Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
246/04-2
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO
SUSPENÇÃO DA EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/17/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: De acordo com o que se consagra no art.29º do CPEREF, proferido o despacho de prosseguimento da acção, ficam imediatamente suspensas todas as execuções instauradas contra o devedor e todas as diligências de acções executivas que atinjam o seu património, incluindo as que tenham por fim a cobrança de créditos com privilégio ou com preferência; a suspensão abrange todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na Secção Cível no Tribunal da Relação de Guimarães:



I. A Causa:


"A" e outra, vieram interpor o presente recurso de agravo do despacho referenciado, pois, tendo sido declarada a falência dos agravantes, em 22.11.2001,do pedido de falência foram citados os credores, que nada opuseram à decretação da falência, que foi pedida por um deles; os agravantes pediram que fosse ordenado o fim dos descontos dos seus salários e a devolução dos descontos efectuados após a prolação do despacho que ordenou o prosseguimento da acção de falência ou do que decretou esta; o tribunal indeferiu estes dois pedidos, considerando:
“É nosso entendimento que com a declaração de falência não são sustados os descontos nos vencimentos dos falidos”; “na verdade, não se afigura razoável que com a declaração de falência se sustem tais descontos;”“Desde logo porque a suspensão dos descontos nos vencimentos dos falidos tornaria a declaração de falência positiva e do próprio interesse dos falidos, pois esta beneficiava-os em detrimento dos credores que viam goradas as suas expectativas no ressarcimento dos seus créditos que, por via das execuções sucessivas poderiam obter. Desta forma estaria encontrado um expediente com cobertura legal para que os devedores não cumprissem as suas obrigações sem que com isso vissem os seus vencimentos beliscados.”
O interposto agravo foi admitido.
Configuraram alegações, apresentando, como conclusões:
1- Foi nos autos proferido despacho a ordenar o prosseguimento dos autos do processo de falência, a fls, tendo sido depois declarada a falência dos agravantes, em 22.11.2001.
2 - Os credores foram citados para se oporem à declaração de falência e nenhum o fez.
3 - Os agravantes pediram que fosse ordenado o fim dos descontos dos seus salários e a devolução dos descontos efectuados após a prolação do despacho que ordenou o prosseguimento da acção de falência ou do que decretou esta.
4 - O Tribunal indeferiu estes dois pedidos sem qualquer fundamento legal, apenas porque: “É nosso entendimento que com a declaração de falência não são sustados os descontos nos vencimentos dos falidos.”
5 - Este despacho é nulo porque não fundamentado legalmente, como determina o art° 158° n° 1 do CPC.
6 - O despacho recorrido invoca argumentos quiçá com algum cabimento no plano do direito a legislar, mas sem oportunidade, adequação de lugar e fundamento legal.
7 - Suspender todas as diligências em acções executivas, como determina o art° 29° n° 1 do CPEREF é também, fazer parar as penhoras de, no caso, 1/3 dos salários dos recorrentes posteriores ao despacho que mandou seguir a acção de falência.
8 - A lei ordena esta suspensão porque determina também a total apreensão dos bens do falido, presentes ou futuros (arte 175° n° 1)
9 - Ora, o salário não é um bem futuro, na medida em que é a contrapartida do trabalho do falido, mas só existirá se este vier a trabalhar.
10 - Por outro lado, se não há mais diligências em acções executivas, não podem ser penhoradas as terças partes dos salários futuros.
11 - Quando muito, os mesmos poderiam ser apreendidos, mas como não existem nem se pode antecipar o seu vencimento, nada acontece.
12 - Toda a estrutura do CPEREF aponta no sentido de ser congelada a situação patrimonial do falido, serem liquidados os bens, serem aprovadas as suas contas, serem rateados os seus bens, cessarem as funções do liquidatário, etc.
13 - Em suma, tudo tem como fim liquidar tudo, e depressa.
14 - Com o entendimento subjacente ao despacho, nunca as contas seriam aprovadas, nunca haveria rateios, ou teria de os haver uma e outra e outra e outra vez (parciais, claro) , nunca findariam as funções do liquidatário nem os autos, nunca se extinguiriam os efeitos da falência como determina o art° 238° n° 1 al. c).
15 - O despacho recorrido violou o disposto no art° 29° n° 1 do CPEREF.
16 - O despacho recorrido, ao fundamentar-se meramente na opinião pessoal do seu autor, viola o princípio da separação de poderes consagrado no art° 110º,n° 1 da CRP, por tentar legislar.

