Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
78/07.6TBCBT.G1
Relator: MARIA DA CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
SERVIDÃO LEGAL
SERVIDÃO DE PASSAGEM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O direito de preferência referido no art. 1555 do C.C. só existe quando a servidão que onera o prédio seja susceptível de imposição legal, isto é, quando o prédio que dela beneficie se encontre numa situação à qual corresponda a atribuição ao seu proprietário do direito potestativo de ver constituída uma servidão legal de passagem.
II - Não se encontra nestas circunstâncias uma servidão constituída por destinação do pai de família, estabelecida a favor de prédio não encravado.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães.

I- Relatório:

Rosa… , Ana… e marido, José…. , Maria… e marido, José… , e Maria… , vieram propor contra Agostinho… e mulher, Gracinda… , e Santa Casa de Misericórdia de… , acção declarativa sob a forma sumária, pedindo seja reconhecido aos AA. o direito de preferirem na venda realizada pela 2ª Ré aos 1ºs RR. do prédio sito no lugar de B..., B..., Celorico de Basto, descrito na C.R.P. sob o nº 8... e inscrito na matriz predial sob o artigo 360, e de haverem para si o prédio vendido, sendo ordenado o cancelamento de qualquer registo de transmissão operado pela respectiva escritura pública de compra e venda. Alegam, para tanto e em síntese, que as AA. mulheres são as únicas e universais herdeiras (cônjuge e filhas) de Avelino… , sendo, em consequência, donas e legítimas possuidoras de um prédio urbano sito no Lugar de B..., B..., Celorico de Basto, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 359, e descrito na C.R.P. de Celorico de Basto sob o nº 432. Mais referem que, em 19.8.2006, o R. Agostinho… comunicou às 2ª, 3ª e 4ª AA. que havia adquirido à 2ª Ré, Santa Casa da Misericórdia de… ”, por escritura pública de 10.5.2006, o prédio contíguo àquele inscrito na matriz predial da freguesia de B... sob o artigo 3..., e uma horta que pertence ao prédio dos AA.. Dizem, ainda, que tal prédio contíguo se encontra registado a favor do 1º R., constando da descrição do mesmo que tem uma área descoberta de 95 m2, a qual é pertença dos AA., sendo aquela descrição alterada em contrário da realidade. Pelo que o prédio dos AA. e o adquirido pelos 1ºs RR. faziam parte de um único prédio constituído por uma morada de casas contíguas umas às outras, que veio a ser fraccionado em três prédios distintos (hoje com os nºs 35..., 35... e 3... na matriz), tendo o prédio originário diferentes acessos e mais do que um acesso a todas as casas de habitação que o integravam, sendo servido por um caminho, criado sobre o prédio dos AA., em terra batida, com uma largura de cerca de 4,5 metros, que liga e dá acesso às diversas moradas de casas, por onde sempre se fez o trânsito, a pé ou através de veículos motorizados, para o prédio dos AA. e para o prédio adquirido pelo 1º R.. Defendem, assim, que sobre o seu prédio se encontra constituída uma servidão de passagem, por destinação de pai de família, para o prédio adquirido pelo 1º R., pelo que lhes assiste direito a preferir na venda deste.
Contestou a 2ª Ré, invocando a ilegitimidade dos AA. por ainda não ter ocorrido aceitação da herança, e impugnando, no essencial, a factualidade alegada, mais sustentando que o prédio vendido ao 1º R. não é um prédio encravado, não havendo qualquer servidão legal de passagem, pelo que não existe o direito de preferência reclamado. Conclui pela procedência da excepção e pela improcedência da causa.
Contestaram, ainda, os 1ºs RR., impugnando também parte da factualidade alegada na p.i., e sustentando, do mesmo modo, que o prédio por si adquirido à 2ª Ré não está encravado, não existindo o direito de preferência invocado. Concluem pela improcedência da causa.
Os AA. apresentaram resposta à contestação, respondendo à excepção invocada e ampliando a causa de pedir de modo a que, considerando-se que o caminho indicado nos autos é propriedade comum aos vários prédios que serve, lhes assistirá ainda assim o direito de preferência invocado enquanto comproprietários do dito terreno que também integra o prédio alienado. Concluem como na petição inicial.
Proferiu-se despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa e se procedeu à selecção da matéria de facto.
Foi levada a cabo perícia e realizou-se a audiência de discussão e julgamento, efectuando-se inspecção ao local (cfr. fls. 581 a 583).
Proferiu-se, de seguida, sentença que, julgando a acção improcedente por não provada, absolveu os RR. do pedido.
Inconformados, os AA. recorreram da sentença proferida, sendo o recurso recebido como de apelação e efeito meramente devolutivo. Apresentadas as alegações, foram ali formuladas as seguintes conclusões que se transcrevem:

