Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
805/13.2TBGMR-A.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: CITAÇÃO
NULIDADE
DOCUMENTO
FALTA DE ENTREGA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – O princípio do contraditório só é correctamente observado se for de molde a que cada uma das partes possa, não apenas, deduzir as suas razões, de facto e de direito e oferecer as suas provas, mas, também, controlar as provas do adversário, discreteando sobre o valor e resultado de umas e de outras.
II - A não entrega à requerida dos documentos juntos com a petição inicial – ainda que deste articulado se possa inferir serem do conhecimento da requerida -, porque violadora do princípio do contraditório, consubstancia a nulidade da respectiva citação (art. 198.º, nºs 1 e 4, do CPC).
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
A…, veio requerer a declaração de insolvência de B… – Mediação Imobiliária, Lda., alegando, em síntese, ser credora da requerida da quantia de € 8.066,03, de natureza laboral, e que esta tem dívidas à Segurança Social e à Fazenda Nacional, a outros trabalhadores e ainda ao senhorio onde se encontra sediada a sociedade.
Com data de 06.05.2013, foi expedida carta registada com aviso de recepção para citação do legal representante da requerida, nos termos constantes de fls. 29 a 32, o qual, em virtude da citação não ter sido feita na sua própria pessoa, foi notificado por carta expedida em 10.05.2013, em conformidade com fls. 33 a 35 dos autos.
A requerida arguiu a nulidade da sua citação, ocorrida em 07.05.2013, alegando que não lhe foram remetidos com a petição inicial os 7 documentos a que se faz menção naquele articulado, o que limita o seu direito de defesa, visto estar impossibilitada de sobre os memos se pronunciar.
Em 23.05.2013 foi proferido o seguinte despacho:
«Veio a requerida arguir a nulidade da sua citação, ocorrida em 07.05.2013, ao abrigo do disposto no art. 198.º CPC, por, afirma, lhe não terem sido remetidos com a petição inicial os 7 documentos a que se faz menção no articulado, o que limitará o seu direito de defesa, já que sobre os mesmos desejava pronunciar-se.
Diga-se desde já que não curou o Tribunal de interpelar a secção de processos para que informasse o que tivesse por conveniente ante a alegação de não remessa dos documentos conjuntamente com a p.i. por entender que mesmo que se tivesse verificado essa não remessa a mesma não alteraria o que infra se vai dizer.
Prescreve o art. 198.º/1 CPC que “Sem prejuízo do disposto no art. 195.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei”, sendo que “a arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado” (art. 198.º/4 CPC).
Não se subsumindo a situação em apreciação a nenhuma das previsões do art. 195.º CPC, há que aferir da sua eventual subsunção às previsões do art. 198.º/1 e 4 CPC.
O art. 235.º/1 CPC efectivamente impõe a remessa ou entrega ao citando de cópia de todos os documentos que acompanhem a petição inicial - o que parece fazer incluir o caso sub iudice na previsão do art. 198.º/1 CPC.
Contudo, e como o art. 198.º/4 CPC o impõe, eventual omissão deste comando apenas poderá ser relevada se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.
Como tal, não é despicienda, para a decisão da questão, apreciar que documentos em concreto são aqueles que foram juntos com a p.i. e se nesta peca processual é ou não efectuada qualquer remissão para o respectivo teor.
Analisada a p.i., constata-se que inexiste tal remissão, estando toda a factualidade devidamente alegada nos diferentes artigos que a compõem - e sendo que ao que a requerida se opõe é a factos concretos, aqueles que são alegados nesta peça processual.
Acresce que da indicação efectuada na p.i., por um lado, e da imperatividade resultante do disposto no art. 23.º/2 CIRE, por outro, retira-se com facilidade quais são os documentos a que a requerente se reporta, sendo que aqueles relevantes para a decisão material da causa estão na disponibilidade da requerida.
Assim, vejamos (e diga-se que na p.i. faz-se alusão não a sete mas a seis documentos):
A menção ao “doc. n.º 1” é efectuada no art. 3.º do requerimento inicial, onde se identifica a pessoa que exercerá as funções de gerente da requerida, sendo que nos dois artigos precedentes identifica-se o a requerida como sendo uma sociedade por quotas, o respectivo objecto e capital social, o n.º, valor nominal e titularidade das respectivas quotas. E desses factos que a requerida tem de se defender - e não se percebe como poderia pretender impugná-los e que interesse teria nisso.