Não foram produzidas contra alegações.

O senhor juiz sustentou o despacho em causa.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos Legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa que:

Do pedido de falência foram citados os credores, que nada opuseram à decretação da falência, que foi pedida por um deles.
Os agravantes pediram que fosse ordenado o fim dos descontos dos seus salários e a devolução dos descontos efectuados após a prolação do despacho que ordenou o prosseguimento da acção de falência ou do que decretou esta.
O Tribunal indeferiu estes dois pedidos considerando que:
“É nosso entendimento que com a declaração de falência não são sustados os descontos nos vencimentos dos falidos.”
Acrescentando:
Na verdade, não se afigura razoável que com a declaração de falência se sustem tais descontos.”
Para se continuar, de seguida:
“Desde logo porque a suspensão dos descontos nos vencimentos dos falidos tornaria a declaração de falência positiva e do próprio interesse dos falidos, pois esta beneficiava-os em detrimento dos credores que viam goradas as suas expectativas no ressarcimento dos seus créditos que, por via das execuções sucessivas poderiam obter. Desta forma estaria encontrado um expediente com cobertura legal para que os devedores não cumprissem as suas obrigações sem que com isso vissem os seus vencimentos beliscados.”
Deste despacho foi interposto agravo, que foi admitido.

Nos termos do art. 684º,nº3 e 690º,nº1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do nº 2, do art.660º, do mesmo código.

As questões suscitadas consistem em apreciar se:

1. O despacho proferido é nulo porque não fundamentado legalmente, como determina o art° 158° n° 1 do CPC?

2. O despacho recorrido violou o disposto no art° 29° n° 1 do CPEREF.

3. O despacho recorrido, ao fundamentar-se meramente na opinião pessoal do seu autor, viola o princípio da separação de poderes consagrado no art° 110º,n° 1 da CRP, por tentar legislar?


Respondendo, de acordo com os elementos que constam dos Autos, aprecia-se que:

