Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
24/12.5TBAVV.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
ASSINATURA
RECONHECIMENTO NOTARIAL
ABUSO DE DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) A falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes em contrato-promessa a que alude o artigo 410º nº 3 do Código Civil acarreta a invalidade do negócio, sujeita embora a um regime especial que permite qualificá-la como uma nulidade atípica ou mista, invocável a todo o tempo, em regra apenas pelo promitente-comprador;
2) A parte final do artº 410º nº 3 do Código Civil - não impede que o promitente vendedor demonstre a existência duma situação de abuso do direito de arguir a nulidade do contrato promessa por inobservância das formalidades legais;
3) E não apenas quando a falta tenha sido intencio¬nalmente causada pelo promitente-comprador que agora a invoca em juízo, mas também sempre que o seu comportamento posterior à conclusão do contrato tenha sido de molde, por um lado, a não pôr em questão a validade do negócio e, por outro, a criar na contra¬parte a fundada confiança de que ele seria integralmente cumprido;
4) Para haver abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, é necessário saber se a conduta do pretenso abusante … foi no sentido de criar, razoavelmente, na contraparte uma expectativa factual, sólida, que poderia confiar na execução dos contratos-promessa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) P.., veio intentar a presente ação com processo comum, na forma ordinária, contra “P.., Lda.”, onde conclui pedindo que se declare nulo o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre autor e ré, por falta de forma e que se condene a ré a restituir ao autor a quantia de €125.000,00, acrescidos de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Subsidiariamente, pede o autor que se declare nulo o mesmo contrato, por não verificação da condição resolutiva de obtenção do financiamento para aquisição das frações, e que se condene a ré na restituição ao autor a quantia de €125.000,00, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.
A ré “P.., Lda.” apresentou contestação e deduziu pedido reconvencional onde conclui entendendo dever julgar-se totalmente improcedentes todos os pedidos formulados na petição inicial e procedente por provado o pedido reconvencional e, em consequência, ser declarada a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 21 de Maio de 2007, assinado entre autor e ré, por incumprimento culposo e definitivo do autor e, em consequência, seja reconhecido à ré o direito a ser indemnizado por tal incumprimento fazendo sua a importância paga pelo autor, a título de sinal.
O autor P.. apresentou réplica onde conclui como na petição inicial entendendo dever a reconvenção ser julgada improcedente por não provada absolvendo o autor/reconvindo do pedido.
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Foi elaborado despacho saneador e organizados os factos assentes e a base instrutória.
Realizou-se julgamento, foi decidida a matéria de facto e foi proferida sentença onde foi decidido julgar a ação improcedente por não provada, absolvendo-se a ré “P.., Lda.” dos pedidos contra ela formulados pelo autor P.. e procedente, por provada, a reconvenção e, em consequência, declarar que houve incumprimento definitivo e culposo do autor em relação ao contrato-promessa celebrado com a ré a 21 de Maio de 2007, e reconhecer-se à ré o direito de haver para si a quantia de €125.000,00 paga pelo autor a título de sinal.
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B) Inconformado o autor P.. com tal decisão, veio interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 140).
Nas alegações de recurso do autor P.. são formuladas as seguintes conclusões:
1. Decidiu o tribunal a quo declarar improcedente o pedido de nulidade do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre autor/recorrente e ré/recorrida, pedido esse que se fundamentou na falta de forma legal exigida, mormente a falta de reconhecimento presencial das assinaturas.
2. Fundamentou o tribunal a quo tal decisão, no facto de existir abuso de direito por parte do autor, na modalidade individual, tudo tendo em conta a sua conduta ao longo da relação jurídica quem manteve com a ré.
3. Não pode o recorrente deixar de discordar de tal decisão.
4. Diz-se na douta sentença ora em crise que, o autor vem invocar a nulidade do contrato de promessa por falta de requisitos de forma, quando sabia, desde a celebração deste, que tais requisitos inexistiam, e isso não o impediu de proceder ao pagamento de metade do preço inicialmente acordado, bem como de incluir verbalmente e com a concordância da ré um armazém no mesmo contrato, e de lhe pedir para alterar o projeto inicial, de forma a criar uma única loja, bem como de desenvolver várias diligências que só um comprador empenhado e interessado teria.
5. O facto de o autor ter conhecimento que desde a celebração do contrato este não continha os requisitos de forma legalmente exigidos não foi matéria sequer alegada ou sujeita a prova.
6. Os únicos quesitos da base instrutória que de alguma forma abordam qualquer factualidade próxima desta - mas não concretamente esta – foram dados como não provados.
7. O primeiro, o quesito nº 17, onde se pergunta se aquando da assinatura do contrato de promessa no escritório da sociedade ré, o sócio desta, J.., questionou o autor sobre a necessidade de proceder ao reconhecimento notarial das assinaturas e a certificação notarial da existência da respetiva licença de construção,
8. E o segundo, o quesito 18º, onde se pergunta se nesse momento (na assinatura do contrato promessa) o autor declarou, expressamente o seu total desinteresse no cumprimento desta formalidade.