Aliás, ante a imposição resultante do art. 23.º/2/a1. d) CIRE facilmente se retira que o documento em causa não poderá se não ser uma certidão, que faz prova plena dos factos dela constantes.
A menção ao doc. n.º 2 é efectuada no art. 8.º, sendo que a alegação dele constante é totalmente inócua para a apreciação da pretensão, ante a alegação constante do art. subsequente: neste art. 9.º é quantificado o crédito de que a requerente da insolvência se arroga credora e a sua origem: transacção judicialmente homologada no âmbito do processo que sob o n.º 413/11.2TTGMR correu termos pelo 2.º juízo do Tribunal do Trabalho de Guimarães, referindo-se expressamente que o doc. n.º 3 corresponde a cópia da acta (da audiência de julgamento) realizada nesse processo. Tendo a requerida sido parte em tal processo judicial terá seguramente cópia do documento em causa, mas sendo que a sua não consulta em nada prejudica a defesa.
A referência ao doc. n.º 4 foi efectuada no art. 14.º, onde é alegado que para pagamento da quantia em dívida a requerente instaurou contra a requerida execução. Mais uma vez, não só este facto é inócuo para a defesa da R. (já que o mesmo nada revela) como facilmente se retira de todo o contexto que o documento em causa não poderá deixar de consubstanciar comprovativo da pendência da acção executiva - pelo que se não compreende que posição quereria a demandada tomar sobre o mesmo.
Por fim, a referência aos docs. 5 e 6 e efectuada no art. 24.º, onde é arguido que a requerente beneficia de apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de honorários a patrono e dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo - não se compreendendo coma o não acesso a esta documentação poderá prejudicar a defesa da requerida.
Do exposto se retira que a eventual falta cometida em nada prejudica a defesa da requerida, pelo que, não se verificando a condição prevista no art. 198.º/4 CPC, a arguição de nulidade não poderá deixar de improceder.
Diga-se, à laia de desabafo, que a arguição ora efectuada, no último dia do prazo de que a requerida dispõe para deduzir oposição, parece não visar outro objectivo que não seja o da prorrogação do prazo judicial em curso.
Alias, já num outro processo judicial (acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos) que correu termos neste juízo em que foi requerida a B… - Mediação Imobiliária Lda. a oposição, extemporânea, se iniciou com a arguição da nulidade da citação, arguição essa objecto de indeferimento.
Termos em que se indefere a requerido.
Notifique.»
Inconformada com este despacho, dele recorreu a requerida, encerrando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
«A. A Requerida, ora Recorrente, não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, concretamente, no que se refere ao indeferimento da nulidade da citação arguida.
B. O despacho do Tribunal a quo de que ora se recorre, contém além da decisão, em si mesma, outros considerandos cuja relevância e oportunidade não se alcançam mas que, eventualmente, constituem, estes sim, os verdadeiros fundamentos da decisão.
C. Da leitura do despacho, parece resultar que não tem cabimento a obrigação legal de fazer acompanhar a citação dos documentos que a acompanhem, que, a ter-se por boa a argumentação aduzida, nem tão pouco careceriam de ser juntos aos articulados, tão obvio que resulta o seu conteúdo do próprio articulado. Nada mais errado.
D. Sendo de estranhar que nem depois de conhecer tão gravosa “irregularidade” que a lei reputa de nulidade, o Tribunal a quo ordene a sua remessa ao Requerido, ora Recorrente.
E. É igualmente a lei, de forma impositiva, que fixa o prazo de arguição da dita nulidade – o prazo de oposição, devidamente respeitado – in casu.
F. Em 22 de Maio de 2013, a Recorrente apresentou um requerimento nos autos no qual alegava a nulidade da citação efectuada, porquanto entende que: A Requerida foi citada em 7 de Maio, por terceiro e com dilação de 5 dias, terminando pois o seu prazo de defesa em 22 de Maio. Acontece que, a citação se limitou à remessa da petição inicial, não vindo a mesma acompanhada dos 7 documentos de que se faz menção no articulado, Limitando pois o direito de defesa da Requerida que sobre os mesmos se desejava pronunciar. Tal facto, constitui nulidade insanável, impondo seja efectuada nova citação completa da Requerida a quem deve ser fixado prazo de defesa, com todas as legais consequências (…)”.
