Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7454/10.5TBBRG-F.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - O pedido de exoneração do passivo restante deve ser liminarmente indeferido caso se verifiquem, cumulativamente, os requisitos do art.º 238º nº 1 al. d) do CIRE;
II- Não é suficiente para afastar a verificação dos pressupostos da referida alínea d) a circunstância da sentença proferida no incidente de qualificação da insolvência não ter qualificado a insolvência como culposa.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
Veio o Banco… S.A. interpor recurso do despacho proferido pela Mma Juíza a quo que deferiu o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes A. e mulher, M.
Formula as seguintes conclusões:
1. Salvo o devido respeito, a douta decisão em apreço não fez correcta interpretação dos factos e adequada aplicação do Direito, devendo ser revogada e substituída por outra que indefira liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante dos Insolventes, ora Recorridos.
2. A. e M. requereram a declaração da sua insolvência em 29 de Novembro de 2010, tendo a mesma sido proferida no dia 7 da Dezembro de 2010, tendo também, desde logo, requerido a exoneração do passivo restante.
3. O Banco é credor reclamante dos insolventes A. e M. o montante global de euros 449.830,39 (quatrocentos e quarenta e nove mil oitocentos e oitenta ouros e trinta e novo cêntimos).
4. O referido montante resulta de diversas operações financeiras avalizadas pelos insolventes às sociedades M… Sociedade Comercial , Lda. e CARPINTARIA C… LDA. Nesse sentido, cfr.petição de reclamação de créditos e documentos juntos à mesma.
5. De entre os requisitas do n°1 do art. 238° do CIRE, e no que ao caso interessa, dispõe a alínea. d) que deve ser indeferido o pedido se “o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou não estando obrigado a se apresentar, se tiver, abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”.
.6. Os ora recorridos não se apresentaram à insolvência no momento legalmente devido, isto é, dentro do período de 6 meses a contar do momento da verificação da situação de impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas,
.7. De facto, a maioria das dívidas dos insolventes procede de diversas operações financeiras avalizadas pelos insolventes às sociedades “M. Soc. Comercial, Lda. e “CARPINTARIA C., LDA”, das quais os ora Insolventes eram sócios sendo que o insolvente marido era também gerente das mesmas e as quais foram, igualmente, declaradas insolventes em Fevereiro e Abril de 2010, respectivamente, por sentença proferida no processo que corre temos sob o número …/07.0TBBRG, no …º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga no processo nº …/10.0TBAMR do Tribunal Judicial de Amares.
8. Assim, urna vez que os montantes reclamados se encontram vencidos desde 10 de Abril de 2008, e que os insolventes respondem por esses valores pessoal e solidariamente, não poderiam estes ignorar que se encontravam em indubitável situação de insolvência.
9. Enquanto sócios-gerentes e avalistas das obrigações financeiras da citada sociedade, os insolventes tinham plena consciência de que, também eles, se encontravam em situação de insolvência pois bem sabiam que o seu património sempre seria solidariamente responsabilizado por todas as operações financeiras que avalizaram.
10. Deste modo, ao assumir pessoal e solidariamente as referidas operações, os insolventes deveriam, de acordo com a ponderação de um homem médio, ter tomado conhecimento da situação de impossibilidade de cumprimento da generalidade dos seus compromissos.
11. Acresce que, aquando da sua apresentação à insolvência, os insolventes já haviam sido demandados no processo …/06.9TBAMR, no processo …/07.9TBAMR; no processo …/08.TBAMR e no processo …/06.6TAMR, todos eles a correr termos no Tribunal Judicial de Amares; e ainda no processo …/08 a correr termos no …º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga e no processo …/08.9TBBRG a correr termos na Vara Mista do Tribunal Judicial de Braga.
12. Assim, os insolventes desde, pelo menos, as datas das referidas acções, tinham plena consciência que o seu passivo era muito superior ao seu activo, pelo que, não podiam ignorar a inexistência de qualquer perspectiva séria de melhorar a sua situação económica de tal forma que lhes permitisse amortizar, ainda que lenta e fraccionadamente, as dívidas reclamadas.