A necessidade da fundamentação prende-se com a própria garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação de decisão judicial em si mesma (cf. o Ac. n.° 55/85 do TC, de 25.3.1985: Acs. TC, 5.°-467 e ss.). Sendo que a omissão de fundamentação acarreta a nulidade do despacho, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 158°, 659°, 668°, n.° 1, alínea a), e 660°, n.° 3, do Cód. Proc. Civil (Ac. STA, de 14.3.1974: BMJ, 239.°-242).
De resto, até a própria justificação da questão de direito por simples adesão aos fundamentos jurídicos alegados pelas partes traduz violação do art. 158°, n.° 2, e acarreta o regime de nulidade prevista na alínea a) do art. 668°, n.° 1, e não o da nulidade de actos processuais do art. 201º (Ac. STJ, de 19.1.1984: BMJ. 333.°-380).
A exigência de fundamentação tem natureza imperativa, é um princípio geral que a própria constituição consagra no art. 208°, n.° 1, e que tem de ser observado nas decisões judiciais, mesmo nas proferidas em processo de jurisdição voluntária ou em processo tutelar (Ac, RP, de 17.10.1991:BMJ, 410.°-876).
Com efeito, as decisões jurisdicionais devem ser fundamentadas, quando: a) proferidas sobre qualquer pedido controvertido; ou b) sobre alguma dúvida suscitada no processo. A fundamentação não pode, sequer , consistir na mera adesão aos fundamentos de qualquer das partes. (Ac. RL, de 18.12.1997: Col. Jur. 1997, 5.°-126).
Demais, do princípio consagrado no artigo 208º, n.° 1, da Constituição, enquanto garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (art. 2º), há-de decorrer para o legislador, pelo menos, a obrigação de prever a fundamentação das ‘decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimidade da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso’ (cf. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1993, pp. 798--799). De qualquer modo, os limites a tal liberdade constitutiva do legislador (ou ‘discricionariedade’ legislativa) hão-de ser muito largos e respeitar a um núcleo essencial mínimo de decisões judiciais. De outro modo, na verdade, “subverter-se-á o próprio sentido da cláusula constitucional (que é intencionalmente o de uma “incumbência” ao legislador) e o seu citado propósito cautelar …”
Ora, tal como se afirma no mesmo Acórdão nº 310/94, a determinação do alcance que o legislador ordinário há-de conferir à obrigação de fundamentar as decisões judiciais obriga a indagar quais as funções desempenhadas pela fundamentação. Assim, desde logo, a fundamentação de uma sentença contribui para a sua eficácia, já que esta depende da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral. Escreve Eduardo Correia: «só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, ‘convencer’ as partes e a sociedade da sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado por ‘convencido’ sugere» ( Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o art. 653º do projecto, em 1ª revisão ministerial, de alteração do Código de Processo Civil», Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXXV (1961), p. 184).
A fundamentação permite, ainda, quer pelas próprias partes, quer, o que é de realçar, pelos tribunais de recurso ( Michele Taruffo, «Note sulla garanzia costituzionale de motivazione» in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LV (1979), pp. 31-32], fazer, como escreve Marques Ferreira, «intraprocessualmenre, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso («Meios de prova», in Jornadas de Direito Processual Penal — O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1992, p. 230).
Mais importante, todavia, é a circunstância de a obrigação de fundamentar as decisões judiciais constituir um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (v. Michele Taruffo, op. cit., pp. 34-35, que escreve: «a garantia constitucional do dever de fundamentação ocupa um lugar central no sistema de valores nos quais deve inspirar-se a administração da justiça no Estado democrático moderno»).
É indiscutível que «o princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de direito e no Estado social de direito contra o arbítrio do poder judiciário», v. Pessoa Vaz, Direito Processual Civil — Do Antigo ao Novo Código, Coimbra, 1998, p. 211.
Embora não venha ao caso fazer a história, nem sequer para o direito português, da obrigação de fundamentar as decisões judiciais não podemos, a concluir este ponto, deixar de citar Benthamn: «In legislation, injudicature, ia every line of humam action in which the agent is or ought to be accountable to the public or any part of it, — giving reasons is, in relation to rectitude of conduct, a test, a standart, a security, a source of interpretation. Good laws are such laws for which good reasons can be given: good decisions are such decisions for which good reasons can be given» (An Introductory view of the Rationale of Evidence, in The Works o Jeremy Bentham, ed. de 1962, Nova lorque, vol.VI, p. 357), e de repetir que a motivação das decisões judiciais é uma garantia da possibilidade de controlo democrático do exercício do poder judicial em face dos cidadãos e do próprio Estado, exigência do princípio do Estado de direito (artigo 2º da Constituição).”
Haverá de enunciar-se que o dever de fundamentar as decisões, consignado no art. 158º do Cód. Proc. Civil, pelo que respeita ao direito, não implica que o julgador aprecie todas as razões invocadas pelas partes, mas apenas que indique a razão jurídica que serve de fundamento à decisão, podendo esta indicação ser feita de forma sucinta (Ac. STJ, de 28.10.1999: CoL Jur., 1999, 3.°-66).
O que, não obstante o expresso decisionismo voluntarista do Decisor, ficou, nos Autos, por acontecer.

