Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
772/10.4TBBRG.G1
Relator: MARIA DA CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
NRAU
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - Estando em causa um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, respeitante a um armazém, celebrado em data não concretamente apurada mas anterior à entrada em vigor do NRAU, tendo o óbito da arrendatária ocorrido já no domínio do novo regime, é de aplicar, no que se refere à transmissão por morte desse arrendamento, o disposto no art. 58 do mesmo NRAU que estabelece um regime transitório para tais situações;
II - Não se provando que os RR., sucessores da arrendatária falecida, tivessem direito à transmissão do arrendamento nos termos do aludido art. 58 do NRAU, é de considerar inevitavelmente caducado tal arrendamento;
III - Não se provando, ainda assim, que a ocupação do dito armazém pelos RR. tenha impedido a realização das obras urgentes e necessárias no imóvel, que daí tivesse resultado degradação e desvalorização do mesmo no seu todo, que os AA. estivessem impedidos de retirar de todo o prédio as respectivas utilidades, ou qualquer outra afectação patrimonial sofrida pelos AA. em resultado da não restituição daquele espaço pelos RR., devem estes ser absolvidos do correspondente pedido indemnizatório formulado.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães.

I- Relatório:

Luís… e mulher, Maria… , vieram propor contra Manuel… , Maria… ( Conforme resulta dos autos, designadamente da procuração junta a fls. 64, o nome próprio da Ré é “Rosa” e não “Rita” como consta da p.i. e de outras peças processuais.) e Manuel… , acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, alegando, para tanto e em síntese, que tendo adquirido em 6.8.1998, por escritura pública de compra e venda, o prédio que se acha descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 277, composto por R/C, 1º e 2º piso, encontrava-se então o primeiro pavimento daquele imóvel (R/C frente), destinado a armazém, já arrendado a Maria Beatriz… , mediante contrato de arrendamento não reduzido a escrito, celebrado com os anteriores proprietários para o exercício do comércio, contra o pagamento da renda mensal de € 2,50. Mais referem que o referido armazém era utilizado para armazenamento dos produtos do estabelecimento comercial “O meu café”, sito em Braga, e que em 3.3.2009, os ora RR. comunicaram aos AA. o óbito daquela Maria Beatriz… , sua mãe, ocorrido em 17.2.2009, comunicando que, enquanto herdeiros e sucessores da mesma, pretendiam a transmissão do direito ao arrendamento do dito imóvel. Defendem os AA. que o arrendamento caducou com a morte da arrendatária, uma vez que na ocasião do falecimento nenhum dos seus herdeiros e ora RR. explorava com a mesma o locado para os fins a que se destinava, não tendo, além do mais, os RR. comunicado aos AA., no prazo de três meses subsequentes ao falecimento de sua mãe, a intenção de exploração ou utilização do arrendado para esses fins. Invocam, ainda, que os RR. ocupam aquele espaço sem fundamento legal desde 17.2.2009, apesar das insistências dos AA. para que o abandonem, impedindo o seu usufruto pelos AA. bem como a realização por estes de obras urgentes e necessárias de restauro profundo e de estrutura que só poderão ter lugar aquando da entrega do imóvel. Referem que esta circunstância causa degradação e desvalorização do imóvel no seu todo, e impede que os vários pisos sejam arrendados, bem como o encarecimento das obras a realizar. Pedem que seja reconhecido o seu direito de propriedade sobre o dito prédio urbano, que seja reconhecida a caducidade do contrato de arrendamento respeitante ao R/C frente desse mesmo prédio, sendo os RR. condenados na restituição do identificado imóvel, livre e desimpedido de pessoas e bens, e, ainda, que sejam os RR. condenados solidariamente no pagamento de uma indemnização no valor de € 5.000,00 relativa a danos patrimoniais decorrentes da não entrega do imóvel.
