 1 (sede ou domicílio do devedor) ou no nº 2 (lugar em que o devedor tenha o centro dos seus principais interesses) do artigo 7º do CIRE.
Por todo o exposto resulta que o tribunal territorialmente competente para conhecer da ação de insolvência é o Tribunal Judicial de Caminha, pelo que a apelação terá de proceder e a decisão recorrida ser revogada.
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C) Em conclusão:
1) Para efeitos de fixação da competência territorial a que se refere o artigo 7º do CIRE, compete ao autor ou requerente da insolvência escolher um dos dois critérios fixadores da competência, para se definir qual o tribunal territorialmente competente para a ação;
2) Optando o autor ou requerente, pelo critério da sede ou do domicílio do devedor, para efeitos de fixar a competência do tribunal e tendo havido alteração do local da sede da sociedade, o local a atender terá de ser aquele que se achar inscrito no Registo Comercial, à data em que a ação for intentada.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e declarando que o tribunal territorialmente competente para conhecer dos presentes autos é o Tribunal Judicial de Caminha.
Sem custas.
Notifique.
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Guimarães, 15/10/2013
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte
Fernando Freitas