Numa outra vertente, de acordo com o que se consagra no art.29º do CPEREF, proferido o despacho de prosseguimento da acção, ficam imediatamente suspensas todas as execuções instauradas contra o devedor e todas as diligências de acções executivas que atinjam o seu património, incluindo as que tenham por fim a cobrança de créditos com privilégio ou com preferência; a suspensão abrange todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor (nº1). Sendo que a suspensão mantém-se até ao termo do prazo máximo estabelecido para a deliberação da assembleia de credores, fixado no n.° 1 do artigo 53.°, ou, antes disso, até ao trânsito em julgado da decisão que homologue ou rejeite a providência de recuperação aprovada, declare findos os efeitos do despacho de prosseguimento ou determine a extinção da instância, não podendo, porém, a cessação da suspensão prejudicar o disposto nos artigos 95°, n.° 2, e 103°, n.° 4 (nº2).
Porque assim é, impõe-se assinalar, pressuponentemente, que, tal como assinalam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (“Manual de Processo Civil”, 2. ed., rev. e act., Coimbra, 1985, págs. 74-75), «no seu sentido rigoroso ... a classificação do processo como declaratório ou executivo abrange não só o processo comum, mas também os processos especiais e os procedimentos cautelares». Nuns e noutros pode haver— e há em múltiplos casos —a distinguir entre uma fase declaratória e uma fase executiva do processo. Sem que se possam esquecer tais observações na interpretação do preceito em análise. Ele determina primeiramente a suspensão das acções executivas, segundo o critério legal; mas ainda aqui há a fazer uma distinção, perfeitamente coberta pela letra da lei.
O património do devedor (falido) pode ser atingido, desde logo, nas acções executivas em que figura como executado único. Nesse caso é a própria instância executiva que se suspende com a pronúncia do despacho de prosseguimento da causa. (cfr.,em conformação não distante da que se configura, ac. Rel. Év., de 4/OUT/89, in C.J., ano XIV, n.° 4, pág. 259; ac. da Rel. Lx.., de 1210UT195, sum., in B.M.J., n.°450, pág. 547; ac. da Rel. Pto., de 16/MARJ98, sum., in B.M.J., n.°475, pág. 775; e ac. do S.T.J. de 27/MAI/97, in B.M.J., n.° 467, pág. 541, cfr., também, ac. da Rel. Lx., de 13/JULI95, sum., in B,M.J., n.° 449, pág. 427).
Tem-se posto a dúvida sobre se a prática de um acto já judicialmente ordenado, mas ainda não cumprido, deve, ou não, ser suspensa, quando ele atinja o património do devedor. Será, v.g., o caso de uma penhora determinada em certo processo executivo mas ainda não realizada.
A resposta não pode deixar de ser afirmativa, pois só ela satisfaz a peremptória determinação da lei.
Aliás, se deve ser suspensa a prática dos actos processuais que, não consubstanciando, em si próprios, nenhuma afronta ao património do devedor, são, todavia, uma decorrência destes últimos (v.g. concurso de credores), por maioria de razão deve paralisar-se a prática dos actos que, ela mesma, concretizando embora decisões judiciais já tomadas, atinjam o património do devedor.
Com base nas observações feitas, devem também ser suspensas as diligências executivas em providências cautelares e processos especiais, que atinjam o património do devedor. A letra da lei dá cobertura a este entendimento. Assim, só devem ser suspensas diligências executivas que afectem o património do devedor. Este, por certo, o caso da penhora de uma terça parte dos salários de ambos os falidos.
O facto de a lei estatuir a suspensão como um efeito automático do despacho de prosseguimento faz com que ela não dependa de arguição, muito embora, naturalmente, só seja efectivamente concretizada quando o tribunal onde corre a acção ou diligência a suspender tenha conhecimento do facto suspensivo. Isto tem duas consequências. A primeira é a de, se acaso se verificar algum acto jurídico ou material que devia ter sido sustado, nem por isso ele poder prevalecer, havendo então nulidade processual. A segunda é a de o devedor ter o dever jurídico de, imediatamente após ter conhecimento do despacho, promover, nas acções que devem ficar suspensas — ou em que deve verificar-se a suspensão de alguma diligência —, os procedimentos necessários para dar conhecimento ao tribunal do despacho determinativo da suspensão. Se o não fizer e for praticado acto que deveria ser suspenso, então pode haver lugar a responsa bilidade civil do próprio devedor (falido). Tudo isto porque o espírito da lei é seguro no sentido de preservar, até onde é possível, o património do devedor com o seu valor máximo, por isso, a única solução viável é, efectivamente, a de suspender-se, então, o processo, após essa diligência. (cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, João Labareda, CPEREF, Anotado, 3ª Edição, pags.132-135).
