Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
329/13.8TBAMR.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PROVAS ILÍCITAS
SEGREDO BANCÁRIO
SIMULAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal e privilegiar o apuramento da verdade material dos factos, o art.º 662º. do C.P.C. regula a reapreciação da decisão da matéria de facto dando-lhe a configuração de um novo julgamento, devendo a Relação avaliar livremente todas as provas carreadas para os autos e valorá-las e ponderá-las, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, para formar a sua própria convicção.
II – Nos termos do art.º 32.º, n.º 8 da Constituição, são nulas todas as provas obtidas (dentre outras) com “abusiva intromissão da vida privada”.
III - Conquanto a nulidade esteja ali prevista para o processo criminal, posto que os direitos de personalidade são direitos absolutos, impõem-se erga omnes, deve entender-se que a impossibilidade do recurso àquelas provas se estende às demais jurisdições, abrangendo não só as entidades públicas como também os particulares.
IV – Uma vez que o segredo bancário integra o âmbito da reserva da intimidade da vida privada, não podem valer como prova afirmações produzidas por uma testemunha, violadoras daquele segredo, sem que se tenham antes accionado os mecanismos da dispensa do dever de sigilo.
V - A simulação é uma divergência intencional entre a vontade e a declaração e pressupõe a verificação simultânea de três requisitos: i) intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; ii) acordo entre o declarante e o declaratário (acordo simulatório); iii) intuito de enganar terceiros.
Decisão Texto Integral: - ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES –

A) RELATÓRIO
I.- O “Banco... – Sociedade Aberta”, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário, contra:
1 – L..;
2 – C..;
3 – A..;
4 – E..;
5 – A..;
6 – J..;
7 – M..;
8 – “A.., Ld.ª”;
9 – J..; e
10 – M..,
Pedindo que:
A. - 1) seja DECLARADA A NULIDADE dos contratos de compra e venda, das doações dos imóveis e da constituição da hipoteca sobre o usufruto mencionados na petição, considerando-se os referidos negócios sem efeito (itens 10º a 16° da p. i.);
2) seja ordenado o cancelamento dos registos de aquisição do direito de propriedade sobre os prédios acima identificados a favor dos 3.°, 4.° e 5.° RR. e da hipoteca de usufruto a favor do 9.° R., já efectuadas nas Conservatórias do Registo Predial respectivas e os eventuais registos que se vierem a efectuar na pendência da acção relativamente aos mesmos prédios;
B.- Caso assim se não entenda, SUBSIDIARIAMENTE,
1) seja decidido que assiste ao A. o DIREITO DE IMPUGNAR as doações dos imóveis em causa e constituição de hipoteca de usufrutos (arts. 14°, 15° e 16° da p.i.), para conservação da garantia patrimonial do seu crédito, presentemente no valor de € 46.389,99 (quarenta e seis mil, trezentos e oitenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), mas que provavelmente ascenderá à quantia de € 56.854,93 (pela soma àquela quantia do valor € de 10.464,94 relativos à conta corrente e cheques pré-datados) acrescido dos juros vincendos à taxa legal; e, consequentemente,
2) sejam os RR. condenados a reconhecerem que o A. tem direito à restituição dos imóveis na medida do referido crédito e juros vincendos, podendo executar os imóveis e respectivos usufrutos no património do 1.º, 2.ª, 3.º, 4.º, 5.º, 9.° e 10.º RR.;
3) seja ordenado o cancelamento dos registos de aquisição a favor do 3.°, 4.° e 5.° RR., e dos registos de hipoteca sobre os usufrutos a favor do 9.° R. e da 10.ª Ré, bem como de outra qualquer inscrição que se venha a efectuar nas Conservatórias do Registo Predial respectivas relativamente aos mesmos prédios.
Fundamenta os pedidos principais alegando serem simulados os contratos de compra e venda, doações e constituição de hipoteca aí referidos, e quanto aos pedidos subsidiários alega que dos mesmos contratos resultou a impossibilidade de pagamento dos créditos que detém sobre o 1.º Réu, e que a actuação dos Réus visou delapidar o património dos 1.º e 2.ª Réus.
Contestaram os 1.º e 10.ª Réus e os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente:
1) Declarou a nulidade das doações referidas em 9. e 10. dos “factos provados” e da constituição da hipoteca sobre o usufruto, referida em 12.;
2) Ordenou o cancelamento dos registos de aquisição do direito de propriedade sobre os prédios identificados em 9. e 10. dos “factos provados”, a favor dos 3.º; 4.º; e 5.º Réus e da hipoteca do usufruto a favor do 9.º Réu, referida em 12., efectuados nas Conservatórias do Registo Predial respectivas;
3) Absolveu os Réus dos pedidos de declaração de nulidade dos contratos de compra e venda referidos em 5. e 6. dos “factos provados”, bem como do pedido de cancelamento dos respectivos registos.