13. Os diversos credores que accionaram judicialmente os seus créditos, não foram ressarcidos das quantias peticionadas, o que é sintomático da inexistência de meios, por parte dos insolventes, de solverem as suas obrigações muito antes dos seis meses precedentes à data da apresentação à insolvência.
14. Não obstante as dificuldades com que se deparavam já desde, pelo menos, 2008, A. e M. optaram por se apresentarem à Insolvência em 2010, ou seja, cerca de 3 anos volvidos.
15. È forçosa, portanto, a conclusão de que os devedores não se apresentaram à insolvência no momento devido, nem o fizeram nos seis meses posteriores à consciencialização da sua calamitosa situação financeira.
16. A não apresentação à insolvência consubstancia um evidente prejuízo para os credores, dado verificar-se um aumento do passivo global em virtude do vencimento de juros dos créditos vencidos.
17. Neste particular, são sintomáticas as seguintes considerações expendidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 30.4.2009, in w.dgsi.pt/jtrg: “Ora, a não apresentação atempada à Insolvência torna evidente o prejuízo para os credores pelo avolumar de seus créditos face ao vencimento de juros e pelo consequente avolumar do passivo global da insolvente ( o que dificulta o pagamento dos créditos) havendo até quem considere que deva mesmo presumir-se o prejuízo dos credores do facto de os requerentes da exoneração não se terem apresentado à insolvência quando era manifesto que eles, desde há largo período, não tinham bens em número e valor susceptíveis de satisfazer os créditos dos seus credores (acórdão da R.L. de 26/10/06, na CJ, 2006, Tomo IV, pág.97)”.
.18. Ao abster-se de se apresentarem atempadamente à insolvência, recusando todas as evidências quanto ao seu colapso financeiro, os insolventes conseguiram apenas protelar as suas dívidas, provocando um acréscimo do seu passivo.
19. Não obstante, os credores do insolvente terem intentado acções executivas com as inerentes diligências tendentes à descoberta de bens penhoráveis. os mesmos não foram ressarcidos dos seus créditos, tendo ainda que suportar integralmente as custas dos processos, o que lhes causou sério prejuízo.
20. Acresce que, o Reclamante, como instituição bancária, está obrigado a provisionar o incumprimento junto do Banco de Portugal (cfr. Aviso do Banco de Portugal nº 3/95, de 30 de Junho), sendo que, mantendo-se a situação de incumprimento não é possível libertar as provisões com manifesto prejuízo para o desenvolvimento na sua actividade creditícia.
.21. Neste sentido, urge considerar o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Porto, de 15.12.2010, in www.dgsi.pt: “Resulta da experiência comum que a falta de apresentação tempestiva à insolvência provoca o avolumar dos juros, com o consequente aumento do passivo. Acresce a necessidade de os Bancos credores provisionarem o incumprimento junto do Banco de Portugal. Com isso, ficam cativas verbas que, se não fosse esse aprovisionamento, os Bancos credores poderiam utilizar na sua actividade. Todas essas situações acarretam prejuízo para esses Bancos.
II - Inexistindo património, quanto maior o passivo, maior a dificuldade de os credores verem os seus créditos satisfeitos e maior o seu prejuízo destes”.
22. Assim, torna-se evidente que a não apresentação à insolvência no momento em que os Recorridos tiveram conhecimento da impossibilidade de fazer face aos compromissos financeiros assumidos, optando por fazê-lo muito depois, consubstanciou-se num inequívoco prejuízo para o Reclamante, com o aumento da percentagem relativamente ao crédito vencido que teve de provisionar.
.23. Com efeito, os Recorridos também não se apresentaram à insolvência no momento em que verificaram não existir perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
.24. Face ao elevado passivo de que (e são) devedores e, atendendo a que, a insolvente mulher se encontra desempregada e que o único rendimento actualmente auferido pelo insolvente marido é uma remuneração mensal de Eur1.100,00 (mil e cem euros), não podiam os insolventes ignorar a inexistência de qualquer perspectiva séria de melhorar a sua situação económica de tal forma que lhes permitisse amortizar, ainda que lenta e fraccionadamente, as dívidas reclamadas.