Contestaram os RR., impugnando a factualidade vertida na p.i. e sustentando que o arrendado se destinava simplesmente a armazém (e não ao armazenamento de produtos de qualquer estabelecimento específico), sendo que os RR. sempre exploraram e utilizaram com a mãe aquele local para esse fim. Daí a pretensão que comunicaram aos AA.. Concluem pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador, com dispensa da selecção da matéria de facto.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida a sentença que, julgando a acção totalmente procedente, decidiu:
“ A) Declaro que os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito na Rua do Cabido, nºs 19 a 21, Braga, freguesia da Sé, inscrito na matriz urbana sob o artigo 419, descrito na Conservatória do Registo Predial com o nº 277, composto de casa de quatro pavimentos.
B) Declaro caduco o contrato de arrendamento celebrado com Maria Beatriz… referente ao primeiro pavimento (R/C frente) do prédio dos Autores mencionado em A).
C) Condeno os Réus a restituírem aos Autores o locado correspondente ao R/C frente do seu prédio mencionado em A), livre e desimpedido de pessoas e bens.
D) Condeno os Réus, solidariamente, a pagarem aos Autores uma indemnização no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) relativa a danos patrimoniais pela não entrega do imóvel.
Custas pelos Réus.”
Inconformados, recorreram os RR. da sentença, apresentando as respectivas alegações que culminam com as conclusões a seguir transcritas:

a) Não há lugar ao pagamento de qualquer indemnização, já que apenas resultou como provada a necessidade de efetuar obras de conservação e não que a realização das mesmas estava dependente da desocupação do locado;
b) Pelo que, como muito bem sabem os Apelados, a qualquer momento podiam ter realizado as mesmas, sem que daí pudesse advir algum prejuízo;
c) Relativamente à caducidade do Contrato de Arrendamento, parece de todo evidente que não se aplicam as normas do Novo Regime de Arrendamento Urbano, já que o presente Contrato é pré existente ao novo regime;
d) Aliás o contrato de arrendamento celebrado pela mãe dos Apelantes é anterior à vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro;
e) Logo, aplica-se o artigo 26º das Normas Transitórias à contrária;
f) Resultando dessa aplicação que contrato de arrendamento não caducou, uma vez que o mesmo não está submetido ao Novo Regime de Arrendamento Urbano;
g) Mas, mesmo que assim não fosse, o presente Contrato de Arrendamento nunca poderia caducar, conforme resulta do plasmado no artigo 1113º do Código Civil, uma vez que o arrendamento não caduca por morte do arrendatário.
h) Assim sustentam os Apelantes que a decisão recorrida incorre numa errada interpretação dos preceitos legais aplicáveis violando, entre outras disposições, designadamente o disposto nos artigos 26º, 27º e 28º Novo Regime de Arrendamento Urbano, bem como o artigo 1113º do Código Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue a presente acção totalmente improcedente.”
Em contra-alegações, os AA. pugnam pela improcedência do recurso, concluindo:

1. A sentença recorrida contempla uma solução completa, nomeadamente, no que respeita ao direito aplicável, porquanto dela resulta uma composição justa do litígio.
2. Os Recorridos são donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito na Rua do Cabido, n.ºs 19 a 21, freguesia da Sé, Concelho de Braga, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 419, descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga com o n.º 277.
3. Este prédio encontrava-se arrendado a Maria Beatriz… , através de contrato de arrendamento não reduzido a escrito, celebrado entre esta e os antepossuidores do prédio identificado.
4. A arrendatária utilizava o locado – armazém – para armazenamento dos produtos do estabelecimento comercial denominado “O Meu Café”, sito à Rua D. Diogo de Sousa, n.º 97 e 99, Braga.
5. No dia 17 de Fevereiro de 2009 faleceu a arrendatária Maria Beatriz… .
6. E, por comunicação datada de 3 de Março de 2009 (Cfr. Doc. n.º 4, anexo à P.I.), os herdeiros da arrendatária, Recorrentes, identificando-se nessa qualidade, pretendem a transmissão do direito ao arrendamento do imóvel referido.