9. Vale isto por dizer que a sentença proferida pelo Tribunal a quo, fundamentou a existência de abuso de direito na conduta do autor, num facto que não foi dado como provado, nem sequer alegado, sendo certo que a factualidade que mais desta se aproximaria, foi dada como não provada.
10. Acresce que, para que exista abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, é necessário saber se a conduta do pretenso abusante foi no sentido de criar, razoavelmente uma expectativa factual, sólida, que poderia confiar na execução do contrato de promessa.
11. “Uma conduta para ser integradora do “venire” terá de, objetivamente, trair o investimento de confiança” feito pela contraparte, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, em si, uma clara injustiça.
12. Atenta a matéria que foi dada como provada, ou seja, de que a ré sabia que o autor necessitava de financiamento bancário para a compra e venda (resposta aos quesitos 3º e 4º), o autor não podia ter criado na ré uma expectativa sólida da realização do negócio.
13. Tal expectativa apenas poderia ser criada se o autor tivesse transmitido à ré que tinha logrado obter o financiamento, sem o qual não conseguiria realizar o contrato de compra e venda.
14. Se a ré sabia que o autor necessitava de financiamento para realizar a compra e venda definitiva e aceitou da mesma forma celebrar o contrato de promessa, foi da mesma forma que e com o mesmo espírito que aceitou os pagamentos referentes ao sinal e que perfizeram metade do preço,
15. Sendo também com esse mesmo espírito que aceitou um armazém no contrato-promessa e as alterações ao projeto inicial.
16. E se a ré sabia que o autor necessitava de financiamento para realizar a compra e venda, não podia desconhecer que, não conseguindo o autor tal financiamento, não iria conseguir cumprir o contrato celebrado, pelo que não foi quebrada qualquer situação de confiança entre recorrente e recorrida.
17. A conduta do autor apenas poderia integrar o conceito de abuso de direito se antes, durante e após a celebração do contrato-promessa, tivesse transmitido à ré que o empréstimo já lhe tinha sido concedido, ou que, já não necessitava do mesmo para celebrar o contrato – o que não sucedeu.
18. Por outro lado, só existe abuso de direito quando haja a ocorrência de um particular e fundado investimento de confiança na estabilidade e definitividade do contrato promessa, não resultando minimamente provado a existência de tal ocorrência.
19. Sempre teremos de ter em conta que a Ré é uma entidade que se dedica com fins lucrativos à construção e venda de imóveis, pelo que não podia nem pode ignorar que a falta do reconhecimento presencial das assinaturas no contrato promessa retiraria inevitavelmente estabilidade ao negócio efetuado,
20. Colocando-se sob o risco fundado de o autor invocar – como invocou – a invalidade que a lei prevê especifica e prioritariamente na tutela dos interesses do promitente-comprador.
21. E tanto assim foi, que a ré, e pretendendo afastar a sua responsabilidade pela inexistência de tais formalidades, alegou que a falta das mesmas resultou do facto do autor as ter dispensado – facto dado como não provado (quesito 18º).
22. Na verdade, o instituto do abuso do direito apenas pode travar a declaração de nulidade do contrato, e consequente manutenção da eficácia dos seus efeitos, não tendo sido esse o resultado pretendido pelo legislador, quando os factos e a conduta do abusante apontem para uma manifesta (clamorosa) ofensa da boa-fé e do sentimento geral perfilhado pela comunidade.
23. Na verdade, a imperatividade do reconhecimento das assinaturas nos contratos-promessa de compra e venda de imóveis, tem como principal objetivo a proteção do promitente-comprador, com vista a dar mais consistência e solenidade ao contrato-promessa de compra e venda.
24. O que se verifica no caso dos presentes autos, é precisamente o contrário – o contrato que é celebrado entre uma sociedade de construção (!) e um comerciante com a 4ª classe (!) não poderia ser mais simples, e menos solene.
25. E tanto assim é que, e conforme consta da sentença, o armazém foi incluído no mesmo contrato verbalmente, não constando da mesma que tal facto se deva a culpa do promitente comprador, sendo certo que, a venda feita nesses termos, apenas a este desfavoreceria.
26. A exigência dos requisitos formais previstos no art. 410º, do C. Civ. surge, unicamente para defesa do interesse do promitente - comprador, que por vezes, menos sabedor de assuntos de natureza jurídica pode vir a sentir-se frustrado quanto a negócios que realizou na melhor das boas-fés.
27. E tanto assim é que só ao promitente comprador é permitido invocar a omissão de tais requisitos, salvo se para tal houver contribuído.
28. Não pode, obviamente, generalizar-se e banalizar-se o recurso à figura do abuso de direito como forma de - sindicando os motivos pessoais e subjetivos que estão na base da invocação da nulidade pelo interessado cujo interesse é por ela prosseguido - acabar por precludir a aplicação sistemática do regime legal imperativo que comina determinada invalidade por motivos de deficiências de forma do ato jurídico.