1- Existem pontos da matéria de facto incorrectamente julgados:
a) a resposta à matéria de facto do artigo 16.º da B.I. deveria ter acrescentado a pertença do caminho ao prédio dos Autores (apesar de haver efectuado residualmente tal prova, remetendo a propriedade do caminho para o prédio inscrito na matriz sob o artigo 359.º).
b) deveria ainda ter sido declarado provado, ao artigo 17.º da Base Instrutória, que o referido caminho se destinava e destina ainda a dar acesso ao prédio referido em “H”.
c) de igualmente modo deveria ter sido declarada provada a matéria de artigos 23.º e 24.º da Base Instrutória.
d) ainda a matéria de artigos 38.º e 39.º da Base Instrutória deveria ter sido respondida no sentido de declarar provado que a porta referida em 18.º deita para o prédio dos Autores e destes para a via pública.
2- Existem meios de prova constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida e no sentido da anteriormente vertida:
a) A confissão, em sede de depoimento de parte, do Réu Agostinho… ;
b) O depoimento da testemunha Armindo…;
c) O relatório pericial de fls. 298 e seguintes;
d) A matéria de facto relativa à composição e confrontação dos prédios, constante quer das escrituras públicas, quer das certidões e cadernetas prediais, quer da matéria assente nas alíneas “C”, “E”, “H” e “K”;
e) A matéria de facto dada como total ou parcialmente provada aos artigos 19.º, 29.º e 45.º da B.I..
3- A declaração como não provada da matéria de facto correspondente à propriedade exclusiva do caminho, como integrando o prédio dos Autores, impunha, em virtude da confissão aceite subsidiariamente pelos Autores, que tal parcela ou faixa de terreno fosse considerada comum aos três prédios, ou seja, aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 358.º, 359.º e 360.º, correspondentes ao prédio anteriormente descrito na Conservatória sob o n.º 10.406, e descrito em K da matéria assente.
4- Consequentemente, e dando-se aqueloutra matéria como não provada, sempre teria a matéria de facto do artigo 40.º, e a propriedade comum do terreno, correspondente ao caminho, invocada pelos Réus e aceite condicionalmente pelos Autores, que haver sido declarada provada.
5- Foram ainda violadas, na sua interpretação e aplicação, as seguintes disposições legais:
- Art. 1.549.º do C.C.: Constituição da servidão por destinação de pai de família, revelada por sinais visíveis e permanentes, postos em um ou ambos os prédios, que revelam serventia de um para o outro.
- Artigo 1.555.º do C.C.: O proprietário de prédio onerado com servidão de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência, no caso de venda….
6- Mas quando assim não se entenda, o que sempre não se concede, sempre foram violadas, na sua interpretação e aplicação, as seguintes disposições legais:
- Art. 469.º, n.º 1, do C.P.C.: Não foi atendido o pedido subsidiário formulado pelos Autores;
- Art. 293.º, n.º 1 do C.P.C.: Os Réus confessaram o pedido subsidiário formulado pelos Autores;
- Art. 204.º, n.º 1, alíneas a) e e) do C.C.: A faixa de terreno – caminho - integra o (ou os) prédios contíguos;
- Art. 1.409.º, n.º 1 do C.C.: O comproprietário goza do direito de preferência.”
Pedem a procedência do recurso e a revogação da sentença proferida, substituindo-se esta por outra que reconheça, em qualquer caso, o direito de preferência dos AA..
Não se mostram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***
II- Fundamentos de Facto:
A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade:


