Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2297/09.1TBBCL.G1
Relator: ROSA TCHING
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO MISTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/08/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Sumário: 1º- A nossa lei civil não aceita o conceito fiscal de prédio misto nem o critério de predominância da parte rústica ou urbana fornecidos pelo artigo 5º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, como também não atende ao tipo de inscrição matricial nem ao tipo de descrição predial, pelo que, para qualificar um prédio como sendo rústico ou urbano, há que recorrer à definição dada pelo artigo 204º do C. Civil.

2º- A distinção entre prédio rústico e urbano assenta numa avaliação casuística e tem subjacente um critério de destinação ou afectação económica.

3º- Assim, de acordo com este critério, “ um prédio será rústico ou urbano conforme a habitação for fundamentalmente um meio de ligação à terra cultivada ou antes a terra constituir apenas um complemento da habitação e não um fim essencial da ocupação da habitação”.
Um prédio com parte rústica e parte urbana, qualificado, no seu conjunto, como misto para efeitos fiscais, será qualificado, para efeitos civis, designadamente do disposto no nº1 do art. 1380º do Código Civil, “ como prédio rústico quando, essencialmente utilizado para cultura ou cultivo agrícola, a parte urbana estiver ao serviço da parte rústica desse prédio, não gozando de autonomia funcional”.
E uma parcela de terreno, contígua a casa de habitação, será qualificada de prédio rústico ou logradouro de um prédio urbano, consoante se destine, ou não, a proporcionar utilidade a este prédio.

4º- É sobre o autor, que pretende exercer o direito de preferência, que recai, nos termos do disposto no art. 342º, nº1 do C. Civil, o ónus de provar os requisitos enunciados no art. 1380º, nº1 do C. Civil, cabendo aos réus, nos termos das disposições conjugadas dos art. 342º, nº2 e 1381º, nº1 al. a) do C. Civil e se essa for a sua defesa, o ónus de alegar e provar factos dos quais se possa concluir que a parte rústica não tem autonomia em relação à parte urbana do prédio em causa, servindo apenas como complemento da casa e/ou que se destina a fim diverso da cultura.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


José M... e mulher, Maria da C..., intentaram contra Ana de M..., Manuel M... e mulher, Isabel J..., acção com processo sumário, pedindo que lhes seja reconhecido o direito de haverem para si o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º ....
Alegaram, para tanto e em síntese, que a 1ª R. vendeu aos 2ºs RR. o referido prédio, por escritura pública datada de 17 de Julho de 2008, sem precedência de comunicação do projecto de venda a que estava obrigada em virtude de os AA. gozarem do direito de preferência em relação à alienação daquele prédio, pois são donos de um prédio rústico contíguo.

Citados, os RR., contestaram, excepcionando a caducidade do direito de acção dos autores e sustentando que a parte rústica sobre a qual os AA. exercem o direito de preferência é parte componente do prédio urbano, sendo o valor da parte urbana muito superior ao da rústica.

Proferido despacho saneador, foi dispensada a elaboração da selecção da matéria de facto.

Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto pela forma constante de fls.167 a 172.

A final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu os RR. do pedido formulado pelos AA, ficando as custas a cargo destes.

