Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1522/13.9TBGMR.G1
Relator: PEDRO ALEXANDRE DAMIÃO E CUNHA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
FACTOS IMPEDITIVOS
MUDANÇA DE DESTINO
AFECTAÇÃO A DESTINO DIVERSO QUE SEJA A CULTURA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: “I. O artº 1381º CC estabelece duas excepções à preferência de terrenos confinantes: a) quando algum dos terrenos constitua componente de um prédio urbano, ou se destine a algum fim que não seja a cultura; b) sempre que a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar.
II. Para que o facto impeditivo do direito de preferência, aludido no art. 1381.º, al. a), 2.ª parte, do CC, opere os seus efeitos é necessário que o adquirente alegue e prove, não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura, mas também que essa projectada mudança de destino é permitida por lei.”
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 1522/13.9TBGMR.G1

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Comarca de Braga – Guimarães- Instância (Juízo) Central- 2ª Secção Cível- J2

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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente(s):- AA;

Recorrido(a)(s):- BB e mulher CC;

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AA, pessoa colectiva religiosa, intentou a presente acção, à data sob a forma ordinária, contra BB e mulher CC, DD, e esposa EE, pedindo que seja:
a) Declarado o direito de propriedade da Autora sobre o prédio rústico, situado no FF, da freguesia de São LL das Caldas de Vizela, do concelho de Vizela, desta comarca, “GG”, com a área de 2800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vizela sob o nº xxxx e inscrito na matriz rústica da freguesia de São LL das Caldas de Vizela;
b) Reconhecido à Autora o direito de preferência na venda do prédio denominado “GG”, sito no Lugar do FF, da freguesia de São LL das Caldas de Vizela, do concelho de Vizela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vizela sob o nº xxx e inscrito na matriz rústica sob o artigo xxx;
c) Declarada a substituição dos Réus compradores na titularidade deste prédio tomando a Autora a posição que aqueles ocupam, mediante o pagamento do preço;
d) Declarado o cancelamento de quaisquer registos e inscrições sobre o prédio objecto desta acção, operados após a celebração da compra e venda de 09.11.2012.
Para tanto, alegou, em síntese, que: é proprietária e legítima possuidora, com exclusão de outrem, do prédio identificado em a.; este prédio confina com o prédio citado na precedente al. b.; ambos os prédios são rústicos e destinam-se a cultura; a área desses prédios é inferior à unidade mínima de cultura; a venda do prédio indicado em b. aos 2.ºs Réus foi realizada sem que fosse dado à Autora o conhecimento desse negócio, para eventual exercício do direito de preferência.
Em contestação, os 1.ºs Réus, a fls. 55 a 59, impugnaram a ausência de comunicação, bem como as áreas dos prédios. Sustentaram ainda a natureza urbana do prédio e que o propósito da sua aquisição foi a de construção e exploração dum estabelecimento comercial/ de café e restaurante, tendo obtido a necessária licença camarária para o efeito.
Os 2.ºs Réus contestaram, a fls. 87 a 88, dizendo que haviam proposto à Autora a venda do prédio, tendo aquela indicado que aceitaria uma doação ou a alienação pelo preço de € 1,00/m2, o que não era do seu interesse. Como tal, angariaram novos compradores, os 2.ºs Réus, que adquiriram o imóvel a fim de procederem à urbanização do mesmo, nele edificando uma construção de apoio turístico destinada a restaurante.
Foi proferido o despacho pré-saneador a fls. 180, na sequência do qual foi deduzido o pedido reconvencional de fls. 187 a 195, onde os Réus, em caso de procedência da acção, pediram que seja declarada a existência de abuso de direito, por manifesta desproporção entre a vantagem pretendida pela Autora e o sacrifício por este imposto aos Réus e, subsidiariamente, a condenação da Autora no pagamento do montante de € 175.609,70, acrescido de juros de mora.
A Autora deduziu réplica de fls. 285 a 295, dizendo que a destinação urbanística do prédio alienado, à data da venda, era o de zona de reserva ecológica nacional.
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Realizou-se audiência prévia, na qual se elaborou despacho saneador, onde se afirmou a regularidade da instância, julgando-se inadmissível a dedução de reconvenção (cfr. fls. 341 a 343). Fixou-se o objecto do litígio e estabeleceram-se os temas da prova (cfr. fls. 344 a 345).
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Foi realizada perícia, cujo relatório se encontra junto a fls. 363 a 367.
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Foi realizada a audiência de julgamento com observância do formalismo legal (cfr. fls. 400 a 402).
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Na sequência foi proferida a seguinte sentença:
“VI. Dispositivo
Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a. Reconheço a Autora como legítima proprietária do prédio rústico, situado no FF, da freguesia de São LL das Caldas de Vizela, do concelho de Vizela, desta comarca, “GG”, com a área de 2800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vizela sob o nº xxxx e inscrito na matriz rústica da freguesia de São LL das Caldas de Vizela sob o artigo xxxº;
b. Absolvo os Réus BB, CC, DD e EE do restante pedido.
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É justamente desta decisão que a Recorrente/Autora veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1ª - Na nossa modesta opinião, a sentença recorrida enferma de erro, pois atendendo à prova pericial e documental junta aos autos e, bem assim, à prova testemunhal produzida, acima transcrita, o Tribunal a quo devia ter dado como não provado o facto constante na alínea “r” (“Os Réus adquiriram o terreno para aí construir e explorar um estabelecimento de café e restaurante a 09.11.2012”);
2º - Resulta dos factos assentes na sentença recorrida, dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas supra transcritos, que a autora/recorrente provou todos os pressupostos para o exercício do direito de preferência em causa nos autos e que são:
a) Que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura – cfr. alínea o) dos factos provados;
b) Que o preferente (autora) seja dono de prédio confinante com o prédio alienado – cfr. alíneas f); g) e h) dos factos provados;
c) Que o adquirente (1ºs réus) do prédio não seja proprietário confinante – cfr. alínea q) dos factos provados;
d) Ficou ainda demonstrado nos autos que a aquisição do terreno em causa pela recorrente visava o emparcelamento, para reflorestação, como forma de obter rendimento, dada a escassez de donativos.
3ª - A sentença recorrida errou ao julgar procedente o facto impeditivo do direito da recorrente: o dos primeiros réus terem adquirido o prédio para fim que não seja o da cultura (artigo 1381º, a) do Código Civil), pois como vem sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, a admissibilidade legal do novo destino a dar ao terreno (que no momento da aquisição tinha uma destinação agrícola ou florestal) tem que existir no momento da aquisição (no caso, 09-11-2012) e deve ser reconhecida pelas autoridades administrativas competentes.
4ª - A possibilidade de afectação a finalidade diferente depende sempre de decisão da autoridade administrativa competente (leia-se Câmara Municipal) devendo o adquirente alegar e provar (e não o fez) que o diferente destino que pretende dar ao terreno é, à data da aquisição (09-11-2012) legalmente possível – aptidão juridicamente reconhecida através de licença concedida pela administração pública.
5ª – Ora, o que ficou provado na alínea m) dos factos assentes e no relatório pericial de fls. 364-365, é que o terreno em causa estava ao tempo da sua aquisição em 09-11-2012 - de acordo com os instrumentos de gestão do território (Lei do Ordenamento do Território e Urbanismo - 48/98 dei 1/08; Regulamento dos Planos Directores Municipais - DL. 380/99 de 22/09 – classificado como solo rural (terreno florestal), inserido em Espaços Florestais, não sendo permitida a construção de qualquer edificação, muito menos dum restaurante e café, sendo que esta classificação apenas podia ser alterada com a revisão do PDM (artigo 71º do DL. 380/99 de 22/9).
6ª - Há vária jurisprudência que assim já julgou: a intenção de afectar o prédio a fim que não seja a cultura, embora possa e deva constar de forma expressa na escritura de aquisição, só será relevante, para efeitos de excepcionar o direito de preferência, se for juridicamente admissível, à data da outorga da escritura pública (Ac. 22/11/1988, BMJ, 381/52; Ac. 18/1/94, CJ (STJ) 1994, Tomo I, pág. 46; Ac. de 19/03/98, CJ. (STJ) 1998, Tomo I, pág. 143; Ac. de 21/06/94, CJ (STJ) 1994, Tomo II, pág. 154; Ac. de 14/03/02 CJ. (STJ), 2002, Tomo I, pág. 133). E também na doutrina encontramos este entendimento: Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª edição, em anotação ao artigo 1381 do referido diploma).
7ª – Resulta inequívoco dos autos que na data da alienação do terreno que a recorrente pretende preferir (09-11-2012) – cfr. fls. 405 a 408 e alíneas h) e i) dos factos assentes) - a construção que os 1ºs réus levaram a efeito não era admissível, por se tratar de solo integrado em “Espaços Florestais” (cfr. alínea m) dos factos provados) e ainda porque o PDM vigente em Vizela, na freguesia onde se localiza o prédio, também o não permitia.
8ª - O relatório pericial de fls. 364 a 365 (não impugnado) é claro nas respostas dadas:“ Tal prédio não tinha características urbanas e para construção na data da sua transacção em 9 de Novembro de 2012; em 9 de Novembro de 2012 tal prédio não tinha capacidade construtiva; em 9 de Novembro de 2012, o Plano Director em vigor no Município de Vizela impedia qualquer construção naquele prédio; Era considerada zona de reserva ecológica nacional; O PDM de Vizela em vigor à data indicada classificava o terreno como “Espaços Florestais”. Estas respostas foram confirmadas pelos esclarecimentos do perito em audiência de julgamento, Engº. Manuel Carlos da Silva Castro, e pelo depoimento da testemunha arrolada pelos 1ºs Réus JJ, Chefe de Divisão da Câmara Municipal de Vizela, acima transcritos;
9ª - Pelos documentos juntos aos autos e pelos depoimentos supra transcritos, se o pedido de licenciamento para construção e exploração do estabelecimento de café e restaurante fosse deferido pela Câmara Municipal em 09-11-2012 (ou até 03-01-2013, data anterior à publicação do novo PDM), seria concedido em violação de leis de ordenamento do território (PDM de Vizela), pelo que seria declarado nulo. Tal construção seria ilegal, porque baseada num acto nulo, acto esse que não produziria quaisquer efeitos jurídicos, independentemente até da declaração de nulidade (arts. 134º e 139º, nº1, al. a), do CPA). A legalidade do acto administrativo afere-se pela realidade fáctica existente no momento da sua prática e pelo quadro normativo então em vigor, segundo o princípio tempus regit actum. O acto seria ainda nulo, nos termos do art. 52º, nº 2, al. b), do DL. nº 445/91, de 20.11, na redacção do DL 250/94, sob a epígrafe “Invalidade do licenciamento”.
10º - Os documentos de fls. 405 a 408 (titulo de compra e venda do prédio em causa, adquirido pelos 1ºs réus, realizada em 19-11-2012, no qual está identificado como sendo um prédio rustico (cfr. alíneas h) e i) dos factos assentes); de fls. 19 e 20 (certidão permanente do referido prédio, emitida pela Conservatória do Registo Predial de Vizela em 30/04/2013, na qual o mesmo permanece descrito como rústico); - fls. 72 a 74 (pedido entrado na Câmara Municipal de Vizela em 23-01-2013, de passagem de certidão (pedida por HH, filho da testemunha II) onde se indique qual a capacidade construtiva para o prédio em causa, sendo o prédio ainda rústico; - fls. 75 e 76: (pedido entrado na Câmara Municipal de Vizela 30-01-2013 de licença administrativa para realizar obras de edificação no prédio em causa (formulado pelos 1ºs réus); - fls. 110: oficio da Câmara Municipal a comunicar aos 1os réus que, em 08-08-2013, foi-lhe deferida a construção no dito prédio de um edifício destinado a serviços de restauração (cfr. ainda Alvará de construção nº 8/13 de fls. 108); - fls. 150 e 151: inscrição do prédio em causa como urbano apenas dá entrada no Serviço de Finanças de Vizela em 14-10-2013, sendo que no pedido de tal inscrição vem aposta como data de passagem a urbano o dia 29-08- 2013; - fls. 337: o PDM de Vizela foi aprovado em reunião de Câmara realizada em 4.10.2012; - fls. 338: o PDM de Vizela foi aprovado por deliberação tomada em Assembleia Municipal em 24.10.2012; - deliberação essa apenas foi publicada a 04.01.2013 no Diário da República (cfr. fls.338), 2ª Serie, nº 3, pelo Aviso nº 186/2013; demonstram uma realidade inequívoca, descuidada pelo tribunal a quo: à data da aquisição do prédio pelos 1ºs réus, verificada em 09-11-2012 não era possível legal/administrativamente a construção e exploração dum estabelecimento e café e restaurante nem de qualquer outra construção (por isso, errou, ao dar como provado o facto constante na alínea “r” dos factos assentes).