29. É dito na sentença ora em crise, e passamos a citar que "depois de toda esta atividade, e perante a marcação da escritura definitiva "lembra-se" o autor, em carta de 23 de Dezembro de 2011 (mais de 4 anos depois do contrato-promessa), de acusar a existência de irregularidades neste último (sem as especificar), vindo agora em juízo dizer que, afinal, foi violado o art. 410º, nº 3 !"
30. Quanto a este particular aqui se reitera que em lado algum é dado como provado que o autor sabia da existência da nulidade do contrato-promessa desde a data da sua celebração.
31. O Tribunal a quo, dá como assente que o autor desde a celebração do contrato-promessa sabia da exigência de forma que deveria ter sido respeitada no contrato-promessa dos autos. Conforme se viu, não podia o tribunal a quo ter "presumido" esse conhecimento por parte do autor.
32. Na verdade, pelas regras da experiência comum, o conhecimento de tal exigência de forma, apenas é exigível a juristas ou a entidades que, por força do seu objeto social e à conta da realização de dezenas e dezenas deste tipo de contratos, acabam por conhecer tal exigência.
33. Já o cidadão comum, como é o caso do autor, desconhece quase sempre, por completo a exigência do reconhecimento presencial das assinaturas, pelo que a presumir-se alguma coisa, sempre seria a de que o autor não sabia da necessidade de reconhecimento das assinaturas.
34. Mas ainda que soubesse, da existência de tais irregularidades, seria legítimo que tal conhecimento impedisse a sua arguição?
35. No entendimento do Recorrente, apenas seria ilegítima a arguição por sua parte dessas irregularidades se, conhecendo-as desde a outorga do contrato-promessa, tivesse transmitido à Ré o conhecimento das mesmas bem como a sua intenção de não as arguir, criando, assim, essa expectativa na ré.
36. Entende o recorrente que o quesito 4º merecia resposta diversa, no sentido de que deveria ter sido dado como provado que a ré garantiu ao autor a obtenção do crédito no Banco Santander para cumprimento do contrato, sendo que (sempre foi do conhecimento da ré que o a necessitava desse financiamento para poder celebrar a compra e venda.
37. Tal alteração da matéria dada como provada, decorre desde logo do depoimento prestado pela testemunha M.., pai do autor, cujo depoimento foi considerado pelo tribunal a quo na fundamentação da resposta à matéria de facto, como credível.
38. Tendo dado como provado que a ré, não só sabia que o autor necessitava do financiamento para realizar o contrato de compra e venda, mas também que esta garantiu ao autor a obtenção desse mesmo financiamento, desde que o mesmo fosse requerido junto do Banco.., (o que o autor fez e está dado como provado), não podia o Tribunal a quo decidir conforme decidiu.
39. Diz a sentença de que ora se recorre que "... já em 2009, o autor contratou um gabinete de arquitetura para elaborar o projeto do interior das lojas, uma empresa para fazer a respetiva obra (que, por sua vez, contratou um eletricista), bem como outra empresa (ambas identificadas com painéis publicitários, manifestando alto e bom som a vontade do autor em celebrar o contrato definitivo), arranjando ainda uma mediadora imobiliária para promover a venda das mesmas lojas".
40. Procedendo a requerida alteração da resposta aos quesitos 3º e 4º, e, dando como provado que a ré, não só tinha conhecimento de que o autor necessitava de um- empréstimo bancário para a celebração do contrato de compra e venda, como garantiu ao autor a obtenção desse mesmo crédito junto do banco.., nunca os atos do autor supra citados poderiam constituir uma manifestação "alto e bom som" da vontade do autor em celebrar o negócio definitivo, mas sim, e quando muito, uma manifestação da credibilidade na garantia dada pela ré na obtenção do referido empréstimo.
41. Mas ainda que assim não fosse, e ainda que não seja alterada a resposta aos quesitos 3º e 4º, (mantendo-se a resposta a estes quesitos), tais comportamentos apenas poderiam traduzir que o autor acreditava veementemente na obtenção do referido empréstimo.
42. Deste modo, devia o Tribunal a quo ter decidido de maneira diversa, declarando a nulidade do contrato promessa por falta de reconhecimento presencial das assinaturas, sem que a invocação de tal nulidade constitua abuso de direito por parte do autor.
43. Acresce que, mesmo aceitando como boa a resposta a todos os quesitos da base instrutória, nomeadamente os quesitos 2º, 3º, e 4º, o que, salvo o devido respeito, não se concebe nem concede, sempre a douta sentença está em oposição com a sua fundamentação.
44. Na resposta à matéria de facto, e que é posta em crise, na apreciação dos quesitos 2º e 3º em conjunto, o tribunal a quo deu apenas como provado que a ré sabia que o autor necessitava de financiamento bancário para a compra e venda em causa.
45. Basta ter dado como provado tais quesitos da forma como deu, para que houvesse decisão diversa quanto à procedência do pedido subsidiário do autor.