Não se conformando com esta decisão, dela apelaram os autores, terminando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“A – Os recorrentes entendem que se encontram verificados todos os pressupostos necessários para a procedência do direito real de preferência invocado nos presentes autos com base no nº 1 do Art. 1380º do Código Civil.
B – Assim o prédio rústico vendido destinado a cultura tem uma área –4.700 m2 – inferior à unidade de cultura prevista para o distrito de Braga – 20.000 m2, Portaria nº 202/70 de 21 de Abril facto provado em H)
C – Os recorrentes são donos de um prédio rústico destinado a cultura, com a área de 2.500 m2 (também inferior à unidade de cultura prevista para o distrito de Braga) o qual confina com o prédio rústico vendido pelo lado sul, facto provado em A) e D)
D – Os recorridos compradores do prédio rústico não eram possuidores ou proprietários de qualquer outro prédio que confine com o que lhes foi vendido, facto provado em G)
E – Os recorridos não provaram como lhes competia nos termos conjugados do Art. 342º e 1381º ambos do Código Civil qualquer facto impeditivo do direito de preferência invocado pelos recorrentes, designadamente a caducidade do seu direito e/ou que o prédio rústico adquirido seja parte componente do prédio urbano e/ou que se destinasse a outro fim que não a cultura.
F – Aos recorrentes estava e está vedado o exercício do direito real de preferência sobre a totalidade do prédio misto vendido por tal faculdade não lhes estar permitida por Lei.
G – O prédio rústico vendido aos recorridos, apesar de estar descrito na Conservatória do Registo Predial com o prédio urbano vendido numa única descrição predial, é distinto, autónomo e independente dessa mesma parte urbana (esta com um logradouro de 950 m2), na medida em que, por um lado, não é sua parte componente e, por outro, destina-se a cultura, relevando para a sua distinção essencialmente um critério de destinação económica.
H – A figura do prédio misto representa uma mera técnica registral, a qual não pode só por si impedir o exercício do direito real de preferência conferido aos recorrentes pelo nº 1 do Art. 1380º do Código Civil.
I – Os fins para que o legislador consagrou o direito de preferência previsto no Art. 1380º do Código Civil alcançam-se quando o prédio confinante se destina a cultura, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável com o consequente e previsível aumento da sua produtividade.
J – A sentença da 1ª Instância ao não retirar as devidas ilações da matéria provada, nomeadamente quanto à afectação, destinação económica e aptidão para a cultura, fez incorrecta aplicação do direito julgando a acção de preferência improcedente, quando a deveria conduzir à sua procedência.
K – Pelo exposto entendem os recorrentes que a douta sentença da 1ª Instância violou o disposto nos Art. 342º, 1380º e 1381º do Código Civil.
L – Em consequência, deve ser revogada a sentença e substituída por decisão que declare o direito de preferência dos recorrentes na aquisição do prédio rústico vendido, reconhecendo aos recorrentes o direito de se substituírem aos recorridos compradores do prédio rústico em questão”.

A final pedem seja revogada a decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente e declare que os recorrentes gozam do direito de preferência na venda do prédio rústico destinado a cultura identificado nos autos.

Os réus contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:


Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes:
A) Os AA. são donos e legítimos proprietários de um prédio rústico, denominado “Adegas”, de cultura, ramada e pinhal, sito no Lugar de Leiroinha, freguesia de Roriz, com área de 2.500 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 973 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., registado a seu favor pela inscrição G-1.
B) Prédio esse adquirido pelos AA. por doação de Teresa de J..., celebrada em 15 de Fevereiro de 2005, sendo que por si e antepossuidores os AA. Se encontram há mais de 30 anos na posse do prédio, ignorando lesar direitos de outrem, à vista de toda a gente, sem violência ou oposição de quem quer que seja e praticando sobre o mesmo actos próprios de um proprietário.
C) Por escritura de 17 de Julho de 2008, a 1ª R. vendeu ao 2º R. marido, pelo preço de 55.000,00 €, “o prédio misto, composto por casa de rés-do-chão, andar, logradouro e lavradio, sito no lugar de Leiroinha, freguesia de Roriz, deste concelho, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 678 e na matriz predial rústica sob o artigo ... (…), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número trezentos e um/Roriz (…). A parte urbana vendida tem o valor de cinquenta mil euros e a rústica de cinco mil euros (…)”.
D) A 1ª R. não podia desconhecer que os AA. eram confrontantes do seu prédio identificado em C) pela lado Sul.
E) Nunca tendo a 1ª R. comunicado aos AA. que ia vender o prédio rústico a quem quer que fosse e em que condições.
F) Os AA. só tiveram conhecimento da venda do prédio identificado em C) em finais de Junho de 2009.
G) Os 2ºs RR. não eram possuidores ou proprietários de qualquer outro prédio que confine com o que lhe foi vendido e se encontra identificado em C).
H) O prédio em causa tem uma parte urbana e outra rústica, tendo a parte rústica uma área de 4.700 m2, destinando-se à cultura.
I) Os AA. procederam, em 08/07/2009, ao depósito da quantia de 5.500,65 €, conforme resulta do doc. de fls. 30, que aqui se dá como reproduzido.


FUNDAMENTAÇÃO:

Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.

Assim, a única questão a decidir traduz-se em saber se os autores são titulares do direito de preferência que invocam.