11ª - A certidão emitida pela Câmara Municipal de fls. 72 a 73, na qual se indica a capacidade construtiva para o terreno em causa e que o classifica como espaço de ocupação turística, é datada de 7 de Março de 2013, em resposta a um requerimento ali entrado em 23 de Janeiro de 2013; tudo após a publicação do PDM em 04-01-2013.
12ª - Todo o processo de licenciamento para a realização das obras de edificação que os 1ºs réus iniciaram junto da Câmara Municipal (cfr. fls. 110 e seguintes) surge em momento posterior à aquisição do terreno em apreço e após a publicação do PDM em 04-01-2013, pois sabiam muito bem que à data da sua aquisição - 9 de Novembro de 2012 – nenhuma construção poderia ali ser edificada, por estar impedida pelo PDM vigente à data;
13ª - O que está em causa nos autos não é a construção duma habitação pelos 1ºs réus; o que está em causa é a melhoria do sector agrícola/florestal que a recorrente pretende continuar a promover e, particularmente, o redimensionamento do minifúndio, face à construção dum restaurante e café num terreno que, à data da sua aquisição (09-11-2012) não tinha viabilidade administrativa para ser ali construído, por o PDM não o permitir.
14ª - No caso, não pode proceder a excepção da norma do artigo 1381º alínea a) do CC, ao não conferir o direito de preferência à autora (proprietária do prédio rústico confinante), pois o terreno que se pretende preferir não tem viabilidade administrativa para construção (capacidade construtiva) à data da sua aquisição, por o PDM não o autorizar.
15ª - Dos documentos de fls. 110, de 08-08-2013 (oficio da Câmara a comunicar aos 1ºs réus que o projecto de construção do edifício foi deferido) e do documento de fls. 108 (Alvará de Obras de Construção nº 41/13, de 14/08/2013) é facto irrefutável que os 1ºs réus iniciaram a construção do aludido edifício após terem sido citados para a presente acção (de fls. 40 e 41 resulta que os réus foram citados pelas cartas de 03-05- 2013). Aliás, os 1ºs réus apresentaram a sua contestação em 24-05-2013 (cfr. fls. 55 a 83).
16ª - Não obstante terem conhecimento desta acção e do pedido da Autora/recorrente, ainda assim, os 1ºs réus decidiram “arriscar”, e por sua conta e risco, começar com a construção do edifício no terreno que a recorrente pretende preferir. Os 1ºs réus assumiram, por isso, conscientemente, os riscos da presente acção, tendo consequentemente assumido as consequências da eventual e pretendida procedência da presente acção, incluindo-se nestes, obviamente, a demolição de tudo aquilo que edificaram no terreno em causa. O próprio tribunal a quo dá conta disso aos réus aquando da prolação do despacho de fls. 341 a 347 pág. (5) ao indeferir a reconvenção e ao afirmar nomeadamente que “De resto, para prosseguir o fim agrícola da parcela, as aludidas construções não constituem quaisquer factores de valorização, constituindo, pelo contrário, um encargo a sua demolição”.
17ª - A construção do edifício no terreno que a recorrente pretende preferir (independentemente do custo alegadamente suportado pelos 1ºs réus, pois foi desatendido pelo despacho de fls. fls. 341 a 347 pág. (5)) não pode constituir qualquer obstáculo ou elemento limitativo ou impeditivo à procedência da presente acção, pois, reafirma-se, os 1ºs réus construíram conscientemente, pois eram sabedores do pedido da autora na presente acção e que poderiam “perder” o terreno, até porque a recorrente já tinha até depositado o preço à ordem dos presentes autos – cfr. fls. 44 a 47.
18º - Além do mais, há elementos nos autos (documentos e prova testemunhal) que apontam claramente para o facto dos próprios 1ºs réus terem admitido - aquando da compra do terreno em causa em 09-11-2012 - a possibilidade do edifício não poder ser construído ali.
19º - Desde logo, no contrato de prestação de serviços de fls. 67 a 71, celebrado na data da aquisição do terreno em 09.11.2012, os 1ºs réus “protegeram-se” ou acautelaram a sua posição contratual caso não fosse possível no futuro construir no terreno em causa, ao preverem na clausula nona que “A não observância do prazo fixado na clausula sétima, confere ao primeiro outorgante (1os réus) o direito de rescindir o presente contrato de prestação de serviços”. Ora, a clausula sétima fixa o prazo de um ano a contar de 09-11-2012 para que o projecto de construção do edifico fosse concluído (remete para a clausula segunda do aludido contrato), nomeadamente submetê-lo à apreciação da Camara Municipal, especialidades e posterior tramitação.
20º - Estas cláusulas do contrato permitem-nos concluir que os 1ºs réus sabiam – em 09-11-2012 - de que naquele terreno não podia ser edificada a construção do café/restaurante. Ou dito de outro modo: os 1ºs réus sabiam que em 09-11-2012 o PDM não permitia edificar naquele terreno a construção do restaurante/café nem qualquer outra construção, daí que se tenham protegido com a cláusula nona, consagrando a possibilidade de rescindirem livremente o aludido contrato.
21º - Aliás, só assim se entende os depoimentos acima transcritos da testemunha HH (filho dos 1ºs réus) e da testemunha II (“procurador” que intermediou o negócio; construtor do edifício e pai do projectista António, outorgantes do contrato de fls. 67 a 71) admitindo que a 09-11-2012 não era possível construir o edifico no terreno em causa, dada a não publicação do PDM em Diário da República que o permitisse fazer. As palavras utilizadas como “arriscou”; “quase 100%”; “Se não desse para construir ia o negócio a baixo; Porque o meu pai estava com ideias de comprar aquele terreno e é um homem de ideias fixas e quando tem de ser aquilo tem de ser aquilo. Arriscou”; E arrisquei, era evidente, em Novembro. Arrisquei se não desse ficaria apenas com aquele sinal que ele tinha dado, são disso exemplo. É pois notório que os 1ºs réus sabiam – em 09-11-2012 - de que naquele terreno não podia ser edificada a construção do café/restaurante.
22º - Acresce ainda que o tribunal a quo desvalorizou (a nosso ver ilegal e injustificadamente) a data da entrada em vigor do PDM de Vizela, ocorrida em 04-01-2013, e bastou-se com a aprovação do PDM pela Assembleia Municipal de 24-10-2012. Nos termos do disposto no artigo 148º/1, do RJIGT, a eficácia dos instrumentos de gestão territorial depende da respectiva publicitação no Diário da República (DR).Ora, esta norma define o requisito de eficácia, isto é, a produção de efeitos e início de vigência do PDM só se verificou em 04-01-2013 (com a publicação em DR) e não com a aprovação do mesmo pela Assembleia Municipal de 24-10-2012.
23º - Registam-se aqui as respostas dadas ao tribunal pelo Chefe de Divisão da Camara Municipal de Vizela, JJ, acima transcritas, quando declarou sempre que a construção do edifício seria indeferida se tal pedido tivesse dado entrada antes da publicação em DR do PDM. P:Se este documento tivesse dado entrada na Câmara Municipal no período de discussão pública do PDM? R:Era indeferido. P:Se este pedido tivesse dado entrada na Câmara depois da data de Reunião de Câmara que aprovou o PDM? R:Era indeferido. P:Se este pedido tivesse dado entrada logo após a Assembleia Municipal? R:Era Indeferido. P:Como deu entrada depois da entrada em vigor do PDM? R:Estava em condições para poder ser apreciado.
24º - O novo PDM de Vizela, embora aprovado na Assembleia Municipal de 24-10-2012, não estava dotado de eficácia em 09-11-2012, só tendo iniciado a sua produção de efeitos com a publicação em Diário da República em 04-01-2013. A falta de publicação do PDM em Diário da República afecta pois a validade do ato, impedindo também a sua oponibilidade e obrigatoriedade, relativamente a terceiros.
25º - Por isso, a interpretação sustentada na douta sentença recorrida segundo a qual, para efeitos do direito de preferência, mormente de al. a), do artigo 1381º, do CCiv, era possível inferir, face à aprovação pela assembleia municipal, que a destinação do prédio adquirido para fim diverso do de cultura era possível (não se tratando duma hipótese meramente remota) desconsiderando a publicação dessa aprovação em Diário da República, violou a norma do artigo 148º, nº 1 do RJIGT e o disposto no artigo 119º/2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que impõe as exigências de publicidade, essencial para a produção de efeitos de qualquer ato normativo.
26º - Mas tal interpretação viola igualmente o disposto no artigo 65º, nº 4 da CRP, na medida em que atribui indevidamente efeitos retroactivos ao PDM de Vizela, fixando os seus efeitos à data da aprovação pela Assembleia Municipal de 24-10-2012, quando o mesmo só foi publicado em Diário da República em 04-01-2013. Ora, nos termos desta norma constitucional, compete ao Estado e às autarquias locais definirem “as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento” onde se incluem, entre outros, os Planos Directores Municipais [PDM].
27º - Ora, a sentença recorrida substituiu-se à autarquia local, atribuindo indevidamente efeitos retroactivos ao PDM de Vizela, fixando os seus efeitos à data da aprovação pela Assembleia Municipal de 24-10-2012, quando o mesmo só foi publicado em Diário da República em 04-01-2013.
28º - Mas tal interpretação viola ainda o DL nº 380/99, de 22/9, diploma que define os Planos Municipais de Ordenamento do Território, de que os PDM constituem uma espécie, por nomeadamente querer ultrapassar o que este diploma estipula: de que “são instrumentos de natureza regulamentar, aprovados pelos municípios” [artigo 69º, nº 1]; a sua “elaboração” é da competência da Câmara Municipal [artigo 74º, nº 1]; o período de “concertação”, “acompanhamento” e “discussão pública” [cfr. artigos 76º e 77º], a elaboração pela Câmara Municipal da versão final da proposta para aprovação [artigo 77º, nº 8]; a necessidade de “parecer” da respectiva “Comissão de Coordenação Regional” que incide “sobre a conformidade com as disposições legais e regulamentares vigentes, bem como sobre a articulação e coerência da proposta com os objectivos, princípios e regras aplicáveis no município em causa, definidos por quaisquer outros instrumentos de gestão territorial eficaz” [artigo 78º], sendo posteriormente aprovado “pela assembleia municipal, mediante proposta apresentada pela câmara municipal” [artigo 79º, nº 1].
29º - Do exposto resulta que, nos termos do citado diploma, os Planos Municipais têm “natureza regulamentar”, ou seja, normativa, e como regulamentos que são, não projectam os seus efeitos para o passado, ou seja, não têm efeitos retroactivos, como a douta sentença recorrida o faz, reportando os efeitos do PDM de Vizela à data da sua aprovação em Assembleia Municipal, descurando a data da publicação em Diário da República.
30º - É abusivo pretender-se que, à data da alienação, 09-11-2012, o prédio aqui em causa tinha já a natureza de urbano ou capacidade construtiva. E, sendo um prédio rústico, afecto à cultura agrícola/florestal, nada obstava, que, na sua alienação, estivesse sujeito ao regime legal da preferência, previsto nos já mencionados arts. 1380º e 1381º do CC e 18º do DL. nº 384/88, de 25 de Outubro. Pelo que tem de se concluir, que a autora/recorrente estava em condições de preferir na alienação, não podendo os réus afastar a preferência.
31º - A sentença recorrida errou quando na pág. 11 (apreciação critica dos meios de prova) refere que: “A prova documental patenteia que a venda do prédio teve lugar em 09.11.2011 (cfr. fls. 21 a 26); que a aprovação do PDM, em Assembleia Municipal, deu-se em 24.10.2013 tendo sido publicado no Diário da República em 04.01.2013 (cfr. fls. 338) (…) Devendo passar a constar que: “A prova documental patenteia que a venda do prédio teve lugar em 09.11.2012 (cfr. fls. 21 a 26); que a aprovação do PDM, em Assembleia Municipal, deu-se em 24.10.2012 tendo sido publicado no Diário da República em 04.01.2013 (cfr. fls. 338) (…)
32º - Acresce que a intenção de afectar o prédio a fim que não seja a cultura, deve constar de forma expressa na escritura/documento de aquisição. Assim, seguindo este entendimento, também por aqui não pode proceder a excepção da norma do artigo 1381º alínea a) do CC, pois como resulta do título de aquisição de fls. 405 a 408, tal intenção não só não consta, como vem mencionado expressamente que o prédio transaccionado é rústico. Se a intenção dos 1ºs réus era construir no terreno, nada os impediria de o terem dito e feito constar no título de aquisição. Se os 1ºs réus tinham tanta certeza que poderiam construir no terreno à data da sua aquisição em 09-11-2012, não se entende porque não o declararam no documento de aquisição.