G. Entendeu o Tribunal a quo que “(…) não curou o Tribunal de interpelar a secção de processos para que informasse o que tivesse por conveniente ante a alegação de não remessa dos documentos conjuntamente com a p.i. por entender que mesmo que se tivesse verificado essa não remessa a mesma não alteraria o que infra se vai dizer (…)”.
H. Ora, são elementos constitutivos do direito a que se arroga a Requerente, ora Recorrida, a prova de ser titular de credito sobre a Requerida, ora Recorrente,
I. Cabendo-lhe pois demonstrar e provar nos autos a origem, a natureza e montante do seu crédito (…) e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor”. (artigo 25º do CIRE) E ainda, acrescenta o n.º 2 da mesma disposição que “(…) o requerente deve ainda oferecer todos os meios de prova de que disponha (…)”.
J. A falta de alegação e prova do dito crédito e de todas as suas componentes – origem, natureza e montante – são motivos de improcedência do pedido, dando pois relevância aos elementos de prova juntos aos autos pela Requerente, mormente aqueles com que demonstra a existência do seu credito, cumprindo a prova que lhe cabe realizar.
K. Se atendermos – a título de exemplo - ao alegado nos artigos 15.º a 18.º do requerimento inicial verificamos que a Recorrida alega a natureza e o montante do seu crédito e, alegadamente, junta um documento comprovativo do referido créditos. Acontece que, a Recorrente não foi notificada desse documento (nem dos demais mencionados no requerimento inicial).
L. Quanto à falta de notificação do documento entendeu o Tribunal a quo que “(…) a menção ao doc. n.º 2 é efectuada no art. 8.º, sendo que a alegação dele constante é totalmente inócua para a apreciação da pretensão, ante a alegação constante do art. subsequente: neste art. 9.º é quantificado o crédito de que a requerente da insolvência se arroga credora e a sua origem”
M. Ora, não pode a Recorrente conformar-se com tal entendimento, pois que, primeiramente, não basta o entendimento do Tribunal a quo de que tal falta não afeta a defesa da Requerida/Recorrente para que tal se verifique,
N. Sendo que a eventual ausência de prova que sustentasse a alegação da Autora seria fundamento relevante da defesa da Requerida, aqui Recorrente.
O. Ainda, e por relevante, importa trazer à colação o disposto no artigo 26.º, n.º 4 do C.I.R.E. que prevê que “(…) são sempre extraídas oficiosamente as cópias da petição necessárias para entrega aos administradores do devedor (…)”.
P. Do despacho proferido pelo Tribunal a quo resulta a manifesta violação do preceito supra mencionado,
Q. O artigo 228.º do C.P.C. que consagra as funções da citação e prevê no seu n.º 3 que “a citação (…) são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto (…)”.
R. Trata-se da obrigatoriedade da transparência da citação (…). (...) assim acentuando a sua natureza de derivação de um ou mais princípios gerais do processo civil (cooperação; economia processual, por concentração do momento do conhecimento do objecto da citação ou notificação; contraditório, por impedir a redução prática do prazo de resposta). (…)”. (LEBRE DE FREITAS, in Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 2.º edição, pp. 400).
S. O despacho do Tribunal a quo viola claramente o princípio da transparência da citação previsto no artigo 228.º, n.º 3 do C.P.C, pois que preconiza que a Recorrente não carece de conhecer o conteúdo dos documentos juntos com o requerimento inicial, sem que tal prejudique a sua defesa, sendo que, nos termos do disposto no artigo 235.º, n.º 1 do C.P.C “(…) o acto de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem (…)”.
T. Ademais mal andou o Tribunal a quo quando entendeu que a omissão cometida – falta de notificação à Requerente dos documentos que acompanham o requerimento inicial – não prejudicava a defesa da Recorrente por se tratar de elementos não essenciais. Bem nos ensina LEBRE DE FREITAS que afirma que “(…) a distinção entre formalidades essenciais e não essenciais foi abolida. (…) são exigidas agora, em reforço da garantia do direito de defesa, a entrega de cópia dos documentos que acompanham a petição inicial (n.º 1) (…)”. (LEBRE DE FREITAS, in Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 2.º edição, pp. 431).