.25.Acresce que os bens e direitos que integram a massa insolvente
são irrisórios, se considerarmos que e montante em dívida atinge
Eur.2.529.654,49.
.26. Ao falar em perspectiva séria o legislador aponta para um juízo de verosimilhança sobre a melhoria económica do insolvente, alicerçada naturalmente em indícios consistentes e não em fantasiosas construções ou optimismo compulsivo.
.27. Como já foi referido, os Recorridos, enquanto sócios e avalistas das obrigações financeiras das sociedades M. - Sociedade Comercial, Lda. e CARPINTARIA C., Lda. tinham plena consciência de que, também eles, se encontravam em situação de insolvência, pois bem sabiam que sempre seriam responsáveis pelas dívidas daquelas Sociedades.
.28. Ora, atentos os factos acima descritos, desde, pelo menos.
2008 que os Insolventes têm plena consciência que o seu passivo é muito superior ao seu activo, assim como não têm, nem nunca tiveram, perspectivas sérias de aumentar os seus rendimentos, de forma a permitir-lhes pagar a totalidade das dívidas vencidas, ainda que faseadamente.
.29. Pelo que ter-se-à, necessariamente, de concluir que os insolventes se abstiveram de se apresentar à insolvência nos seis meses seguintes ao colapso da sua situação económica advindo dessa conduta prejuízo para os credores, sabendo os insolventes não existir qualquer perspectiva séria da melhoria da sua situação económica, como resulta do exposto.
.30. Por mais louváveis que consideremos ser as motivações dos insolventes em adiar a sua apresentação à insolvência, não cabe ao Direito, nem concretamente ao regime da exoneração do passivo, tutelar boas intenções em detrimento do justo ressarcimento dos credores.
.31. Em relação ao benefício da exoneração do passivo, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 27 de Março de 2006, é dito que “nunca por nunca se pode deixar de ter presente que o processo de insolvência tem como objectivo precípuo o de obter a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores - Preâmbulo do DL. Nº 53/2004 — e que o presente benefício se reflecte apenas na esfera patrimonial do devedor.”
.32. Não se pode dizer que a presente situação de insolvência emerge de uma infeliz conjugação de circunstâncias e por isso se justifica, com sacrifício dos credores, conceder aos insolventes uma nova oportunidade de retomar a sua actividade empresarial.
.33. Em consonância com o que refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 9 de Janeiro de 2006, relativamente à exoneração do passivo “Para que o insolvente possa beneficiar daquela medida, exige-se além de outros requisitos legalmente previstos artºs. 235° a 238° do citado diploma — que tenha tido um comportamento anterior ou actual, pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa-fé, no que respeita à sua situação económica, e aos deveres associados ao processo de insolvência, tornando-se assim merecedor de “nova oportunidade”.
.34. Em síntese, os insolventes não cumpriram o i) dever legal de se apresentarem à Insolvência, no prazo legalmente consignado, ii) com prejuízo para os seus credores, e iii) ) sabendo não existir perspectiva séria de melhoria da sua condição económica, pelo que deve ser liminarmente indeferido o pedido de exoneração do passivo restante.
Nestes termos e, nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso de apelação e revogando o despacho que admitiu a exoneração do passivo restante aos aqui Recorridos, substituindo-o por outro que indefira liminarmente tal pedido de exoneração, fará como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.
Os apelados contra-alegaram e ofereceram as seguintes conclusões:
.1. O incidente de qualificação de insolvência, que correu por apenso ao presente processo, considerou a mesma como sendo fortuita, nos termos do art.º 188.º, n.º 4 do CIRE.
.2. Podendo a recorrente pronunciar-se sobre a mesma, nada fez, aceitando a decisão.
.3- A Srª Admª de Insolvência, o M.P., e os credores – neles incluídos o Banco recorrente e a Caixa Central, escusaram-se de se pronunciarem, nem desta decisão recorreram, o que demonstra a concordância quanto ao facto de a mesma estar longe de ser culposa.