7. Ou seja, não aceitam a caducidade daquele contrato de arrendamento, tal como estabelece a regra geral ínsita no Art. 1051º, al. d), do C.Civ., reiterada também no regime transitório do NRAU, aprovado pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro (Arts. 26º, n.º 1 e 2, 27º e 28º).
8. A nova lei (NRAU) estabeleceu um conjunto de normas transitórias considerando o facto da existência de contratos celebrados antes da entrada em vigor do NRAU.
9. Sendo certo que o óbito da arrendatária ocorreu já durante a vigência do NRAU, cumpre aplicar o regime previsto nas normas transitórias, conforme resulta da conjugação dos art. 26º, 27º e 58º da Lei 6/2006 de 27/02.
10. E no que ao caso sub iudice respeita, aplica-se concretamente o Art. 58º, cuja epígrafe é [Transmissão por morte no arrendamento para fins não habitacionais] que determina o seguinte: [1. O arrendamento para fins não habitacionais termina com a morte do arrendatário, salvo existindo sucessor que, há mais de três anos, explore, em comum com o arrendatário primitivo, estabelecimento a funcionar no local. 2. O sucessor com direito à transmissão comunica ao senhorio, nos três meses posteriores ao decesso, a vontade de continuar a exploração.]
11. Decorre então do Art. 58º, n.º 1, 1ª parte, da Lei 6/2006 de 27/02, em relação aos contratos de arrendamento de pretérito para comércio, que a regra passa a ser a caducidade do contrato quando o arrendatário morrer após a entrada em vigor do NRAU.
12. Pelo que, a transmissão do arrendamento, constitui uma excepção, que se verifica quando ao primitivo arrendatário sobreviva sucessor que, há mais de três anos no período que anteceda imediatamente a morte do arrendatário, venha explorando, em comum com este, o estabelecimento que funcione no local (Art. 58º, n.º 1, 2ª parte, da Lei 6/2006 de 27/02).
13. Embora a interpretação da expressão [exploração em comum com o primitivo arrendatário] tenha suscitado dúvidas na doutrina, em particular quanto à integração do conceito,
14. a doutrina maioritária propõe que aquela expressão seja interpretada […no sentido de abranger os familiares do arrendatário que, com ou sem remuneração, trabalhavam no estabelecimento e dele retiravam o seu sustento.] Vd. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/01/2011, Processo 2367/09.6 T2OVR.P1.
15. O mesmo sentido lhe tem dado a jurisprudência, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação da Lisboa de 29.10.2009, Processo 380/07.7 TJLSB.L1.6.
16. A excepção – a comunicabilidade do contrato de arrendamento aos sucessores - está sujeita à verificação de dois requisitos cumulativos, já referidos supra, um material – exploração comum (de cuius e sucessor) do estabelecimento há mais de três anos, outro formal - o sucessor com direito à transmissão comunique ao senhorio, nos três meses posteriores ao falecimento do arrendatário primitivo, a vontade de continuar a exploração.
17. Ora, apesar de os Recorrentes alegarem que o R. Manuel… passou a utilizar conjuntamente com a mãe, Maria Beatriz… – arrendatária primitiva – desde que esta adoeceu o armazém arrendado.
18. Como resulta evidente dos autos, os Recorrentes não conseguiram sequer determinar a data em que a arrendatária adoeceu, ou seja, essa data determinante para a verificação do requisito temporal de duração mínima de três anos de exploração comum não se encontra apurada ou provada, tão pouco alegada.
19. Quando impende sobre o sucessor o ónus de alegar, provar e demonstrar a existência, de entre outros pressupostos legais já referidos, a verificação do requisito temporal, exigindo este que a exploração em comum do estabelecimento deve existir há mais de três anos, ou melhor, nos três anos que precederam à morte da arrendatária.
20. Não resultou assim provado que a utilização conjunta pelo Recorrente – Manuel… – houvesse perdurado nos três anos imediatamente anteriores ao decesso da mãe.