46. É que se a ré ao ter conhecimento ("sabia" - expressão da sentença) que o autor necessitava de financiamento bancário para a compra e venda em causa, e mesmo assim celebrou o contrato promessa de compra e venda, expressamente aceitou a existência desta condição, não existindo qualquer necessidade de tal condição e aceitação da mesma fossem formalizadas por qualquer outra via.
47. Bem sabia a ré que se o autor não obtivesse o referido financiamento bancário, não conseguiria realizar o contrato de compra e venda e o contrato promessa seria nulo e de nenhum efeito.
48. A aceitação da celebração do contrato promessa por parte da ré, com conhecimento deste requisito essencial, configura a aceitação e a extensão da condição à própria ré, transformando-a assim, numa aceitação bilateral.
49. Decidindo como foi decidido, ou seja, de que não foi possível concluir que ambas as partes tenham acordado que, se não houvesse tal financiamento, o contrato promessa estaria resolvido, parece que, para o tribunal a quo, a bilateralidade da essencialidade da condição apenas poderia ser demonstrada por via da redução a escrito da mesma no contrato de promessa.
50. Mas mais, não só da redução a escrito da condição, como também das consequências jurídicas da sua não verificação.
51. Isto porque não bastaria, para o tribunal a quo declarar a resolução do contrato, a mera redução a escrito da existência da condição, na medida em que, existiria bilateralidade quanto à existência da mesma, mas já não quanto aos efeitos que a não verificação da mesma produziria.
52. Tal entendimento ou conclusão não só não tem qualquer suporte legal, uma vez que em lado algum na lei se exige a redução a escrito de uma condição, como também contraria tudo aquilo que são as regras da experiência comum, no que diz respeito à forma de elaboração e celebração dos contratos-promessa.
53. Facilmente se constata da análise do contrato promessa a excessiva simplicidade do seu conteúdo, quer a nível daquilo que são as disposições contratuais, quer a nível do seu rigor jurídico.
54. Pelo que, exigir que a condição resolutiva fosse reduzida a escrito - conforme parece ser o entendimento do tribunal a quo - seria tal obrigatoriedade manifestamente excessiva e lesiva dos interesses do promitente-comprador, que pelas circunstâncias que se apresenta a negociar é a parte mais frágil e desprotegida da relação jurídica.
55. Ao decidir que houve ausência de prova sobre a existência da condição resolutiva para autor/recorrente e ré/recorrida, andou mal o tribunal a quo, uma vez que se impunha decisão diversa.
56. Não procedendo o entendimento de que bastaria que apenas tivesse sido dado como provado - como foi - que a ré/recorrida sabia que o autor necessitava de financiamento bancário para a compra e venda em causa, para que o tribunal julgasse como procedente a resolução do contrato promessa, e consequente não produção de quaisquer efeitos do mesmo, com a devolução do sinal entregue pelo autor à ré, entende o recorrente que a resposta à matéria de facto, nomeadamente aos quesitos 2º, 3º, e 4º da Base Instrutória deveria ter sido diversa.
57. Em primeiro lugar, e no que se refere á fundamentação de facto, resulta da sentença que não foi considerado como provado que, quer na fase prévia à assinatura do contrato de promessa, quer na outorga deste, sempre foi transmitido pelo A. ao legal representante da Ré, J.., que a celebração do contrato definitivo de compra e venda sempre estaria sujeito à obtenção, por parte do autor de um crédito, junto de uma instituição financeira no valor de 200.000,00€ (quesito 2ª da Base instrutória).
58. Foi ainda dado como não provado que tal facto sempre foi do conhecimento da ré, bem como, foi dado como não provado o facto de ter sido garantido pelo legal representante da ré ao autor a obtenção de tal crédito, desde que o mesmo fosse requerido junto do banco.. (quesito 3º e 4º da B.I.).
59. Resulta do depoimento da testemunha M.., que não só era do conhecimento da ré a sujeição do contrato de compra e venda à obtenção por parte do autor de um crédito, mas também que a obtenção de tal crédito foi garantido ao autor pelo legal representante da Ré, em conversa prévia à assinatura do contrato-promessa.
60. Assim, e ao invés de ter sido apenas dado como provado, e no que se refere aos quesitos 2ª e 3ª, que a ré apenas sabia que o autor necessitava de financiamento bancário para a compra e venda em causa, deveria ter sido dado como provado, que na fase prévia à assinatura do contrato-promessa, sempre foi transmitido pelo autor ao legal representante da ré, J.., que a celebração do contrato de compra e venda sempre estaria sujeita à obtenção por parte do autor de um crédito junto de uma instituição financeira, o que sempre foi do conhecimento da ré.
61. Resulta ainda das declarações prestadas pela testemunha M.., que, não só a ré tinha conhecimento de que o autor necessitava de obter o referido financiamento - uma vez que, sem este, não conseguia celebrar o contrato definitivo - como também que a obtenção de tal financiamento por parte do Banco.. foi garantida pelo legal representante da ré (Sr. J..).
62. Deveria ter sido dado como provado o quesito 4º da base instrutória, ou seja, "tendo sido garantido pelo legal representante da ré ao autor a obtenção de tal crédito desde que o mesmo fosse requerido junto do banco..".