33º - Aliás, da certidão permanente do referido prédio, de fls. 19 e 20, emitida pela Conservatória do Registo Predial de Vizela em 30/04/2013, tal prédio ainda permanece descrito como rústico. Também do requerimento de fls. 72 a 74, entrado na Câmara Municipal de Vizela em 23-01-2013, o prédio ainda é rústico. Apenas em 14-10-2013, já os réus tinham contestado a presente acção, é que procedem à inscrição do prédio em causa como urbano – cfr. fls. 150 e 151;
34º - A Autora logrou pois provar todos os requisitos do direito real de preferência, a que alude o artigo 1380º, do CC. Não julgar procedente a presente acção, agora em sede de recurso, e julgar procedente a excepção prevista no artigo 1381º, a) do CC, seria considerar, a norma prevista no artigo 1380º inútil, afastando-se assim, todos os princípios subjacentes aquelas normas. O entendimento constante na sentença recorrida violou pois, além do mais, o disposto no artigo 1380º do Código Civil.
35º - A sentença recorrida enferma ainda de erro, pois atendendo à prova pericial e documental junta aos autos e, bem assim, à prova testemunhal produzida, o Tribunal a quo, devia ter dado como provado que a autora pretende adquirir o terreno em causa para o destinar à cultura, tendo por fim o emparcelamento, para reflorestação, como forma de obter rendimento.
36º - Na verdade, entende a recorrente que o Tribunal a quo não valorou os depoimentos acima transcritos convenientemente. Por isso, não se conforma com a sentença recorrida quando na pág. 12 (apreciação critica dos meios de prova) refere que: “No que se refere ao fim a que os Autores destinavam o prédio, respondeu-se que era o de instalação dum estabelecimento de restauração, como efectivamente a situação actual o demostra. Ainda que remontando à data da celebração do contra de compra e venda, era essa a intenção que presidia à alienação. Veja-se que, concomitante, à celebração da escritura as partes celebraram um acordo relativo à construção dum edifício 67 a 70, onde estava repercutido parte do valor do prédio. Também neste sentido, a testemunha HH Fernandes Ferreira, filho dos compradores, pareceu verosímil quanto a essa afirmação, pois que dispunha de conhecimento directo e porque o seu depoimento surge corroborado por elementos documentais (mormente, o projecto apresentado para licença camarária e o acordo anexo relativo à construção do edifício) e pelo curso posterior das coisas (com a execução da obra). Esta testemunha, assim como António Fernandes II, referiram que foram inteirar-se junto da Câmara Municipal quanto á previsão que havia para a construção no prédio, e foi nesse pressuposto que transmissão foi realizada, tendo o respectivo processo sido apresentado em Janeiro de 2013, apenas porque a publicação do PDM (embora aprovado anteriormente ao negócio) deu-se no início desse mês”.
37º - A sentença recorrida apreciou erradamente este ponto concreto, uma vez que ficou demonstrado em sede de prova que o objectivo da recorrente na aquisição do prédio em causa é o emparcelamento, para reflorestação, como forma de obter rendimento, dada a escassez de donativos. Nunca foi intenção da autora/recorrente destinar o prédio em causa para instalar um estabelecimento de restauração. Basta atender aos depoimentos das testemunhas que se pronunciaram sobre este ponto concreto, nomeadamente o Depoimento de Parte do Legal Representante da Autora (KK); das testemunhas da autora LL; MM; HH NN; e OO; todos acima transcritos, e unanimes ao declararem que – ao contrário do que consta na sentença recorrida - a Autora nunca quis adquirir o prédio em causa para a instalação dum estabelecimento de restauração ou para nele construir o que quer que seja. Afirmaram unanimemente que a pretendida aquisição do terreno visava o emparcelamento, para reflorestação, como forma de obter rendimento, dada a escassez de donativos; e que, desde sempre, a Confraria tem feito a limpeza de árvores e a plantação de árvores, pois que aquela tem como objectivo arborizar o FF; nesse domínio, foram até entregues árvores à Autora, de madeira nobre, para uma área de, pelo menos 10 hectares, com a finalidade de valorização dos terrenos e obter retorno com a venda da madeira. Os depoimentos das testemunhas OO e HH são especialmente relevantes, por serem pessoas ligadas ao meio “florestal”, ambos engenheiros, ele florestal, ela do ambiente e, portanto, com experiência no ramo.
38º - Aliás, a sentença recorrida entra em contradição, pois ainda na apreciação crítica dos meios de prova, o tribunal a quo refere-se expressamente (pág. 13 (final) e 14 (inicial) “ao ímpeto de reflorestação de que aquela está animada (com objectivos de financiamento – como declarado pelas testemunhas engenheiro florestal e engenheira do ambiente), procurando, por isso, impedir a consolidação do ato de venda”.
39º - A nosso ver, o tribunal a quo esteve mal ao não valorar positivamente o depoimento das testemunhas OO, HH, MM, LL e as declarações do próprio Presidente da Autora, todos unanimes ao declararem que a autora pretende adquirir o terreno em causa para o destinar à cultura, tendo por fim o emparcelamento, para reflorestação, como forma de obter rendimento. Todos depuseram com conhecimento de causa e de forma objectiva e credível, sem que relativamente a tais depoimentos se tenha colocado quaisquer questões susceptíveis de abalar a sua credibilidade. Aliás, os réus nem sequer puseram em causa o fim pretendido pela autora. Tiveram sempre uma posição confessória nesta matéria.
40º - A sentença recorrida enferma ainda de erro, pois atendendo à documental junta aos autos o Tribunal a quo, devia ter dado como provado que a autora depositou a quantia global de € 16.620,00, relativa ao valor da compra, despesas notariais, IMT, imposto de selo e despesas com o registo predial Tal facto consta dos documentos de folhas 44 a 47, não impugnados pelos réus e tal facto constitui imposição legal prevista no artigo 1410º do Código Civil.
41º - Por tudo o supra exposto, impõe-se a revogação da decisão recorrida, pois resulta dos factos assentes, dos documentos juntos, e dos depoimentos das testemunhas acima transcritos, que a autora/recorrente provou todos os pressupostos para o exercício do direito de preferência, e que a sentença recorrida errou ao julgar procedente o facto impeditivo do direito da autora (o dos primeiros réus terem adquirido o prédio para fim que não seja o da cultura (artigo 1381º, a) do CC).
A sentença recorrida fez uma errada interpretação das normas legais supra citadas nos pontos 1º a 41 destas conclusões, violando-as.
SEM PRESCINDIR:
42º - Mesmo que assim senão entendesse, o que não se concede, mas apenas por hipótese de trabalho se acautela, sempre se invoca a: INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA CONTIDA NO ARTIGO 1381ª, ALINEA a) DO CÓDIGO CIVIL na interpretação dada pela sentença recorrida.
43º - No caso concreto, a aplicabilidade da excepção da norma do artigo 1381º alínea a) do Código Civil, ao não conferir o direito de preferência ao proprietário do prédio rústico confinante (recorrente), quando o terreno que se pretende preferir não tem viabilidade administrativa para construção (capacidade construtiva) à data da sua aquisição (09-11-2012), por o PDM não o permitir, ofende os preceitos constitucionais estatuídos nos artigos 81º, g); 93º, nº 1, al a) e 95º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o direito ao redimensionamento da propriedade agrícola, e que são de aplicação directa.
44º - A interpretação dada pelo tribunal a quo ao preceito legal está claramente em contradição com os citados princípios constitucionais e daí que a sentença recorrida enferma de inconstitucionalidade.
45º - O Artigo 1381º, alínea a) do Código Civil insere-se na Secção VII do Capítulo III, Título II, Livro III daquele Código, secção que tem como epígrafe 'Fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos'. O conjunto de dispositivos que integram esta secção do Código tem o seu antecedente histórico na Lei nº 2116, de 14 de Agosto de 1962, que regulou igualmente a matéria do fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos. Visa este complexo normativo a finalidade económica e social de reordenamento da propriedade fundiária, com o objectivo de os terrenos aptos para cultura terem (ou não deixarem de ter) uma dimensão mínima (unidade de cultura) adequada a uma exploração economicamente viável.
46º - A estes princípios abre o Código excepções com o mesmo sentido: enquanto o artigo 1377º, alínea a) exceptua da proibição de fraccionamento os terrenos que se destinem a algum fim que não seja a cultura, o artigo 1381º alínea a) não confere o aludido direito de preferência aos proprietários de prédios confinantes 'quando algum dos terrenos (...) se destine a algum fim que não seja a cultura'.
47ª - Como se disse, no caso, o tribunal a quo deu como provado (a nosso ver mal) que “Os réus adquiriram o terreno para aí construir e explorar um estabelecimento de café e restaurante a 09.11.2012” (cfr. artigo 9º da contestação e alínea “r” dos factos assentes), tendo igualmente dado por provado que à data de 09-11-2012 o terreno não podia ser objecto de qualquer construção por estar inserido em zona de Espaços Florestais – cfr. alínea m) dos factos provados e relatório pericial de fls. 364 a 365 -tendo também dado por provado que o novo PDM só permitiu aquela construção a partir da sua publicação em Diário da República, o que só ocorreu em 04-01-2013 (cfr. fls. 338, alínea v) dos factos provados) – portanto, a decisão administrativa de viabilizar tal construção só é proferida após a publicação do PDM em 04-01-2013.
48º - Neste caso concreto, o que está em causa não é a construção duma habitação pelos réus; o que está em causa é o sacrifício da melhoria do sector agrícola/florestal que a autora/recorrente pretende continuar a promover e, particularmente, o redimensionamento do minifúndio, e a construção dum restaurante e café num terreno que, à data da sua aquisição (09-11-2012) não tinha viabilidade administrativa para ser construído, por o PDM não o permitir.
49º - Diante destes factos, a aplicabilidade ao caso concreto da excepção da norma do artigo 1381º alínea a) do CC, ao não conferir o direito de preferência ao proprietário do prédio rústico confinante, quando o terreno que se pretende preferir não tem capacidade construtiva à data da sua aquisição, ofende os preceitos constitucionais citados pelo recorrente.
Impõe-se, por isso, a revogação da decisão recorrida, condenando-se a ré no pedido.
Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se procedente por provada a presente acção, condenando-se os réus nos termos do pedido.”
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Os RR. BB e mulher CC apresentaram contra-alegações, onde pugnam pela improcedência do Recurso.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso- cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a(s) Recorrente(s) coloca(m) as seguintes questões que importa apreciar:
1.- Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento, devem:
-considerar-se como não provados os factos que a sentença de primeira Instância considerou como provados na alínea “r” (“Os Réus adquiriram o terreno para aí construir e explorar um estabelecimento de café e restaurante a 09.11.2012”);
-por outro lado, devia ter dado como provado que “a Autora depositou a quantia global de € 16.620,00, relativa ao valor da compra, despesas notariais, IMT, imposto de selo e despesas com o registo predial”
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2. saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pela(s) Recorrente(s), a presente acção tem de proceder.
3. saber se existe inconstitucionalidade da norma contida no artigo 1381º, alínea a) do CC na interpretação dada pela sentença recorrida, por violação dos arts. 81º, al. g), 93º, nº 1, al a) e 95º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o direito ao redimensionamento da propriedade agrícola, preceitos constitucionais que são de aplicação directa.
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São estas, pois, as questões sobre as quais o presente Tribunal tem que se pronunciar.
Importa aqui esclarecer que a Recorrente formula outras críticas à sentença proferida, mas estas críticas não consubstanciam questões a decidir, já que, como decorre manifestamente da decisão impugnada, decorrem de manifestos lapsos de escrita do Tribunal Recorrido.