1) No dia 3 de Dezembro de 1991 faleceu, sem deixar testamento ou outra disposição de vontade, Avelino… , no estado de casado em primeiras núpcias e no regime da comunhão geral, com a primeira autora.
2) Sucederam-lhe como seus únicos herdeiros, o seu cônjuge - a primeira autora, e as três filhas - as segunda, terceira e quarta autoras.
3) Da certidão da Conservatória do Registo Predial o prédio urbano composto por morada de casas de rés-do-chão, 1º andar e horta, sito no lugar de B..., na freguesia de B..., deste concelho, que confronta do lado norte com Santa Casa da Misericórdia de… e Estrada Municipal, do lado sul com Noémia…; do lado poente com Santa Casa da Misericórdia de… e Estrada Municipal e do lado nascente com Estrada Nacional, inscrito na respectiva matriz sob o artº 359 encontra-se descrito sob o nº 432 e registado a favor do falecido Avelino… e mulher Rosa… .
4) Os bens que constituem a herança aberta por óbito do referido Avelino… , da qual faz parte o prédio mencionado em 3º, encontram-se por partilhar.
5) Por escritura pública de 20 de Novembro de 1972, lavrada a fls. 46 v, do Livro nº 616, do Cartório Notarial de Celorico de Basto, Maria das Dores… declarou vender a Agostinho… , e este declarou comprar, «o prédio constituído por “uma morada de casas e horta”, sito no Lugar de B..., da referida freguesia de B..., a confrontar do norte e poente com casa da vendedora, sul com herdeiros de António de Melo Pereira Pinto de Azevedo e do nascente com a estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho como fazendo parte da descrição número dez mil quatrocentos e seis, do livro B vinte e sete, inscrito na matriz urbana sob o artigo trezentos e cinquenta e nove».
6) Por escritura pública de 28 de Janeiro de 1977, lavrada a fls. 49 a 50 do Livro nº Q- 75, de Escrituras Diversas, da Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim - 2º Cartório, aquele Agostinho… declarou vender ao falecido e referido Avelino… , e este declarou comprar o prédio referido em 5º.
7) Por escritura pública de 5 de Março de 1991, exarada a fls. 54 a 55v, do Livro nº 803-A, do Cartório Notarial de Celorico de Basto, o falecido Avelino… e a 1ª autora, estes declararam serem donos e legítimos possuidores do prédio urbano denominado “uma morada de casas de rés-do-chão e primeiro andar”, com a superfície coberta de cento e cinquenta e seis virgula vinte e cinco metros quadrados, e horta com a área de quarenta metros quadrados, sito no lugar de B..., da referida freguesia de B..., a confrontar do norte, Santa Casa da Misericórdia de… e Estrada Municipal, sul, Noémia Moura de Azevedo e outra, nascente, Estrada Nacional e poente, Santa Casa da Misericórdia de… e Estrada Municipal, e inscrita na matriz sob o artigo trezentos e cinquenta e nove», declarando ainda terem adquirido o referido prédio por Usucapião.
8) Por escritura publica de 10 de Maio de 2006, lavrada a fls. 106, do Livro nº 12-A, do Cartório Notarial de Celorico de Basto, a segunda Ré declarou vender ao primeiro réu, e este declarou comprar, «pelo preço de seis mil setecentos e cinquenta euros, já recebido, o seguinte prédio urbano situado no lugar de B..., B..., Celorico de Basto: “Morada de casas de rés do chão, descrito na Conservatória do Registo Predial deste conselho sob o nº oitocentos e vinte e dois e lá registado a favor da sua representada pela inscrição G- um, inscrito na matriz sob o artigo 360, com o valor patrimonial de € 844,57».
9) O prédio referido em 8º encontra-se registado actualmente a favor do primeiro réu, através da inscrição G – Ap.3 de 2006/05/10, com a seguinte descrição: “prédio urbano constituído por casa de rés do chão e logradouro, situado em B..., com área total de 207,20m2, sendo112,20m2 de área coberta e 95m2 de área descoberta, confrontando a norte, sul e poente, com terrenos da 2ª Ré; a nascente com estrada”.
10) O prédio dos primeiros Réus, vendido pela ora contestante, possui saídas directas para a via pública.
11) O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 10406 pertencia a Maria das Dores… e era constituído por uma morada de casas contíguas umas às outras, a saber:
1. uma casa de rés do chão, com área de 112,20 m2;
2. uma casa de rés e primeiro andar, com uma área de 85,50m2;
3. e uma casa de rés do chão e primeiro andar, com a área 156,25 m2, e logradouro/horta de 95m2.
12) Os autores procederam ao depósito da quantia de € 7.500,00.
13) A presente acção deu entrada em juízo na data de 31 de Janeiro de 2007.
14) Os autores por si e pelos seus antecessores sempre tiveram a detenção e fruição do aludido prédio descrito em 3º.
15) Explorando-o livremente, designadamente decidindo das culturas que nele semeiam ou plantam, que tratam e depois colhem, liquidando as contribuições e demais impostos, em tudo agindo como donos.
16) Tal detenção e fruição tem sido exercida em nome próprio, sem violência e sem qualquer oposição ou ocultação, na frente de toda a gente, de dia de noite, e com a intenção de agirem como exclusivos donos.
17) O que sucede há mais de 15, 20 e 30 anos, à vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos Réus, de forma ininterrupta, na intenção e convicção de que o mesmo lhes pertencia.
18) Os Autores agiam nos termos referidos a 14º a 17º à data da celebração do negócio referido em 8º.
19) Os prédios descritos em 3º e 8º faziam parte do prédio identificado em 11º.
20) A morada de casas identificada em 11º ponto 1. corresponde ao prédio descrito em 8º, e a morada de casas referida em 11º, ponto 3 corresponde ao prédio descrito em 3º.