U. In casu, ocorreu uma manifesta nulidade da citação nos termos do disposto no artigo 198.º do C.P.C., pois que, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo a omissão ocorrida prejudica a defesa da Recorrente nos autos de insolvência, processo de uma complexidade e gravidade para a Recorrente que não se coaduna com o entendimento preconizado pelo Tribunal a quo que se limitou a falta de essencialidade dos documentos.
V. A agravar, e no absoluto desprezo pelos direitos da Requerida, nem devidamente alertada para o facto, entendeu o Tribunal ordenar a remessa ao citando dos documentos que acompanharam a petição inicial, sublinhando pois a argumentação que fundamentou – mal – a decisão proferida, cuja gravidade e consequências, aliás, não podem desmerecer a sua imediata revogação.
W. Assim, atento todo o supra exposto, entende a Recorrente que foram violados os artigos 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4 do C.I.R.E e 198.º, 228.º e 235.º do C.P.C., devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que defira a nulidade da citação requerida e, em consequência, ordene a notificação da Recorrente dos documentos juntos com o requerimento inicial, sendo-lhe concedido o devido prazo para que deduza oposição.»

A requerente contra-alegou, batendo-se pela confirmação do despacho recorrido.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
Como se vê das conclusões, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, a única questão proposta à resolução deste tribunal consiste em saber se a não junção com a petição inicial dos documentos a que nela se alude e que acompanhavam aquele articulado, consubstancia nulidade da citação, por postergar o exercício do direito de defesa da requerida.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Os factos e ocorrências processuais a considerar na decisão deste recurso são os acima enunciados, em sede de relatório do presente acórdão.

B) O DIREITO
Como se sabe, a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender, sendo sempre acompanhada de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto (art. 228°, nºs 1 e 3, do CPC)[1].
Também o artigo 235° do CPC determina que o acto de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanham, comunicando-se-lhe que fica citado para a acção a que o duplicado se refere, e indicando-se o tribunal, juízo, vara e secção por onde corre o processo. No acto de citação indicar-se-á ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade do patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia.
A citação é, assim, um acto de enorme relevo que visa assegurar o direito de defesa de quem é demandado em juízo, garantindo a realização do princípio do contraditório.
Se a citação não for feita com observância de todo o formalismo exigido pela lei adjectiva, o processo fica irremediavelmente inquinado, uma vez que ao réu é vedada a possibilidade de se defender convenientemente, não podendo fazer valer os seus argumentos.
É por isso que, «havendo dúvida razoável sobre a regularidade da citação, é sempre preferível mandar repetir o acto, de modo a garantir um julgamento equitativo do litígio.»[2]
No caso em apreço, a requerida veio em devido tempo invocar a nulidade da sua citação por não lhe terem sido remetidos os documentos que acompanhavam a petição inicial.
A Mm.ª Juíza a quo entendeu não ouvir sequer a secção de processos sobre a alegada não remessa dos documentos com petição inicial, “por entender que mesmo que se tivesse verificado essa não remessa”, tal falta em nada prejudicaria a defesa da requerida, concluindo assim não ocorrer a nulidade da citação, atento o disposto no n.º 4 do art. 198.º do CPC.
Não concordamos, porém.
É nosso entendimento que o direito de defesa da requerida - e, por isso, o aludido princípio do contraditório - só será cabalmente satisfeito, caso disponha de todos os elementos juntos pela contraparte, em termos de sobre eles se poder pronunciar.
E, obviamente, não satisfaz tal desiderato quando não é enviado nenhum dos documentos a que se alude na petição inicial. E é assim mesmo que toda a factualidade que se alega e se quer provar conste do mesmo articulado de forma detalhada ou minuciosa, contrariamente ao que foi o entendimento da Mm.ª Juíza a quo.
Portanto, o princípio do contraditório só é plenamente observado desde que a requerida possa dispor, não só do articulado da petição inicial perfeitamente legível, mas de todos os elementos que com ele sejam juntos e respeitem ao objecto da demanda.
E não cremos haver dúvidas que os documentos devem estar ao dispor da requerida, logo que lhe são remetidos juntamente com o articulado.