.4. O ponto essencial da argumentação reside na ideia de que “os montantes reclamados (pela recorrente) se encontram vencidos desde 10 de Abril de 2008, contudo a recorrente olvida que a qualidade de sócio não é confundível com a qualidade de avalista, já que se tratam de dois planos absolutamente distintos. A este respeito vide o Ac. do TRP processo n.º 9085/09.3TBVNG-C.P1, de 29/06/2010.
.5. Não havendo uma relação entre a titularidade de empresa e a natureza das dívidas dos insolventes, também não se compreende como será aplicável a obrigatoriedade de apresentação à insolvência nos termos previstos no art. 18.º, n.º 2 do CIRE.
.6. É esse o entendimento propalado no já referido Ac. do TRP processo n.º 9085/09.3TBVNG-C.P1, de 29/06/2010, relatado por Vieira e Cunha, que trata uma questão idêntica à presente: «Os sócios de uma empresa que lhe prestaram avales em livranças não se encontram sujeitos ao dever de apresentação à insolvência, conforme art. 18.º n.º 2 CIRE, e por isso, em matéria de indeferimento liminar, quanto à exoneração do passivo restante, encontram-se sujeitos ao disposto na 2ª parte da al. d.) do n.º 1 do art. 238.º CIRE.»
.7. Tampouco faz qualquer sentido estabelecer-se uma conexão automática entre se ser ou de se ter sido sócio de uma empresa, e a situação de insolvência da pessoa singular. Cujo personalidade jurídica diz respeito a esperas jurídicas e patrimoniais completamente distintas.
.8. O preâmbulo do CIRE, no seu ponto 20.º, traça, a este respeito e de forma clara, as alterações operadas no CIRE:
«Desaparecem, portanto, as «falências derivadas» ou «por arrastamento» constantes do artigo 126º do CPEREF, por não se crer equânime sujeitar sem mais à declaração de insolvência as entidades aí mencionadas, que podem bem ser solventes. »
.9. A relevância sistemática da natureza das dívidas está, nomeadamente, patente nos art. 249.º, n. º 1, al. b); 20.º, n.º 1, al. g) ex vi 18.º n.º 3; 37.º, n.º 2 do CIRE.
.10. Consideramos ainda manifestamente errado o entendimento propalado pela recorrente de que o mero atraso no pagamento de uma dívida tem como consequência um prejuízo para os interesses dos credores relevante para efeito do CIRE. Neste norte o Ac.TRG n.º 362/10.1.TBMNC-B.G1 de 15/03/2011, relatado pela Desembargadora Maria da Conceição Saavedra.
.11. Os Insolventes só tornaram avalistas por expressa exigência dos bancos, que sabiam perfeitamente que estes não tinham património a título pessoal e que as dívidas iriam ser pagas através do património das sociedades que estão na origem das dívidas.
Face ao exposto, as alegações da recorrente roçam o abuso do direito na modalidade do venire contra factum proprium.
.12. A recorrente não logrou apresentar factos substantivos que permitissem fundamentar que em 2008 tivessem os insolventes conhecimento e um juízo de verosimilhança, propalada pela recorrente, da alegada existência de prejuízo e conhecimento da inexistência de séria melhoria da situação dos financeiro dos insolventes.
.13. Ao colocarem em crise o pedido de exoneração do passivo restante, a recorrente não logrou demonstrar sem margem para dúvidas que o incumprimento cumulativo dos pressupostos exigidos nesse artigo e perante a contagem do prazo para o cumprimento do dever de apresentação à insolvência partir desse momento os recorridos não cumpriram com os requisitos do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE.
Em conclusão, deve o presente recurso julgado improcedente e a sentença proferida mantida, devendo este tribunal decidir pelo deferimento do pedido de exoneração do passivo restante de ambos os Insolventes, sendo certo que V. Exa fará a acostumada justiça.

Objecto do recurso:
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso;
. nos recursos apreciam-se questões e não razões; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes: se deve ser indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes.

II - Fundamentação
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
.1º Em 29 de Novembro de 2010, A. e M. apresentaram-se a requerer a respectiva declaração de insolvência.
.2º Em 7 de Dezembro de 2010 foi declarada a insolvência de A. e M..