Inconformado, traz o 1.º R., L.., o presente recurso, visando a revogação daquela decisão.
Contra-alegou o Banco Autor propugnando para se que se mantenha a sentença impugnada.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II.- O Réu/Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões:
A - O presente recurso tem por objecto a reapreciação da prova gravada.
B - O Tribunal a quo considerou estarem provados os seguintes factos:
Nas escrituras de doação de 11 de Junho de 2008 e de 19 de Janeiro de 2009, embora o 1.º R (no caso da primeira escritura referida) e o 1.º e 2.º RR (no caso da segunda escritura) tenham declarado que estavam a doar ao 5.º R. (no caso da primeira escritura) e ao 3.º R. (no caso da segunda), os mesmos nada queriam doar (1.º e 2.º RR) ou receberem em doação (3.º e 5.º RR).
C - O Tribunal "a quo" julgou provado que na escritura de constituição de hipoteca sobre os usufrutos dos cinco imóveis em causa datada de 08 de Março de 2010, o 1.º e 2.º RR não quiseram constituir uma garantia a favor de um hipotético credor - 9.º R. - dos 1.º e 2.º RR.
D - O Tribunal "a quo" julgou provado que as escrituras referidas em 9, 10 e 12 dos "Factos Provados" foram outorgadas, por todos os seus intervenientes, em conluio, sem que nenhum deles quisesse celebrar os negócios em causa, única e exclusivamente com o intuito de enganar terceiros, designadamente o Autor.
E - O Tribunal "a quo" julgou provado que as alegadas escrituras de doação datadas de 11 de Junho de 2008 e 19 de Janeiro de 2009 referidas em 9 e 10 dos "Factos Provados" possibilitaram a retirada de tais imóveis do património dos 1.º e 2.º RR tendo resultado desses actos a impossibilidade ou agravamento do aqui A. satisfazer o seu crédito.
F - O Tribunal "a quo" julgou provado que as mesmas escrituras e ainda a escritura de constituição de hipoteca datada de 08 de Março de 2010, tiveram apenas como objectivo retirar do património do 1.º e 2º RR os aludidos imóveis, bem como onerar os usufrutos, dificultando o acesso dos credores, dado que estes - 1.º e 2.º RR — queriam colocar o seu património a salvo perante os financiamentos referidos no art. 2.º e 3.º e constituídos junto do A.
G - O Tribunal "a quo" julgou provado que os RR. efectuaram tais doações prevendo as dificuldades financeiras da empresa à qual o 1.º R. prestou garantia.
H - O recorrente considera manifesto que estes pontos atrás descritos e dados como provados pelo Tribunal "a quo" foram incorrectamente julgados.
I - Analisada a situação, é bom de ver que a Meretissima Juíz do Tribunal "a quo", conquanto goze da prorrogativa de apreciar livremente a prova, podia e devia ter valorado a prova documental, testemunhal e os depoimentos das partes de outra forma.
J - Ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662.º do NCPC, pode o Venerando Tribunal da Relação alterar a douta decisão proferida sobre a matéria de facto.
K - Julgando como não provados os factos acima descritos nas alíneas B a G das presentes conclusões.
L - O depoimento da testemunha arrolada pelo Autor e funcionário do Banco.., M.., é nulo, na parte em que presta informações abrangidas pelo segredo profissional, tal como está disposto nos arts. 78.º e 79.º à contrario, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
M - Não se verificam, in casu, os pressupostos da aplicação do regime da simulação, nos termos do art. 240.º do Código Civil, designadamente: 1) intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; 2) acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório); 3) intuito de enganar terceiros.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.C., sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
De acordo com o acima referido, cumpre:
- apreciar a questão da nulidade de depoimento arguida;
- reapreciar a decisão de facto quanto aos pontos impugnados;
- decidir da pedida alteração do sentenciado.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- i) Como acima se deixou referido o Apelante impugna a decisão de facto quanto à facticidade transcrita nas conclusões B a G, que considera incorrectamente julgados, pretendendo que sejam considerados não provados ou melhor, provados os factos de sentido contrário àqueles.
Fundamenta o seu dissenso no seu próprio depoimento de parte assim como nos depoimentos de parte dos Réus C.. e J.., assim como nos depoimentos das testemunhas V.. e G.., transcrevendo as passagens em que se funda e fazendo a indicação precisa dos tempos dessas passagens.
O recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto tem de, obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso quanto a esta parte, cumprir com o disposto em cada uma das alíneas do n.º 1 do art.º 640.º, do C.P.C.: indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida.
O Apelante cumpriu com todas as imposições acima referidas, assim como com a que consta da alínea a) do n.º 2, do art.º 640.º do C.P.C..
ii) O art.º 662.º do C.P.C. regula a reapreciação da decisão da matéria de facto dando-lhe a configuração de um novo julgamento.
Assim, a alteração daquela decisão que, se estiverem em causa direitos de natureza disponível, se restringirá à parte que foi delimitada pelo recurso, é agora um poder vinculado da Relação, desde que se verifiquem os pressupostos referidos no n.º 1, ou seja, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A intenção do legislador foi, como consta da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto.
Deste modo, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos que vêm referidos na alínea c) do nº. 2, e sem prejuízo da possibilidade de ser ordenada a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu-se agora à Relação o poder/dever de investigação oficiosa.
Não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua própria convicção.
Constitui ainda poder vinculado da Relação realizar as diligências de renovação da prova quando houver dúvidas sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, e de produção de novos meios de prova se houver dúvida fundada sobre a prova realizada, ou seja, sobre o sentido da decisão de facto tomada pelo Tribunal a quo.
O objectivo primordial é o de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, que é pressuposto de uma decisão justa.
As regras de julgamento a observar pela Relação são as mesmas por que se rege o tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções naturais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. art.os 466º., nº. 3 e 607º., n.os 4, in fine e 5 do C.P.C., que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.).
Como refere o art.º 341.º, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Sem embargo, não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a um elevado grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (cfr. Manuel de Andrade in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192).
Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como referem Antunes Varela et Al. (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420).
Na situação sub judicio os factos em reapreciação admitem a prova testemunhal, cujo valor probatório está sujeito à livre (pressuposto que seja conscienciosa) apreciação do julgador – cfr. art.º 396.º do C.C. -, e daí que seja igualmente permitido o recurso às presunções judiciais, de acordo com o disposto no art.º 351.º, do C.C., que são ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – cfr. art.º 349.º, ainda do mesmo Cód..
Como explicita o Prof. Vaz Serra “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência” (in B.M.J. nº. 112º., pág. 190).
O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas, normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também na situação aprecianda as coisas se passaram do mesmo modo, ou seja, perante um facto instrumental que tenha sido provado, conclui que ele revela a existência de outro facto, essencial à decisão.
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V.- No que se refere à matéria de facto, o Tribunal a quo julgou:
a) provado que:
1. No exercício da sua actividade bancária o A. concedeu, entre outros, dois financiamentos à sociedade P... Lda., a saber:
- Financiamento n° EC019230/08 - 000242876264 constituído em 5 de Dezembro de 2008, no valor inicial de € 25.000,00, em incumprimento desde 14/Fevereiro/2013, sendo o capital em dívida, à data da propositura da acção de € 24.000,00, os juros à taxa de 7,225% (contados até 29/Maio/2013) no valor de € 480,16 e o Imposto do Selo de € 19,21, o que perfaz o total de € 25.499,37 em débito.
Para além deste montante, neste financiamento existem em carteira a favor do A. uma conta corrente relativa a cheques pré-datados, com vencimento em Julho de 2013 e que perfazem o valor total de € 10.464,94.
- Financiamento n° EC007929/09 - 000748583533 constituído em 3 de Junho de 2009, no valor inicial de € 25.000,00, em incumprimento desde 14/Fevereiro/2013, sendo o capital em dívida à data da propositura da acção de € 19.752,02, os juros à taxa de 7,725% (contados até 29/Maio/2013) no valor de € 1.094,80 e o Imposto do Selo de € 43,79, o que perfaz o total de € 20.890,62 em débito.
2. Financiamentos, estes, pelo pagamento dos quais o 1.º Réu também se responsabilizou enquanto avalista e garante pagador da sociedade P.. perante o A., condição esta que foi essencial e determinante para a celebração destes dois contratos.
3. Para tal, foram dadas como garantia duas livranças subscritas pela sociedade P.. e avalizadas pelo 1.° R., tendo tanto a P.. como o 1.º R. dado o seu consentimento para o preenchimento das mesmas com uma "data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o cliente lhe deva ao abrigo do contrato."
4. A R. P.. foi declarada insolvente no dia 05/Março/2013 (Documento de fls. 82).
5. Através de escritura pública de compra e venda, em 14/Dezembro/1998, o 1.º e 2.º RR. outorgando por si e em representação dos seus dois filhos menores no exercício do poder paternal - os 3.º e 4.° RR. - declararam adquirir a J.. e mulher M.. - 6.° e 7.º RR. - em nome dos 3° e 4º Réus, a raiz ou nua propriedade e, em seu nome, o usufruto da fracção designada pela letra "M" do prédio urbano situado em Ferreiros, freguesia de FERREIROS, concelho de AMARES, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o n.°.., omisso na matriz (Documento de fls. 56 a 60).