21) O prédio identificado em 11º é actualmente propriedade de três donos diferentes e corresponde aos prédios inscritos na matriz predial com os artigos 358, 359 e 360.
22) O prédio identificado em 11º sempre teve diferentes acessos e mais do que um acesso a todas as casas de habitação e ao estabelecimento comercial, que o integravam.
23) Quer antes quer posteriormente à separação, o prédio referido em 11º era servido e continua a sê-lo por um caminho em terra batida, com uma largura de 3 metros, que liga e dá acessos às moradas de casas aí mencionadas.
24) O caminho referido em 23º tem início na estrada nacional que confronta com o prédio dos Autores e do primeiro Réu, pela nascente, percorre o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 359, no sentido nascente para poente-sul( Sobre a redacção definitiva deste ponto nos pronunciaremos adiante.
).
25) O caminho referido em 23º destina-se a dar acesso ao prédio dos Autores e ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 358.
26) Para o caminho referido em 23º deita uma porta do prédio referido em 8º.
27) O caminho referido em 23º apresenta-se calcorreado em terra batida, encontrando-se o seu leito bem desenhado e definida a passagem do prédio do primeiro réu para o prédio das autoras.
28) A porta referida em 26º situa-se na parede do lado sul do prédio referido em 8º.
29) Quando Maria das Dores… transformou o prédio inicial referido em 11º em dois prédios, o caminho referido em 23º manteve-se.
30) Quando os Autores adquiriram o seu prédio descrito em 3º o caminho referido em 23º manteve-se.
31) Quando a Ré “Santa Casa da Misericórdia de… ” adquiriu o seu prédio, referido em 8º, o caminho referido em 23º também se manteve.
32) O caminho, de acordo com a configuração e utilidade referidos em 23º e 24º foi mantido e é usado por mais de 20 anos, sem interrupção, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse.
33) Através desse caminho transitam e sempre transitaram os proprietários e antepossuidores do prédio referido em 8º.
34) A Ré “Santa Casa da Misericórdia de… ” não comunicou aos autores a venda referida em 8º, nem o preço do negócio, nem a sua forma de pagamento nem a identificação do comprador em qual o local e prazo para celebrar a respectiva escritura, nem quaisquer outras condições na realização do negócio jurídico.
35) Os Autores apenas tomaram conhecimento da compra do prédio referido em 8º em Agosto de 2006.
36) O prédio referido em 8º possui duas janelas, com a largura de 2,60 metros e 2,10 metros, e a altura de 2,93 metros, e uma porta com a largura de 2,61 metros e a altura de 2,93 metros, deitando todas de forma directa para a estrada nacional.
37) Entre as portas e a faixa de rodagem da estrada nacional, e em toda a extensão do prédio, existe uma berma que serve simultaneamente para parqueamento aos veículos automóveis e passagem de pessoas, com uma largura variável ao longo da sua extensão, entre 1,67 metros a 1,85 metros.
38) Sempre foi pelas portas referidas em 36º que deitam directamente para a via pública que era, e é, abastecido de matéria prima o estabelecimento industrial e comercial de carpintaria ali instalado e por onde saíam e saem por essas portas as mercadorias e os materiais acabados aí produzidos.
39) É por essas mesmas portas que as pessoas entravam e saem, como saem e entram, do estabelecimento, há mais de 40 anos e até à presente data.
40) A porta referida em 26º tem 1,43 metros de largura e 1,88 metros de altura, e deita para um terreno que serve de ligação a vários prédios( Sobre a redacção definitiva deste ponto nos pronunciaremos adiante.).
41) A porta referida em 26º dá acesso dos prédios para a via pública e vice-versa por meio de um portão em ferro, composto de duas folhas de ferro, com 2,56 metros de largura e 3,12 metros de altura( Sobre a redacção definitiva deste ponto nos pronunciaremos adiante.
).
42) Na faixa de terreno referida em 40º, na parte mais a poente da mesma, existe uma construção destinada a casa de banho e uma fossa séptica, a qual foi executada pelo locatário do prédio referido em H) há mais de 40 anos.
43) A porta referida em 26º foi aberta, em meados de 1967, por Joaquim… , à data arrendatário da então proprietária do prédio indicado em 8º para aceder a umas casas de banho e à fossa séptica referidos em 42º, que existiam, e ainda existem, na estrema poente da dita parcela e que foram construídas por este nessa mesma data, bem como para depositar madeiras e outros materiais próprios da indústria que laborava no prédio dos réus.
44) Tal porta não possuía, nem possui qualquer fechadura, sendo apenas trancada pelo interior, servindo apenas os proprietários e antepossuidores do prédio descrito em 8º.
45) A parcela referida em 40º destina-se a servir os autores e os seus antepossuidores, para acederem ao rés-do-chão da sua habitação e para aceder, ainda, ao rés-do-chão do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 361º, da freguesia de B..., também propriedade da segunda ré.
46) Utilizando-a, desde tempo imemoriais, que ultrapassa a memória dos vivos e dos mortos que os vivos conheceram.
47) Nos 60 dias seguintes após o óbito de Avelino… os autores, na Repartição de Finanças competente, indicaram os herdeiros e relacionaram os bens, liquidando entre todos os autores, com recurso a seus rendimentos próprios, nesse ano e nos seguintes, até à presente data, a contribuição autárquica devida pelos prédios que fazem parte da herança.

