Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4224/10.4TBBRG-D.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
TRABALHADOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - Ao fixar, para os créditos dos trabalhadores, um privilégio imobiliário especial, o legislador teve em vista, em sentido amplo, os imóveis em que esteja sediado o estabelecimento para o qual o trabalhador prestou a sua actividade, independentemente do concreto imóvel em que a mesma foi prestada.
2 – No apenso de graduação de créditos num processo global de insolvência, deve considerar-se processualmente adquirido o facto que se consubstancia na identificação do imóvel/imóveis onde laborava o estabelecimento da empresa insolvente, concluindo-se que todos os trabalhadores prestavam trabalho nas instalações da insolvente (ainda que estas fossem constituídas por um conjunto de edifícios e ainda que estes estivessem fisicamente separados) para efeitos de beneficiarem daquele privilégio.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4224/10.4TBBRG-D.G1
2.ª Secção Cível – Apelação
Relator: Ana Cristina Duarte (R. n.º 70)
Adjuntos: Maria Rosa Tching
Espinheira Baltar
***
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
Por apenso ao processo em que foi decretada a insolvência de «M.., Lda.», foram apresentadas as reclamações de créditos e elaborada, pelo Administrador, a lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos.
Decorrido o prazo previsto no artigo 130.º, n.º 1 do CIRE, não foi apresentada qualquer impugnação à lista de credores reconhecidos e não reconhecidos.
Foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos que graduou os créditos reconhecidos nos seguintes termos:
A – Quanto aos móveis compreendidos correspondentes às verbas nºs 3, 8, 9, 15, 23, 26 e 30 do auto de arrolamento dos apenso de apreensão de bens de fls. 3 a 7 do apenso “C” (bens móveis objecto de penhor mercantil):
1º O crédito nº 58, da lista de credores reconhecidos;
2º Os créditos nºs 2 a 5, inclusive, 7 a 11, inclusive, 13 a 15, inclusive, 29, 39, 40, 42 a 44, inclusive, 46, 48, 53, 55, 56, 59, 60, 65, 66, 68 a 71, 74, 78, 83, 87 a 92, 96, 97 e 104, correspondentes a créditos laborais, da lista de credores reconhecidos, em rateio;
3º O crédito nº 99, da lista de credores reconhecidos;
4º Os créditos nºs 32 e 34, da lista de credores reconhecidos;
e
5º Os restantes créditos, da lista de credores reconhecidos, classificados como comuns, incluindo os créditos garantidos e/ou privilegiados, sem qualquer garantia ou privilégio sobre estes bens e a parte comum do crédito nº 23.
B – Quanto aos restantes bens móveis constantes dos autos de arrolamento de fls. 3 a 5, do apenso “C”:
1º Os créditos nºs 2 a 5, inclusive, 7 a 11, inclusive, 13 a 15, inclusive, 29, 39, 40, 42 a 44, inclusive, 46, 48, 53, 55, 56, 59, 60, 65, 66, 68 a 71, 74, 78, 83, 87 a 92, 96, 97 e 104, correspondentes a créditos laborais, da lista de credores reconhecidos, em rateio;
2º O crédito nº 99, da lista de credores reconhecidos;
3º Os créditos nºs 32 e 34, da lista de credores reconhecidos;
e
4º Os restantes créditos, da lista de credores reconhecidos, classificados como comuns, incluindo os créditos garantidos e/ou privilegiados, sem qualquer garantia ou privilégio sobre estes bens e a parte comum do crédito nº 23.
C – Quanto ao bem imóvel correspondente à verba nº 34, auto de arrolamento de fls. 9 do apenso “C” dos autos (objecto de hipoteca para garantia de parte do crédito nº 23):
1º - Os créditos nºs 2 a 5, inclusive, 7 a 11, inclusive, 13 a 15, inclusive, 29, 39, 40, 42 a 44, inclusive, 46, 48, 53, 55, 56, 59, 60, 65, 66, 68 a 71, 74, 78, 83, 87 a 92, 96, 97 e 104, correspondentes a créditos laborais, da lista de credores reconhecidos, em rateio;
2º O crédito nº 98, até ao valor de € 196,98;
3º O crédito nº 23, até ao valor de € 325.865,00;
4º O crédito nº 99, da lista de credores reconhecidos;
5º Os créditos nºs 32 e 34, da lista de credores reconhecidos;
e
6º Os restantes créditos, da lista de credores reconhecidos, classificados como comuns, incluindo os créditos garantidos e/ou privilegiados, sem qualquer garantia ou privilégio sobre estes bens e a parte comum do crédito nº 23.