6. Em 18/Fevereiro/1999, através de escritura pública de compra e venda, agora à sociedade A.., Lda. (vendedora) - 8.º R. - o 1.º e 2.ª RR., outorgando por si e em representação dos seus dois filhos menores no exercício do poder paternal - os 3.° e 4.º RR. -, declararam adquirir em nome dos últimos a raiz ou nua propriedade do referido terreno e, em seu nome, o usufruto do prédio urbano situado em Rabadas, freguesia de PROZELO, concelho de AMARES, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o n.°.., da dita freguesia de Prozelo, inscrita na matriz urbana sob o ARTIGO ... (Documento de fls. 61 e ss.)
7. À data, 14/Dezembro/1998 e de 18/Fevereiro/1999, os 3.° e 4.° RR., filhos do 1.º e 2.ª RR., eram menores e não tinham quaisquer bens ou rendimentos.
8. Os Réus L.. e C.. (1.º e 2.º RR) contraíram casamento em 18 de Agosto de 1985 e divorciaram-se por mútuo consentimento em 25.01.2005 (documento de fls. 147 a 149).
9. Em 11/Junho/2008, através de escritura pública de doação, o 1.º R. declarou fazer as seguintes DOAÇÕES COM RESERVA DE USUFRUTO VITALÍCIO de DOIS IMÓVEIS da sua propriedade, AO SEU FILHO A.. – 5º R.:
a) Do prédio urbano situado em Casais, freguesia de FERREIROS, concelho de AMARES, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o n.°.., da dita freguesia de Ferreiros, inscrita na matriz urbana sob o ARTIGO.. (provisório);
b) Do prédio urbano situado em Casais, freguesia de FERREIROS, concelho de AMARES, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o n.°.., da dita freguesia de Ferreiros, inscrita na matriz urbana sob o ARTIGO .., com o valor patrimonial de € 26.710,00.
Na referida escritura, o referido Réu declarou estipular "a cláusula de reversão dos bens doados, no caso de o doador sobreviver ao donatário, ainda que este deixe descendentes, nos termos do disposto no art. 960° do Cód. Civil, implicando neste caso, o regresso dos bens doados ao património do doador, livre de encargos, ainda que tenham sido transmitidos a terceiros".(Documento de fls. 63 a 65)
10. Em 19/Janeiro/2009, também através da escritura pública de doação, o 1.° e 2. RR. declararam fazer DOAÇÃO COM RESERVA DE USUFRUTO VITALÍCIO de UM IMÓVEL propriedade deles, AO SEU FILHO, A.. - 3.° R. do prédio urbano situado em Rabadas, freguesia de PROZELO, concelho de AMARES, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o n.°.., da dita freguesia de Prozelo, inscrita na matriz urbana sob o ARTIGO... (Doc. de fls. 66 a 69)
11. Nas escrituras de doação de 11/Junho/2008 e de 19/Janeiro/2009, embora o 1.° R. (no caso da primeira escritura referida) e o 1.° e 2.ª RR. (no caso da segunda escritura) tenham declarado que estavam a doar ao 5.º R. (no caso da primeira escritura) e ao 3.° R. (no caso da segunda), os mesmos nada queriam doar (1.° e 2ª RR.) ou receber em doação (3.° e 5.° RR.).
12. Através de escritura pública celebrada no dia 08/Março/2010 o 1.° e 2.ª RR. (esta 2.ª R. apenas quanto aos imóveis identificados nas alíneas a), b) e c)) declararam dar como garantia ao 9.° R., referente a um alegado débito de € 10.000,00 perante o mesmo, HIPOTECA DE USUFRUTO dos cinco imóveis anteriormente referidos, a saber:
a) Do prédio urbano situado em Rabadas, freguesia de PROZELO, concelho de AMARES, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o n.°.., da dita freguesia de Prozelo, inscrita na matriz urbana sob o ARTIGO ..;
b) Do prédio urbano situado em Rabadas, freguesia de PROZELO, concelho de AMARES, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o n.°.., da dita freguesia de Prozelo, inscrita na matriz urbana sob o ARTIGO ..;
c) Do prédio urbano situado em Ferreiros, freguesia de FERREIROS, concelho de AMARES, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o n.°.., omisso na matriz;
d) Do prédio urbano situado em Casais, freguesia de FERREIROS, concelho de AMARES, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o n.°.., da dita freguesia de Ferreiros, inscrita na matriz urbana sob o ARTIGO..;
e) Do prédio urbano situado em Casais, freguesia de FERREIROS, concelho de AMARES, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o n.°.., da dita freguesia de Ferreiros, inscrita na matriz urbana sob o ARTIGO.. (provisório). (Documento de fls. 70 a 74)