63. A alteração da resposta aos quesitos no sentido proposto supra, não deixaria quaisquer dúvidas sobre o pedido do autor
64. Sendo tais factos dados como provados, dúvidas não restariam de que a ré aceitou e celebrou o contrato promessa no pressuposto da obtenção do financiamento por parte do autor,
65. Ao que acresce que, se a ré garantiu, por via do seu legal representante ao autor que este obteria tal crédito no banco.., não só aceitou a condição resolutiva do negócio, como criou no autor a expectativa da verificação dessa condição.
66. Devia o tribunal a quo ter dado como provados os factos supra referidos, decidindo pela procedência do pedido subsidiário do autor, que pugna pela resolução do contrato promessa de compra e venda por falta de verificação da condição resolutiva, determinando a devolução do sinal entregue pelo autor/recorrente à ré/recorrida.
67. Na sua reconvenção invoca a ré/Recorrida o incumprimento definitivo e culposo do contrato promessa, por parte do autor, tendo o tribunal a quo declarado procedente tal reconvenção, fundamentando-se na existência de uma afirmação clara e inequívoca por parte do autor em que não iria cumprir o contrato consubstanciada no envio de uma carta em que autor comunica à ré que não iria comparecer no ato da escritura, e solicitando a devolução das quantias entregues a título de sinal.
68. Procedendo as alterações à resposta aos quesitos supra requeridas, e considerando que a ré garantiu ao autor a obtenção do crédito para que este conseguisse celebrar o contrato definitivo, não existiu incumprimento culposo por parte do autor, uma vez que era condição essencial para a celebração do contrato definitivo a obtenção desse crédito.
69. Ao julgar improcedente os pedidos formulados pelo autor e procedente a reconvenção deduzi da pela Ré violou o Tribunal a quo as disposições legais constantes dos artigos nºs 410º nº 3, 220º, 289º, 270º, 798º, do Código Civil e o artigo 668º do Código de Processo Civil;
Termina entendendo dever revogar-se a douta recorrida decisão, substituindo-a por outra que:
a) Declare a nulidade do contrato-promessa celebrado entre autor e ré, por inobservância do disposto no art. 410º, nº 3 do C.Civ, e por via disso seja reconhecido o direito do autor à restituição do sinal que foi pago e no valor de 125.000,00€;
b) E em consequência declare improcedente a reconvenção deduzida pela ré.
Subsidiariamente:
c) Dê como provado os quesitos 2º, 3º e 4º, da Base Instrutória, e em consequência declare resolvido o contrato promessa celebrado entre autor e ré pela não verificação da condição resolutiva da não obtenção do financiamento bancário para a aquisição das frações, e por via disso seja reconhecido o direito do autor à restituição do sinal que foi pago e no valor de 125.000,00€.
d) E em consequência declare improcedente a reconvenção deduzida pela ré.
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D) A apelada “P.., Lda.” apresentou resposta onde entende dever negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a douta sentença.
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E) Foram colhidos os vistos legais.
F) As questões a decidir na apelação são as seguintes:
1) Saber se o contrato-promessa é nulo;
2) Saber se deverá ser alterada a decisão quanto à matéria de facto apurada;
2) Saber se deverá ser alterada a decisão jurídica da causa.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
a) Em 21 de Maio de 2007, entre o autor e a ré foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda mediante o qual a ré, na qualidade de dona e legítima possuidora de um lote de terreno, com o nº 48, denominado Loteamento de.., prometeu vender ao autor uma loja comercial sita no rés-do-chão, com o nº 2 no Bloco C, com área bruta de 70,00 m2, e uma loja comercial sita no rés-do-chão, com o nº 3, no Bloco D do referido Loteamento, com área bruta de 81,20 m2, em Arcos de Valdevez.
b) A ré prometeu vender e o autor prometeu comprar as supra referidas lojas, que apesar de serem frações autónomas seriam unificadas numa só fração para comércio, restauração e serviços, que consta do contrato que o preço seria pago da seguinte forma:
- O montante de €25.000,00 seria entregue no dia 21 de Maio de 2007 - data da assinatura do referido contrato-promessa.
- O montante de €25.000,00 seria pago no mês de Agosto de 2007;
- O montante de €50.000,00 seria pago no mês de Dezembro de 2007;
- O modo de pagamento do valor remanescente seria acordado entre as partes até à celebração da escritura definitiva.
c) Após a assinatura do contrato-promessa, autor e ré, acordaram e aditaram, verbalmente, ao objeto do negócio, mais um armazém, que ficou a fazer parte integrante da loja comercial.
d) Autor e ré acordaram que o valor da aquisição deste armazém era de €25.000,00 euros, pelo que, assim, o valor total do negócio acordado passou a ser de €275.000,00.
e),f) Apesar de ter ficado estipulado a entrega por parte do autor da quantia de €100.000,00 como sinal e princípio de pagamento do supra referido preço, o autor entregou à ré o montante de €125.000,00, quantia essa entregue a título de sinal e princípio de pagamento.