***
III- Fundamentos de Direito:

Cumpre apreciar do objecto do recurso.
Os recursos são meios de impugnação de decisões com vista ao reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida.
O tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Para além disso, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões do recorrente (cfr. arts. 684, nº 3, e 690, nº 1, do C.P.C.), só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660, nº 2, “ex vi” do art. 713, nº 2, do mesmo C.P.C.).
Compulsadas as conclusões do recurso, verifica-se que as questões que importa apreciar respeitam à alegada existência de erro na apreciação e fixação da matéria de facto e, quanto à aplicação do direito aos factos, na avaliação da concreta existência do direito de preferência reclamado pelos AA..

A) Da impugnação da matéria de facto:

Os recorrentes reclamam, no essencial, resposta diversa aos quesitos 16º, 17º, 23º, 24º, 38º, 39º e 40º da Base Instrutória. Mais referem que a resposta dada ao quesito 17º está em contradição com as respostas dadas aos quesitos 19º, 29º e 45º e que a resposta dada aos quesitos 38º e 39º está em contradição com as respostas dadas aos quesitos 16 e 19º.
Não será, contudo, demais salientar, no que respeita à reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, que o art. 655 do C.P.C. consagra o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Segundo este princípio, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas.

“O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração (...): é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.

Representando, tal como os outros princípios referidos, uma conquista que se tem vindo a desenvolver desde a Revolução Francesa, a livre apreciação implantou-se historicamente em substituição dum sistema de prova legal em que os próprios depoimentos testemunhais eram valorados em função de factores meramente quantitativos. Hoje, a liberdade de apreciação da prova pelo julgador constitui a regra, sendo excepção os casos em que a lei lhe impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova.” (J. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., 2008, pág. 668, em anotação ao art. 655).

Sobre o recurso da matéria de facto diz-se, por outro lado, no preâmbulo do DL 39/95, de 15.02, que veio a prever e a regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência — visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso” e, ainda, “... o objecto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova ...”.

Aponta, assim, o legislador, como já defendemos noutras ocasiões, para uma reapreciação cirúrgica da matéria de facto justificada por manifesto e excepcional erro de julgamento, contrário à evidência das provas, não pela leitura e convicção que estas geram no julgador – que é livre, não sendo determinada por qualquer hierarquização das provas – mas pela clara desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão proferida sobre a matéria de facto.

O Ac. do STJ de 10.5.07 (Proc. 06B1868, relatado pelo Conselheiro J. Pires da Rosa) sintetizou de forma particularmente expressiva este entendimento: O tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova) mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si. Claro – repete-se – que por mais sugestiva ou adequada que seja ou pareça a fundamentação do tribunal recorrido, o tribunal tem de conhecer as provas produzidas, tem de ouvir as cassetes (nos pontos indicados, ao menos) sempre, porque só a partir dessa audição – e do confronto dela com as mais provas - pode aferir dessa adequação ou razoabilidade. Mas se esta existe não há que alterar o que quer que seja, não há que substituir a razoabilidade afirmada por uma outra razoabilidade à qual necessariamente faltariam alguns elementos de suporte (...) que ajudaram a estruturar a primeira. Estaria a substituir-se uma razoabilidade por uma outra, todavia mais débil.”