D - Quanto ao bem imóvel correspondente à verba nº 33, auto de arrolamento de fls. 9 do apenso “C” dos autos:
1º Os créditos nºs 2 a 5, inclusive, 7 a 11, inclusive, 13 a 15, inclusive, 29, 39, 40, 42 a 44, inclusive, 46, 48, 53, 55, 56, 59, 60, 65, 66, 68 a 71, 74, 78, 83, 87 a 92, 96, 97 e 104, correspondentes a créditos laborais, da lista de credores reconhecidos, em rateio;
2º O crédito nº 98, até ao valor de € 56,98;
3º O crédito nº 99, da lista de credores reconhecidos;
4º Os créditos nºs 32 e 34, da lista de credores reconhecidos;
e
5º Os restantes créditos, da lista de credores reconhecidos, classificados como comuns, incluindo os créditos garantidos e/ou privilegiados, sem qualquer garantia ou privilégio sobre estes bens.

Discordando da decisão, dela interpôs recurso o credor reclamante «Banco.., SA», tendo, nas alegações, formulado as seguintes
Conclusões:
A) A Sentença de graduação de créditos proferida pelo Tribunal a quo graduou em primeiro lugar os créditos reclamados n.ºs 2 a 5, inclusive, 7 a 11, inclusive, 13 a 15, inclusive, 29, 39, 40, 42 a 44, inclusive, 46, 48, 53, 55, 56, 59, 60, 65, 66, 68 a 71, 74, 78, 83, 87 a 92, 96, 97 e 104, correspondentes aos créditos laborais, considerando que estes prevaleceriam sobre o crédito Reclamado pela ora Recorrente, “Por isso, conclui o tribunal, relativamente aos imóveis apreendidos nos autos, estabelecimentos comerciais afectos à actividade da insolvente, no qual os trabalhadores, prestaram a sua actividade, beneficiam os credores identificados de privilegio imobiliário especial em causa”.
B) Ora, salvo o devido respeito, entende a ora Recorrente que os créditos dos
trabalhadores não prevalecem sobre o crédito por ela detido, o qual se encontra garantido por hipoteca.
C) O crédito da Recorrente foi reconhecido, na sua totalidade (reconhecimento que foi objecto de correcção pela Sentença de que ora se recorre, para o montante máximo de € 325.865,00, valor que resulta, de resto, da certidão do registo predial junta aos autos aquando da apresentação da Reclamação de Créditos, pelo que nada tem a Recorrente a opor a tal correcção), como garantido, por hipoteca registada sobre a fracção autónoma designada pela letra “B”, a que corresponde o rés do chão direito, destinada a comércio, pertencente ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Estrada Nacional, n.º 14, Campo da Feira, na freguesia de Antas, concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 934 descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão, sob o n.º 90.
D) Tendo sido reconhecidos e graduados como privilegiados nos termos dos artigos 333.º do C.T. e 748.º do Código Civil (CC), os créditos laborais identificados.
E) Não sendo possível aferir, com base na informação constante da lista definitiva de credores, a natureza privilegiada dos referidos créditos.
F) Apesar disso, nunca poderia a Recorrente esperar que os créditos laborais fossem graduados em primeiro lugar, atendendo ao teor das reclamações de créditos apresentadas, visto que, todos os trabalhadores reclamantes que indicam o local de trabalho identificam as instalações da Insolvente sitas no imóvel de Cabreiros (créditos n.ºs 2 a 5, inclusive, 10, 11, 14, 15, 29, 39, 43 e 44, 66, 69, 71, 74, 78, 83, 87, 88, 89, 91, 96, 97 e 104), freguesia do concelho de Braga.