g),h) - O contrato promessa acima referido não contém o reconhecimento notarial das assinaturas dos outorgantes nem a certificação pelo notário de licença de construção ou utilização sobre as frações prometidas vender.
i) Foi o autor que procurou a ré em 2007 e lhe propôs a realização do negócio.
j) Depois de informar a ré sobre a atividade comercial que pretendia instalar nas lojas, o autor solicitou à ré, atenta a fase em que se encontrava a obra, que esta diligenciasse pela alteração do projeto inicial por forma a criar uma única loja.
l) Em razão dessa atividade comercial a instalar naquele espaço, o autor acordou com a ré a compra e a anexação de um armazém que ficaria a fazer parte integrante daquela única loja a criar.
2º,3º - A ré sabia que o autor necessitava de financiamento bancário para a compra e venda em causa.
5º - Foi o Banco.. que financiou a construção do prédio onde se incluíam as frações aludidas em A).
6º - Em 2008, o autor solicitou ao Banco.. a concessão de um financiamento sob a forma de leasing, no valor de €200.000,00.
7º, 8º - Esse pedido não foi liminarmente apreciado, já que as frações se encontravam numa fase inicial de construção, não dispondo nessa altura de licença de utilização nem havendo constituição de propriedade horizontal.
13º - O autor precisava de financiamento bancário para a concretização do negócio.
m) Por meados do ano de 2009, o autor contratou o gabinete do Arq.º F.. para que este elaborasse o projeto do interior das lojas.
n) Contratou a empresa “S..” para a realização dessas obras.
o) O autor contratou também a firma “F..”.
p) Todas elas estão devidamente identificadas com painéis publicitários instalados nas lojas prometidas comprar pelo autor.
21º, 22º A empresa de J.. fez trabalhos de eletricidade nas frações referidas em A), por solicitação da empresa aludida em N).
32º O autor contratou a empresa de mediação imobiliária de A.., sediada em Arcos de Valdevez, para promover a venda das lojas prometidas comprar à ré.
q) Em Agosto de 2011 a escritura de compra e venda ainda não tinha sido marcada.
r) O contrato promessa não fixava qualquer data para a realização do contrato prometido, nem tão pouco a quem incumbia tal desiderato, em 17 de Agosto 2011, a ré interpelou o autor para que, no prazo de sessenta dias, este procedesse à marcação da referida escritura de compra e venda das lojas prometidas comprar.
s) A 19 de Dezembro de 2011, a ré interpelou o autor e o cônjuge deste, dando-lhe conta do dia, hora e local da realização da escritura de compra e venda das lojas prometidas comprar.
45º, 46º, 47º - Por carta registada com aviso de receção enviada à ré a 23 de Dezembro de 2011, o autor declarou que “a celebração da escritura pública de compra e venda das frações autónomas prometidas vender sempre esteve dependente da obtenção e manutenção de um crédito bancário que nos permitisse pagar o preço de venda ainda em dívida”, invocou a nulidade do contrato promessa pela não verificação dessa condição, dizendo “existirem outras irregularidades no aludido contrato-promessa” e que não compareceriam na escritura marcada, solicitando “a devolução das quantias entregues”.
t) No dia 29 de Dezembro de 2011, pelas 14 horas e 30 minutos no Cartório Notarial da Lic. Maria Albertina Barbosa Campos, sito na Rua Cerqueira Gomes, nº 12 – 2.º Andar, na vila e concelho de Arcos de Valdevez, a ré compareceu para assinar a escritura de compra e venda marcada para aquele dia e hora.
u),v) - O autor não compareceu nem se fez representar, ficando a escritura sem efeito, razão pela qual foi lavrado o certificado que junto aos autos.
x) A ré foi financiada pelo Banco...
z) O autor nunca emitiu declaração resolutiva por alegada falta de documentos necessários à aprovação do dito financiamento.
*
B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
*
C) O recurso versa matéria de facto e matéria de direito.
Antes de mais importa apreciar a invocada nulidade do contrato-promessa, por falta de reconhecimento presencial das assinaturas.
A este propósito refere-se no Acórdão do STJ de 29/11/2011, 2632/08.0TVLSB.L1 disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça em www.dgsi.pt que “a doutrina e a jurisprudência claramente maioritárias consideram que a falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes em contrato-promessa a que alude o artº 410º, nº 3, do Código Civil acarreta a invalidade do negócio, sujeita embora a um regime especial que permite qualificá-la como uma nulidade atípica ou mista, invocável a todo o tempo, em regra apenas pelo promitente-comprador - não o é por terceiros, nem de conhe¬cimento oficioso pelo tribunal - e suscetível de ulterior sanação ou convalidação.
Essa conferência já por diversas vezes decidiu nesse sentido, não se vendo qualquer razão para modificar a orientação que tem sido seguida (cfr. os acórdãos de 9/1/07 (Pº 4132/06), 13/1/09 (Pº 2755/08), e 26/5/09 (Pº 810/1999.S1, todos em www.stj.pt).
