Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8/12.3PEBRG-A.G1
Relator: FILIPE MELO
Descritores: ABERTURA DE INSTRUÇÃO
PRAZO JUDICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: Decisão:
Tendo o arguido, após a notificação da acusação, peticionado ao Ministério Público elementos de prova que não conhecia, existentes no inquérito, para elaborar a sua defesa, suspende-se o prazo para requerer a instrução até à data em que lhe forem facultados os elementos solicitados.
Decisão Texto Integral: Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

No 1º Juízo Criminal de Braga, a arguida Sara M..., por despacho de 26/02/2013, viu rejeitado o seu requerimento de abertura da instrução tendo como fundamento a intempestividade do mesmo – vd. fls. 50 destes autos.
Diz-se em tal despacho que nos termos do art. 287, n.º1, al. a) do CPPenal o prazo para requerer a abertura da instrução é de 20 dias e que tendo a arguida sido notificada da acusação a 04/12/2012 e o seu defensor em data anterior, porque a instrução por si requerida o foi apenas a 18/02/2013, fê-lo a destempo, ou seja, fora do citado prazo de 20 dias.

Inconformada, a arguida recorre desta decisão, dizendo que foi notificada da acusação a 04/12/2012, sendo que o seu defensor o foi a 05/12/2012, e que o prazo de 20 dias acima indicado se suspendeu no período que vai de 12/12/2012 a 06/02/2013 porquanto foi a 12/12 que apresentou um requerimento ao MºPº a peticionar-lhe elementos de prova constantes do inquérito para elaborar a sua defesa e que apenas a 06/02/2013 lhe foram entregues – conclusões 6, 27, 28, 39 e 68, pelo que o último dia do prazo normal para requerer a instrução seria a 19/02/2013, estando, por isso, em prazo o requerimento de abertura de instrução que apresentou no dia 18/02/2013.
*
O Ministério Público, na 1ª instância, defende a manutenção do julgado, referindo a inexistência de qualquer causa de interrupção do prazo em causa, pois que o mesmo tinha o seu término normal a 07/01/2013.
Nesta Relação, o Exmº Procurador Geral-Adjunto, Ribeiro Soares, pelo contrário, entende que o requerimento foi tempestivo, conforme parecer que adiante se vai inserir.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

É o seguinte o teor do parecer referido:

«Cumpre manifestar a nossa opinião, evidenciando desde já que acompanhamos a tese oferecida pela arguida porquanto o processo penal deverá assegurar todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, ao arguido, como refere o art. 34, n.º1 da CRP. Isto apesar de os direitos daquele de participação no processo não serem irrestritos – nesse sentido ver acórdão de 12/07/2006 do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. 1688/2006, 3ª, relator desembargador Rodrigues Simão.
Com efeito, refere-se, entre outros, no acórdão do tribunal Constitucional n.º 109/99 que é violado o princípio das garantias de defesa do arguido sempre que não se assegura, de modo efectivo, a possibilidade dele organizar a sua defesa, sempre que não se lhe dá a oportunidade de apresentar as suas razões e valorar a sua própria conduta. Ou como se diz no acórdão n.º 54/87 do mesmo Tribunal, há violação desse princípio sempre que o arguido não possa contrariar ou contestar todos os elementos carreados pela acusação.
Tomando o caso concreto, deduzida que foi acusação contra a arguida, ficou ela a conhecer o seu teor e o tipo de provas que a sustentava. Para as contrariar, representou a possibilidade – e o direito, de aceder às provas que na acusação foram indicadas. Tal direito decorre não só da norma constitucional acima indicada, como também do disposto no art.89, n.º1 do CPPenal – “Durante o inquérito, o arguido, o assistente …. Podem consultar, mediante requerimento, o processo ou elementos dele constantes, bem como obter os correspondentes extractos, cópias ou certidões, salvo quando, tratando-se de processo que se encontre em segredo de justiça, o MºPº a isso se opuser…”.
Ora, os presentes autos não se encontravam nem se encontram em segredo de justiça, não havendo sequer essa limitação formal ao acesso à consulta não só do processo, como de algum dos seus elementos.
Assim, tendo a arguido requerido a 12/12/2012 elementos que não conhecia e que constavam do processo e que fundavam a acusação que contra si foi deduzida, tendo requerido à autoridade judiciária – o MºPº - o conhecimento de concretos elementos probatórios, elementos que apenas lhe foram facultados, efectivamente, a 06/02/2013, resulta evidente que só nesta data ficou ciente deles, podendo só a partir da mesma ficar habilitado para, se o entendesse, formular o seu requerimento de abertura de instrução.
Significa isso, então, que estando em curso o prazo para requerer a abertura de instrução e tendo no seu decurso a arguido efectuado um requerimento para aceder a provas constantes do processo para assim poder exercer o seu direito de defesa, não suspender aquele prazo enquanto tais elementos de prova lhe não forem disponibilizados inviabiliza o exercício desse direito, deixando, dessa forma, o processo penal resvalar para a deslealdade deixando de ser, afinal, um processo equitativo.
Apesar de não existir um normativo expresso que contemple esta precisa circunstância, não se mostra adequado, por ser infundado, invocar-se justo impedimento – art. 107, n.º5 do CPPenal. O apelo aos princípios do processo penal num Estado de Direito basta para a consagração da justeza da solução.
Deve declara-se, então, suspenso o prazo para requerer a instrução entre o pedido dos elementos processuais e a sua efectiva entregue à arguida requerente.
E porque observada essa suspensão, a arguida respeitou o prazo para requerer a abertura da instrução – os 20 dias referidos. O requerimento por si apresentado com tal objectivo foi concretizado em tempo útil».

Nas condições expostas neste douto parecer, ao qual se adere integralmente, não subsiste qualquer dúvida da bondade da suspensão do prazo essencial para a defesa (através do requerimento de abertura de instrução), pois repetindo o que diz o parecer, o apelo aos princípios do processo penal num Estado de Direito basta para a consagração da justeza da solução, além de se tratar de um dever de lealdade processual.
Com efeito, se o Ministério Público deduziu uma acusação com base em provas que recolheu e que teve aos seu dispor pelo tempo que quis, a arguida, para exercer, na prática, a sua defesa, merece no mínimo que lhe facultem os mesmos elementos probatórios com base nos quais foi acusada. O contrário seria, sim, um mero exercício formal de defesa, que com um mínimo de honestidade intelectual deve ser superado, a fim de dar realização concreta, real e efectiva à garantia de defesa, constitucionalmente consagrada.

DECISÃO

Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerandos, acorda-se em se julgar o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida, a substituir por outra que tenha em conta a tempestividade do requerimento em apreço.
Sem custas.

Guimarães, 4 de Novembro de 2013