Pondere-se que, sempre por referência ao aspecto nuclear, dos efeitos da falência sobre os negócios e as relações em curso, há que distinguir, desde logo, dois aspectos fundamentais: — a separação da massa falida; a liquidação das relações em curso. Relativamente ao primeiro aspecto, do património do falido vai separar-se a massa falida. Os livros do falido são encerrados, o falido perde a administração e a disposição dos bens presentes (e também futuros), passando esse poder para o liquidatário judicial (cfr. José de Oliveira Ascensão, Lições de Direito Comercial, F.D.L.,Vol.I,1986/87,nº52,II). Por isso se diz que este representa o falido para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à falência .Na sentença declaratória de falência deve o tribunal decretar a apreensão dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens .
Os bens são apreendidos, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer outra forma apreendidos ou detidos. Contudo, só são apreendidos os bens susceptíveis de penhora; e não são apreendidos os bens que já hajam sido objecto de apreensão em virtude de infracção, penal ou de mera ordenação social.
Observa - se, assim, que o falido não deixa de ter o seu património; se bem que seja um património remanescente, é um património geral, que se contrapõe à massa falida como património autónomo e separado.
Contrapõem-se os bens impenhoráveis; os proventos que a remuneração que lhe for arbitrada em consequência do auxílio que preste ao liquidatário judicial; os alimentos que lhe forem atribuídos; os rendimentos dos cargos sociais que seja autorizado a exercer; e o que angariar se os efeitos patrimoniais da falência forem levantados.
Com isto se obtém, em qualquer caso a separação patrimonial, formando-se a massa falida como património autónomo, afecto ao fim particular da satisfação dos credores (Cfr. José de Oliveira Ascensão, Efeitos da Falência Sobre a Pessoa e Negócios do Falido, in Revista da Ordem dos Advogados,1995,pags.652 e 653; também Rodrigo Uria, Derecho Mercantil, 13ª ed., Marcial Pons, 1986,nº890, in fine) .
Leve-se, ainda, em consideração, que o próprio art.811ºA, do CPC, veio consagrar expressamente a possibilidade de indeferimento liminar — total ou parcial — do requerimento executivo, quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título, ocorram excepções dilatórias insupríveis que ao juiz cumpra oficiosamente conhecer ou, fundando-se a execução em título negocia, seja manifesta a sua improcedência, em consequência de, face aos elementos dos autos, ser evidente a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda que ao juiz cumpra conhecer oficiosamente.
Segundo se salienta no Relatório do DL nº329-A/95, de 12.12, «tal solução — claramente diferente da que se propugnou para o processo declaratório — radica nas especificidades próprias do fim do processo executivo, envolvendo a normal e típica tramitação do processo executivo, não propriamente a declaração ou reconhecimento dos direitos, mas a consumação de uma subsequente agressão patrimonial aos bens do executado, parece justificado que o juiz seja chamado, logo liminarmente, a controlar a regularidade da instância executiva».
Diversamente do que, após a revisão processual civil de 1995/96 acontece na acção declarativa, o juiz deve proferir sobre o requerimento inicial da execução em despacho liminar que pode ser de indeferimento, de aperfeiçoamento ou de citação.
Um dos casos de indeferimento liminar do requerimento executivo é a ocorrência de excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso — al. b) do n.° 1 do art. 81 1°-A do Cód. Proc. Civil.
Passado o momento do despacho liminar, é ainda possível ao juiz, no esquema do código revisto, vir a conhecer, até ao despacho que ordene a realização da venda ou de outra diligência destinada ao pagamento, de qualquer das questões que nos, termos do art. 811°, n.° 1 e do art. 811.°-B, n.° 1, podiam ter conduzido ao indeferimento do requerimento executivo — art. 820.° daquele Código.
Até lá, o juiz deve rejeitar oficiosamente a execução logo que se aperceba da ocorrência de alguma das situações susceptíveis de fundar o indeferimento, quer ela fosse já manifesta à data do despacho liminar, quer só posteriormente se tenha revelado no processo executivo ou mesmo no processo declarativo de embargos de executado (Lebre de Freitas - A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 2ª ed., pág. 137; Ac. RL, de 24.2.2000: Col. Jur.,2000, 1.°-125).