.3º Foram reclamados e reconhecidos créditos pela Sr.ª Administradora no montante de 2.529.654,49.
.4º O insolvente marido foi sócio gerente da sociedade M.- Soc. Comercial, LDª, que foi declarada insolvente no processo nº …/07.0TBBRG do …º juízo Cível.
.5º Foi também sócio gerente da sociedade Carpintaria C., LDª, que foi declarada insolvente no processo nº …/10.0TBAMR do Tribunal Judicial da Comarca de Amares.
.6º A insolvente mulher era também sócia das duas sociedades em apreço.
.7º No âmbito sua actividade as sociedades supra referidas recorreram ao crédito bancário, junto de diversas instituições de crédito, que exigiram ao respectivo sócio gerente e seu cônjuge, a assunção de responsabilidade pessoal em caso de incumprimento, que consistiu em avais prestados.
.8º Actualmente o insolvente marido exerce funções de gerente da sociedade L., LDª”, auferindo um vencimento de 1.100,00.
.9º Por sua vez, a insolvente mulher, encontra-se desempregada, auferindo subsídio de desemprego, que equivale ao salário mínimo nacional.
.10º Foram reclamados, designadamente os seguintes créditos, constituídos e vencidos nas datas seguintes:
.a) BCP, cujo crédito foi constituído em 06/08/2002, estando numa situação de incumprimento desde 18/01/2007 ( cfr. fls. 156).
.b) BPI, cujo crédito foi constituído em 17/02/2011, estando numa situação de incumprimento desde 28/02/2011 ( cfr. fls. 249).
.c) Credibon, cujo crédito foi constituído 15/04/2008, encontrando-se numa situação de incumprimento desde 13/03/2009 ( cfr. fls. 179 e 178).
.d) BES, cujo crédito foi constituído em 10/06/2006, estando numa situação de incumprimento desde 10/04/2008 ( cfr. fls. 256 e 252).
.e) CGD, cujo crédito foi constituído em 14/11/2002, encontrando-se se numa situação de incumprimento desde 28/12/2007 ( cfr. fls. 184).
.f) Finibanco, cujo crédito se encontra vencido desde 01.03.2006 (cfr. fls. 142), 10/06/2007 e 30/06/2008 ( cfr. fls. 172).

Nos termos da alínea a) do nº1 do artº 712º do CPC a decisão quanto à matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal da Relação nomeadamente se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão, o que é o caso. Assim da consulta dos autos do processo principal e dos elementos juntos a estes autos de recurso resultam ainda apurado os seguintes factos que se aditam à matéria de facto:

.Os bens dos insolventes são constituídos pelo vencimento do insolvente no valor mensal de 1.100,00 e por um veículo automóvel de marca Land Rover, matrícula 00-00-XX com reserva de propriedade a favor da Credibom.
.A sra. Administradora da insolvência elaborou a lista de créditos reconhecidos, junta a fls 46 a 47 destes autos de recurso, onde constam além dos créditos referidos nas alíneas a) a f) do ponto 10º, ainda os seguintes créditos reclamados:
. crédito da A.,Limited no montante de capital, juros e imposto de selo calculado sobre o montante de juros no total de 31.412,95, proveniente do não pagamento de letras aceites pelo insolvente e não pagas com datas de vencimento compreendidas entre 31/08/2001 e 31/10/2003.
. crédito do Banco Popular, S.A. proveniente de aval prestado pelos insolventes, no montante de 2.801,05 de capital e 930,22 de juros;
. crédito Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL no montante de 495.698,98 e juros no montante de 580,80, proveniente de fiança que prestaram num contrato de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança no montante de 82.800,00 euros e de aval prestado num contrato de locação financeira imobiliária. À data da declaração de insolvência encontrava-se em dívida de rendas vencidas e não pagas devidas o valor de 21.657,90 e 521,72 de juros de mora, relativos ao contrato de locação financeira.
. créditos reclamados pela Fazenda Nacional provenientes de IRS de 2004, IRC de 2006, IVA de 2003 e 2008, IMI do ano de 2003 e coimas fiscais e encargos relativos ao ano de 2006, 2008 e 2009, no total de 59.998,01 de capital e 16.883,82 de juros.