Na verdade, é patente que o Tribunal Recorrido só por manifesto lapso de escrita escreveu:
-na pág. 11 (apreciação critica dos meios de prova) que: “A prova documental patenteia que a venda do prédio teve lugar em 09.11.2011 (cfr. fls. 21 a 26); que a aprovação do PDM, em Assembleia Municipal, deu-se em 24.10.2013 tendo sido publicado no Diário da República em 04.01.2013 (cfr. fls. 338) (…)
Quando devia ter escrito 09.11.2012 e 24.10.2012, respectivamente (como, aliás, efectua em outros pontos da decisão)
-e na pág. 12 (apreciação critica dos meios de prova) refere que: “No que se refere ao fim a que os Autores destinavam o prédio, respondeu-se que era o de instalação dum estabelecimento de restauração, como efectivamente a situação actual o demostra.”
Quando devia ter escrito Réus (como aliás decorre de toda a sentença).
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São, assim, perfeitamente injustificadas as longas considerações da Recorrente sobre estes pontos da (fundamentação da) matéria de facto, já que não existe qualquer erro na apreciação da prova, mas sim um mero erro de escrita atribuível a manifesto lapso do Tribunal Recorrido que não tem qualquer influência na decisão de mérito proferida que, como facilmente se vê, teve em conta, na sua fundamentação jurídica, os factos correctos.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
“1.1 Factos provados
§ Oriundos da petição inicial:
a. A aquisição do prédio rústico, situado no FF, da freguesia de São LL das Caldas de Vizela, do concelho de Vizela, desta comarca, “GG”, com a área de 2800 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vizela sob o nº xxxx e inscrito na matriz rústica da freguesia de São LL das Caldas de Vizela sob o artigo xxxº, com o valor patrimonial de € 16,76, encontra-se inscrita a favor da Autora (cfr. artigo 3º).
b. Tal prédio adveio à propriedade da Autora por esta o ter adquirido por doação titulada pela escritura de 19.07.2004, lavrada a folhas 120 a 120 verso do livro de notas para escrituras diversas número 50-A do Cartório Notarial de Vizela (cfr. artigo 2º).
c. Além disso, há mais de 20 e de 30 anos que a Autora, por si e antepossuidores, está na posse, uso e fruição daquele prédio, usando-o e fruindo-o como quer e entende, colhendo os seus frutos e utilidades, dando-os de arrendamento, ocupando-os ou deixando-os ocupar, plantando e cortando árvores, roçando mato e lenha, limpando as suas bordadoras e acessos, pagando as respectivas contribuições e impostos (cfr. artigo 5º).
d. À vista e com o conhecimento de toda a gente, nomeadamente dos Réus, de forma contínua, sem interrupção nem oposição de ninguém (cfr. artigo 7º)
e. Na convicção de que tal prédio lhe pertence, pois que há mais de 20 e de 30 anos, por si e antecessores, sobre ele exerce os poderes inerentes ao correspondente direito de propriedade, sem qualquer limitação, ónus ou encargo (cfr. artigo 8º).
f. O aludido prédio da Autora confinava, pelo seu lado nascente, com Alexandre Simões Sampaio e posteriormente com os 2.ºs Réus (cfr. artigo 10º).
g. Actualmente, pelo referido lado nascente, confronta com os aqui 1.ºs Réus (cfr. artigo 11º).
h. Este prédio confinante com a Autora, pelo lado nascente, é denominado “GG”, sito no Lugar do FF, da freguesia de São LL das Caldas de Vizela, do concelho de Vizela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vizela sob o nº xxx e inscrito na matriz rústica sob o artigo xxx (cfr. artigo 12º).
i. Este prédio adveio à propriedade dos primeiros Réus por o terem adquirido aos 2.ºs Réus, por contrato de compra e venda celebrado em Felgueiras, em 9 de Novembro de 2012, titulado pelo documento particular autenticado perante PP, Solicitador com escritório no concelho de Felgueiras, portador da cédula profissional número xxxx (cfr. artigo 13º).
j. Nem os vendedores (segundos Réus) nem os compradores (primeiros Réus) deram conhecimento à Autora de tal negócio, nem de projecto de venda, nem tampouco das cláusulas do respectivo contrato (cfr. artigo 14º).
k. Aliás, a Autora veio a ter conhecimento da aludida venda quando, nos meados do mês de Fevereiro de 2013, constatou que os primeiros Réus roçaram ou mandaram roçar mato e lenha (cfr. artigo 15º).
l. Constando-se no local que os segundos Réus tinham vendido aos 1.ºs o aludido prédio (cfr. artigo 16º).
m. Os prédios identificados em a. e h. estavam, à data da compra e venda mencionada em i., inseridos em «Espaços Florestais» (cfr. artigo 18º/parte).
n. O prédio da Autora mede 2.800 m² (cfr. artigo 19º).
o. E o prédio dos primeiros Réus mede 4.386 m2 (cfr. artigo 20º).
p. O prédio vendido tem acesso directo a partir do caminho público, a sul e poente (cfr. artigo 21º).
q. Os Réus compradores não são proprietários de qualquer outro prédio rústico confinante com o que ora lhe foi vendido (cfr. artigo 22º).
*
§ Oriundos da contestação dos 2.ºs Réus:
r. Os Réus adquiriram o terreno para aí construir e explorar um estabelecimento de café e restaurante a 09.11.2012 (cfr. artigo 9º).
s. E na mesma data contrataram a prestação de serviços a António Fernando II, para que este elaborasse um projecto de construção de um edifício, composto por um piso e com uma área mínima de implantação de 120 m2 destinado a indústria de hotelaria, designadamente ao exercício da actividade de restauração e bebidas e submetê-lo à apreciação da Câmara Municipal de Vizela, apresentando as respectivas especialidades e seguindo a tramitação até integral licenciamento (cfr. artigo 10º).
*
§ Oriundos da contestação dos 1.ºs Réus:
t. A Autora manifestou a vontade de adquirir o prédio pelo preço de € 1,00/m2 (cfr. artigo 4º/parte).
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§ Considerado nos termos do artigo 607º/4, do CPCiv:
u. O PDM de Vizela foi aprovado por deliberação tomada em assembleia municipal em 24.10.2012 (cfr. fls. 338).
v. Essa deliberação foi publicada a 04.01.2013 no Diário da República (cfr. fls. 338).
w. Pelo alvará de construção n.º 8/13 foi deferida a construção dum edifício destinado a serviços de restauração (149,00 m2) e muro de vedação (50 m2) para o prédio mencionado em h. (cfr. fls. 215).
x. O PDM referido em w. insere o prédio mencionado em h. em «Espaços de Ocupação Turística», correspondendo estes ou a áreas com vocação para a fixação de programas turísticos, nomeadamente nos segmentos de turismo residencial, associados a actividades de carácter desportivo ou de recreio ou a áreas vocacionadas para utilização colectiva, de carácter passivo ou activo, em solo rural (cfr. fls. 204).
y. A edificabilidade nos espaços mencionados na al. anterior deve garantir os seguintes parâmetros e índices:
- A altura máxima da fachada não exceda 7 m, ou 9 m no ponto mais desfavorável, quando o declive do terreno proporcione a construção em cave, desde que com soluções integradas na paisagem;
- A densidade máxima admissível para os alojamentos é de 10 camas/ha;
- O índice de utilização máxima é de 0,07 da área de cada prédio (cfr. fls. 204 a 205).
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§ Considerado nos termos do artigo 5º/2,a), do CPCiv:
z. No presente, no prédio referido em h. está implantado um edifício com a área total de 195 m2, dos quais 50 m2 são espaços exteriores.
aa. A construção implantada no prédio referido em h. ascende a 82.600,00(vd. tema da prova referido em 7. de fls. 344).
bb. O valor das terraplanagens, dos muros, das pavimentações e dos portões foi de € 36.500,00 (vd. tema da prova referido em 7. de fls. 344).
cc. O valor dos serviços, encargos gerais e encargos financeiros, foi de € 20.000,00 (vd. tema da prova referido em 7. de fls. 344).
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1.2 Factos não provados:
Inexistem.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.
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1-Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

Nesta sede, e antes do próprio objecto da impugnação de facto, cumpre tecer algumas considerações prévias, em ordem a evitar quaisquer equívocos quanto à impugnação da decisão de facto em sede de recurso e quanto à actividade jurisdicional que é suposto ser levada a cabo por este tribunal superior.
Explicitando.
Nesta matéria, consigna, como é consabido, o art. 640º, n.º 1 do CPC que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.»
Por outro lado, ainda, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 640º que :
a)- quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
À luz do regime exposto, e seguindo a lição de Abrantes GeraldesIn “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 139-140;
, “quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
-em quaisquer circunstâncias, o recorrente tem de indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
-quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados;
-relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- o recorrente deve ainda deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos;
Com efeito, tendo por referência a comparação entre a primitiva redacção do art. 712º do anterior CPC e o actual art. 662º, a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era antes excepcional, acabou por ser assumida, como função normal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra.
Todavia, ao impor ao recorrente o cumprimento dos aludidos ónus, nesta sede, visou o legislador afastar «soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.»
Destarte, importa referir que em sede de impugnação da decisão da matéria de facto pelo tribunal superior, não está (nem pode estar) em causa a repetição do julgamento e a reapreciação de todos os pontos de facto (e a respectiva motivação), mas apenas e só a reapreciação pelo tribunal superior (e a formação da sua própria convicção - à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) dos concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido.
De facto, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância dos citados ónus.
Concluindo, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) “ … vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente ”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.»
Mais, ainda, é também relevante salientar que quanto ao recurso da decisão da matéria de facto não existe a possibilidade de despacho de convite ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado apenas e só para os recursos em matéria de direito Vide, neste sentido, por todos, A. Geraldes, págs. 141..
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Aqui chegados, pode-se concluir que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, a Autora/ Recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo).
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, a Autora/ apelante não concorda, pois, com a decisão sobre a fundamentação factual proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.
Quid iuris?
Importa, antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas pela Recorrente, reforçar o que ficou dito quanto ao âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação em sede de Recurso.
Como se referiu, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… “ Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 133;.
Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “ v. Ac. do Stj de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.;.
Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:
a) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b));.
Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;, está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”- Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273)..
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348..
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt..
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt..
Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança Segundo Ana Luísa Geraldes, in “ Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609 “ Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte… “ ;
, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.
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Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à Autora apelante neste segmento de recurso que tem por objecto a impugnação da matéria de facto nos termos por ela pretendidos.
Comecemos então por apreciar a argumentação da Recorrente quanto à sua pretensão de alterar a decisão da matéria de facto no que concerne à alínea R) da matéria de facto provada.
Aí ficaram mencionados como matéria de facto provada os seguintes factos:
r. Os Réus adquiriram o terreno para aí construir e explorar um estabelecimento de café e restaurante a 09.11.2012 (cfr. artigo 9º).

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A Recorrente não concorda com este ponto da matéria de facto, alegando (com pertinência para a impugnação da matéria de facto) o seguinte:
“…3ª - A sentença recorrida errou ao julgar procedente o facto impeditivo do direito da recorrente: o dos primeiros réus terem adquirido o prédio para fim que não seja o da cultura (artigo 1381º, a) do Código Civil), pois como vem sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, a admissibilidade legal do novo destino a dar ao terreno (que no momento da aquisição tinha uma destinação agrícola ou florestal) tem que existir no momento da aquisição (no caso, 09-11-2012) e deve ser reconhecida pelas autoridades administrativas competentes. (…)
18º - Além do mais, há elementos nos autos (documentos e prova testemunhal) que apontam claramente para o facto dos próprios 1ºs réus terem admitido - aquando da compra do terreno em causa em 09-11-2012 - a possibilidade do edifício não poder ser construído ali.
19º - Desde logo, no contrato de prestação de serviços de fls. 67 a 71, celebrado na data da aquisição do terreno em 09.11.2012, os 1ºs réus “protegeram-se” ou acautelaram a sua posição contratual caso não fosse possível no futuro construir no terreno em causa, ao preverem na clausula nona que “A não observância do prazo fixado na clausula sétima, confere ao primeiro outorgante (1os réus) o direito de rescindir o presente contrato de prestação de serviços”. Ora, a clausula sétima fixa o prazo de um ano a contar de 09-11-2012 para que o projecto de construção do edifico fosse concluído (remete para a clausula segunda do aludido contrato), nomeadamente submete-lo à apreciação da Camara Municipal, especialidades e posterior tramitação.
20º - Estas cláusulas do contrato permitem-nos concluir que os 1ºs réus sabiam – em 09-11-2012 - de que naquele terreno não podia ser edificada a construção do café/restaurante. Ou dito de outro modo: os 1ºs réus sabiam que em 09-11-2012 o PDM não permitia edificar naquele terreno a construção do restaurante/café nem qualquer outra construção, daí que se tenham protegido com a cláusula nona, consagrando a possibilidade de rescindirem livremente o aludido contrato.