21. Como também, não resultou provado que os demais sucessores ou herdeiros utilizassem conjuntamente com a mãe o armazém locado.
22. Com efeito, sendo sob os sucessores que recaía o ónus da prova de tais requisitos, que fazem depender ou integram a excepção à caducidade do arrendamento e não o tendo feito, o contrato de arrendamento caducou com a morte da arrendatária, em 17/02/2009 (Art. 58º, n.º 1, 1ª parte da Lei 6/2006, de 27/02 e Art. 1051º d) do Código Civil).
23. Deste modo, desde a data da verificação da caducidade do contrato de arrendamento, com a morte da arrendatária – 17/02/2009 – os Recorrentes vêm possuindo o locado sem qualquer título, acarretando os prejuízos aos recorridos alegados na p.i.
24. Perante a impossibilidade da comunicabilidade do contrato de arrendamento aos sucessores, estes – Recorrentes deveriam ter restituído o locado livre de pessoas e bens aos Recorridos – Arts. 1038º, al. i) e 1043º, n.º 1, C.C.
25. Naturalmente, que com a demora de entrega do locado imputável aos Recorrentes, impedindo que os Recorridos usufruam da propriedade, dela podendo retirar as utilidades e frutos que o mesmo lhe podia proporcionar, acarretou e está a acarretar prejuízos para os Recorridos.
26. Além disso, o bem locado necessita de obras urgentes de restauro profundo e de estrutura, que já se encontram previamente requeridas e aprovadas.
27. Tendo, para o efeito, os Recorridos celebrado um contrato de empreitada em 1 de Maio de 2009 no sentido de levar a cabo tal obra, no valor global de € 115.000,00 (Cfr. Doc. n.º 7 anexo à p.i.).
28. O atraso na realização das obras é pois imputável única e exclusivamente aos Recorrentes, está a determinar o agravamento do custo, bem como sujeita aos aumentos sucessivos do I.V.A.
29. Ou seja, os Recorridos nunca mais conseguirão realizar as obras pretendidas e necessárias à recuperação do imóvel, nas condições contratadas no referido contrato de empreitada.
30. Com efeito, é mais que legítimo e justo, o Tribunal a quo ter condenado os Recorrentes no pagamento de € 5.000,00, a título de danos patrimoniais pela não entrega do imóvel, já que se encontram numa situação de incumprimento perante os Recorrentes desde 17/02/2009, até à presente data.”
O recurso foi adequadamente admitido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos, e efeito suspensivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***
II- Fundamentos de Facto:
A decisão da 1ª instância fixou como provado o seguinte (numeração nossa):

1) Encontra-se inscrita, pela ap. nº 36 de 13.08.98, a aquisição por compra pelo ora Autor, Luís… , no estado de casado com a co-autora Maria… , no regime de comunhão de adquiridos, do prédio urbano sito na Rua do Cabido, nºs 19 a 21, Braga, freguesia da Sé, inscrito na matriz urbana sob o artigo 419, descrito na Conservatória do Registo Predial com o nº 277, composto de casa de quatro pavimentos.
2) O prédio referido em 1. foi adquirido pelos autores no dia 6 de Agosto de 1998, conforme escritura pública de compra e venda cfr. documento nº 3 junto com a p.i. e que e se dá como integralmente reproduzido.
3) Este imóvel é composto por R/C, 1º e 2º piso.
4) Desde há mais de vinte anos, por si e antepossuidores os autores têm vindo a fruir e deter aquele prédio, à vista de todos, sem embargo nem oposição de ninguém, dia após dia, ininterruptamente e sem nenhum hiato.
5) Dele colhendo todas utilidades e suportando os encargos que origina.
6) Designadamente, dando-o de arrendamento, recebendo as respectivas rendas e pagando todas as contribuições e despesas inerentes.
7) Com o ânimo de quem pretende deter e usar o bem identificado em 1..
8) Como o faziam os antepossuidores.