Colhem, deste modo, resposta afirmativa as duas primeiras questões formuladas (1ª e 2ª), saindo a 3ª prejudicada, ou, no mínimo, diluída ( recte, satisfeita, por isso dirimida, na resposta dada à que foi formulada inicialmente ).E, tal de forma, negativa, pois que se não trata de ensaiado acto de legislar, por isso sem virtualidades para beliscar qualquer separação de poderes…mesmo do invocado art.110º, da Constituição!

Pode, assim, concluir-se que:

1. O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de direito e no Estado social de direito contra o arbítrio do poder judiciário.

2. O dever de fundamentar as decisões, consignado no art. 158º do Cód. Proc. Civil, pelo que respeita ao direito, não implica que o julgador aprecie todas as razões invocadas pelas partes, mas apenas que indique a razão jurídica que serve de fundamento à decisão, podendo esta indicação ser feita de forma sucinta.

3. De acordo com o que se consagra no art.29º do CPEREF, proferido o despacho de prosseguimento da acção, ficam imediatamente suspensas todas as execuções instauradas contra o devedor e todas as diligências de acções executivas que atinjam o seu património, incluindo as que tenham por fim a cobrança de créditos com privilégio ou com preferência; a suspensão abrange todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor.

4. O património do devedor (falido) pode ser atingido, desde logo, nas acções executivas em que figura como executado único. Nesse caso é a própria instância executiva que se suspende com a pronúncia do despacho de prosseguimento da causa.

5. Se deve ser suspensa a prática dos actos processuais que, não consubstanciando, em si próprios, nenhuma afronta ao património do devedor, são, todavia, uma decorrência destes últimos (v.g. concurso de credores), por maioria de razão deve paralisar-se a prática dos actos que, ela mesma, concretizando embora decisões judiciais já tomadas, atinjam o património do devedor.
6. Com base nas observações feitas, devem também ser suspensas as diligências executivas em providências cautelares e processos especiais, que atinjam o património do devedor. A letra da lei dá cobertura a este entendimento. Assim, só devem ser suspensas diligências executivas que afectem o património do devedor. Este, por certo, o caso da penhora de uma terça parte dos salários de ambos os falidos.

7. Não se vislumbra, circunstancialmente, qualquer ensaiado acto de legislar, por isso sem virtualidades para, por sua vez, beliscar qualquer separação de poderes…mesmo do invocado art.110º, da Constituição!


III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se provimento ao agravo interposto, consequentemente se revogando, o despacho recorrido, tal como nos Autos referenciado, ordenando o fim das penhoras de uma terça parte dos salários de ambos os falidos, bem como a devolução aos mesmos de todas as quantias, que lhes foram e venham a ser subtraídas aos seus vencimentos, após a prolação do despacho que ordenou o prosseguimento da acção de falência.

Sem Custas.