21º - Aliás, só assim se entende os depoimentos acima transcritos da testemunha HH (filho dos 1os réus) e da testemunha II (“procurador” que intermediou o negócio; construtor do edifício e pai do projectista António, outorgantes do contrato de fls. 67 a 71) admitindo que a 09-11-2012 não era possível construir o edifício no terreno em causa, dada a não publicação do PDM em Diário da República que o permitisse fazer. As palavras utilizadas como “arriscou”; “quase 100%”; “Se não desse para construir ia o negócio a baixo; Porque o meu pai estava com ideias de comprar aquele terreno e é um homem de ideias fixas e quando tem de ser aquilo tem de ser aquilo. Arriscou”; E arrisquei, era evidente, em Novembro. Arrisquei se não desse ficaria apenas com aquele sinal que ele tinha dado, são disso exemplo. É pois notório que os 1ºs réus sabiam – em 09-11-2012 - de que naquele terreno não podia ser edificada a construção do café/restaurante..*
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Quanto a esta matéria de facto, o Tribunal fundamentou a sua decisão da seguinte forma:
(sem prejuízo da fundamentação geral com pertinência para a matéria de facto aqui em discussão)
“…No que se refere ao fim a que os RR. destinavam o prédio, respondeu-se que era o de instalação dum estabelecimento de restauração, como efectivamente a situação actual o demonstra. Ainda que remontando à data da celebração do contrato de compra e venda, era essa a intenção que presidia à alienação. Veja-se que, concomitante, à celebração da escritura as partes celebraram um acordo relativo à construção dum edifício 67 a 70, onde estava repercutido parte do valor do prédio. Também neste sentido, a testemunha HH Fernandes Ferreira, filho dos compradores, pareceu verosímil quanto a essa afirmação, pois que dispunha de conhecimento directo e porque o seu depoimento surge corroborado por elementos documentais (mormente, o projecto apresentado para licença camarária e o acordo anexo relativo à construção do edifício) e pelo curso posterior das coisas (com a execução da obra). Esta testemunha, assim como António Fernandes II, referiram que foram inteirar-se junto da Câmara Municipal quanto à previsão que havia para a construção no prédio, e foi nesse pressuposto que a transmissão foi realizada, tendo o respectivo processo sido apresentado em Janeiro de 2013, apenas porque a publicação do PDM (embora aprovado anteriormente ao negócio) deu-se no início desse mês.
Para além de os depoimentos serem, em si mesmos, congruentes, é do conhecimento mediano que o PDM tem fases de discussão pública e é facto que se enquadra na normalidade das coisas que os interessados – ou seja, proprietários/compradores de terrenos abrangidos – procuraram documentar-se sobre o destino daqueles, sobretudo se têm em vista a sua posterior comercialização (seja na perspectiva de vender, seja na perspectiva de comprar, pois que tal influencia o preço e a rentabilidade dos terrenos).
Depois, no caso, o novo PDM de Vizela (a prever a ocupação turística, com as potencialidades aludidas a fls. 204 a 205) já estava aprovado, aquando da celebração do contrato, faltando apenas a sua publicitação em Diário da República, sendo, por isso, plausível que todos os envolvidos tenham atuado no convencimento da plausibilidade da potencialidade construtiva (do que tinham expectativa garantida face à deliberação da assembleia municipal).”

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Conforme decorre do exposto, a factualidade aqui questionada contende com o preenchimento dos requisitos de preenchimento do art. 1381, nº 1, al a) do CC- daí o interesse da discussão desta matéria de facto.
Entendeu o Tribunal Recorrido que os RR. lograram provar que o destino que pretendiam dar ao prédio era o da instalação dum estabelecimento de restauração, como efectivamente a situação actual o demonstra.
Ora, a verdade é que a Recorrente não chega a pôr em causa esta conclusão a que chegou o Tribunal Recorrido.
Com efeito, a argumentação da Recorrente dirige-se mais no sentido de:
-pôr em causa a legalidade do afastamento do direito de preferência, tendo em conta o novo destino a dar ao terreno (que no momento da aquisição tinha uma destinação agrícola ou florestal) e a consideração de que essa legalidade tem que ser afirmada no momento da aquisição (no caso, 09-11-2012) e deve ser reconhecida pelas autoridades administrativas competentes;
- e por outro lado, no sentido de afirmar que existem elementos nos autos (documentos e prova testemunhal) que apontam claramente para o facto dos próprios 1ºs réus terem admitido - aquando da compra do terreno em causa em 09-11-2012 - a possibilidade do edifício não poder ser construído ali.
Ora, estas considerações, como se disse, não chegam a pôr em causa a matéria de facto dada como provada.
Com efeito, o que ficou provado foi que o destino que os RR. pretendiam dar ao prédio era o da instalação dum estabelecimento de restauração.
O que se afirma é, pois, a intenção dos RR., intenção que, em face da prova produzida, é inquestionável (v. fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que, após compulsada a prova aí mencionada, aqui se confirma na integra).
Outra questão completamente diferente é a de saber se, sendo essa a finalidade que os RR. iam atribuir ao prédio, esse destino económico era legalmente admissível ao tempo da aquisição.
E outra questão também completamente diferente é a de saber se os RR. admitindo que o projecto pudesse enfrentar dificuldades de licenciamento (não necessariamente imputáveis ao PDM) tenham previsto, de uma forma cautelar, essa situação no contrato.
Ou seja, o facto de se dar como provado que os RR. tinham como intenção dar ao prédio que adquiriram uma finalidade “…que não seja a cultura”, não contende minimamente, nem com a admissibilidade dessa alteração de finalidade, nem com a cautela na celebração do contrato.
Assim, não há dúvidas que os RR., ao adquirirem o prédio, pretendiam alterar o seu destino para uma finalidade que não se identificava com a cultura.
Com efeito, ficou amplamente demonstrado, em termos probatórios, que não era esse o fim a que os RR. pretendiam destinar o prédio, mas sim que esse destino era, antes, a instalação dum estabelecimento de restauração- como efectivamente vieram a concretizar.
Tal conclusão decorre de uma forma linear dos depoimentos das testemunhas HH, filho dos RR., e II, e ainda do acordo denominado de “ prestação de serviços” junto a fls. 67 a 70 (datado de 9.11.2012), de onde decorre que esta última testemunha se obrigava a “ fazer um projecto para construção de um edifício… destinado à indústria hoteleira, designadamente ao exercício da actividade de restauração e bebidas (café, restaurante e snack-bar)…”.
Assim, tendo-se procedido à audição da prova pertinente produzida, e ponderando, de uma forma conjugada e corroborada estes meios de prova que não foram contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode o presente Tribunal concluir que o juízo fáctico efectuado pelo Tribunal de Primeira Instância, no que concerne a esta matéria de facto, mostra-se conforme com a prova produzida.
Improcede, pois, esta parte do Recurso.
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Aqui chegados, e mantendo-se intocada a matéria de facto, pode-se, assim concluir que: “Os Réus adquiriram o terreno para aí construir e explorar um estabelecimento de café e restaurante a 09.11.2012”.
Ora, se assim é, a segunda parte da impugnação da matéria de facto só pode ter relevância se se vier a entender que, apesar disso, se mostram verificados os pressupostos de afirmação do direito de preferência cujo exercício a Autora/Recorrente aqui pretende fazer prevalecer.
Na verdade, só se for reconhecido esse gozo do direito de preferência à Autora é que interessará discutir a factualidade que a Recorrente pretende aditar à matéria de facto provada.
Daqui resulta que, em princípio, se se mantiver a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido em termos de mérito, esta parte da impugnação da matéria de facto nenhuma influência terá para a resolução do caso concreto.
Nessa medida, deverá esta parte da Impugnação da matéria de facto obter pronúncia apenas após o Tribunal se pronunciar sobre a questão do mérito respeitante ao requisito da legalidade do fim invocado pelas partes no momento da alienação.
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Efectuada esta ressalva, importa, então, verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto no sentido propugnado pela Recorrente, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.
São duas as questões que a Recorrente levanta.
Comecemos pela questão do preenchimento do requisito previsto na al. a) do art. 1381º do CC, requisito que, uma vez preenchido, terá como consequência que a aqui Autora deixará de “gozar do direito de preferência”.
Considera a Recorrente que o Tribunal Recorrido não podia entender estar preenchido este requisito, pois que “… como vem sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, a admissibilidade legal do novo destino a dar ao terreno (que, no momento da aquisição, tinha uma destinação agrícola ou florestal) tem que existir no momento da aquisição (no caso, 09-11-2012) e deve ser reconhecida pelas autoridades administrativas competentes…”-o que não sucederia no caso concreto, alega a Recorrente.
É exactamente esse também o entendimento do Tribunal Recorrido, mas a conclusão a que chegou é justamente a contrária.
Nesse sentido, desenvolveu a seguinte argumentação:
“…o fim que releva para integrar a situação excepcionada e prevista no artigo 1381º/a), do CCiv, não é o que tem ou ao qual está afecto o prédio no momento da alienação mas aquele que constitui a finalidade da compra, caso essa finalidade seja legalmente possível (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.06.2000, disponível em www.dgsi.pt).
O que acontece na situação dos autos é o de que, na data da celebração da compra e venda – 09.11.2012 –, o PDM de Vizela estava já aprovado pela assembleia municipal, mas apenas foi publicado no Diário da República no dia 04.01.2013.
Nesse período, o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial (RJIGT) vigente era o previsto no Decreto-Lei nº 380/99, de 22.09, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 316/2007, de 19/9 (entretanto, esse diploma foi revogado Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14.05).
Nos termos do artigo 84º/1, do RJGIT, o PDM estabelece a estratégia de desenvolvimento territorial, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas, integra e articula as orientações estabelecidas pelos instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional e regional e estabelece o modelo de organização espacial do território municipal. O PDM é um instrumento de referência para a elaboração dos demais planos municipais de ordenamento do território, sendo de elaboração obrigatória (cfr. nºs 2 e 4 do citado artigo 84º).
De acordo com o artigo 79º, do RJIGT, os planos municipais de ordenamento do território são aprovados pela assembleia municipal, mediante proposta apresentada pela câmara municipal (n.º 1); se o PDM aprovado mantiver incompatibilidades com plano sectorial ou plano regional de ordenamento do território, deve ser solicitada a sua ratificação nos termos do artigo 80º (n.º 2).
A elaboração dos planos municipais de ordenamento do território considera-se concluída com a aprovação da respectiva proposta pela assembleia municipal (artigo 81º/1, do RJIGT). Os procedimentos administrativos subsequentes à conclusão da elaboração dos planos municipais de ordenamento do território devem ser concretizados de modo que, entre a respectiva aprovação e a publicação no Diário da República, medeiem os seguintes prazos máximos:
a) PDM - três meses;
b) Plano de urbanização - dois meses;
c) Plano de pormenor - dois meses (artigo 81º/2, do RJIGT).
Nos termos do artigo 148º/1, do RJIGT, a eficácia dos instrumentos de gestão territorial depende da respectiva publicação no Diário da República.
A ineficácia decorrente da falta de publicação dos actos de conteúdo genérico não afecta a validade do ato, impede, contudo, a sua oponibilidade e obrigatoriedade relativamente a terceiros (vd., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 551, a respeito do disposto no artigo 119º/2, da Constituição da República Portuguesa, que consagra um caso paralelo).
No PDM de Vizela não foi solicitada a ratificação pelo Governo, que é a situação prevista no artigo 79º/2, do RJGIT, o que se depreende pela publicação que consta de fls. 338, onde é apenas publicitada a deliberação da assembleia municipal.
Quer isto dizer que o PDM estava já aprovado pelo órgão com competência para tanto (não havendo risco de o seu conteúdo ser alterado por uma eventual ratificação parcial do Governo); a produção de efeitos e início de vigência estava condicionada pela sua publicação no Diário da República, dado o requisito de eficácia exigido pelo artigo 148º/1, do RJIGT. Todavia, como se disse, a sua validade do seu conteúdo não estava comprometida. Aliás, o artigo 81º/2, do RJIGT, previa até um prazo máximo de 3 meses para a sua publicação.
Daqui resulta que, para efeitos do direito de preferência, mormente da al. a), do artigo 1381º, do CCiv, era possível inferir, face à aprovação pela assembleia municipal, que a destinação do prédio adquirido para fim diverso do de cultura era possível (não se tratando duma hipótese meramente remota).