Diz o despacho recorrido - e é sufragado pela recorrida - que a não junção dos documentos não acarreta qualquer prejuízo para a boa defesa da ré, uma vez que fazem prova plena dos factos que se destinam a provar (doc. n.º 1); são do conhecimento da requerida por se reportaram a uma acção judicial em que a requerida foi parte (docs. n.ºs 2 e 3); respeitam a factos inócuos (docs. n.ºs 2 e 4); e por respeitarem ao apoio judiciário da requerente (docs. n.ºs 5 e 6).
Não vemos dessa forma o aludido princípio do contraditório.
Em primeiro lugar, mesmo não estando em causa o articulado, mas apenas seu mero suporte probatório, o certo é que se os documentos foram juntas pela requerente era porque entendia que algum valor (probatório) tinham[3]. E se tinham para ela, obviamente que não podia olvidar que também podiam ter para a contraparte - que podia questionar, logo na contestação, o seu conteúdo, assim toldando, desde logo, designadamente, a valoração probatória que futuramente a requerente lhes pretenda dar, ou dela pretenda extrair.
E é claro que, sempre respeitando opinião diferente, para que a requerida pudesse questionar ou contestar o conteúdo dos documentos que a requerente juntou (para reforçar a sua alegação), fazendo, assim, pleno uso do aludido princípio do contraditório, sempre se impunha que tais documentos fossem postos à sua disposição.
Só na posse de tais documentos é que a requerida pode, logo na contestação, chamar a atenção do tribunal - e, portanto, logo impugnar, em todos os aspectos, toda a alegação vertida da petição inicial - para este ou aquele aspecto ou pormenor do respectivo conteúdo, o que, naturalmente, também pode, desde logo, ter reflexos em sede da própria elaboração da base instrutória.
Em segundo lugar, não se pode olvidar que o princípio do contraditório é hoje entendido «como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirectamente, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.»[4]
Vale isto por dizer que o fim principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activa¬mente no desenvolvimento e no êxito do processo.
O que significa que, no caso em apreço, à requerida tem de ser permitido, não só deduzir as suas razões (de facto ou de direito) e apresentar as provas que entenda relevantes, mas, também, «controlar as provas do adversário, e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras»[5].
Tendo ficado prejudicada a defesa da requerida, nos termos explicitados, mostra-se violado o princípio do contraditório.
Daí que deva ser deferida a sua pretensão de nulidade da citação: não foram, de facto, observadas “as formalidades prescritas na lei” (art. 198.º, n.º1 CPC), com prejuízo do seu direito de defesa (nº4).
Acrescente-se, apenas, o que sobre a matéria também escreveu Teixeira de Sousa[6]: «a violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constantes do artº 201º, nº1: dada a importância do contraditório, é indiscutível que a sua inobservância pelo tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa».
O que, no caso vertente também nos levaria ao mesmo resultado.
Procedem assim as conclusões das alegações da recorrente.

Sumário:
I – O princípio do contraditório só é correctamente observado se for de molde a que cada uma das partes possa, não apenas, deduzir as suas razões, de facto e de direito e oferecer as suas provas, mas, também, controlar as provas do adversário, discreteando sobre o valor e resultado de umas e de outras.
II - A não entrega à requerida dos documentos juntos com a petição inicial – ainda que deste articulado se possa inferir serem do conhecimento da requerida -, porque violadora do princípio do contraditório, consubstancia a nulidade da respectiva citação (art. 198.º, nºs 1 e 4, do CPC).

IV - DECISÃO
Termos em que acordam os juízes da Secção Cível em julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, declarando-se nula a citação da requerida e determina-se que a Mm.ª Juíza ordene a repetição pessoal da mesma.
Custas pela recorrida, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.
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Guimarães, 26 de Setembro de 2013
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Amílcar Andrade
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[1] Na redacção pré-vigente, aqui aplicável, à semelhança dos demais artigos do CPC que vierem a ser citados.
[2] Ac. da RE de 28.09.2006 (Almeida Simões), proc. 1083/05-2, in www.dgsi.pt.
[3] Com excepção dos “docs. 5 e 6” referentes ao pedido de apoio judiciário da requerente.
[4] Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, pp. 7-8.
[5] Cfr., assim, o Ac. da RP de 18.06.2007 (Fernando Baptista), proc. 0733086, in www.dgsi.pt, onde se cita o Ac. do TC publicado in Acórdãos do TC, 11.º vol., a pág. 741 e 20.º vol., a pág. 495.
[6] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., p. 48.