A parte final da norma em questão diz expressamente que o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão do requisito apontado “...quando a mesma tenha sido culposamente causada pela contraparte”.
E continua o citado aresto referindo que “…a disposição legal em apreço - parte final do artº 410º, nº 3, do CC - não impede que o promitente vendedor demonstre a existência duma situação de abuso do direito de arguir a nulidade do contrato promessa por inobservância das formalidades legais; e isto não apenas quando a falta tenha sido intencio¬nalmente causada pelo promitente-comprador que agora a invoca em juízo, mas também sempre que o seu comportamento posterior à conclusão do contrato tenha sido de molde, por um lado, a não pôr em questão a validade do negócio e, por outro, a criar na contra¬parte a fundada confiança de que ele seria integralmente cumprido (neste sentido, Calvão da Silva, na RLJ Ano 132º, pág. 268 e sgs, em anotação favorável ao acórdão do STJ de 12/11/98, também publicado na CJSTJ, Ano VI, tomo III, pág. 110 e sgs).
Trata-se, no fundo, da modalidade do abuso designada por venire contra factum proprium, cujos contornos estão já bem delimitados pela doutrina e pela jurisprudência.
No acórdão do STJ de 15/5/07 (Procº 07A1180) Relator: Sebastião Póvoas, por exemplo, observa-se, com pertinência, o seguinte: “Como refere o Prof. Baptista Machado (in “Obra Dispersa”, I, 415 e ss) o ponto de partida do venire é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objetivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico.”
É sempre necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que com base nessa situação de confiança a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis.”
Está ínsita a ideia de “dolus praesens”.
O conceito de boa-fé constante do artigo 334º do Código Civil tem um sentido ético, que se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica, “que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do circulo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos” (Prof. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 9ª ed., pags 104-105).
Como se julgou no STJ (Acórdão de 1 de Março de 2007 – 06 A4571):
“Para haver abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, é necessário saber se a conduta do pretenso abusante … foi no sentido de criar, razoavelmente, na contraparte uma expectativa factual, sólida, que poderia confiar na execução dos contratos-promessa”.
Uma conduta para ser integradora do “venire” terá de, objetivamente, trair o “investimento de confiança” feito pela contraparte, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, em si, uma clara injustiça.
Ou seja, tem de existir uma situação de confiança, justificada pela conduta da outra parte e geradora de um investimento, e surgir uma atividade, por “factum proprium” dessa parte, a destruir a relação negocial, ao arrepio da lealdade e da boa-fé negocial, esperadas face à conduta pregressa.
Não se busca o “animus nocendi” mas, e como acima se acenou, apenas um comportamento anteriormente assumido que, objetivamente, contrarie aquele.
Para o Prof. Menezes Cordeiro (apud “Da Boa Fé no Direito Civil”, 45) “o venire contra factum proprium postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo.
O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo”.
E o mesmo Professor considera (agora, in, ROA, 58º, 1998, 964) que o “venire contra factum proprium” pressupõe: “1º- Uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no “factum proprium”); 2º- Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do “factum proprium” seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis”; 3º- Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma atividade na base do “factum proprium”, de tal modo que a destruição dessa atividade (pelo “venire”) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara; 4º- Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela proteção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no “factum proprium”) lhe seja de algum modo recondutível”.
Resta acrescentar que, conforme refere Paulo Mota Pinto (“Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório (Venire Contra Factum Proprium) no Direito Civil” - BFDUC, Volume Comemorativo, Coimbra 2003), “...deve rejeitar-se a aplicação automática dos pressupostos mencionados, após a sua enumeração e verificação no caso concreto.
Antes todos deverão ser globalmente ponderados, in concreto, para se averiguar se existe efetivamente uma “necessidade ético-jurídica” de impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correta e honesta - com os ditames da boa-fé em sentido objetivo” (pág. 305).
Ora, como se vê, não podemos deixar de concordar com a apreciação feita, a este propósito, pela 1ª Instância, quanto à questão da nulidade do contrato-promessa que, no fundo, segue a posição acima expressa no Acórdão do STJ citado.
E também não pode deixar de se considerar que, não obstante a nulidade do contrato-promessa, a conduta do autor, seguindo um determinado percurso, mostrando-se interessado no contrato e no seu cumprimento, no cumprimento das obrigações que sobre si impendiam, de celebrar a escritura de compra e venda das frações e só decorridos mais de quatro anos após a assinatura do contrato-promessa, vem invocar a existência de irregularidades, constitui, claramente, uma situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, pelo que não pode deixar de se concordar que atuou com abuso de direito (artigo 334º) e, como tal, terá de improceder a questão da invocada nulidade do contrato-promessa que, assim, se terá de considerar convalidado.
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No que se refere à matéria de facto, o apelante discorda da apreciação feita pelo tribunal a quo quanto à resposta aos quesitos 2º, 3º e 4º da base instrutória.
Perguntava-se nos mesmos:
2º Quer na fase prévia à assinatura do contrato-promessa, quer na outorga deste, sempre foi transmitido pelo autor ao legal representante da ré, J.., que a celebração do contrato de compra e venda sempre estaria sujeito à obtenção por parte do autor de um crédito junto de uma instituição financeira, no valor de €200.000,00?
3º O que sempre foi do conhecimento da ré?
4º Tendo sido garantido pelo legal representante da ré ao autor a obtenção de tal crédito desde que o mesmo fosse requerido junto do Banco..?
A esta matéria o tribunal, quanto à matéria dos quesitos 2º e 3º provado apenas que a ré sabia que o autor necessitava de financiamento bancário para a compra e venda em causa.
Quanto à matéria do quesito 4º o tribunal considerou-a não provada.
Pretende o apelante que se considere a matéria destes quesitos como provada.
E, para fundamentar a resposta que pretende à matéria do quesito 4º o apelante invoca o depoimento da testemunha M.., seu pai.
Do depoimento da referida testemunha e, designadamente, do excerto que o apelante transcreve, não resulta infirmada a apreciação feita pelo tribunal recorrido.
Da simples leitura do excerto conclui-se que o conhecimento dos factos pela testemunha resulta do que o autor lhe transmitiu e não por conhecimento direto.
Com efeito refere o apelante, transcrevendo o depoimento da testemunha referida:
“Houve um dia que eu até ia para o hospital e encontrei o meu filho ali em cima, e então ele disse: Ó Pai anda ali comigo, e fomos para cima. Eu acho que ele tinha telefonado ao Sr. L.., e o Sr. L.. ainda estava coxo de uma perna, andava ainda de canadianas e parou... e eles ali mais ou menos, o Sr. L.. entretanto queria vender uma loja da parte de cima, mas ele disse que da parte de cima que não porque um coxo assim que não ia ao café acima, só em baixo.... E estiveram ali a conversar (..inaudível ..) sobre esses juros e do empréstimo do dinheiro. E o Sr. L.. disse-lhe que a loja estava a ser financiada por um banco aqui da Vila, e que esse banco facilitaria o empréstimo, e portanto o negócio ficou ali mais ou menos fechado, em princípio fechado, ele só ia telefonar para a América, para o sócio dele que é o Sr. P..”.
Ora, importa notar que o depoimento testemunhal pressupõe que a testemunha deponha sobre factos de que tem conhecimento direto, daí que deva indicar a sua razão de ciência e quaisquer circunstâncias que possam justificar o conhecimento dos factos (cfr. artigo 638º nº 1 do Código de Processo Civil).
Mas ainda que assim não fosse e que resultasse que o conhecimento da testemunha quanto a esta matéria é direto, ainda nessa situação hipotética, o extrato do depoimento não permitiria alterar a resposta aos quesitos, nomeadamente ao quesito 4º.
De resto, importa ter em conta que na fundamentação quanto à matéria de facto, o tribunal a quo teve oportunidade de referir que nenhuma das testemunhas ouvidas teve intervenção na celebração do contrato nem nas negociações subsequentes, o que implicou a resposta negativa à maior parte dos quesitos.
E não se vê que o apelante tenha infirmado tal apreciação, como se impunha.
De resto, o tribunal recorrido complementa a fundamentação afirmando que foi útil o depoimento, credível, ainda que pouco pormenorizado, do pai do autor, relativamente à matéria dos quesitos, 2º, 3º e 13º).
De todo o exposto resulta que terá de se manter o decidido quanto à matéria de facto.
E, mantendo-se a decisão quanto à matéria de facto, necessariamente se terá de manter a decisão jurídica da causa, uma vez que não se demonstrou a factualidade alegada pelo autor que poderia relevar para a sua procedência.
Pelo exposto, a apelação terá de improceder e, em consequência, manter-se a douta sentença recorrida.
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D) Em conclusão:
1) A falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes em contrato-promessa a que alude o artigo 410º nº 3 do Código Civil acarreta a invalidade do negócio, sujeita embora a um regime especial que permite qualificá-la como uma nulidade atípica ou mista, invocável a todo o tempo, em regra apenas pelo promitente-comprador;
2) A parte final do artº 410º nº 3 do Código Civil - não impede que o promitente vendedor demonstre a existência duma situação de abuso do direito de arguir a nulidade do contrato promessa por inobservância das formalidades legais;
3) E não apenas quando a falta tenha sido intencio¬nalmente causada pelo promitente-comprador que agora a invoca em juízo, mas também sempre que o seu comportamento posterior à conclusão do contrato tenha sido de molde, por um lado, a não pôr em questão a validade do negócio e, por outro, a criar na contra¬parte a fundada confiança de que ele seria integralmente cumprido;
4) Para haver abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, é necessário saber se a conduta do pretenso abusante … foi no sentido de criar, razoavelmente, na contraparte uma expectativa factual, sólida, que poderia confiar na execução dos contratos-promessa.
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III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
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Guimarães, 17/12/2013
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte
Purificação Carvalho