(…)
De igual modo, também neste caso, apelando à unidade do sistema jurídico, perante a aprovação do PDM, não obstante a sua não publicação (em 09.11.2012), para efeitos do disposto no artigo 1381º/a), do CCiv, pode concluir-se pela afectação do prédio transmitido a fim diverso da cultura, posto que o destino que lhe era dado no plano de gestão urbanística, que revia o anterior, era o de ocupação turística, correspondendo estes ou a áreas com vocação para a fixação de programas turísticos, nomeadamente nos segmentos de turismo residencial, associados a actividades de carácter desportivo ou de recreio ou a áreas vocacionadas para utilização colectiva, de carácter passivo ou activo, em solo rural (cfr. al. y., da fundamentação de facto). E a edificabilidade nesses espaços, segundo a al. z., da fundamentação de facto, devia garantir os seguintes parâmetros e índices: - A altura máxima da fachada não exceda 7 m, ou 9 m no ponto mais desfavorável, quando o declive do terreno proporcione a construção em cave, desde que com soluções integradas na paisagem; - A densidade máxima admissível para os alojamentos é de 10 camas/ha; - O índice de utilização máxima é de 0,07 da área de cada prédio.
Perante esse quadro regulamentar aprovado, a pretensão dos 1.ºs Réus de ali construir um estabelecimento de restauração – intenção que presidiu à aquisição – era válida face ao conteúdo do PDM e passível de ser concretizável, como o foi, através da emissão da respectiva licença de construção e execução que foi levada a cabo, estando apenas diferida no tempo a possibilidade de obtenção desse acto administrativo de licenciamento (ou seja, para data posterior à publicação do PDM no Diário da República, que ocorreria, segundo o artigo 81º/2,a), do RJIGT, no máximo, em 3 meses).”
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Aqui chegados, importa, pois, verificar se se pode dar razão à Recorrente quando entende que, no caso concreto, o novo destino que os RR. pretendiam dar ao terreno não era legalmente admissível à data da celebração do contrato- exigência que, como iremos ver, é pacifica, em termos doutrinais e jurisprudenciais, nesta sede do preenchimento do requisito da al. a) do art. 1381º do CC.
Conforme decorre do exposto, a questão que é colocada nos presentes autos contende com a verificação de um dos casos em que o legislador entendeu não gozar o proprietário do prédio confinante de direito de preferência.
Como é sabido, o que está em causa, na estruturação do direito de preferência concedido aos proprietários dos prédios confinantes, desde a Lei nº 2116, de 14 de Agosto de 1962, é a necessidade de fazer diminuir o minifúndio, de forma a tornar a exploração agrícola rentável.
O legislador, na preocupação de combater a excessiva divisão da propriedade rústica e de favorecer o emparcelamento, permitiu a unificação de prédios vizinhos de modo a formar prédios com área mais apropriada a uma maior produtividade.
Esta preocupação legislativa não se esbateu com o decurso do tempo (até porque a importância da agricultura de subsistência, sobretudo no centro e norte do País, não se modificou grandemente), e continua a reflectir-se em normas tendentes a conseguir que a superfície fundiária, para cada região, ofereça as condições adequadas a uma melhor produtividade e rentabilização.
Actualmente esta preocupação também se denota numa vertente ambiental, se bem que a preocupação emergente da necessidade de rentabilização agrícola seja cada vez mais premente, até por força da necessidade de oferecer condições de concorrência aos nossos agricultores, face aos demais, integrados na comunidade económica EuropeiaV., por exemplo, os Acs. do STJ de 18.1.94 e de 7.7.94 publicados, respectivamente, nas CJ - STJ II, 1, 46 e II, 3, 52. .
Este propósito foi de novo feito constar do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, que faz menção de que o progresso da agricultura portuguesa tem sido retardado, ao longo dos tempos, “por uma estrutura fundiária desordenada, em que predominam as explorações com dimensão insuficiente e conduzidas por agricultores idosos com baixo grau de instrução”.
Este diploma gerou larga polémica sobre se, por força do seu art. 18º, nº 1, apenas um não minifúndio poderia absorver um minifúndio, ou se todo e qualquer proprietário confinante, independentemente da dimensão da propriedade do preferente e da alienada (ou com proposta de alienação), poderia exercer o seu direito, ao ponto de se passar a proteger a constituição de latifúndio.
Acerca disso - que não está em causa no recurso - mas que esclarece melhor o entendimento dominante, vem sendo quase unanimemente defendido que, não obstante a deficiente redacção do preceito, tomando em conta os fins visados pelo diploma e constantes do seu preâmbulo, há que considerar que a preferência legal abrange os titulares de direitos de propriedade, sobre minifúndios ou não minifúndios, apenas relativamente às alienações de minifúndios V. Henrique Mesquita, “Alienação de Prédios Minifundiários”, em C.J., II, pág. 37 ss.; Antunes Varela em Anotação ao Acórdão do STJ de 13 de Outubro de 1993, na R.L.J., 127:294 ss.; Agostinho Cardoso Guedes, “O Exercício do Direito de Preferência”, pág. 112 ss.;. Entende-se que pura e simplesmente se regressou à solução da primitiva Lei nº 2116, de 14 de Agosto de 1962 (Base VI, n.º 1).
O latifúndio voltou de novo a poder absorver o minifúndio, funcionando a norma apenas nesta direcção. O que a lei continua a impedir é que por via do exercício do direito de preferência o latifúndio possa absorver outro latifúndio.
Dispõe o artº 1380º do CC que “os proprietários de terrenos confinantes, (…) gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda (…) a quem não seja proprietário confinante”. Este direito configura-se de forma intimamente ligada à fixada para a unidade de cultura.
Temos então, neste momento, que os requisitos do exercício do direito de preferência, tradicionalmente apontados, se alteraram neste ponto, passando a ter de se considerar que o direito em causa apenas emerge nas situações em que:
a) tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura;
b) o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado;
c) o adquirente do prédio não seja proprietário confinante» .
O requisito de que o preferente tenha um prédio com área inferior à unidade de cultura, constante do rol do artº 1380º do C.C., desapareceu (cfr. art. 18º citado) Sobre uma síntese das posições existentes, v. Menezes Leitão, in “Direitos Reais”, pág.520 a 522;.
Ora, no caso vertente, estes requisitos estariam preenchidos.
Sucede que o artº 1381º CC estabelece duas excepções à preferência de terrenos confinantes:
a) quando algum dos terrenos constitua componente de um prédio urbano, ou se destine a algum fim que não seja a cultura;
b) sempre que a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar.
Interessa-nos a situação destacada naquela primeira alínea.
No caso concreto, ficou provado efectivamente que os Réus adquiriram o terreno para aí construir e explorar um estabelecimento de café e restaurante, finalidade que evidentemente não se confunde com o aludido fim de “cultura”.
Ora, como refere Agostinho Cardoso Guedes Na obra citada, pág. 125 e 126, “…quer a liberdade reconhecida ao proprietário do terreno na afectação a outras finalidades que não a cultura, quer os antecedentes do artº 1381º, a) do Código Civil, permitem concluir que a intenção do adquirente de afectar a outro fim que não a cultura é relevante para excluir o direito de preferência do proprietário confinante. Todavia, não bastará esta mera intenção, ainda que manifestada na escritura de compra e venda, sendo também necessário a prova da mesma, por qualquer meio, e ainda que o destino a dar ao imóvel pelo adquirente seja permitido por lei. Esta ressalva prende-se com os diversos institutos jurídicos de ordenamento do território que ultimamente começaram a ser publicados, sendo que aqui a expressão “lei” tem que ser entendida com a maior amplitude, incluindo qualquer normativo de aplicação geral e abstracta que reja sobre a situação…”
É, aliás, jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça v. por ex. os Acs. do Stj de 18/1/94, CJ (STJ), Tomo I, pág. 46; de 19/03/98, CJ. (STJ) Tomo I, pág. 143; Ac. de 21/06/94, CJ (STJ) Tomo II, pág. 154; Ac. de 14/03/02 CJ. (STJ), Tomo I, pág. 13. Mias recentemente, v. por ex. os acs. do Stj de 6.2.2003( relator: Nascimento Costa), 14.10.2007 (relator: Santos Bernardino), 25.3.2010 (Oliveira Rocha) e de 19.2.2013 (relator: Mário Mendes). Na doutrina, v., por todos, Pires de Lima / Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, em anotação ao artigo 1381º; que, só se verifica esta excepção invocada pelos RR. adquirentes se os mesmos lograrem provar que a nova finalidade pretendida para o terreno adquirido obedecia aos procedimentos legais estabelecidos para a zona- por ser facto impeditivo do funcionamento da excepção.
Assim, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, os RR. tinham que provar, com apoio em elementos objectivos, não só a intenção de dar ao terreno diferente destino, como a possibilidade legal de concretização desse novo destino V. Acórdão do STJ, de 21.6.94 – BMJ 438/450 e Henrique Mesquita, Parecer em Colectânea, ano XI, tomo 5, pagina 46..
E essa afirmação da admissibilidade legal do novo destino a dar ao terreno (que no momento da aquisição tinha uma destinação agrícola ou florestal) tem que ser aferida no momento da aquisição.
Acrescente-se ainda que essa nova finalidade atribuída pelos RR. adquirentes ao prédio aqui em discussão não tem que constar expressamente na escritura pública celebrada, podendo ser provada por qualquer meio de prova.
Assim, no que concerne à aplicação do disposto na al. a) do art. 1381º do CC, incumbindo aos RR. o ónus da prova, estes teriam de demonstrar uma dupla realidade:
1º que tinham a intenção séria de dar ao terreno diferente destino- que não de cultura- intenção que podiam demonstrar por qualquer meio de prova;
2º e que essa alteração do destino era, no momento da aquisição, admissível legalmente v. por ex. o ac. do Stj de 25.3.2010 (relator: Oliveira Rocha) onde se refere: “Para que o facto impeditivo do direito de preferência, aludido no art. 1381.º, al. a), 2.ª parte, do CC, opere os seus efeitos é necessário que o adquirente alegue e prove, não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afectação ou um outro destino que não a cultura, mas também que essa projectada mudança de destino é permitida por lei.”, in dgsi.pt.
Quanto ao primeiro ponto, é inequívoco que os RR. demonstraram, com os meios de prova produzidos (e já referenciados), a sua intenção séria de dar ao prédio um destino diferente.
Ou seja, os RR. adquirentes lograram provar que a invocação da alteração da finalidade do prédio não teve por objectivo o afastamento do direito de preferência da Autora, mas sim coincidia efectivamente com a sua real intenção, a qual, alias, mostra-se objectivamente provada, pois que, entretanto, o destino do prédio foi alterado de forma coincidente com a intenção afirmada pelos RR. (tendo estes concretizado a construção logo projectada no momento da aquisição).
Por aqui já se vê que também não podem restar dúvidas que a alteração da finalidade do prédio foi considerada legalmente admissível pelas autoridades administrativas competentes, pois que os RR. adquirentes lograram, como se referiu, construir a sua logo projectada construção (de estabelecimento de restauração), obtendo as competentes autorizações e licenciamentos junto das entidades competentes.
A questão que se colocava, no entanto, era a de saber se tal admissibilidade legal se verificava no momento da aquisição (9.11.2012).
É que se ficou provado que, nesse momento, a alteração do destino do prédio afirmada pelos RR. era permitida pelo PDM que tinha sido aprovado pela Assembleia Municipal em data anterior aquela data da aquisição (24.10.2012), também ficou provado que esse PDM só veio a ser publicitado no Diário da República em 4 de Janeiro de 2013.
A questão que se coloca, pois, é a de saber se, tendo em conta a aprovação do PDM, a pretensão dos RR. adquirentes de alterar a finalidade atribuída ao prédio era, mesmo assim, legalmente admissível (apesar do PDM ainda não ter sido publicitado em Diário da República).
Que a sua intenção, como se disse, era séria e verdadeira é inquestionável.
A dúvida que se coloca é, no entanto, a de saber se, no momento da aquisição, essa alteração da finalidade era legalmente admissível.
Não existe nos autos nenhuma prova documental de onde decorra que as autoridades administrativas (Câmara Municipal) se tenham pronunciado expressamente sobre essa (in)admissibilidade legal (apenas se produziu prova testemunhal e pericial sobre essa questão, mas apenas do ponto de vista hipotético).