Em resumo: no recurso sobre a decisão da matéria de facto não deve ser sindicada a convicção do Juiz de 1ª instância e apenas deve determinar-se a alteração da matéria de facto em caso de evidente erro de julgamento, traduzido na flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão.

Isto posto, definidas que estão as regras, vamos ao caso concreto.
Invocam os recorrentes que foi incorrectamente julgado o facto constante do quesito 16º da Base Instrutória (ponto 24 supra dos factos assentes), uma vez que deveria ter-se dado como provado que o caminho referido no quesito 15º percorre o prédio dos AA.. Invocam, para tanto, o laudo pericial, a fls. 311 e 312, e o depoimento da testemunha Armindo… .
Perguntava-se no quesito 16º -“Este caminho tem início na estrada nacional que confronta com o prédio das autoras e do primeiro réu, pelo nascente, percorre o prédio dos autores, inscrito na matriz predial sob o art. 359, no sentido nascente-norte para poente-sul, desembocando junto a uma das entradas de uma das casas, numa extensão de cerca de 15 metros?”. O Tribunal respondeu: “Provado apenas que o caminho referido em 15º tem início na estrada nacional que confronta com o prédio dos Autores e do primeiro Réu, pela nascente, percorre o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 359, no sentido nascente para poente-sul.”
Propõem os apelantes como resposta: “provado que o caminho referido em 15.º tem inicio na estrada nacional, que confronta com o prédio dos Autores e do primeiro Réu, pelo nascente, percorre o prédio dos Autores, inscrito na matriz predial sob o artigo 359.º, no sentido nascente para poente-sul.”
Muito embora se nos afigure, em bom rigor, desnecessário ou irrelevante o aditamento solicitado, tendo em conta que a titularidade do dito prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 359 se encontra já definida nos pontos 1 a 7 da matéria acima julgada assente (als. A) a G) da factualidade provada aquando da selecção da matéria de facto), o certo é que contendo o quesito aquela menção – “Este caminho ... percorre o prédio dos autores, inscrito na matriz predial sob o art. 359...” – não se alcança o motivo porque tal foi omitido na resposta ao quesito. Tanto mais que no despacho de fls. 584 a 589, na motivação da resposta à matéria de facto, refere expressamente o Tribunal a quo: “Convenceu-se também o tribunal, em face de tal prova, que a parcela de terreno ladeada pelos prédios correspondentes aos artigos 360 e 359, e pela qual se faz o acesso a todos os prédios que antes integravam o conjunto correspondente à descrição nº 10416, pertence em exclusivo ao prédio dos Autores, referido em C), e sempre foi usada pelos demais «utilizadores» com essa consciência, porquanto resultou demonstrado, sobretudo pelo depoimento das testemunhas Armindo… e Ana… , que os antepossuidores dos Autores agiam como verdadeiros proprietários em relação à mesma, nessa convicção, e sem qualquer oposição de terceiros, conclusões que se escudam em pormenores relatados como o facto de um anterior arrendatário do prédio referido em H) ter pedido autorização ao proprietário da altura do prédio referido em C) para a construção das casas de banho e para guardar a madeira que era depositada ao longo da mesma parcela, e ainda o facto de a anterior arrendatária do prédio referido em C), Umbelina… autorizar que na mesma fossem guardados os veículos dos hóspedes que mantinha no prédio, que funcionava na altura também como «estalagem». Daí a resposta negativa aos quesitos 40) e 41)”( Perguntava-se nestes últimos quesitos: “A faixa de terreno referida em 38º é comum aos prédios que da mesma se servem, cujos titulares são comproprietários?” (40º) e “A situação descrita em 40º foi como tal entendida pelos respectivos proprietários, quer antes quer posteriormente ao fraccionamento dos prédios referido em K)?” (41º).).
Assim, é de alterar a redacção da resposta àquele quesito 16º no sentido proposto pelos apelantes.
Passará, por conseguinte, o ponto 24 supra a ter a seguinte redacção: “O caminho referido em 23º tem início na estrada nacional que confronta com o prédio dos Autores e do primeiro Réu, pela nascente, percorre o prédio dos AA., inscrito na matriz predial sob o artigo 359, no sentido nascente para poente-sul”.
Defendem os recorrentes que foi também incorrectamente julgado o facto constante do quesito 17º da Base Instrutória (ponto 25 supra dos factos assentes), na parte em que não considerou provado que o caminho em questão também se destina a dar acesso ao prédio dos 1ºs RR.. Sustentam-se no depoimento de parte do 1º R. Agostinho… . Mais referem que a dita resposta se encontra em contradição com a que foi dada aos quesitos 19º, 29º e 45º (pontos 27, 33 e 44 supra dos factos assentes).
Perguntava-se no quesito 17º -“O caminho destina-se a dar acesso ao prédio dos Autores e ao prédio do primeiro Réu e ao prédio inscrito na matriz sob o art. 358?”. O Tribunal respondeu: “Provado apenas que o caminho se destina a dar acesso ao prédio dos Autores e ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 358.”
Propõem os apelantes como resposta: “O caminho destina-se a dar acesso ao prédio dos Autores, ao prédio do primeiro Réu e ao prédio inscrito na matriz sob o art. 358?”.
Neste ponto não assiste razão aos apelantes, sendo que também não existe a contradição assinalada. A questão acentuada pelos recorrentes e que também se perguntava no quesito era se o caminho aqui em questão dava igualmente acesso ao prédio do 1º R. (ponto 8 da matéria supra). Ora, neste particular explicou o Tribunal a quo no despacho de fls. 584 a 589 citando, designadamente, as testemunhas Armindo Costa, Ana Freitas, Firmino José e António Ferreira e, em geral todas as inquiridas em audiência como tendo deposto de forma unânime e coincidente “relativamente ao acesso ao prédio referido em H), correspondente ao actual artigo 360”, o seguinte: “As referidas testemunhas explicaram, assim, que o acesso quer dos trabalhadores, quer dos fornecedores quer das matérias primas era feito através das entradas voltadas para a estrada nacional, servindo a porta lateral voltada para a referida parcela de terreno situada entre este prédio e o referido em C) para simples acesso às casa de banho e para ali armazenar algumas madeiras. Quanto à utilidade dada à mesma parcela pelos seus diversos utilizadores, desde há mais de 40 anos e até ao momento presente, também as referidas testemunhas depuseram de forma coincidente, tendo resultado dos respectivos depoimentos a convicção quanto aos factos vertidos nos quesitos 42) a 47), que mereceram resposta positiva, em conformidade.”
O esclarecimento é preciso e nem os apelantes, ao citarem o depoimento do 1º R., dizem o contrário. Na verdade, o que os recorrentes assinalam deste depoimento é que o 1º R. terá justamente mencionado que a dita porta lateral (do prédio referido no ponto 8 supra) era “pra depositar o resto da madeira e pra ir às casa de banho”. Sem considerar aqui o valor do referido depoimento, a realidade é que nem aquele 1º R. nem nenhuma das testemunhas inquiridas afirmou que o dito caminho dava acesso ao prédio do 1º R., explicando todos de outra forma a utilização que desse caminho era feito.