. O crédito reconhecido da CGD é de 1.420.089,34.
. Foram instauradas contra os apelados as seguintes execuções:
…./07.5TBBRG (Vara de Competência Mista);
. …/07.0TBBRG (Vara de Competência Mista);
. …/08.9TBBRG /Vara de competência mista):
…./08.9TBBRG (Vara de competência mista); e apenas contra o apelado a execução …/08.1TBBRG (…º Juízo Cível) e /08 (…º Juízo Cível).

O Direito
Nos termos do disposto no art.º 235º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante designado por CIRE), aprovado pelo DL 53/2004, de 18 de Março, se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste…”.
A «exoneração do passivo restante» é uma medida nova, introduzida no ordenamento jurídico pelo actual Código da Insolvência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18 de Março. No preâmbulo deste diploma o legislador referiu-se a esta medida nos seguintes termos: «O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da ‘exoneração do passivo restante”.
O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. O procedimento para obtenção, pelo devedor, desta libertação definitiva do passivo, está regulado nos art.ºs 235º a 248º do CIRE.
Dispõe o nº 1 do artº 236º do mesmo diploma que o pedido de exoneração do passivo restante pode ser feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência, como sucedeu no caso dos autos, ou no prazo de 10 dias posteriores à citação e será sempre rejeitado se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório do Administrador da Insolvência.
E estatui o art.º 237º alínea a) do CIRE que a concessão efectiva da exoneração pressupõe, para além do mais, que não exista motivo para o indeferimento liminar do pedido nos termos do disposto no art.º 238º do mesmo Código.
A decisão recorrida deferiu o pedido de exoneração do passivo restante da qual foi interposto recurso pelo credor reclamante Banco…, por entender que, no caso concreto, não se verificavam os fundamentos para tanto previstos nas alíneas d) do nº 1 do art.º 238º do CIRE, único preceito cuja aplicação poderia ser equacionável.
De acordo com o disposto na alínea d) do nº1 do artº 238º do CIRE, o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se se verificarem, cumulativamente Neste sentido Ac. RP 06/10/2009 (relatora Sílvia Pires), proferido no processo 286/09.5 que, aliás defende o entendimento uniforme da jurisprudência neste aspecto, disponível em www.dgsi.pt. , os seguintes requisitos:
.1. O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência;
.2. Deste facto tenha resultado prejuízo para os credores; sabendo ou não podendo deixar de ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria da melhoria da sua situação económica.
Nos termos do disposto no nº 1 do art.º 18.º do CIRE, o devedor deve requerer a declaração de insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do art.º 3º, ou à data em que devesse conhecê-la, exceptuando-se do dever de apresentação apenas as pessoas singulares que não sejam titulares de empresas.
As pessoas singulares não estão em regra abrangidas pelo dever de apresentação à insolvência, mas para beneficiar do instituto de exoneração do passivo têm a obrigação de se apresentar à insolvência, no prazo seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência. Na sentença recorrida entendeu-se que o insolvente marido dispunha de 60 dias para se apresentar à insolvência, dado que por ser sócio gerente de duas sociedades, devia entender-se que o mesmo revestia a qualidade de titular de empresa, não se lhe aplicando o regime excepcional previsto no nº 2 do artº 18º do CIRE. Já quanto à insolvente, entendeu-se que, uma vez que a mesma era apenas sócia e não gerente, se lhe aplicava a excepção.
Vejamos a primeira objecção ao deferimento liminar da exoneração.
Os insolventes requereram a sua declaração de insolvência em 29.11.2010.
Os insolventes nas suas contra-alegações vieram defender que não estavam obrigados a apresentarem-se à insolvência no prazo de 60 dias, tendo apenas que o fazer porque pretendiam beneficiar do instituto de exoneração do passivo restante, no prazo de 6 meses seguintes à verificação da situação de insolvência. Ora, a apelante não discute o prazo para a apresentação à insolvência no seu recurso. A apelante, olvidando o entendimento da sentença recorrida, parte do princípio que os apelados dispunham de 6 meses e o que vem alegar é que esse prazo foi em muito ultrapassado, tendo os insolventes apresentado-se à insolvência três anos depois de terem conhecimento da sua impossibilidade de satisfazer os créditos.
Estatui o nº1 do artº 3º do CIRE que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
Ora, atentas as datas em que se venceram as obrigações em dívida e os bens dos devedores, há muito que os insolventes se encontravam impedidos de cumprir as suas obrigações vencidas, o que remonta pelo menos ao final de 2007, quando entraram em situação de incumprimento perante a CGD, atento o elevado valor da dívida. Assim, quer o prazo fosse de 60 dias ou de seis meses, na data em que os apelados se apresentaram, há muito que se verificava a situação de incumprimento e a impossibilidade de pagar os compromissos assumidos. Mesmo admitindo que os insolventes ainda possam ter continuado a cumprir os seus compromissos assumidos perante alguns credores «é insolvente não só o que não pode pagar a ninguém, mas ainda o que pode pagar só a alguns, deixando insatisfeitos os outros credores ou que pode pagar as suas obrigações só parcialmente, ou então pode pagar integralmente, mas em data posterior ao vencimento»Pedro Macedo, Manual de Direito das Falências, Vol. I, pág. 217, Coimbra 1964, apud Ac. do TRC de 23.02.2010 (relator Alberto Ruço), processo 1793/09, disponível em www.dgsi.pt. .
E os apelados não podiam desconhecer a situação financeira das sociedades que foram declaradas insolventes das quais eram sócios e o apelado sócio gerente, cujo pontual cumprimento das obrigações mediante a prestação de avales tinham garantido e o seu reflexo na sua situação económica, nem as diversas execuções contra si instauradas, não podendo desconhecer a insuficiência do seu património para satisfazer as obrigações assumidas.
Note-se que os apelados em 2008 continuaram a contrair obrigações – crédito junto da Credibom constituído em 15/04/2008 e mesmo depois de se terem apresentado à insolvência continuaram a assumir obrigações – crédito do BPI, cujo crédito foi constituído em 17/02/2011, estando numa situação de incumprimento desde 28/02/2011.

Relativamente ao prejuízo:
Quanto à existência de prejuízo para os credores decorrente da apresentação intempestiva do devedor à insolvência, não refere a lei a grandeza de tal prejuízo, bastando por isso que ele exista, independentemente do seu valor.
Relativamente à natureza do prejuízo, a jurisprudência não é unânime.
Assim, para uns, não basta, para se afirmar a existência do prejuízo o simples avolumar dos juros porquanto o atraso no pagamento tem sempre como consequência um acumular do passivo. O “prejuízo” terá que ser algo mais, como por exemplo a dissipação do património, a contracção de novos débitos, etc. Conforme se defende, entre outros, nos Ac. RP de 11/01/2010 (relator Soares de Oliveira), processo 347/08.1TBVCD e da RL de 14/05/2009 processo 2538/07.0TBBRR.L1 (relator Nelson Borges Carneiro), ambos em www.dgsi.pt.
Para outros, o mero avolumar dos juros decorrente da não apresentação atempada à insolvência, constitui, por si só, um prejuízo para os credores Cfr, neste sentido, Ac. RP de 20/04/2010 (relator M. Pinto dos Santos), processo 1617/09.3TBPVZ2, Ac. RL de 28/01/2010 (relator António Valente), processo 1013/08.0TJLSB, e desta Relação, Acs. proferidos nos processos 2945/09, de 12.10.2010 (relator António Figueiredo de Almeida), 7750/08, de 12.07.2010 (relatora Maria Luísa Ramos), 2199/08, de 31.12.2009 (relatora Conceição Saavedra) e 2598/08, de 30.04.2009 (relatora Raquel Rego), todos disponíveis em www.dgsi.pt ..
O prejuízo decorrente do avolumar dos juros verifica-se sempre que ao agravamento do débito proveniente do vencimento de juros moratórios não corresponda um aumento do património. Pelo contrário, à medida que o tempo decorre o património quando existe vai-se desvalorizando, em regraConforme Ac. já citado da RG de 3.12.2009, proferido no proc. Nº 2199/08, disponível em www.dgsi.pt... No caso não existe património susceptível de responder pelas dívidas do recorrente: o insolvente tem apenas um veículo automóvel com alguns anos e sobre o qual recai reserva de propriedade a favor da Credibom. As empresas de que eram sócios foram também declaradas insolventes.
Acresce que a apelante se vê forçada a constituir provisões calculadas em percentagem do crédito e dos juros vencidos, aumentando a medida do provisionamento obrigatório à medida que mais se arrasta o incumprimento (artºs 1º, 2º al. a), 2º e 3º do Aviso 3/95, publicado no DR II Série, de 30/06 (com a redacção introduzida pelo Aviso do Banco de Portugal 3/2005, publicado no Diário da República, I Série B, nº 41, de 28.02.2005), o que também lhe causa prejuízo, pois que poderia ter esses recursos afectos à sua actividade, em vez de os ter cativos, conforme se defende no Ac. do TRP de 15.12.2010Proferido no proc. 1344/10, acessível em www.dgsi.pt, citado na decisão recorrida e nas alegações da apelante. . O facto do Banco de Portugal, em conformidade com o disposto no artº 17º do aviso, poder determinar a obrigação de constituição de provisões (como se refere no despacho recorrido) fora das condições previstas no referido diploma sempre que as circunstâncias o justifiquem, em especial quando existirem fundadas dúvidas sobre a solvabilidade dos créditos, designadamente devido à deterioração das suas condições de solvabilidade, nomeadamente quando se apresente à insolvência, não afasta o que ficou dito. Poderá ou não haver lugar a reforço dessas provisões e neste caso desconhece-se se foi imposto esse reforço.
No que concerne ao último requisito – saber o requerente, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica - deve entender-se que o legislador, ao exigir uma “perspectiva séria” “aponta para um juízo de verosimilhança sobre a melhoria económica do insolvente, alicerçada naturalmente em indícios consistentes e não em fantasiosas construções ou optimismo compulsivo.” Cfr acórdão desta Relação de 4.10.07 (relator Gouveia Barros) proferido no processo 1718/07 disponível em www.dgsi.pt.
Atento o património dos devedores, estes não podiam ignorar que não existia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica. No entanto, foram assumindo sucessivas obrigações bem sabendo que o seu património em caso de incumprimento, não lhes permitiria solver os seus compromissos.
A circunstância de na sentença proferida no incidente de qualificação de insolvência, não ter considerado a insolvência culposa não vincula o juiz que em face dos elementos do caso concreto, em sede de exoneração do passivo restante. Conforme se defende no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.04.2010viii Cuja relatora foi Rosa Tching, de 5.04.2010, proferido no processo 319/09. Disponível em www.dgsi.pt., “o que está aqui verdadeiramente em causa é saber se o devedor teve um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que concerne à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, aferindo-se tal conduta, como ensina Assunção Cristas , através da ponderação de dados objectivos “passíveis de revelarem se a pessoa se afigura, ou não, merecedora de uma nova oportunidade e apta para observar a conduta que lhe será imposta” e no caso, não entendemos que os apelados o tenham tido, protelando a sua apresentação há insolvência por vários anos e continuando a assumir obrigações que não podiam cumprir.
Não estão assim reunidos os pressupostos cumulativos para conceder a exoneração do passivo requerido pelos apelados.

Sumário:
I - O pedido de exoneração do passivo restante deve ser liminarmente indeferido caso se verifiquem, cumulativamente, os requisitos do art.º 238º nº 1 al. d) do CIRE;
II- Não é suficiente para afastar a verificação dos pressupostos da referida alínea d) a circunstância da sentença proferida no incidente de qualificação da insolvência não ter qualificado a insolvência como culposa.

III – DECISÂO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação e em revogar a sentença recorrida, indeferindo liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos apelados.
Notifique.
Sem custas.
Guimarães, 19 de Dezembro de 2011
Helena Melo
Rita Romeira
Amílcar Andrade