O que sabemos é que, entretanto, o projecto dos RR. foi aprovado e concretizado sem que tivesse ocorrido qualquer alteração nos diversos institutos jurídicos de ordenamento do território, nomeadamente, no aludido PDM que entretanto foi publicitado no Diário da República (sem alterações).
O Tribunal Recorrido, de uma forma muito bem fundamentada, percorreu um caminho jurídico que se nos afigura poder ser um dos caminhos que pode ser percorrido no caso concreto, tendo em conta as considerações que aqui se acabam de efectuar e que complementam o que aí ficou dito.
Na verdade, partindo do que já ficou dito – que o projecto de construção dos RR foi aprovado pelas autoridades administrativas competentes, e até já foi concretizado sem que tivesse ocorrido qualquer alteração nos instrumentos de ordenamento do território (nomeadamente, no PDM aprovado em Outubro de 2012) - importa verificar se o aludido Instrumento de ordenamento do território que inequivocamente permitia a alteração do destino do prédio, estando já legalmente aprovado, era válido na data da aquisição dos prédios pelos RR..
Atenta a data em que ocorreram os factos aqui em discussão, no que concerne aos instrumentos de ordenamento do território, vigorava o DL 168/99 de 18/9 DL que estabelecia o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial (RJIGT) vigente na altura dos factos aqui em apreciação com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 316/2007, de 19/9, sendo que entretanto, esse diploma foi revogado Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14.05..
Por outro lado, importa dizer que os Planos Directores Municipais – vulgarmente designados por PDM – são regulamentos administrativos que estabelecem as regras que classificam os solos e definem os índices urbanísticos e a que devem obedecer a ocupação, uso e transformação do território municipal V. o Ac. do STJ de 20-04-2004, in dgsi.pt..
Constata-se que, no caso concreto, tinha sido aprovado o PDM, o qual permitia a construção logo projectada e concretizada pelos RR..
Na verdade, ficou provado que:
“u. O PDM de Vizela foi aprovado por deliberação tomada em assembleia municipal em 24.10.2012 (cfr. fls. 338).
v. Essa deliberação foi publicada a 04.01.2013 no Diário da República (cfr. fls. 338).
w. Pelo alvará de construção n.º 8/13 foi deferida a construção dum edifício destinado a serviços de restauração (149,00 m2) e muro de vedação (50 m2) para o prédio mencionado em h. (cfr. fls. 215).
x. O PDM referido em w. insere o prédio mencionado em h. em «Espaços de Ocupação Turística», correspondendo estes ou a áreas com vocação para a fixação de programas turísticos, nomeadamente nos segmentos de turismo residencial, associados a actividades de carácter desportivo ou de recreio ou a áreas vocacionadas para utilização colectiva, de carácter passivo ou activo, em solo rural (cfr. fls. 204). “
Aqui chegados, entremos, em definitivo, na questão enunciada.
Conforme se referiu, o momento da aquisição ocorreu numa data em que o PDM de Vizela estava aprovado, mas ainda não tinha sido publicitado no Diário da República.
A questão que se coloca é a de saber se, nestas circunstâncias, o PDM aprovado permite afirmar que a alteração do destino pretendida (e concretizada) pelos RR. era admissível legalmente.
Como se disse, não houve pronúncia das autoridades administrativas sobre a questão (só mais tarde é que a decisão foi proferida no sentido positivo, tendo por base justamente o PDM aqui em discussão)
Nesta conformidade, o juízo que aqui incumbe efectuar é o de saber se:
- o PDM de Vizela já era válido no data da celebração da escritura publica;
- e se a alteração do destino pretendida pelos RR. adquirentes se conformava com esse PDM aprovado.
Ora, a estas duas perguntas, a resposta que tem que ser dada é positiva.
Na verdade, não só o PDM de Vizela era válido, como a alteração pretendida pelos RR. se conformava com o PDM de Vizela aprovado (como parece que não pode ser questionado face ao respectivo teor acima referido).
Com efeito, quanto à primeira afirmação, importa ter em atenção que, efectivamente, o PDM de Vizela -onde se permitiam para o prédio aqui em discussão “Espaços de Ocupação Turística” como aquele que os RR. vieram a construir- já se encontrava legalmente aprovado, na data em que foi celebrada a escritura pública, por deliberação tomada em assembleia municipal em 24.10.2012.
Ora, nesse sentido é inequívoco que se tratava de um Instrumento de ordenamento de Território plenamente válido que poderia conformar as relações jurídicas que, a partir da data da sua aprovação, viessem a ser constituídas (uma vez que lhe viesse a ser atribuída eficácia ou, para usar uma expressão mais de direito administrativo, uma vez que se cumprisse “… a fase integrativa de eficácia…” do procedimento de planeamento municipal).
Importa, de facto, efectuar algumas distinções.
Como se disse, o PDM é um regulamento administrativo que estabelece as regras que classificam os solos e definem os índices urbanísticos e a que devem obedecer a ocupação, uso e transformação do território municipal, no caso de Vizela.
Ora, de acordo com o artigo 79º, do RJIGT, os planos municipais de ordenamento do território são aprovados pela assembleia municipal, mediante proposta apresentada pela câmara municipal (n.º 1); e só se o PDM aprovado mantiver incompatibilidades com plano sectorial ou plano regional de ordenamento do território, é que deve ser solicitada a sua ratificação nos termos do artigo 80º (n.º 2)- o que no caso concreto não sucedeu- v. fls. 338.
Assim, a elaboração do PDM considera-se concluída com a aprovação da respectiva proposta pela assembleia municipal, através de competente deliberação (artigo 81º, nº 1, do RJIGT).
Na verdade, a deliberação de aprovação da proposta de PDM apresentada pela Câmara Municipal “é o acto constitutivo do procedimento planificador”, “o acto através do qual se transforma o projecto de plano num verdadeiro instrumento de planeamento…” Fernanda Paula Oliveira, in “RJIGT anotado”, págs. 286 e ss.;.
Assim, “ sem a intervenção constitutiva da Assembleia Municipal, que aprova o plano, aquele documento (a proposta de PDM apresentada pela Câmara Municipal) não passa de um mero projecto sem efeitos jurídicos vinculativos…” Fernanda Paula Oliveira, in “RJIGT anotado”, págs. 286 e ss.- embora esta autora logo de seguida explicite alguns efeitos jurídicos vinculativos dos procedimentos camarários anteriores à aprovação da Assembleia Municipal- v. o que mais à frente se referirá;; o que significa, “a contrario”, que é com a aprovação da Assembleia Municipal que tais efeitos jurídicos vinculativos se constituem.
Nesta sequência, tendo sido submetida, nos termos legais, para apreciação da Assembleia Municipal, a versão final da proposta de PDM, aquela Assembleia deliberou, por maioria, aprovar tal proposta.
Assim, por força desta deliberação é inequívoco que, em termos de ordem jurídica, foi legalmente aprovado o regulamento administrativo que, a partir da data da sua aprovação, passou a estabelecer as regras que classificavam os solos e definiam os índices urbanísticos e a que deviam obedecer a ocupação, uso e transformação do território municipal de Vizela.
Este regulamento administrativo para ter eficácia tinha que ser publicitado no Diário da República (art. 148º, nº1 do RJIGT) no prazo máximo de três meses (art. 81º, nº 2 do RJIGT), prazo que foi cumprido no caso concreto.
Ora, o momento da aprovação do PDM corresponde, como se referiu “…à fase constitutiva do procedimento, aquela em que o projecto de plano se transforma em plano. Não termina aí o procedimento de planeamento municipal, na medida em que é ainda necessário dar cumprimento a passos indispensáveis ao desencadeamento da eficácia do plano (“fase integrativa da eficácia”) “ Fernanda Paula Oliveira, in “RJIGT anotado”, págs. 286 e ss.;.
Aqui chegados, deste percurso que aqui efectuamos, pode-se, assim, concluir que a alteração do destino pretendida pelos RR. adquirentes se mostrava conforme com o regulamento administrativo que já havia sido aprovado com anterioridade em sede própria.
Este PDM, como bem refere a decisão de primeira Instância, era plenamente válido e tinha só a sua eficácia condicionada à publicitação no Diário da República.
Na verdade, noutra perspectiva, e com interesse para o que aqui se discute, importa ter também em atenção o disposto no nº 2 do art. 119º da Constituição da República Portuguesa onde se estabelece que “… a falta de publicidade de… qualquer acto com conteúdo genérico… do poder local, implica a sua ineficácia jurídica…”.
O legislador constitucional refere-se, assim, aos actos administrativos do poder local com conteúdo genérico, sendo esta expressão “… suficientemente ampla para abranger não apenas os regulamentos não abarcados no nº 1 (regulamentos dos órgãos de poder local), mas também os actos administrativos de carácter genérico…” Gomes Canotilho/Vital Moreira, in “CRP anotada”, Vol. II, pág. 134;.
Nesta medida, o legislador constitucional estabelece expressamente como consequência da não publicitação de Regulamento do poder local a sua ineficácia jurídica.
Esclarecem efectivamente os Autores citados, pág. 135 que “… diferentemente do que acontecia em face do texto originário, onde se previa a inexistência como sanção da falta de publicidade, considera-se que a ausência de publicidade não afecta a validade do acto, mas sim a sua oponibilidade a terceiros. Quer dizer: os actos carecidos de publicidade são actos perfeitos mesmo sem ela, sendo a publicidade apenas requisito de eficácia (não obrigatoriedade e não oponibilidade), mas não requisito de validade…” No mesmo sentido, v. “Comentário à Constituição Portuguesa “- III Volume 1.º Tomo (Princípios Gerais da organização do Poder Político, artigos 108º a 119º) Paulo Otero (Coordenação), Alexandre Sousa Pinheiro, Pedro Lomba, pág. 539;.
Daí que se possa dizer com o Tribunal Constitucional que “…o artigo 122º, no que respeita aos actos normativos, é, com efeito, uma norma relativa à sua publicidade - ou seja: a um requisito formal (e, assim, relativo ainda à sua forma), que não à sua substância ou conteúdo…” v. Ac. do T. Constitucional, nº 234/97 (relator: Messias Bento), disponível no site do respectivoTribunal..
Trata-se de uma sanção que se mostra, aliás, coerente com a constatação de que o que é objecto da publicação não é o teor integral do PDM, mas a simples menção de que foi aprovado por deliberação o PDM- sem mencionar o respectivo conteúdo (v. o teor do Diário de República junto aos autos).
Nesta medida, pode-se concluir, com segurança, que o PDM aprovado em Outubro de 2012 pela Assembleia Municipal é um Regulamento administrativo do poder local plenamente válido que ficou apenas condicionado na sua eficácia à publicitação da sua aprovação no Diário da República.
Mas não é só por aqui que se pode afirmar, a nosso ver, a admissibilidade legal da alteração da finalidade do prédio afirmada pelos RR. adquirentes.
Com efeito, se, como se referiu, a deliberação de aprovação da proposta de PDM apresentada pela Câmara Municipal é o acto constitutivo do PDM, enquanto instrumento ordenador do território, a verdade é que, antes mesmo da aprovação do PDM, no âmbito dos procedimentos prévios camarários de elaboração da proposta de PDM que irá ser apresentada à Assembleia Municipal, se produzem importantes efeitos jurídicos, mesmo na esfera jurídica dos particulares Fernanda Paula Oliveira, in “RJIGT anotado”, págs. 286 e ss.;.
Na verdade, tais efeitos decorrem, de uma forma expressa, do disposto no art. 117º do RJIGT (actual art. 145º) que determina que: (nº 1)“Nas áreas a abranger por novas regras urbanísticas constantes de plano especial ou municipal de ordenamento do território ou sua revisão, os procedimentos de informação prévia, de comunicação prévia e de licenciamento ficam suspensos a partir da data fixada para o início do período de discussão pública e até à data da entrada em vigor daqueles instrumentos de planeamento. 2 - Cessando a suspensão do procedimento nos termos do número anterior, este é decidido de acordo com as novas regras urbanísticas em vigor.