Entendida assim a resposta dada ao quesito, logo se compreende da leitura das respostas dadas aos quesitos 19º, 29º e 45º (pontos 27, 33 e 44 supra dos factos assentes), e ainda dos pontos 26, 28, 38, 39, 40, 42, 43 e 45, que não existe qualquer contradição: o caminho sempre foi usado como passagem do prédio do 1º R. para o prédio das AA. através de uma porta lateral do prédio daquele sem qualquer fechadura e apenas trancada pelo interior, porta essa que fora criada (em 1967) para acesso a umas casas de banho existentes na estrema poente da dita parcela bem como para depositar madeiras e outros materiais próprios da indústria que laborava no prédio referido em 8 supra, e não como forma de acesso a este prédio.
É de manter a resposta a este quesito 17º da Base Instrutória (ponto 25 supra dos factos assentes).
Referem, ainda, os apelantes que o Tribunal a quo deveria ter considerado provada a matéria constante dos quesitos 23º e 24º a que respondeu não provado. Justificam-se com o depoimento da testemunha Armindo Costa.
Perguntava-se no quesito 23º - “A referida Maria da Dores, inquilinos e antepossuidores há mais de 1, 5, 10 e 20 anos que utilizam o caminho para, em qualquer hora do dia e da noite e em qualquer altura do ano, entrar e sair do prédio que actualmente pertence ao 1º réu e referido em H)?”.
Perguntava-se no quesito 24º - “E sempre o trânsito quer a pé, quer através de veículos motorizados, se tem processado para a via pública, através desse caminho?”.
A ambos os quesitos se respondeu não provado. A explicação quanto a esta resposta do Tribunal resulta de forma abundante do que acima já dissemos quanto à resposta ao quesito 17º e para onde aqui remetemos. Aliás, a referida testemunha Armindo Costa, que viveu no prédio dos AA., nada disse em contrário quanto ao acesso ao prédio referido no ponto 8 supra (H dos factos fixados aquando da elaboração do despacho saneador), que é o que está em causa.
É de manter a resposta de não provado dada a estes quesitos 23º e 24º.
Referem, igualmente, os apelantes que houve erro de julgamento quanto à matéria dos quesitos 38º e 39º (pontos 40 e 41 supra dos factos assentes). Referem que outra coisa resulta do relatório pericial, das escrituras públicas das confrontações dos prédios, dos pontos C), E), H) e K) assentes, da resposta ao quesito 19º e do depoimento do indicado Armindo Costa.
Perguntava-se no quesito 38º -“A porta referida em 18º tem cerca de 1,50 metros de largura e cerca de 1,80 metros de altura e deita para um terreno que serve de ligação a vários prédios?”. O Tribunal respondeu: “Provado que a porta referida em 18º tem 1,43 metros de largura e 1,88 metros de altura, e deita para um terreno que serve de ligação a vários prédios.”
Propõem os apelantes como resposta: “Provado que a porta referida em 18º tem 1,43 metros de largura e 1,88 metros de altura, e deita para um terreno do prédio dos Autores.”
Perguntava-se no quesito 39º -“E dá acesso dos prédios para a via pública e vice versa por meio de um portão em ferro, composto de duas folhas de ferro, com cerca de 2 metros de largura e cerca de 2 metros de altura?”. O Tribunal respondeu: “Provado que a porta referida em 18º dá acesso dos prédios para a via pública e vice-versa por meio de um portão em ferro, composto de duas folhas de ferro, com 2,56 metros de largura e 3,12 metros de altura.”
Propõem os apelantes como resposta: “E dá acesso do prédio referido em H) para o prédio dos Autores, identificado em C), e deste prédio para a via pública e vice-versa, por meio de um portão em ferro, composto de duas folhas de ferro, com 2,56 metros de largura e 3,12 metros de altura.”
A questão levantada pelos apelantes quanto a estes quesitos tem de novo que ver com a propriedade do caminho e sua utilização, sendo que a porta mencionada no quesito 18º (ponto 26 supra) é a lateral existente no prédio indicado em 8 supra.
Assim, e embora sem relevante significado visto o que acima já se disse sobre a titularidade do caminho, justifica-se a alteração da redacção na resposta ao quesito 38º (actual ponto 40 supra), porém, apenas com remissão expressa para os pontos 24 e 25 acima mencionados que aludem ao tal terreno/caminho.
Assim, o ponto 40 supra passará a ter a seguinte redacção: “A porta referida em 26 tem 1,43 metros de largura e 1,88 metros de altura, e deita para o terreno referido nos pontos 23 e 24.”
Já quanto ao quesito 39º (actual ponto 41), há que atentar na sequência entre este e o anterior – “A porta referida em 18º tem cerca de 1,50 metros de largura e cerca de 1,80 metros de altura e deita para um terreno que serve de ligação a vários prédios? (38º) e E dá acesso dos prédios para a via pública e vice versa por meio de um portão em ferro, composto de duas folhas de ferro, com cerca de 2 metros de largura e cerca de 2 metros de altura?” (39º). Daí logo decorre que não se justifica a correcção nos termos reclamados. O que se questiona é sobre a forma de acesso do terreno/caminho à via pública de que se falava no quesito 38º relacionada com o quesito 39º, pelo que a alteração que os apelantes pretendem ver reflectiva na redacção da resposta a este último quesito já está contemplada no quesito anterior. Ou seja, com o texto proposto pelos apelantes ao actual ponto 41 (resp. ques. 39º) repetir-se-ia, em parte, o que já resulta do ponto 40 (resp. ques. 38º).
Em todo o caso, e admitindo que na resposta ao quesito 39º o Tribunal recorrido incorreu em lapso semelhante, cumpre rectificar a redacção daquele ponto 41 nos moldes seguintes: “E dá acesso dos prédios para a via pública e vice-versa por meio de um portão em ferro, composto de duas folhas de ferro, com 2,56 metros de largura e 3,12 metros de altura.”
Em último lugar, pretendem os apelantes que a matéria do quesito 40º deveria ter sido considerada provada. Alegam que se trata de factualidade alegada pelos RR. e que os mesmos aceitaram a título subsidiário, pelo que, não se julgando que o dito caminho é propriedade exclusiva dos AA. sempre deveria aquele facto ser julgado como provado.
Perguntava-se naquele quesito 40º - “A faixa de terreno referida em 38º é comum aos prédios que da mesma se servem, cujos titulares são comproprietários?”.
O que acima já dissemos, transcrevendo até a motivação da resposta à matéria de facto quanto a este quesito, dispensa-nos de outras considerações. Pelo menos a resposta dada ao quesito 16º (ponto 24 supra) sempre prejudicaria a resposta afirmativa a este quesito 40º.
De todo o modo, não deixaremos de assinalar que sendo controvertida nos autos a questão da propriedade do dito terreno/caminho, a circunstância de não se provar a invocada titularidade do mesmo pelos AA. jamais implicaria a prova “automática” de que se tratava de bem pertencente aos três prédios existentes no local. Sobre a questão, levada à Base Instrutória, teria de ser produzida a competente prova, visto não ter havido acordo das partes quanto à mesma.
Concluindo: tendo presente que a convicção do Tribunal recorrido é insindicável, como acima explicámos, e pelos fundamentos acima expostos, deverá manter-se a resposta dada pela 1ª instância aos quesitos 17º, 23º, 24º e 40º, alterando-se a resposta aos quesitos 16º, 38º e 39º (actuais pontos 24, 40 e 41 supra dos factos assentes) nos termos atrás indicados.
Procede aqui parcialmente a pretensão dos apelantes.