G) Correspondendo a imóvel, porventura o imóvel que consta da verba n.º 33, do auto de arrolamento, diverso do hipotecado a favor da Recorrente, visto que o imóvel aqui em discussão, situa-se em Vila Nova de Famalicão, freguesia das Antas, conforme documentação já junta aos autos pela Recorrente e confirmada pela avaliação apresentada pelo Sr. Administrador de Insolvência.
H) Mais, constata-se ainda que os trabalhadores não enumerados na alínea f) das presentes conclusões, mas que foram também enunciados e graduados em primeiro lugar na sentença de verificação e de graduação de créditos de que aqui se recorre, não alegam o local de trabalho onde exerciam as suas funções, nem procedem à junção de qualquer documentação comprovativo disso mesmo.
I) Ora, nos termos do art. 333.º do actual Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei n.º 07/09, de 12/2 (no anterior Código do Trabalho – Lei n.º 99/03, que entrou em vigor em 1/12/03, esta matéria era regulada no art. 377.º), sob a epigrafe “Privilégios creditórios”, os créditos dos trabalhadores gozam de: a) privilégio mobiliário geral; b) privilegio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade – Negrito e sublinhado nossos.
J) Pelo que, nunca poderiam aqueles créditos ser graduados em primeiro lugar, em detrimento do crédito reclamado pela Recorrente e garantido por hipoteca.
K) Não só o estabelecimento comercial indicado pelos credores laborais reclamantes, sito em Cabreiros, não corresponde ao imóvel hipotecado a favor da Recorrente, como também se constata que os restantes créditos laborais graduados na Sentença proferida pelo Tribunal a quo, não alegaram qualquer facto demonstrativo do seu local de trabalho, “o privilégio imobiliário especial sobre determinado imóvel do empregador, concedido aos seus trabalhadores pelo artigo 337.º do CT para contratos de trabalho vigentes à data da sua entrada em vigor, depende da alegação e prova, por tais trabalhadores, de exercerem a sua actividade profissional nesse imóvel” (Ac. STJ, de 31.1.2007; Proc.07A4111.dgsi.net).
L) Assim, deveriam aqueles trabalhadores ter procedido à junção do seu contrato de trabalho às Reclamações de Créditos apresentadas “o trabalhador deve, em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido...”, artigo 193.º, n.º 1 do C.T.
M) Concluindo-se então que, não só o privilégio imobiliário especial incide apenas sobre os bens imóveis onde o trabalhador preste a sua actividade, e não em outros estabelecimentos também pertencentes ao empregador, mas em que aquele não preste qualquer actividade, conforme afirmado por MIGUEL LUCAS PIRES in “Dos Privilégios Creditórios”, p.290, nota 107,
N) Como também se conclui que compete ao trabalhador fazer prova do local onde exercia as suas funções - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4 de Maio de 2010.
O) Face ao exposto, dúvidas não restam de que o crédito detido pela Recorrente, o qual é garantido por hipoteca, deverá prevalecer sobre os créditos laborais.
P) Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, alterando-se a decisão recorrida e graduando-se os créditos da Recorrente com prevalência sobre os créditos laborais.

M.., requerente da insolvência e credor, contra alegou pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos de verificação e graduação de créditos, com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A única questão a resolver traduz-se em saber se o crédito do apelante garantido por hipoteca deve ser graduado à frente dos créditos laborais.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença, e relativamente aos créditos que aqui estão em discussão, escreveu-se o seguinte:
«O crédito nºs 23 (reclamado pelo credor Banco.. , SA), na medida em que beneficia de hipoteca sobre imóvel apreendido na insolvência, e conforme resulta do artº 686º, nº 1 do C.C., goza da protecção da hipoteca, cabendo ao seu beneficiário o direito a ser pago pelo valor do imóvel hipotecado, com preferência sobres os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo, até aos valores garantidos nos termos da mesma, sendo considerado como crédito garantido, relativamente ao imóvel apreendido nos autos (verba 34, auto de arrolamento de fls. 9 do apenso “C” dos autos) e até ao valor de € 325.865,00, sendo, no mais, tomado como comum.