Ora, no caso concreto, decorre inequivocamente da matéria de facto provada que, à data em que foi celebrada a escritura pública, estava a decorrer justamente este período de suspensão de todos os procedimentos de informação prévia, de comunicação prévia e de licenciamento, já que nessa data já se tinha iniciado (e concluído) o período de discussão pública da proposta de PDM apresentada pela Câmara MunicipalSegundo o disposto no art. 77º, nº 3 do RJIGT “ Concluído o período de acompanhamento e, quando for o caso, decorrido o período adicional de concertação, a câmara municipal procede à abertura de um período de discussão pública, através de aviso a publicar no Diário da República e a divulgar através da comunicação social e da respectiva página da Internet, do qual consta a indicação do período de discussão, das eventuais sessões públicas a que haja lugar e dos locais onde se encontra disponível a proposta, o respectivo relatório ambiental, o parecer da comissão de acompanhamento ou a acta da conferência de serviços, os demais pareceres eventualmente emitidos, os resultados da concertação, bem como da forma como os interessados podem apresentar as suas reclamações, observações ou sugestões.”; e, conforme se referiu, apesar de o PDM estar já aprovado, o mesmo ainda não tinha eficácia por não ter sido publicitada a sua Aprovação.
Nessa medida, por força do citado artigo 117º do RJIGT, e tendo a aquisição do prédio pelos RR. ocorrido nesse período, deve-se entender que todos os procedimentos camarários estavam suspensos, e uma vez cessada essa situação de suspensão, os procedimentos que viessem a ser submetidos à Câmara Municipal teriam que ser decididos de acordo com as novas regras urbanísticas em vigor.
Com efeito, por força desta suspensão dos procedimentos, os interessados (incluindo os aqui RR.) no período em causa nem sequer podiam “… dar início à operação de comunicação prévia…”.
Na verdade, “no caso de se tratar de um pedido que, em face do plano colocado a discussão pública, tenha de ser deferido, ainda que tivesse de ser indeferido à luz do plano actual (que permanece em vigor- na fase de discussão pública), aplica-se o disposto no nº 5 do art. 145º (ao tempo, o art. 117º, nº 5): deferimento do pedido, mas com os seus efeitos suspensos até à entrada em vigor do plano sujeito a discussão pública, contando que este, naturalmente, continue, na sua versão definitiva, a permitir aquela pretensão urbanística…” Fernanda Paula Oliveira, in “RJIGT anotado”, págs. 422;.
Daqui resulta que, além da argumentação que já atrás se desenvolveu, também por aqui se deve reconhecer que a pretensão dos RR. adquirentes merece acolhimento, já que, conformando-se com as regras novas do PDM, a alteração do destino do prédio pretendida pelos RR. era legalmente admissível à data da celebração da escritura pública, uma vez que os procedimentos camarários estavam suspensos desde o inicio da abertura de discussão pública da proposta de PDM e, sendo aplicáveis aos procedimentos que viessem a ser apresentados nesse período (e assim, à pretensão dos RR. perante a Câmara Municipal), as novas regras urbanísticas, o destino atribuído pelos RR. adquirentes conformava-se com essas novas regras.
Nesta conformidade, conclui-se que os RR. lograram demonstrar a admissibilidade legal da alteração do destino do prédio que adquiriram para o efeito de afastar o gozo do direito de preferência por parte da aqui Autora:
- 1º porque, sendo o PDM, aprovado com anterioridade à data da aquisição dos RR., um acto administrativo genérico válido, a pretensão de alteração do destino do prédio para outro que não o de cultura dos RR. adquirentes conforma-se com a respectiva regulamentação- que no prédio aqui em discussão permitia a alteração do destino do prédio para “Espaços de Ocupação Turística”-;
2º porque, estando os procedimentos camarários suspensos desde o inicio da abertura de discussão pública da proposta de PDM e, sendo aplicáveis aos procedimentos que viessem a ser apresentados nesse período (e assim, à pretensão dos RR. perante a Câmara Municipal), as novas regras urbanísticas, o destino atribuído pelos RR. adquirentes conformava-se com essas novas regras que ficaram consagradas no novo PDM aprovado pela Assembleia Municipal.
Nesta conformidade, e pelo exposto, surge como conclusão que, tal como considerou o Tribunal Recorrido, a destinação do prédio adquirido para fim diverso do de cultura era legalmente possível, tal como vem sendo exigido em termos doutrinais e jurisprudenciais.
Nesta conformidade, provando os RR. adquirentes:
1º que tinham a intenção séria de dar ao terreno diferente destino- que não de cultura- intenção que podiam demonstrar por qualquer meio de prova;
2º e que essa alteração do destino era, no momento da aquisição, admissível legalmente (por se enquadrar em PDM aprovado válido e por se conformar com as novas regras urbanísticas),
tem que se entender que se verifica precisamente uma das circunstâncias que afastam o gozo do direito de preferência por parte da Autora nos termos da al. a) do art. 1381º do CC.
Assim, e nos termos expostos, pode-se aqui manter na íntegra a fundamentação de direito que o Tribunal de Primeira Instância desenvolveu na sentença que proferiu.
*
Finalmente, e quanto à invocada inconstitucionalidade da al. a) do art. 1381º do CC na interpretação aqui seguida, por violação dos artigos 81º, al. g), 93º, nº 1, al a) e 95º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, por alegada violação do direito ao redimensionamento da propriedade agrícola, importa, aqui, dizer que se trata de questão sobre a qual já houve pronúncia do Tribunal Constitucional.
Na verdade, pelo Ac nº 106/2003 de 19 de Fevereiro de 2003 (relator: Artur Maurício) Disponível no site do Tribunal Constitucional;, o Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido de não considerar inconstitucional esta interpretação, com a seguinte argumentação que aqui se subscreve na integra:
“… o Artigo 1381º, alínea c) do Código Civil insere-se na Secção VII do Capítulo III, Título II, Livro III daquele Código, secção que tem como epígrafe "Fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos".
O conjunto de dispositivos que integram esta secção do Código tem o seu antecedente histórico na Lei nº 2116, de 14 de Agosto de 1962, que regulou igualmente a matéria do fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos.
Visa este complexo normativo a finalidade económica e social de reordenamento da propriedade fundiária, com o objectivo de os terrenos aptos para cultura terem (ou não deixarem de ter) uma dimensão mínima (unidade de cultura) adequada a uma exploração economicamente viável.
Assim, do mesmo passo que se proíbe o fraccionamento dos terrenos em parcelas de área inferior à unidade de cultura fixada para cada zona do País (artigo 1376º) concede-se aos proprietários de terrenos confinantes, de área inferior àquela unidade, reciprocamente, direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante (artigo 1380º).
A estes princípios abre o Código excepções com o mesmo sentido: enquanto o artigo 1377º, alínea a) exceptua da proibição de fraccionamento os terrenos que se destinem a algum fim que não seja a cultura, o artigo 1381º alínea a) não confere o aludido direito de preferência aos proprietários de prédios confinantes "quando algum dos terrenos (...) se destine a algum fim que não seja a cultura".
As excepções – e agora em particular a que nos ocupa - na lógica do sistema, tem uma óbvia justificação: se aqueles princípios visam um determinado redimensionamento dos terrenos aptos para cultura e no interesse da exploração agrícola, a sua aplicação deixa de justificar-se nos casos em que o prédio confinante se destina a outro fim, nomeadamente o da construção. (…)
O que o Tribunal pode e deve apreciar é apenas a questão de saber se a referida norma, ao não conferir o direito de preferência ao proprietário do prédio rústico confinante quando o terreno se não destina a fins de cultura, ofende os preceitos constitucionais citados pelo recorrente.
E a essa questão o Tribunal responde, sem qualquer dúvida, negativamente.
A norma infraconstitucional em causa há muito que vigorava quando a Constituição foi aprovada; e, nesta medida, ela só "caducaria" se fosse contrária aos princípios consignados na Constituição, de acordo com o disposto no artigo 290º nº 2 da Lei Fundamental.
Ora, os preceitos constitucionais que os recorrentes consideram violados, todos inseridos na Parte II da Constituição ("Organização económica", estabelecem, o primeiro (artigo 81º, alínea g)), como incumbência prioritária do Estado "eliminar os latifúndio e reordenar o minifúndio", o segundo (artigo 93º nº 1 alínea a)), como objectivo da política agrícola, "aumentar a produção e a produtividade da agricultura, dotando-a das infra-estruturas e dos meios humanos, técnicos e financeiros adequados, tendentes ao reforço da competitividade e a assegurar a qualidade dos produtos, a sua eficaz comercialização, o melhor abastecimento do país e o incremento da exportação" e o último (artigo 95º) a obrigação do Estado promover "nos termos da lei, o redimensionamento das unidades de exploração agrícola com dimensão inferior à adequada do ponto de vista dos objectivos da política agrícola, nomeadamente através de incentivos jurídicos, fiscais e creditícios à sua integração estrutural ou meramente económica, designadamente cooperativa, ou por recuso a medidas de emparcelamento".
Se todos estes princípios conferem ao legislador uma larga margem de conformação para atingir os fins constitucionalmente visados, na dependência de conjunturas e opções políticas diversas, seguramente que eles o não vinculam, com o objectivo de aumentar ou melhorar a produção e a produtividade agrícolas e de dotar a agricultura dos meios necessários para o efeito ou de redimensionar o minifúndio, a conferir, em qualquer caso e circunstância, um direito de preferência dos proprietários de prédios rústicos confinantes quando algum dos terrenos se destine a fim que não seja o da cultura agrícola.´
A norma em causa insere-se, aliás, como se disse, na regulação de fraccionamento e emparcelamento dos prédios rústicos, constituindo uma opção política do legislador, constitucionalmente admissível.
E isto, decisivamente, até porque as incumbências constitucionais do Estado se não limitam ao sector agrícola, impondo-se que ele as concilie de modo social e economicamente integrado, para obter um desenvolvimento harmónico e equilibrado de todos os sectores de actividade.
Ora, de entre as tarefas que ao Estado incumbe, não são das menores as que, para assegurar o direito à habitação, estão plasmadas no artigo 65º nº 2 da Constituição; e o desempenho dessas incumbências legitima que, de acordo com planos de ordenamento do território, se possa condicionar a aprovação de medidas que promovessem a melhoria do sector agrícola e, particularmente, o redimensionamento do minifúndio. Se aqueles planos são ou não adequados é outra questão que já nada tem a ver com a constitucionalidade da norma em causa...
Em suma, pois, não contraria os citados preceitos constitucionais a norma ínsita no artigo 1381º, alínea a) do Código Civil…”.
*
Improcede, pois, sem necessidade de mais considerações, a argumentação da Recorrente.
*
Aqui chegados, resta dizer que, considerando-se que se verifica uma das circunstâncias previstas na al. a) do art. 1381º do CC, tem que se concluir que a Autora efectivamente não pode gozar do direito de preferência que aqui pretendia exercer.
E sendo assim, conforme julga-se ter demonstrado, torna-se evidente que o conhecimento da atrás enunciada (parte da) Impugnação da matéria de facto seria um acto inútil.
Com efeito, como vem sendo posição da jurisprudência não colhe sentido útil conhecer de matéria factual impugnada quando a mesma se mostra, de todo, irrelevante para a boa decisão da causa e à luz do quadro normativo aplicável.
Como se escreve, a este propósito, no Ac. da RG de 9.04.2015 In dgsi.pt (relator: Ana Cristina Duarte);, “…se é certo que a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, a verdade é que este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante. Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for de todo irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto… “.
Como assim, não deverá haver lugar à reapreciação da matéria de facto quando os factos concretos objecto da impugnação não forem susceptíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual inconsequente e inútil, o que contraria os princípios da celeridade, da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis, princípios com expressa consagração nos arts. 2.º, n.º 1, 6º, n.º 1 e 130º, todos do Código de Processo Civil Vide, neste sentido, ainda, Ac. RG de 3.12.2015, Ac RG de 11.09.2015 (relator Manuela Fialho), Ac. RC de 24.04.2012 (relator António Beça Pereira) e Ac. RP de 7.05.2012 (relator Anabela Calafate), todos in www.dgsi.pt..
É o que sucede no caso concreto quanto à segunda parte da impugnação, pois que não gozando a Autora de direito de preferência, torna-se irrelevante apurar a factualidade impugnada (porque omitida na matéria de facto provada), sendo que a mesma, aliás, decorre da simples consulta do processo- fls. 44 a 46 (DUC- depósito de 16.620 €)- cfr. art. 607º do CPC.
*
Nesta conformidade, e sem necessidade de mais alongadas considerações, porque se concorda com a fundamentação de direito aduzida pelo Tribunal de Primeira Instância, decide-se manter integralmente a sentença proferida.
Improcede totalmente o Recurso interposto.
*
*
III-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
-o Recurso interposto pela Autora/Recorrente totalmente improcedente;
*
Custas pela Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC);
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Guimarães, 2 de Fevereiro de 2017

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(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)

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(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)

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(Dra. Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente)