Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DA CONCEIÇÃO SAAVEDRA | ||
Descritores: | DIREITO DE PREFERÊNCIA SERVIDÃO LEGAL SERVIDÃO DE PASSAGEM | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/16/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I - O direito de preferência referido no art. 1555 do C.C. só existe quando a servidão que onera o prédio seja susceptível de imposição legal, isto é, quando o prédio que dela beneficie se encontre numa situação à qual corresponda a atribuição ao seu proprietário do direito potestativo de ver constituída uma servidão legal de passagem. II - Não se encontra nestas circunstâncias uma servidão constituída por destinação do pai de família, estabelecida a favor de prédio não encravado. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães. I- Relatório: Rosa… , Ana… e marido, José…. , Maria… e marido, José… , e Maria… , vieram propor contra Agostinho… e mulher, Gracinda… , e Santa Casa de Misericórdia de… , acção declarativa sob a forma sumária, pedindo seja reconhecido aos AA. o direito de preferirem na venda realizada pela 2ª Ré aos 1ºs RR. do prédio sito no lugar de B..., B..., Celorico de Basto, descrito na C.R.P. sob o nº 8... e inscrito na matriz predial sob o artigo 360, e de haverem para si o prédio vendido, sendo ordenado o cancelamento de qualquer registo de transmissão operado pela respectiva escritura pública de compra e venda. Alegam, para tanto e em síntese, que as AA. mulheres são as únicas e universais herdeiras (cônjuge e filhas) de Avelino… , sendo, em consequência, donas e legítimas possuidoras de um prédio urbano sito no Lugar de B..., B..., Celorico de Basto, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 359, e descrito na C.R.P. de Celorico de Basto sob o nº 432. Mais referem que, em 19.8.2006, o R. Agostinho… comunicou às 2ª, 3ª e 4ª AA. que havia adquirido à 2ª Ré, Santa Casa da Misericórdia de… ”, por escritura pública de 10.5.2006, o prédio contíguo àquele inscrito na matriz predial da freguesia de B... sob o artigo 3..., e uma horta que pertence ao prédio dos AA.. Dizem, ainda, que tal prédio contíguo se encontra registado a favor do 1º R., constando da descrição do mesmo que tem uma área descoberta de 95 m2, a qual é pertença dos AA., sendo aquela descrição alterada em contrário da realidade. Pelo que o prédio dos AA. e o adquirido pelos 1ºs RR. faziam parte de um único prédio constituído por uma morada de casas contíguas umas às outras, que veio a ser fraccionado em três prédios distintos (hoje com os nºs 35..., 35... e 3... na matriz), tendo o prédio originário diferentes acessos e mais do que um acesso a todas as casas de habitação que o integravam, sendo servido por um caminho, criado sobre o prédio dos AA., em terra batida, com uma largura de cerca de 4,5 metros, que liga e dá acesso às diversas moradas de casas, por onde sempre se fez o trânsito, a pé ou através de veículos motorizados, para o prédio dos AA. e para o prédio adquirido pelo 1º R.. Defendem, assim, que sobre o seu prédio se encontra constituída uma servidão de passagem, por destinação de pai de família, para o prédio adquirido pelo 1º R., pelo que lhes assiste direito a preferir na venda deste. Contestou a 2ª Ré, invocando a ilegitimidade dos AA. por ainda não ter ocorrido aceitação da herança, e impugnando, no essencial, a factualidade alegada, mais sustentando que o prédio vendido ao 1º R. não é um prédio encravado, não havendo qualquer servidão legal de passagem, pelo que não existe o direito de preferência reclamado. Conclui pela procedência da excepção e pela improcedência da causa. Contestaram, ainda, os 1ºs RR., impugnando também parte da factualidade alegada na p.i., e sustentando, do mesmo modo, que o prédio por si adquirido à 2ª Ré não está encravado, não existindo o direito de preferência invocado. Concluem pela improcedência da causa. Os AA. apresentaram resposta à contestação, respondendo à excepção invocada e ampliando a causa de pedir de modo a que, considerando-se que o caminho indicado nos autos é propriedade comum aos vários prédios que serve, lhes assistirá ainda assim o direito de preferência invocado enquanto comproprietários do dito terreno que também integra o prédio alienado. Concluem como na petição inicial. Proferiu-se despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade activa e se procedeu à selecção da matéria de facto. Foi levada a cabo perícia e realizou-se a audiência de discussão e julgamento, efectuando-se inspecção ao local (cfr. fls. 581 a 583). Proferiu-se, de seguida, sentença que, julgando a acção improcedente por não provada, absolveu os RR. do pedido. Inconformados, os AA. recorreram da sentença proferida, sendo o recurso recebido como de apelação e efeito meramente devolutivo. Apresentadas as alegações, foram ali formuladas as seguintes conclusões que se transcrevem: “ 1- Existem pontos da matéria de facto incorrectamente julgados: a) a resposta à matéria de facto do artigo 16.º da B.I. deveria ter acrescentado a pertença do caminho ao prédio dos Autores (apesar de haver efectuado residualmente tal prova, remetendo a propriedade do caminho para o prédio inscrito na matriz sob o artigo 359.º). b) deveria ainda ter sido declarado provado, ao artigo 17.º da Base Instrutória, que o referido caminho se destinava e destina ainda a dar acesso ao prédio referido em “H”. c) de igualmente modo deveria ter sido declarada provada a matéria de artigos 23.º e 24.º da Base Instrutória. d) ainda a matéria de artigos 38.º e 39.º da Base Instrutória deveria ter sido respondida no sentido de declarar provado que a porta referida em 18.º deita para o prédio dos Autores e destes para a via pública. 2- Existem meios de prova constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida e no sentido da anteriormente vertida: a) A confissão, em sede de depoimento de parte, do Réu Agostinho… ; b) O depoimento da testemunha Armindo…; c) O relatório pericial de fls. 298 e seguintes; d) A matéria de facto relativa à composição e confrontação dos prédios, constante quer das escrituras públicas, quer das certidões e cadernetas prediais, quer da matéria assente nas alíneas “C”, “E”, “H” e “K”; e) A matéria de facto dada como total ou parcialmente provada aos artigos 19.º, 29.º e 45.º da B.I.. 3- A declaração como não provada da matéria de facto correspondente à propriedade exclusiva do caminho, como integrando o prédio dos Autores, impunha, em virtude da confissão aceite subsidiariamente pelos Autores, que tal parcela ou faixa de terreno fosse considerada comum aos três prédios, ou seja, aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 358.º, 359.º e 360.º, correspondentes ao prédio anteriormente descrito na Conservatória sob o n.º 10.406, e descrito em K da matéria assente. 4- Consequentemente, e dando-se aqueloutra matéria como não provada, sempre teria a matéria de facto do artigo 40.º, e a propriedade comum do terreno, correspondente ao caminho, invocada pelos Réus e aceite condicionalmente pelos Autores, que haver sido declarada provada. 5- Foram ainda violadas, na sua interpretação e aplicação, as seguintes disposições legais: - Art. 1.549.º do C.C.: Constituição da servidão por destinação de pai de família, revelada por sinais visíveis e permanentes, postos em um ou ambos os prédios, que revelam serventia de um para o outro. - Artigo 1.555.º do C.C.: O proprietário de prédio onerado com servidão de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência, no caso de venda…. 6- Mas quando assim não se entenda, o que sempre não se concede, sempre foram violadas, na sua interpretação e aplicação, as seguintes disposições legais: - Art. 469.º, n.º 1, do C.P.C.: Não foi atendido o pedido subsidiário formulado pelos Autores; - Art. 293.º, n.º 1 do C.P.C.: Os Réus confessaram o pedido subsidiário formulado pelos Autores; - Art. 204.º, n.º 1, alíneas a) e e) do C.C.: A faixa de terreno – caminho - integra o (ou os) prédios contíguos; - Art. 1.409.º, n.º 1 do C.C.: O comproprietário goza do direito de preferência.” Pedem a procedência do recurso e a revogação da sentença proferida, substituindo-se esta por outra que reconheça, em qualquer caso, o direito de preferência dos AA.. Não se mostram apresentadas contra-alegações. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. *** II- Fundamentos de Facto: A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade: 1) No dia 3 de Dezembro de 1991 faleceu, sem deixar testamento ou outra disposição de vontade, Avelino… , no estado de casado em primeiras núpcias e no regime da comunhão geral, com a primeira autora. 2) Sucederam-lhe como seus únicos herdeiros, o seu cônjuge - a primeira autora, e as três filhas - as segunda, terceira e quarta autoras. 3) Da certidão da Conservatória do Registo Predial o prédio urbano composto por morada de casas de rés-do-chão, 1º andar e horta, sito no lugar de B..., na freguesia de B..., deste concelho, que confronta do lado norte com Santa Casa da Misericórdia de… e Estrada Municipal, do lado sul com Noémia…; do lado poente com Santa Casa da Misericórdia de… e Estrada Municipal e do lado nascente com Estrada Nacional, inscrito na respectiva matriz sob o artº 359 encontra-se descrito sob o nº 432 e registado a favor do falecido Avelino… e mulher Rosa… . 4) Os bens que constituem a herança aberta por óbito do referido Avelino… , da qual faz parte o prédio mencionado em 3º, encontram-se por partilhar. 5) Por escritura pública de 20 de Novembro de 1972, lavrada a fls. 46 v, do Livro nº 616, do Cartório Notarial de Celorico de Basto, Maria das Dores… declarou vender a Agostinho… , e este declarou comprar, «o prédio constituído por “uma morada de casas e horta”, sito no Lugar de B..., da referida freguesia de B..., a confrontar do norte e poente com casa da vendedora, sul com herdeiros de António de Melo Pereira Pinto de Azevedo e do nascente com a estrada, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho como fazendo parte da descrição número dez mil quatrocentos e seis, do livro B vinte e sete, inscrito na matriz urbana sob o artigo trezentos e cinquenta e nove». 6) Por escritura pública de 28 de Janeiro de 1977, lavrada a fls. 49 a 50 do Livro nº Q- 75, de Escrituras Diversas, da Secretaria Notarial da Póvoa de Varzim - 2º Cartório, aquele Agostinho… declarou vender ao falecido e referido Avelino… , e este declarou comprar o prédio referido em 5º. 7) Por escritura pública de 5 de Março de 1991, exarada a fls. 54 a 55v, do Livro nº 803-A, do Cartório Notarial de Celorico de Basto, o falecido Avelino… e a 1ª autora, estes declararam serem donos e legítimos possuidores do prédio urbano denominado “uma morada de casas de rés-do-chão e primeiro andar”, com a superfície coberta de cento e cinquenta e seis virgula vinte e cinco metros quadrados, e horta com a área de quarenta metros quadrados, sito no lugar de B..., da referida freguesia de B..., a confrontar do norte, Santa Casa da Misericórdia de… e Estrada Municipal, sul, Noémia Moura de Azevedo e outra, nascente, Estrada Nacional e poente, Santa Casa da Misericórdia de… e Estrada Municipal, e inscrita na matriz sob o artigo trezentos e cinquenta e nove», declarando ainda terem adquirido o referido prédio por Usucapião. 8) Por escritura publica de 10 de Maio de 2006, lavrada a fls. 106, do Livro nº 12-A, do Cartório Notarial de Celorico de Basto, a segunda Ré declarou vender ao primeiro réu, e este declarou comprar, «pelo preço de seis mil setecentos e cinquenta euros, já recebido, o seguinte prédio urbano situado no lugar de B..., B..., Celorico de Basto: “Morada de casas de rés do chão, descrito na Conservatória do Registo Predial deste conselho sob o nº oitocentos e vinte e dois e lá registado a favor da sua representada pela inscrição G- um, inscrito na matriz sob o artigo 360, com o valor patrimonial de € 844,57». 9) O prédio referido em 8º encontra-se registado actualmente a favor do primeiro réu, através da inscrição G – Ap.3 de 2006/05/10, com a seguinte descrição: “prédio urbano constituído por casa de rés do chão e logradouro, situado em B..., com área total de 207,20m2, sendo112,20m2 de área coberta e 95m2 de área descoberta, confrontando a norte, sul e poente, com terrenos da 2ª Ré; a nascente com estrada”. 10) O prédio dos primeiros Réus, vendido pela ora contestante, possui saídas directas para a via pública. 11) O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 10406 pertencia a Maria das Dores… e era constituído por uma morada de casas contíguas umas às outras, a saber: 1. uma casa de rés do chão, com área de 112,20 m2; 2. uma casa de rés e primeiro andar, com uma área de 85,50m2; 3. e uma casa de rés do chão e primeiro andar, com a área 156,25 m2, e logradouro/horta de 95m2. 12) Os autores procederam ao depósito da quantia de € 7.500,00. 13) A presente acção deu entrada em juízo na data de 31 de Janeiro de 2007. 14) Os autores por si e pelos seus antecessores sempre tiveram a detenção e fruição do aludido prédio descrito em 3º. 15) Explorando-o livremente, designadamente decidindo das culturas que nele semeiam ou plantam, que tratam e depois colhem, liquidando as contribuições e demais impostos, em tudo agindo como donos. 16) Tal detenção e fruição tem sido exercida em nome próprio, sem violência e sem qualquer oposição ou ocultação, na frente de toda a gente, de dia de noite, e com a intenção de agirem como exclusivos donos. 17) O que sucede há mais de 15, 20 e 30 anos, à vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos Réus, de forma ininterrupta, na intenção e convicção de que o mesmo lhes pertencia. 18) Os Autores agiam nos termos referidos a 14º a 17º à data da celebração do negócio referido em 8º. 19) Os prédios descritos em 3º e 8º faziam parte do prédio identificado em 11º. 20) A morada de casas identificada em 11º ponto 1. corresponde ao prédio descrito em 8º, e a morada de casas referida em 11º, ponto 3 corresponde ao prédio descrito em 3º. 21) O prédio identificado em 11º é actualmente propriedade de três donos diferentes e corresponde aos prédios inscritos na matriz predial com os artigos 358, 359 e 360. 22) O prédio identificado em 11º sempre teve diferentes acessos e mais do que um acesso a todas as casas de habitação e ao estabelecimento comercial, que o integravam. 23) Quer antes quer posteriormente à separação, o prédio referido em 11º era servido e continua a sê-lo por um caminho em terra batida, com uma largura de 3 metros, que liga e dá acessos às moradas de casas aí mencionadas. 24) O caminho referido em 23º tem início na estrada nacional que confronta com o prédio dos Autores e do primeiro Réu, pela nascente, percorre o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 359, no sentido nascente para poente-sul( Sobre a redacção definitiva deste ponto nos pronunciaremos adiante. ). 25) O caminho referido em 23º destina-se a dar acesso ao prédio dos Autores e ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 358. 26) Para o caminho referido em 23º deita uma porta do prédio referido em 8º. 27) O caminho referido em 23º apresenta-se calcorreado em terra batida, encontrando-se o seu leito bem desenhado e definida a passagem do prédio do primeiro réu para o prédio das autoras. 28) A porta referida em 26º situa-se na parede do lado sul do prédio referido em 8º. 29) Quando Maria das Dores… transformou o prédio inicial referido em 11º em dois prédios, o caminho referido em 23º manteve-se. 30) Quando os Autores adquiriram o seu prédio descrito em 3º o caminho referido em 23º manteve-se. 31) Quando a Ré “Santa Casa da Misericórdia de… ” adquiriu o seu prédio, referido em 8º, o caminho referido em 23º também se manteve. 32) O caminho, de acordo com a configuração e utilidade referidos em 23º e 24º foi mantido e é usado por mais de 20 anos, sem interrupção, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse. 33) Através desse caminho transitam e sempre transitaram os proprietários e antepossuidores do prédio referido em 8º. 34) A Ré “Santa Casa da Misericórdia de… ” não comunicou aos autores a venda referida em 8º, nem o preço do negócio, nem a sua forma de pagamento nem a identificação do comprador em qual o local e prazo para celebrar a respectiva escritura, nem quaisquer outras condições na realização do negócio jurídico. 35) Os Autores apenas tomaram conhecimento da compra do prédio referido em 8º em Agosto de 2006. 36) O prédio referido em 8º possui duas janelas, com a largura de 2,60 metros e 2,10 metros, e a altura de 2,93 metros, e uma porta com a largura de 2,61 metros e a altura de 2,93 metros, deitando todas de forma directa para a estrada nacional. 37) Entre as portas e a faixa de rodagem da estrada nacional, e em toda a extensão do prédio, existe uma berma que serve simultaneamente para parqueamento aos veículos automóveis e passagem de pessoas, com uma largura variável ao longo da sua extensão, entre 1,67 metros a 1,85 metros. 38) Sempre foi pelas portas referidas em 36º que deitam directamente para a via pública que era, e é, abastecido de matéria prima o estabelecimento industrial e comercial de carpintaria ali instalado e por onde saíam e saem por essas portas as mercadorias e os materiais acabados aí produzidos. 39) É por essas mesmas portas que as pessoas entravam e saem, como saem e entram, do estabelecimento, há mais de 40 anos e até à presente data. 40) A porta referida em 26º tem 1,43 metros de largura e 1,88 metros de altura, e deita para um terreno que serve de ligação a vários prédios( Sobre a redacção definitiva deste ponto nos pronunciaremos adiante.). 41) A porta referida em 26º dá acesso dos prédios para a via pública e vice-versa por meio de um portão em ferro, composto de duas folhas de ferro, com 2,56 metros de largura e 3,12 metros de altura( Sobre a redacção definitiva deste ponto nos pronunciaremos adiante. ). 42) Na faixa de terreno referida em 40º, na parte mais a poente da mesma, existe uma construção destinada a casa de banho e uma fossa séptica, a qual foi executada pelo locatário do prédio referido em H) há mais de 40 anos. 43) A porta referida em 26º foi aberta, em meados de 1967, por Joaquim… , à data arrendatário da então proprietária do prédio indicado em 8º para aceder a umas casas de banho e à fossa séptica referidos em 42º, que existiam, e ainda existem, na estrema poente da dita parcela e que foram construídas por este nessa mesma data, bem como para depositar madeiras e outros materiais próprios da indústria que laborava no prédio dos réus. 44) Tal porta não possuía, nem possui qualquer fechadura, sendo apenas trancada pelo interior, servindo apenas os proprietários e antepossuidores do prédio descrito em 8º. 45) A parcela referida em 40º destina-se a servir os autores e os seus antepossuidores, para acederem ao rés-do-chão da sua habitação e para aceder, ainda, ao rés-do-chão do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo 361º, da freguesia de B..., também propriedade da segunda ré. 46) Utilizando-a, desde tempo imemoriais, que ultrapassa a memória dos vivos e dos mortos que os vivos conheceram. 