(…)
Os créditos nºs 2 a 5, inclusive, 7 a 11, inclusive, 13 a 15, inclusive, 29, 39, 40, 42 a 44, inclusive, 46, 48, 53, 55, 56, 59, 60, 65, 66, 68 a 71, 74, 78, 83, 87 a 92, 96, 97 e 104, correspondentes a créditos laborais, conforme resulta do disposto no artº 377º, nº 1, als. a) e b), do Código do Trabalho, gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
Dispõe a al. b), do nº 1, do artº 377º, do Código do Trabalho, que os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam de privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade. Ora considerando o enquadramento em que foi elaborada esta norma a mesma deve ser interpretada no sentido de que «do objecto do privilégio em presença apenas se exclui o património do empregador não afecto à organização empresarial, notadamente os imóveis destinados à fruição pessoal do empregador tratando-se de pessoa singular, ou de qualquer modo integrados em estabelecimento diverso daquele em que o reclamante desempenhou o seu trabalho» (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16/10/2007, processo 3213/04.2TJCBR-AL.C1. Ver também o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25/12/2006, processo 1587/06-1. Ambos em www.dgsi.pt). Posto é que, nem que seja pelo princípio da aquisição processual (ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/10/2009, processo 605/04.0TJVNFA.S1) se apure que tais imóveis estavam, de facto, afectos à actividade empresarial da insolvente. Por isso, conclui o tribunal, relativamente aos imóveis apreendidos nos autos, estabelecimentos comerciais afectos à actividade da insolvente, no qual os trabalhadores, prestaram a sua actividade, beneficiam os credores identificados de privilégio imobiliário especial em causa.
(…)
O privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos dos trabalhadores gradua-se antes dos créditos referidos no artº 747º, nº 1, do C.C., isto é, antes dos créditos por impostos, dos créditos por fornecimentos destinados à produção agrícola, dos créditos por dívidas de foros, dos créditos de vítimas de um facto que dê lugar a responsabilidade civil, dos créditos do autor de obra intelectual, mas pela ordem dos créditos enunciados nos artº 737º, do C.C. – artº 377º, nº 2, al. a), do Código do Trabalho. O mesmo sucede quanto ao privilégio imobiliário de que beneficiam os trabalhadores, quanto aos imóveis apreendidos nos autos, prevalecendo sobre os créditos hipotecários, assim como sobre os créditos por impostos e de contribuições devidas à segurança social - artº 377º, nº 2, al. b), do Código do Trabalho».

A única questão que está em discussão e de que cumpre conhecer prende-se com a parte da sentença que graduou os créditos para serem pagos pelo produto da venda do imóvel correspondente à verba n.º 34 do auto de arrolamento de fls. 9 do apenso “C” dos autos (objecto de hipoteca para garantia de parte do crédito n.º 23, que é o crédito do apelante) – alínea C) da parte decisória.
Na sentença os créditos laborais dos trabalhadores da sociedade declarada insolvente foram graduados em primeiro lugar, à frente do crédito do apelante, garantido por hipoteca.
Entendeu-se na sentença sob recurso que os créditos dos trabalhadores gozam de privilégio imobiliário especial, razão pela qual foram graduados à frente do crédito do apelante.
Entende o apelante que o privilégio imobiliário especial de que gozam os créditos dos trabalhadores apenas incide sobre os imóveis onde eles trabalhavam, ou seja, onde prestavam a sua actividade. Ora, não tendo ficado provado que os trabalhadores prestavam a sua actividade no concreto imóvel onerado com a hipoteca a seu favor, não podem os trabalhadores beneficiar de tal privilégio imobiliário especial, devendo o crédito do apelante prevalecer sobre os créditos laborais.
Nos autos não temos a data da sentença de declaração de insolvência, mas está assente que o processo de insolvência teve o seu início mediante requerimento apresentado pelo credor M.., em 23/06/2010.