9) Quando os autores adquiriram o prédio urbano descrito, o primeiro pavimento do mesmo (R/C frente), destinado a armazém, encontrava-se já arrendado a Maria Beatriz… ;
10) Através de contrato de arrendamento não reduzido a escrito, celebrado com os anteriores proprietários, para o exercício do comércio.
11) O referido armazém era utilizado para armazenamento quer de objectos de casa ou outros, quer de produtos do estabelecimento comercial “O meu café”, sito na Rua D. Diogo de Sousa, nº 97 e 99 da cidade de Braga.
12) No dia 17 de Fevereiro de 2009 faleceu a arrendatária Maria Beatriz… .
13) Conforme o teor de comunicação datada de 3 de Março de 2009, efectuada pelos seus herdeiros e, ora réus, na presente acção judicial cfr. documento nº 4 junto com a p.i. e cujo teor se dá como integralmente reproduzido.
14) Nessa comunicação, os réus não só se identificam como herdeiros e sucessores na herança aberta por óbito de Maria Beatriz… , como também pretendem a transmissão do direito ao arrendamento no imóvel referido em 1..
15) Os autores comunicaram a sua posição aos réus através da missiva que constitui o doc. n.º 5 junto com a pi, cujo teor se dá por reproduzido, a que estes responderam com a comunicação que constitui o doc. junto com a pi sob o n.º 6 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
16) O imóvel dos autores referido em 1. necessita de obras de restauro profundo e de estrutura (já devidamente requeridas e aprovadas).
17) As reditas obras deverão incidir sobre a totalidade do imóvel, composto de R/C, 1º e 2º piso.
18) Devendo ser realizadas em todo o imóvel e não apenas em sua parte.
19) As obras no imóvel encontram-se devidamente aprovadas e licenciadas.
20) Os autores celebraram em 1 de Maio de 2009 com José… , construtor civil, um contrato de empreitada para obras de reparação e de conservação no imóvel em equação no valor global de € 115.000,00 (Cento e Quinze Mil Euros) cfr. documento nº 7 junto com a p.i. cujo teor se dá como integralmente reproduzido.
21) O atraso na realização das obras já determinou um agravamento do custo da obra para € 123.000,00 (Cento e Vinte e Três Mil Euros) acrescido do I.V.A à taxa legal aplicável, mediante a elaboração de um orçamento rectificativo.
22) Esse valor irá sempre ser superior enquanto não começarem as obras.
23) O R. Manuel… passou a utilizar, conjuntamente com a mãe, Maria Beatriz… , pelo menos desde que esta adoeceu (em data que não foi apurada), o armazém, para os fins a que o mesmo se destina.
24) Os Réus têm vindo sempre a depositar as rendas contratualmente devidas.

***
III- Fundamentos de Direito:

Cumpre apreciar do objecto do recurso.
À luz do novo regime aplicável aos recursos (aprovado pelo DL nº 303/07, de 24.8), tal como antes sucedia, são as conclusões que delimitam o respectivo âmbito (cfr. arts. 684, nº 3, e 685-A, do C.P.C.). Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (art. 660, nº 2, “ex vi” do art. 713, nº 2, do mesmo C.P.C.).
Compulsadas as conclusões do recurso, constatamos que as questões a apreciar respeitam:
- ao regime jurídico aplicável ao caso;
- à declarada caducidade do contrato de arrendamento;
- ao arbitramento da indemnização.

A) Do regime jurídico de arrendamento aplicável:
De acordo com a factualidade assente, que não foi impugnada, temos que com relação ao R/C frente do prédio urbano, destinado a armazém, sito na Rua do Cabido, nºs 19 a 21, Braga, freguesia da Sé, inscrito na matriz urbana sob o artigo 419 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 277, pertencente aos AA., foi celebrado com Maria Beatriz… , em data indeterminada anterior a 6.8.1998, contrato de arrendamento, não reduzido a escrito, para o exercício do comércio. Mais se provou que o referido armazém era utilizado para armazenamento quer de objectos de casa ou outros, quer de produtos do estabelecimento comercial “O meu café”, sito em Braga. Provou-se, ainda, que a arrendatária Maria Beatriz… faleceu no dia 17.2.2009.
A primeira questão a decidir é, por conseguinte, a respeitante ao enquadramento legal do caso.
O art. 26 do NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano), aprovado pela Lei nº 6/06, de 27 de Fevereiro, veio estabelecer um regime transitório aplicável aos contratos celebrados na vigência do RAU (este aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro). O mesmo regime aplica-se, igualmente, por força dos arts. 27 e 28 do referido diploma, aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU e aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do DL nº 257/95, de 30.9( Este Diploma procedeu à revisão do regime do arrendamento urbano para o exercício de comércio, indústria profissões liberais e outros fins lícitos não habitacionais, alterando a redacção de alguns artigos do RAU e aditando-lhe outros.).
Prevê o nº 1 do indicado art. 26 do NRAU, que: “Os contratos celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes”. Tal significa que, nos casos acima indicados (onde se incluem os previstos nos aludidos arts. 27 e 28 do NRAU), as normas que dispõem directamente sobre o conteúdo da relação de arrendamento abrangem as relações já constituídas e são de aplicação imediata, ressalvadas as excepções contidas nos números 2 a 6 do referido normativo.
Do mesmo modo, o art. 59 do NRAU dispõe que: “O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.
Como defendem Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge (in “Arrendamento Urbano”, 2ª ed., 2007, págs. 101/102), a propósito da aplicação no tempo das normas do NRAU (art. 59 do NRAU), nas acções instauradas após o início da vigência deste novo regime do arrendamento (que entendemos ser em 27.6.06) é, em princípio, aplicável o novo regime ainda que os factos em discussão tenham ocorrido no domínio da lei antiga. “O que importa é que esses factos subsistam e que possam produzir o efeito pretendido na vigência da nova lei. Se os factos ocorreram no domínio da lei antiga e aí produziram já plenos efeitos, é-lhes aplicável a lei então vigente, como sucede, por exemplo, com a transmissão do direito ao arrendamento por morte do arrendatário, ocorrida na vigência do RAU.” Já quanto às acções pendentes à data da entrada em vigor do NRAU, defendem aqueles autores, “... se estiverem em causa normas de direito substantivo, como por exemplo, as atinentes aos fundamentos de resolução do contrato, o julgador, em princípio, não as poderá aplicar aos casos em apreço nessas acções, antes deverá considerar o regime em vigor à data da propositura da acção, pois trata-se de saber se, nessa data, assistia ao autor o direito que se arroga. É esse, em regra, o momento relevante para determinar se os factos invocados têm eficácia constitutiva do direito alegado ou, no caso das excepções peremptórias, eficácia modificativa, impeditiva ou extintiva do efeito jurídico daqueles.”
Contudo, como dissemos, o art. 26 do NRAU estabelece, nos seus números 2 a 6, determinadas especificidades, sendo logo a primeira delas o regime especial e transitório previsto no nº 2 que remete para os arts. 57 e 58 quanto à transmissão do direito ao arrendamento por morte do arrendatário.
Assim, a transmissão por morte nos arrendamentos para fins não habitacionais celebrados antes e na vigência do RAU merece tratamento específico no art. 58 do NRAU (cfr. arts. 26, nºs 1 e 2, e 27 e 28 do NRAU). Dispõe este normativo que: 1. O arrendamento para fins não habitacionais termina com a morte do arrendatário, salvo existindo sucessor que, há mais de três anos, explore, em comum com o arrendatário primitivo, estabelecimento a funcionar no local. 2. O sucessor com direito à transmissão comunica ao senhorio, nos três meses posteriores ao decesso, a vontade de continuar a exploração.”
No caso dos autos estamos justamente perante um arrendamento celebrado em data não concretamente determinada mas necessariamente anterior à da entrada em vigor do NRAU sendo que o óbito da arrendatária ocorre já no domínio do novo regime.
Mal se compreende, por isso, a argumentação dos apelantes, porquanto o referido art. 58 do NRAU tem aqui aplicação directa, tenha o contrato de arrendamento sido celebrado antes ou na vigência do RAU( Não abordamos aqui, propositadamente, a problemática da validade formal do contrato, cuja data da celebração desconhecemos. A questão não foi suscitada nos autos, sendo que nem sempre esteve na disponibilidade do tribunal conhecer das consequências da falta de forma em contratos deste tipo.).
Não assiste, neste ponto, qualquer razão aos apelantes.

B) Da caducidade do contrato de arrendamento:
Sendo o regime jurídico aplicável ao caso o acima referido, inevitável será concluir pela caducidade do contrato de arrendamento.
Na verdade, como explicam os já acima citados Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge (ob. cit., pág. 99), a propósito do regime transitório previsto no art. 58 do NRAU: “Avulta nesta sede a regra da caducidade do contrato por morte do arrendatário, tendo sido consagrada uma disciplina idêntica à do regime da locação (art. 1051º, al. d), do CC), mas diametralmente oposta à preconizada pelo RAU (art. 112º), pela nova lei para os mesmos contratos (art. 1113º do CC) e inclusivamente pela norma de direito transitório que regula a transmissão por morte nos arrendamentos para fim habitacional (art. 57 da NLAU).
Tentou-se, pois, acelerar a cessação dos arrendamentos comerciais, industriais e para o exercício de profissão liberal celebrados antes da entrada em vigor do NRAU.”
Assim, de acordo com o referido normativo acima transcrito, o arrendamento para fins não habitacionais termina com a morte do arrendatário, salvo se se verificar a situação excepcional prevista naquele normativo que aqui manifestamente não ocorre, como se analisou na sentença sob recurso e resulta da matéria de facto assente.
De resto, nem os apelantes discutem no recurso a ocorrência dessa situação no caso e em face da factualidade apurada, limitando-se a discordar, sem clara fundamentação, do regime jurídico que foi aplicado ao caso.
Pelo que, não se provando que os RR., sucessores da arrendatária falecida, tivessem direito à transmissão do arrendamento nos termos do aludido art. 58 do NRAU, caducou inexoravelmente o arrendamento.
Improcede, também aqui, o recurso.

C) Da indemnização arbitrada:
A última questão a apreciar diz respeito à condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização aos AA. no valor de € 5.000,00 relativa a danos patrimoniais causados pela não entrega do imóvel.
Discordam os apelantes, sustentando que apenas resultou como provada a necessidade de efectuar obras de conservação no prédio, não se provando que a realização das mesmas estivesse dependente da desocupação do locado.
Respondem os apelados que a demora na entrega do armazém os tem impedido de retirar do mesmo as utilidades respectivas e que o atraso na realização de obras urgentes de restauro e estrutura vem encarecendo o custo dessa intervenção, pelo que é devida a indemnização reclamada.
Vejamos os factos que, com interesse para esta questão, se provaram e não provaram, salientando-se que a resposta à matéria de facto não sofreu qualquer reclamação nem foi impugnada no recurso.
Assim, apurou-se (ver pontos 16 a 22 supra) que o prédio dos autos necessita de obras de restauro profundo e de estrutura (já devidamente requeridas, aprovadas e licenciadas) que deverão incidir sobre a totalidade do imóvel, composto de R/C, 1º e 2º piso, e não apenas em parte deste. Mais se provou que os AA. contrataram, em 1.5.2009, um construtor civil para realizar obras de reparação e de conservação no imóvel pelo valor global de € 115.000,00, sendo que o atraso na execução dessas obras já determinou um agravamento daquele custo para € 123.000,00, acrescido de I.V.A., mediante a elaboração de um orçamento rectificativo. Por fim provou-se que tal valor irá sempre aumentando enquanto não começarem as obras.
Por seu turno, não se provou o alegado nos arts. 44º a 46º da p.i. (cfr. despacho de fls. 78 a 84 dos autos, em que o Tribunal respondeu à matéria de facto), a saber: que a ocupação por parte dos RR. do R/C frente impede a realização das obras urgentes e necessárias, com a consequente degradação e desvalorização do imóvel no seu todo, impedindo ainda os AA. de retirar de todo o imóvel as respectivas utilidades, uma vez que pretendem arrendar todos os seus pisos para os fins a que se destinam.
No mencionado despacho de fls. 78 a 84, justifica o Tribunal a quo a resposta de não provado a esta factualidade, nos seguintes termos: “... no que se refere ao alegado nexo causal entre os atrasos na realização das obras no prédio dos autores e a circunstância de os réus estarem a ocupar o armazém, nenhuma prova foi feita de que essa ocupação impeça, efectivamente, a realização das obras. Não foi, de resto, sequer alegado pelos autores que os réus houvessem oposto alguma resistência à realização de obras, donde se entende que a ocupação do prédio pelos réus (ocupação essa cuja falta de legitimidade será de aferir apenas na sentença a proferir) não constitui causa adequada da não realização ou atraso na realização das obras e suas consequências.”
Não obstante, na sentença recorrida, depois de se fazer referência aos factos provados acima indicados, refere-se que os AA. “se mostram impedidos de realizar no seu prédio (...) obras de restauro profundo e de estrutura, que foram já devidamente requeridas e aprovadas, e que deverão incidir sobre a totalidade do imóvel”, aludindo-se ao custo inicial da obra prevista e ao seu agravamento. Menciona-se, depois, que os AA. estão privados de ocupar o armazém ou de lhes dar outra utilização, retirando-se que os AA. sofrem, deste modo, danos que não podem ser compensados com o valor das rendas recebidas. Salientando-se, por fim, a diferença entre o preço do primeiro orçamento e do orçamento rectificativo, considera-se que o montante indemnizatório peticionado de € 5.000,00 se encontra totalmente justificado.
É manifesto, salvo o devido respeito, o equívoco. Na sentença sub judice arbitra-se aquele valor justamente no pressuposto de que há uma relação causal entre a falta de restituição do armazém pelos RR. e a não realização de obras necessárias em todo o prédio, relação essa que não resultara provada, conforme se reconheceu e justificou na resposta à matéria de facto. Com efeito, recordamos que não se provara, concretamente, que a ocupação do dito R/C frente pelos RR. impedisse a realização das obras urgentes e necessárias no imóvel, que daí resultasse degradação e desvalorização do mesmo no seu todo, e que os AA. estivessem impedidos de retirar do prédio as respectivas utilidades, por pretenderem arrendar todos os seus pisos para os fins a que se destinam.
No essencial, somente se provou que o prédio necessita de obras no seu todo e que os AA. já contrataram, em Maio de 2009, um construtor civil para a sua realização, sendo que o preço então fixado foi, entretanto, revisto e irá aumentar até à efectiva realização das obras. Nenhuma conexão é estabelecida, ou é possível estabelecer, entre esta realidade e a não restituição do R/C frente pelos RR. e não se apuraram, como vimos, quaisquer outros efeitos no património dos AA. decorrentes da descrita conduta dos RR..
Não há, pois, fundamento, de facto ou de direito, para a condenação dos RR. no pagamento da indemnização arbitrada, como defendem os apelantes.
Daí que não possa manter-se o decidido nesta parte.

***
IV- Decisão:

Termos em que e face do exposto, acordam os Juízes desta Relação:
- em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença recorrida no ponto D) da Decisão e absolvendo, em consequência, os RR. do pedido formulado de pagamento da indemnização;
- em manter, no mais, o decidido.
Custas por apelantes/RR. e apelados/AA., na proporção de 3/4 e 1/4, respectivamente.
Notifique.
Guimarães, 7.7.2011
Maria da Conceição Saavedra
Raquel Rêgo
Mário Canelas Brás