47) Nos 60 dias seguintes após o óbito de Avelino… os autores, na Repartição de Finanças competente, indicaram os herdeiros e relacionaram os bens, liquidando entre todos os autores, com recurso a seus rendimentos próprios, nesse ano e nos seguintes, até à presente data, a contribuição autárquica devida pelos prédios que fazem parte da herança. *** III- Fundamentos de Direito: Cumpre apreciar do objecto do recurso. Os recursos são meios de impugnação de decisões com vista ao reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida. O tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Para além disso, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões do recorrente (cfr. arts. 684, nº 3, e 690, nº 1, do C.P.C.), só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660, nº 2, “ex vi” do art. 713, nº 2, do mesmo C.P.C.). Compulsadas as conclusões do recurso, verifica-se que as questões que importa apreciar respeitam à alegada existência de erro na apreciação e fixação da matéria de facto e, quanto à aplicação do direito aos factos, na avaliação da concreta existência do direito de preferência reclamado pelos AA.. A) Da impugnação da matéria de facto: Os recorrentes reclamam, no essencial, resposta diversa aos quesitos 16º, 17º, 23º, 24º, 38º, 39º e 40º da Base Instrutória. Mais referem que a resposta dada ao quesito 17º está em contradição com as respostas dadas aos quesitos 19º, 29º e 45º e que a resposta dada aos quesitos 38º e 39º está em contradição com as respostas dadas aos quesitos 16 e 19º. “O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração (...): é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis. Representando, tal como os outros princípios referidos, uma conquista que se tem vindo a desenvolver desde a Revolução Francesa, a livre apreciação implantou-se historicamente em substituição dum sistema de prova legal em que os próprios depoimentos testemunhais eram valorados em função de factores meramente quantitativos. Hoje, a liberdade de apreciação da prova pelo julgador constitui a regra, sendo excepção os casos em que a lei lhe impõe a conclusão a tirar de certo meio de prova.” (J. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., 2008, pág. 668, em anotação ao art. 655). Sobre o recurso da matéria de facto diz-se, por outro lado, no preâmbulo do DL 39/95, de 15.02, que veio a prever e a regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência — visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso” e, ainda, “... o objecto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova ...”. Aponta, assim, o legislador, como já defendemos noutras ocasiões, para uma reapreciação cirúrgica da matéria de facto justificada por manifesto e excepcional erro de julgamento, contrário à evidência das provas, não pela leitura e convicção que estas geram no julgador – que é livre, não sendo determinada por qualquer hierarquização das provas – mas pela clara desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão proferida sobre a matéria de facto. O Ac. do STJ de 10.5.07 (Proc. 06B1868, relatado pelo Conselheiro J. Pires da Rosa) sintetizou de forma particularmente expressiva este entendimento: “O tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova) mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si. Claro – repete-se – que por mais sugestiva ou adequada que seja ou pareça a fundamentação do tribunal recorrido, o tribunal tem de conhecer as provas produzidas, tem de ouvir as cassetes (nos pontos indicados, ao menos) sempre, porque só a partir dessa audição – e do confronto dela com as mais provas - pode aferir dessa adequação ou razoabilidade. Mas se esta existe não há que alterar o que quer que seja, não há que substituir a razoabilidade afirmada por uma outra razoabilidade à qual necessariamente faltariam alguns elementos de suporte (...) que ajudaram a estruturar a primeira. Estaria a substituir-se uma razoabilidade por uma outra, todavia mais débil.” Em resumo: no recurso sobre a decisão da matéria de facto não deve ser sindicada a convicção do Juiz de 1ª instância e apenas deve determinar-se a alteração da matéria de facto em caso de evidente erro de julgamento, traduzido na flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão. Isto posto, definidas que estão as regras, vamos ao caso concreto. Assim, e por tudo quanto se deixa dito, outra solução não pode ter o Direito que não a improcedência da causa. É, por isso, de manter a sentença sob recurso, embora com fundamento diverso.
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