B) Da aplicação do Direito aos Factos:
Aqui chegados, constatamos que na sentença recorrida, que concluiu pela improcedência da causa, se concluiu, após análise dos factos provados: “Dos factos supra descritos decorre, efectivamente, que sobre o mesmo caminho se vem exercendo um direito de passagem, desde tempos imemoriais, e que essa passagem se revela por sinais visíveis e permanentes.
Acontece, porém, que os Autores não lograram demonstrar que este caminho seja parte do prédio inscrito na respectiva matriz sob o artigo 359, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Celorico de Basto sob o n.º 432, de tal forma que se possa classificar este prédio como o prédio onerado com a servidão de passagem, sendo o prédio adquirido pelo primeiro Réu o prédio dominante.
Atentas as regras de distribuição do ónus da prova, incumbia aos Autores alegar e demonstrar os factos constitutivos da existência da aludida servidão (cfr. artigo 342º, nº1, do Código Civil), na qual baseiam a sua pretensão jurídica, e que não lograram provar.
Não assiste pois, neste particular, razão aos Autores.”
Depois do que acima dissemos e da apreciação que foi feita pelo Tribunal a quo quanto à prova produzida, surpreende esta conclusão. É que, cingindo-nos aos factos acima transcritos logo temos o ponto 24 supra que, mesmo sem a alteração de redacção que aqui lhe foi introduzida, logo implicava, como vimos, que o caminho sub judice faz parte integrante do prédio referido no ponto 3 supra pertencente aos AA..
Por conseguinte, é evidente que não podemos subscrever, nesta parte, a sentença sub judicio.
Mas, ainda assim, nem por isso é possível conceder aos AA. a pretensão por estes reclamada na causa.
Vejamos.
Os AA., como realçam nas suas alegações, sustentam o seu direito (a preferir na venda outorgada entre os RR.) na existência de uma servidão por destinação do pai de família que onera o seu prédio a favor daquele outro vendido pela 2ª Ré ao 1º R..
Da factualidade supra descrita, designadamente nos pontos 1 a 9, 11, 19 a 21, 23, 24, 27, 29, 30, 32, 40 a 46, resulta, como referem os AA., que se constituiu a referida servidão por destinação do pai de família sobre o prédio dos AA. indicado no ponto 3 (serviente) relativamente àquele que a 2ª Ré vendeu ao 1º R. em 10.5.2006 como referido no ponto 8 (dominante), nos termos e para os efeitos previstos no art. 1549 do C.C..
Todavia, o direito de preferência a que alude o art. 1555 do C.C. não contempla a servidão de que se dá conta nos autos.
Com efeito, dispõe este art. 1555 do C.C., no seu nº 1, que: “O proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência, no caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento do prédio dominante.” Por seu turno, estabelece o art. 1550 do C.C. como se constituem as servidões legais de passagem: 1. Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos. 2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio.”
Assim, o art. 1555 do C.C. relaciona, como vimos, o direito de preferência com a existência de uma servidão legal de passagem, sendo que o primeiro requisito desta é a existência de um prédio encravado, que não tenha comunicação com a via pública (ou que a tenha de forma insuficiente), nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio. “Não é, assim, encravado o prédio que, servido por uma comum servidão de passagem, para a via pública, tenha visto, por um mecanismo qualquer de divisões ou de supressões de estradas, as suas estremas totalmente rodeadas por prédio(s) alheio(s): o seu proprietário tem comunicação suficiente com a via pública, por terreno alheio – art. 1550/2. E não sendo encravado, nenhuma razão se visualiza para transmutar em legal a servidão preexistente.” (in “Direito de Preferência - servidões legais e direito de preferência”, Parecer do Professor Menezes Cordeiro de 8.8.1988, CJ, ano XVII, 1992, tomo I, págs. 63 e ss.).
Também como se referiu no Ac. da RP de 27.1.2000 (Proc. 003786, www.dgsi.pt): “... tem de entender-se a expressão "servidão legal" como se tratando, na realidade, da atribuição ao proprietário do prédio encravado de um direito potestativo, para exigir, coactivamente, o estabelecimento da servidão, através do prédio que sofra menor prejuízo e pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados (art. 1553º, CC), se tal passagem não for acordada pelos interessados”.
Segundo referem, respectivamente, Menezes Cordeiro e Pires de Lima e A. Varela, as servidões constituídas por destinação do pai de família, seja pelo regime que lhes é aplicável seja pelo modo da sua constituição, não integram as servidões legais (ver Menezes Cordeiro, ob. cit., e Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., pág. 635; cfr., ainda, Ac. STJ de 13.12.2007, Proc. 07A2507, e Ac. RL de 21.1.2010, Proc. 760/03.7TBALQ.L1-8, em www.dgsi.pt). E, assim sendo, não lhes será aplicável o art. 1555 do C.C. relativo à preferência como nenhum dos outros normativos que, em geral, se aplicam às servidões legais de passagem.
Outra orientação, com grande apoio na nossa jurisprudência, vai no sentido de entender que o conceito de servidão legal abrange, além das servidões constituídas por decisão judicial ou administrativa, também as constituídas por qualquer outro título, mas que, não fora a existência desse título, podiam ser judicialmente impostas (cfr. Ac. STJ de 24.6.2010, Proc. 2370/04.2TNVFR.S1, Ac. STJ de 15.12.98, Proc. 98A971, Ac. STJ de 24.2.99, Proc. 98A1016). Como se lê no citado Ac. STJ de 24.6.2010 : “Em termos práticos, e como decorre no nº 1 do artigo 1550º do Código Civil, é necessário, mas não suficiente, que o prédio se encontre encravado (no sentido dos nºs 1 e 2 deste mesmo artigo); para além do encrave, é imprescindível que a servidão tenha sido constituída em data anterior ao exercício do direito de preferência. Mas é irrelevante, para o efeito da atribuição do direito de preferência, o modo concreto como se constituiu a servidão legal de passagem (nºs 1 e 2 do artigo 1547º do Código Civil).”
Em todo o caso, e independentemente da posição que tomemos quanto à questão indicada ou ainda que consideremos irrelevante o modo concreto como se constituiu a servidão de passagem, o que cumpre realçar é que será sempre decisivo para o exercício do direito de preferência referido no art. 1555 do C.C., como se vê, que a dita servidão que onera o prédio seja susceptível de imposição legal, isto é, que o prédio que dela beneficie se encontre numa situação à qual corresponda a atribuição ao seu proprietário do direito (potestativo) de constituir uma servidão de passagem, pois, no mínimo, só a servidão que nessas condições se constitua será uma servidão legal (art. 1550 C.C.).
Ora, no caso, é manifesto que estamos perante uma servidão por destinação do pai de família sobre o prédio dos AA. a favor do prédio referido no ponto 8 supra, vendido pela 2ª Ré ao 1º R., que, além do mais e sobretudo, como defenderam os RR. nas contestações por si apresentadas, jamais poderia ter-se constituído como servidão legal de passagem posto que o prédio dominante não está encravado, tendo, como sempre teve, ampla comunicação com a via pública, conforme resulta dos pontos 10 e 36 a 39 supra dos factos provados. Nessa medida, e sem necessidade de outras considerações, é evidente que não assiste aos AA. o direito de preferência invocado.

Assim, e por tudo quanto se deixa dito, outra solução não pode ter o Direito que não a improcedência da causa.

É, por isso, de manter a sentença sob recurso, embora com fundamento diverso.


***
IV- Decisão:

Termos em que e face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida, embora com diverso fundamento.
Custas pelos AA./apelantes.
Notifique.

***
Guimarães, 16.6.2011
Maria da Conceição Saavedra
Raquel Rêgo
Mário Canelas Brás