13. O 9.° R. é casado no regime de comunhão de adquiridos com a 10.ª Ré.
14. Na escritura de constituição de hipoteca sobre os usufrutos dos cinco imóveis em causa datada de 08/Março/2010, o 1.º e 2.º RR não quiseram constituir uma garantia a favor de um hipotético credor - 9.º R. - dos 1.º e 2.ª RR.
15. As escrituras referidas em 9., 10. e 12. foram outorgadas, por todos os seus intervenientes, em conluio, sem que nenhum deles quisesse celebrar os negócios em causa, única e exclusivamente com o intuito de enganar terceiros, designadamente o Autor.
16. As alegadas escrituras de doação datadas de 11/Junho/2008 e 19/Janeiro/2009 referidas em 9. e 10., possibilitaram a retirada de tais imóveis do património dos 1.º e 2.ª RR tendo resultado desses actos a impossibilidade ou agravamento do aqui A. satisfazer o seu crédito.
17. As mesmas escrituras e ainda a escritura de constituição de hipoteca datada de 08/Março/2010, tiveram apenas como objectivo retirar do património do 1.º e 2.ª RR. os aludidos imóveis, bem como onerar os usufrutos, dificultando o acesso dos credores, dado que estes - 1.º e 2.ª RR. - queriam colocar o seu património a salvo perante os financiamentos acima referidos em 1., e constituídos junto do A..
18. Os RR. efectuaram tais doações prevendo as dificuldades financeiras da empresa à qual o 1.º R. prestou garantia.
19. Na data da outorga da oneração dos usufrutos, a P.. encontrava-se com dificuldades financeiras.
20. Os 3.º, 4.° e 5.° RR. são filhos dos 1.° e 2.ª RR. e o 9.° R. é conhecido e amigo do 1.º Réu.
21. O crédito do A. sobre o 1.º R. e P.., Lda. do qual é avalista, continua por cobrar.
b) julgou não provados os restantes factos constantes dos articulados, designadamente que:
a) Na data da realização das escrituras de 14/Dezembro/1998 e de 18/Fevereiro/1999 embora os 1.º e 2ª RR. tenham declarado que estavam a fazer a compra em representação dos menores - 3.° e 4.° RR. -, a sua intenção fosse a de comprar em nome próprio a raiz ou nua propriedade dos prédios em causa.
b) As compras supra referidas, em a), apenas tenham sido efectuadas para que o 1.º e 2.ª RR. conseguissem manter, ainda que de forma camuflada, no seu "património", os seus bens (referidos prédios).
3. Nas datas das escrituras referidas em 5. e 6. dos "Factos provados" os RR. soubessem vir a necessitar de financiamentos para manter a empresa em funcionamento.
5. Os 6.°, 7., 8.° e 10.ª RR. tenham agido com o intuito de prejudicar o A. e inviabilizar ou dificultar que este recuperasse o seu crédito.
6. O valor do património da “P..” e o montante dos créditos da mesma seja superior às dívidas daquela sociedade, sendo suficientes para as pagar, nomeadamente a dívida do Autor.
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VI.- Como se vê da fundamentação da decisão de facto, constante de fls. 286 a 289, a Meritíssima Juiz formou a sua convicção recorrendo a presunções que extraiu de afirmações produzidas designadamente pela testemunha M.., gerente bancário da agência da Autora em Amares, o qual declarou que o ora Apelante “retirou do Banco, em Janeiro de 2013 e um dia antes da declaração da insolvência, ocorrida em Março desse mesmo ano, elevadas quantias que ali tinha depositadas (em 04.03.2013 fez dois levantamentos de 200.000 €)”, afirmação utilizada para ilustrar a “postura do Réu L..”.
Ora o Apelante, na conclusão L., invocando violação do sigilo bancário, argui a nulidade deste depoimento.
Cumpre apreciar e decidir.
Um dos direitos de personalidade que têm consagração constitucional é o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar – cfr. n.º 1 do art.º 26.º da nossa Lei Fundamental.
E nos termos do disposto no n.º 8 do art.º 32.º, são nulas todas as provas obtidas (dentre outras) com “abusiva intromissão da vida privada”.
Conquanto a Constituição estabeleça esta cominação numa disposição legal directamente relacionada com o processo criminal, posto que os direitos de personalidade são direitos absolutos, impõem-se erga omnes, deve entender-se que a impossibilidade do recurso àquelas provas se estende às demais jurisdições, abrangendo não só as entidades públicas como também os particulares.
O Prof. Menezes Cordeiro considera o segredo bancário como integrante da intimidade da vida privada e familiar, e integrante ainda da esfera da integridade moral das pessoas (in “Direito Bancário”, 5.ª ed., pág. 363).
O Tribunal Constitucional no Ac. n.º 145/2014, de 13/02/2014, reconhecendo que o bem protegido pelo segredo bancário cabe no âmbito de protecção do direito à reserva da vida privada, acrescenta que ele se localiza “no âmbito da vida da relação”, e portanto, “à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, ocupando uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores com ele conflituantes” (Proc.º 521/2013, 3.ª Sec. Cons.º Carlos Fernandes Cadilha, in www.tribunalconstitucional.pt).
Os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira referem que a interdição do uso de tais provas é absoluta “no caso do direito à integridade pessoal” e relativa “nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial, quando desnecessárias ou desproporcionadas ou quando aniquiladoras dos próprios direitos” (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, pág. 524).
A alínea c) do n.º 3 do art.º 417.º do C.P.C. reconhecendo legítima a recusa de prestar a colaboração para a descoberta da verdade quando a obediência importar, designadamente, a violação do segredo profissional, prevê que sejam desencadeados os mecanismos (previstos na lei adjectiva penal) de dispensa do dever do sigilo.
Na situação sub judicio, atenta a matéria factual em investigação era claramente expectável que a testemunha em causa, funcionário bancário da Autora, por via das suas funções, tivesse conhecimento de factos relevantes para a descoberta da verdade.
Posto que tais factos estão cobertos pelo segredo bancário, devia ter sido requerida a dispensa do dever de sigilo.
Muito embora o Réu não tenha reagido para a acta, estando presente e também representado por Mandatário Judicial (cfr. art.º 199.º, n.º 1) posto que não estamos perante uma nulidade processual, mas perante uma nulidade da prova, estando em causa direitos de personalidade é de considerar que o consentimento deva ser expresso, não podendo ler-se o silêncio como consentimento tácito.
Assim, porque não foi requerida a dispensa do dever de sigilo, não pode o depoimento da testemunha M.. ser valorado na parte em que relata factos referentes a movimentações bancárias efectuadas pelo Apelante das suas contas pessoais.
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VII.- Como se disse, o Apelante funda-se no seu próprio depoimento de parte e em depoimentos de parte de outros Réus.
Explicitou o actual C.P.C. a valoração das declarações produzidas pela parte, que não constituam confissão, que são apreciadas livremente pelo tribunal – n.º 3 do art.º 466.º -, como, de resto, o Código Civil já estabelecia para a confissão judicial que tivesse sido reduzida a escrito, a confissão extrajudicial feita a terceiro ou contida em testamento, e o reconhecimento de factos desfavoráveis que não possa valer como confissão (art.os 358.º, n.º 4 e 361.º).
Na acta da audiência de julgamento não há registo de factos confessados e o Tribunal a quo, apreciou os depoimentos – de parte e testemunhais – à luz da sua razão de ciência, quanto às testemunhas, mas também das regras da experiência comum, como claramente deixa perceber na fundamentação de facto que é clara nos raciocínios, permitindo acompanhar com facilidade o iter decisório.
Ora, revisitados os depoimentos, as conclusões que extraímos são de todo coincidentes com as do Tribunal a quo.
Como se retira das suas declarações, o Apelante apresenta-se como uma pessoa ligada o mundo dos negócios.Teve uma outra empresa que, segundo disse, «estava a acabar e acabei com ela» antes da “P..”, uma sociedade unipessoal, que terá sido constituída por alturas de 2000 e cuja declaração de insolvência datará de 05/03/2013. É do conhecimento comum que os Bancos exigem garantias pessoais dos sócios das empresas como condição da concessão de financiamentos. Também se sabe que quem deve dinheiro aos Bancos, porque normalmente estão em causa montantes elevados, faz todos os possíveis por acautelar e pôr a salvo o seu património e um dos métodos utilizados é colocá-lo em nome de terceiro: um familiar próximo em quem se deposita toda a confiança ou até um amigo muito chegado. Neste caso, claramente, o Apelante optou pelos filhos e por isso (e não é este, seguramente, caso único) estamos em presença de crianças que, sem terem rendimento algum, são titulares de um património de valor não despiciendo. Como os pais pagaram o preço da compra e pagam todos os encargos e despesas e usam e fruem dos imóveis, para o comum das pessoas, dos credores incluindo os Bancos, são eles os verdadeiros donos dos bens porque no dia-a-dia se comportam como tal.
Ainda que não estejam ora em discussão, porque a tanto se opõe o princípio da reformatio in pejus, o normal do acontecer conjugado com as afirmações produzidas pelo próprio Apelante e pela Ré C.. de que à altura estariam numa fase de separação de facto, suportam a presunção de ter sido aquela a intenção que terá presidido às aquisições feitas em 14/12/1998 e decorridos dois meses, em 18/02/1999 de um apartamento para onde terá ido morar o próprio Apelante (com “outra senhora”, segundo disse a testemunha J..) e de um lote de terreno, segundo o próprio Apelante «para a nova empresa» - terá sido nesse lote de terreno e no que veio a ser doado ao Réu (filho) A.. em 19/01/2009, que havia sido adquirido pelo Apelante “em Setembro de 1999”, que foi construído um pavilhão onde foi instalado o estabelecimento comercial da empresa “P..”.
Do depoimento de parte da Ré C.. resulta claramente que quem “põe e dispõe” é o Apelante, tendo sido várias as vezes em que justificou dizendo «o L.. falou e eu assinei/aceitei», nada se retirando dele que possa contraditar o que acima se deixou referido.
Com o Tribunal a quo estranha-se a forma utilizada pelo Apelante para «dar a César o que é de César», nas suas próprias palavras, para justificar a doação dos dois imóveis ao filho menor (Réu) A.., porque toda a gente sabe que as doações podem ser reduzidas se ultrapassarem a quota disponível (a “legítima” como vulgarmente se diz) e atendendo à idade dos doadores (pais) e à pouquíssima idade dos donatários (filhos, ainda menores) não está conforme com as regras da experiência comum fazer uma tão “precoce” «partilha em vida» tanto mais que, como refere a Meritíssima Juiz, a doação ao filho A.. “excede em muito o valor do benefício resultante para cada um dos outros filhos, das ditas aquisições”, sendo ainda pertinente e justificada a referência à cláusula de reversão dos bens doados, estabelecida para o caso de o donatário falecer antes do doador – os bens regressariam ao seu património livres de encargos ainda que tenham sido transmitidos a terceiros e ainda que o donatário “deixe descendentes” (que são seus netos em pé de igualdade com os filhos dos outros dois filhos, não se vislumbrando, assim, a razão da discriminação).
É clara e incontornável a intenção de “pôr os bens a salvo/em segurança”. Porque indicia o modo de pensar do Apelante cumpre fazer ressaltar um pormenor do seu depoimento: disse que não tinha rendimentos, afirmando “nem recebo o subsídio de desemprego”, mas perguntado quem paga os impostos dos imóveis e suporta todos os encargos da vivenda que habita (e declarou doar ao filho A..) afirmou, desenvoltamente, ser ele próprio.
E se esta é a convicção quanto às “doações” ela sai reforçada no que respeita à hipoteca sobre os usufrutos, constituída cerca de nove meses (!) após o segundo financiamento, atendendo ao valor dos usufrutos (pense-se na hipótese de arrendamento dos prédios urbanos, por exemplo) e ao montante alegadamente mutuado: € 10.000; consideradas ainda as relações profissionais e de amizade existentes entre o Apelante e o “mutuante”, que foi o contabilista da “P..” desde a fundação, e por isso conhecedor de tudo quanto respeita ao campo financeiro da empresa se não também do sócio, o Apelante.
As explicações deste, Réu J.., não foram de modo algum convincentes porque suscitam muitas perplexidades. Numa matéria como a vertente as afirmações injustificadas não são credíveis. Para o serem havia que pormenorizar toda a situação: v.g. explicar como é que a quantia alegadamente mutuada entrou na empresa (o Réu era o contabilista); sabendo-se, dos depoimentos prestados, que a empresa contava na altura, ainda, com as contas de financiamento do Banco Autor, explicar a utilização dada à referida quantia (que se afigura irrisória face à situação de verdadeira catástrofe que um e o outro Réu e mesmo as testemunhas G.. e V.., pretenderam fazer crer); o acordo que fizeram quanto à devolução da quantia alegadamente mutuada; os reais motivos porque até agora, alegadamente, não foi feito nem exigido o pagamento ou, pelo menos, a entrega de qualquer quantia “por conta”, etc..
Conclui-se, do que vem de ser exposto, não haver razão consistente para se alterar a decisão de facto, nos termos propostos pelo Apelante ou em outros termos, devendo, por isso, manter-se inalterada.
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VIII.- Mantendo-se inalterada a matéria de facto, também a matéria de direito não carece de outros desenvolvimentos.
Sem embargo sempre diremos que, atenta a facticidade provada, que consta sob os n.os 11 e 14, constata-se ter havido divergência entre o que foi declarado documentalmente e o que os declarantes queriam na realidade.
A simulação é uma divergência intencional entre a vontade e a declaração – cfr. artº. 240º., nº. 1 do Código Civil (C.C.) – e pressupõe a verificação simultânea de três requisitos:
1 - intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração;
2 - acordo entre o declarante e o declaratário (acordo simulatório);
3 - intuito de enganar terceiros (cfr. Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª. edição actualizada, pág. 472).
Mau grado se exija a existência de um acordo entre o declarante e o declaratário, não está excluída a hipótese da simulação num negócio unilateral.
Enganar não é o mesmo que prejudicar (cfr. Prof. Heinrich Hörster in “A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 236), por isso é que o Prof. Mota Pinto, começando por distinguir simulação inocente da simulação fraudulenta (a esta se referindo a parte final do n.º 1 do art.º 242.º do C.C.) identifica a primeira com as situações em que “houve o mero intuito de enganar terceiros, sem os prejudicar” («animus decipiendi») (ob. cit. pág. 472).
Na jurisprudência, dentre outros, faz esta distinção o Ac. da Rel. do Porto, de 10/07/1980, onde se escreveu que “… a simulação pode revestir duas modalidades que se distinguem pelos propósitos que animam os simuladores: ou visam apenas enganar terceiros, e a simulação diz-se inocente, ou visam prejudicá-los ilicitamente, e a simulação diz-se fraudulenta. Mesmo nesta segunda modalidade ou espécie a simulação implica necessariamente um artifício enganoso subjacente a ela” (in C. J., ano V-1990 Tomo 4, pág. 191).
A simulação absoluta distingue-se da simulação relativa por na primeira os simuladores fingirem concluir um determinado negócio jurídico mas, na realidade, não quererem celebrar qualquer negócio - por trás do negócio simulado nada mais há -, enquanto que na simulação relativa as partes pretendem celebrar certo negócio jurídico mas celebram outro de conteúdo ou de objecto diverso, ou então celebram-no com pessoas diferentes daquelas que efectivamente intervieram.
O negócio simulado é nulo, quer a simulação seja absoluta, quer relativa – n.º 2 do art.º 240.º do C.C. – ainda que na segunda o negócio dissimulado possa ser válido, se se verificarem os respectivos requisitos de forma.
A nulidade do negócio simulado pode ser arguida a todo o tempo, por qualquer interessado, sendo ainda do conhecimento oficioso, como se dispõe no art.º 286.º, do C.C..
Assim, podem arguir a nulidade os credores ainda que os actos praticados pelo devedor sejam anteriores à constituição do crédito, nos termos que lhes vêm reconhecidos no art.º 605.º, do C.C..
Como ensinam os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, à legitimidade conferida aos credores basta o interesse “em que é definido genericamente … no Código de Processo Civil, segundo o qual o do autor se exprime na utilidade (prática) derivada da procedência da acção”, citando Vaz Serra que escreveu: “Ora, convém não cercear os meios de atacar os actos absolutamente nulos do devedor, em especial os simulados, e, desde que do acto resulta uma diminuição patrimonial, parece dever facultar-se aos credores o meio de fazer declarar logo a nulidade para que não se exponham a ver, de um momento para o outro insolvente o seu devedor. Mantendo-se o acto simulado, mais fácil se tornará cair ele em insolvência, além de que a declaração de nulidade do acto o tornará talvez mais prudente e evitará porventura que reincida” (in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 590) sendo, por isso, também razões de prevenção especial as que presidiram ao reconhecimento da legitimidade substantiva dos credores para requererem a declaração judicial da nulidade dos actos praticados pelo devedor.
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IX.- Na situação sub judicio ficou provada a divergência intencional entre a vontade e a declaração, quer nas duas escrituras de doação, quer na de constituição de hipoteca sobre os usufrutos, e o acordo simulatório entre os doadores e o donatário, no que se refere à escritura de doação de 19/01/2009, e entre os que figuram como credor e como os devedores na escritura de constituição de hipoteca. No que se refere à escritura de doação de 11/06/2008 há um acordo do doador consigo mesmo (não tendo a doação sido aceite pelo donatário que, como declarou aquele “tem agora 14 anos”).
De tudo quanto vem de ser referido impõe-se manter, nos seus precisos termos, a douta decisão impugnada, destarte se recusando provimento ao recurso.
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C) DECISÃO
Considerando quanto acima fica exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação, confirmando integralmente a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante.
Guimarães, 07/05/2015
Fernando Fernandes Freitas
Maria Purificação Carvalho
Espinheira Baltar