Não há dúvida, portanto, que se aplica aqui o Código do Trabalho revisto pela Lei n.º 7/2009 de 12/02, designadamente, o seu artigo 333.º
Com o Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto - alíneas a) e b) do nº 1 do artº 377º - os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, passaram a gozar dos seguintes privilégios creditórios:
a) privilégio mobiliário geral;
.b) privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
A alínea b) do nº 1 do artigo 377º do Código do Trabalho, conferiu privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador prestasse a sua actividade, aos respectivos créditos de natureza laboral, criando assim um privilégio imobiliário especial, em substituição do preexistente privilégio imobiliário geral que, para os mesmos créditos, vigorava ao abrigo das Leis nºs 17/86, de 14 de Junho, e 96/2001, de 20 de Agosto (cfr. artigo 4º, nº 1, b), deste último diploma). Desta forma, ficaram claramente abrangidos pela letra do artigo 751º do Código Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, quando estatui: “os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores”.
O Código do Trabalho revisto pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, alterou a redacção do artº 377º. Os privilégios creditórios passaram a estar previstos no artº 333º, passando a ser a seguinte a redacção da alínea b) do nº1 do artº 333º: os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
Defende o apelante que aos trabalhadores, para beneficiarem do privilégio imobiliário especial previsto neste artigo do Código de Trabalho, competia alegar na sua reclamação de créditos o concreto imóvel onde exerciam a sua actividade, quando é certo que no património da insolvente existe mais de um imóvel apreendido, sob pena de, não o fazendo, cessar o direito a invocar aquele privilégio.
Como não o fizeram, não alegaram tal facto principal, o juiz “a quo” não podia considerar que os trabalhadores exerciam a sua actividade no imóvel hipotecado. Daí pretender que o seu crédito hipotecário seja graduado à frente dos créditos laborais uma vez que, face àquela omissão, o crédito daqueles apenas é garantido por privilégio mobiliário geral, atribuído pelo n° 1, al. a), do art. 333° do Código do Trabalho.
Esta questão tem sido discutida na jurisprudência, sendo de particular relevância a corrente de pensamento expressa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/10/09, in www.dgsi.pt/jstj. Como aí se afirma a dado passo: “inserindo-se o procedimento de reclamação, verificação e graduação de créditos num processo global de falência, deve considerar-se processualmente adquirido o facto que se consubstancia na identificação do imóvel/imóveis onde laborava o estabelecimento fabril da empresa falida, podendo as instâncias, ao proceder à graduação de créditos, terem tal facto em consideração, quando documentado na falência, ainda que não haja sido especificamente alegado no requerimento apresentado pelo reclamante nos termos do art.188º do CPEREF”.
Daqui se retira que os trabalhadores não necessitam de alegar em concreto o específico local onde desenvolviam o seu trabalho, assente como está, que eram trabalhadores da insolvente e, portanto, necessariamente, desenvolviam a sua actividade laboral nas instalações da mesma.
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 10/05/2011 (que também cita o anterior): “a reclamação de créditos não pode dissociar-se desse processo global de liquidação universal em que se insere”. Ou seja, haverá que concluir que todos os trabalhadores prestavam trabalho nas instalações da insolvente, ainda que estas fossem constituídas por um conjunto de edifícios e ainda que estes estivessem fisicamente separados e ainda que os reclamantes não o identifiquem concretamente no seu pedido.
Foi, certamente, ponderando essa aquisição processual, em conjugação com a caracterizada relação de natureza laboral dos trabalhadores com a insolvente, que o Exmo Juiz “a quo”, no exercício de um poder legalmente constituído (art. 351º do Código Civil), considerou o acima transcrito, isto é, que todos os trabalhadores exerceram a sua actividade nos estabelecimentos comerciais afectos à actividade da insolvente, beneficiando, assim, daquele privilégio imobiliário especial sobre a totalidade dos imóveis e, consequentemente, devendo ser graduados antes dos créditos referidos nos artigos 748.º e 751.º do Código Civil.
Deve, aliás, dizer-se, sufragando inteiramente o entendimento explanado no Acórdão da Relação de Guimarães de 25/12/2006, in www.dgsi.pt/jtrg, que «foi especial preocupação do legislador a de dotar o direito à retribuição salarial de garantia especialmente sólida e exequível, tendo-se a tal respeito escrito no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 498/2003, de 22/10, publicado no D.R. II Série de 03/01/2004, que se pronunciou pela não inconstitucionalidade da norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º da LSA "…Parece manifesto que a limitação à confiança resultante do registo é um meio adequado e necessário à salvaguarda do direito dos trabalhadores à retribuição; na verdade, será eventualmente, o único e derradeiro meio, numa situação de falência da entidade empregadora, de assegurar a efectivação de um direito fundamental dos trabalhadores que visa a respectiva sobrevivência condigna”.
Um outro argumento favorável a esta tese pode, ainda, extrair-se do conceito de “local de trabalho”.
Ao mencionar a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 377.º do Código do Trabalho – actualmente o artigo 333.º, como já vimos e com uma formulação no singular - expressamente "os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade" dir-se-ia, à primeira vista, que o privilégio só beneficia créditos de trabalhadores que prestem a sua actividade no interior do imóvel do empregador em causa, dele se excluindo todos os demais trabalhadores, designadamente aqueles que, por determinação da entidade patronal ou pela natureza das suas funções, devam prestar actividade no exterior dele. Ora, facilmente se antevê que tal critério conduziria a inaceitáveis e arbitrárias discriminações entre trabalhadores de serviço interno e trabalhadores de serviço externo, «não se vislumbrando motivo algum que possa ter levado o legislador a privilegiar os créditos do contínuo relativamente aos créditos do motorista» - cfr. Acórdão desta Relação já citado e um outro de 10/05/2007, também disponível em www.dgsi.pt - «sendo o local de trabalho – entendido em termos amplos como unidade geográfica ou territorial – mero elemento acidental da relação laboral, menor relevo conferiu o legislador ao espaço físico no interior do qual é prestada a actividade, não podendo em função dele definir-se as garantias de que gozam os créditos emergentes daquela relação».
Pode, assim, dizer-se que a "ratio" da norma parece ser diversa: prevenindo hipóteses como a de empregador que é possuidor de diversos estabelecimentos sediados em outros tantos imóveis, ou como a hipótese de empregador (maxime em nome individual) proprietário de diversos imóveis, dos quais apenas algum ou alguns estão afectos ao estabelecimento que explora e para o qual o trabalhador presta actividade, o privilégio só existe relativamente aos imóveis integrados naquele estabelecimento. «Assim se excluindo, designadamente, os imóveis exclusivamente destinados à fruição pessoal do empregador, bem como os imóveis integrados em estabelecimento diverso daquele para o qual o trabalhador prestou actividade.
Crê-se, pelo exposto, que o legislador teve em vista, em sentido amplo, os imóveis em que esteja sediado o estabelecimento para o qual o trabalhador prestou a sua actividade, independentemente de essa actividade ter sido aí prestada ou no seu exterior» - Acórdão da Relação de Guimarães citado.
Além do mais, a solução propugnada pelo apelante conduziria a uma desproporcionalidade entre a gravidade e relevo processual da omissão cometida pelos trabalhadores/reclamantes (ao não indicarem expressamente o seu local de trabalho ou ao indicá-lo por referência simples à sede da sociedade) – que pretendem exercitar direitos constitucionalmente tutelados - e o resultado preclusivo a que a mesma irremediavelmente conduziria.
Não colhe, assim, a tese do apelante, motivo pelo qual o recurso terá que improceder.
Sumário:
1 - Ao fixar, para os créditos dos trabalhadores, um privilégio imobiliário especial, o legislador teve em vista, em sentido amplo, os imóveis em que esteja sediado o estabelecimento para o qual o trabalhador prestou a sua actividade, independentemente do concreto imóvel em que a mesma foi prestada.
2 – No apenso de graduação de créditos num processo global de insolvência, deve considerar-se processualmente adquirido o facto que se consubstancia na identificação do imóvel/imóveis onde laborava o estabelecimento da empresa insolvente, concluindo-se que todos os trabalhadores prestavam trabalho nas instalações da insolvente (ainda que estas fossem constituídas por um conjunto de edifícios e ainda que estes estivessem fisicamente separados) para efeitos de beneficiarem daquele privilégio.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
***
Guimarães, 28 de Junho de 2011
Ana Cristina Duarte
Maria Rosa Tching
Espinheira Baltar