Antes, porém, de entrarmos na apreciação concreta desta questão e porque, no caso dos autos, a solução dada pelo Tribunal a quo ao presente litígio assentou numa prática processual incorrecta, não poderemos deixar de abordar esta temática.
Conforme se vê do despacho proferido a fls. 83 dos presentes autos, o Mmº Juiz a quo, ao abrigo do disposto no art. 787º, n.º1, parte final, e nº2 do C. P. Civil, na redacção introduzida pelo DL n.º 375-A/99, de 20.9, absteve-se de fixar a base instrutória.
É inquestionável ter o legislador, através desta nova redacção, procurado simplificar a lei processual civil, permitindo ao Juiz, nas acções declarativas com processo sumário, em que a selecção da matéria de facto controvertida se revestir de simplicidade, dispensar a selecção da matéria de facto.
E apesar da redacção dos n.°s l e 2 do citado artigo 787° não ser clara e literalmente apontar no sentido de que só base instrutória é dispensável, a interpretação correcta é de que também a " especificação" é dispensável .
No entanto, essa dispensa da elaboração dos factos assentes e da base instrutória, deve ser utilizada com parcimónia e apenas nas acções que revistam efectiva simplicidade.
Por isso, mesmo nas acções com um objecto preciso e simples quando os articulados sejam prolixos e se misturem factos com conclusões e juízos de valor é preferível fixar os factos assentes e elaborar a base instrutória, pois só aparentemente esse trabalho vai tornar mais moroso o processo.
A não elaboração da base instrutória vai, desde logo, obrigar o Juiz após o decurso da audiência de julgamento (cfr. nº3 do art. 791º do C.P.Civil), a seleccionar, nos artigos da petição e contestação aqueles que contêm apenas matéria de direito, nela incluindo as conclusões para de seguida, responder apenas à matéria de facto contida nos articulados, que muitas vezes está misturada com alegações de direito.
Por outro lado, vai ter de responder a todos os factos constantes dos articulados sejam eles essenciais ou meramente instrumentais, quando na base instrutória poderia ter efectuado a selecção e nela fazer constar, em regra, apenas os primeiros.
Na presente acção, cujo objecto nada tem de simples, não se devia ter dispensado a base instrutória.
Mas tendo-o feito, a Mmª Juíza , quando proferiu a decisão da matéria de facto, tinha de se pronunciar sobre todos os factos essenciais e instrumentais alegados na petição e na contestação.
Ora, basta comparar os articulados com a decisão da matéria de facto (constante do despacho de fls. 155 e 156) para facilmente se constatar que, nesta decisão, a Mmª Juìza a quo não tomou posição expressa sobre nenhum dos factos alegados pelos réus na sua contestação e integradores de matéria de excepção nem sobre os factos constantes da resposta dos autores sobre tal matéria.
E, em nosso entender, tratam-se de factos essenciais à boa decisão da causa.
Conforme se vê do despacho proferido a fls. 83 dos presentes autos, o Mmº Juiz a quo, ao abrigo do disposto no art. 787º, n.º1, parte final, e nº2 do C. P. Civil, na redacção introduzida pelo DL n.º 375-A/99, de 20.9, absteve-se de fixar a base instrutória.
É inquestionável ter o legislador, através desta nova redacção, procurado simplificar a lei processual civil, permitindo ao Juiz, nas acções declarativas com processo sumário, em que a selecção da matéria de facto controvertida se revestir de simplicidade, dispensar a selecção da matéria de facto.
E apesar da redacção dos n.°s l e 2 do citado artigo 787° não ser clara e literalmente apontar no sentido de que só base instrutória é dispensável, a interpretação correcta é de que também a " especificação" é dispensável .
No entanto, essa dispensa da elaboração dos factos assentes e da base instrutória, deve ser utilizada com parcimónia e apenas nas acções que revistam efectiva simplicidade.
Por isso, mesmo nas acções com um objecto preciso e simples quando os articulados sejam prolixos e se misturem factos com conclusões e juízos de valor é preferível fixar os factos assentes e elaborar a base instrutória, pois só aparentemente esse trabalho vai tornar mais moroso o processo.
A não elaboração da base instrutória vai, desde logo, obrigar o Juiz após o decurso da audiência de julgamento (cfr. nº3 do art. 791º do C.P.Civil), a seleccionar, nos artigos da petição e contestação aqueles que contêm apenas matéria de direito, nela incluindo as conclusões para de seguida, responder apenas à matéria de facto contida nos articulados, que muitas vezes está misturada com alegações de direito.
Por outro lado, vai ter de responder a todos os factos constantes dos articulados sejam eles essenciais ou meramente instrumentais, quando na base instrutória poderia ter efectuado a selecção e nela fazer constar, em regra, apenas os primeiros.
Na presente acção, cujo objecto nada tem de simples, não se devia ter dispensado a base instrutória.
Mas tendo-o feito, a Mmª Juíza , quando proferiu a decisão da matéria de facto, tinha de se pronunciar sobre todos os factos essenciais e instrumentais alegados na petição e na contestação.
Ora, basta comparar os articulados com a decisão da matéria de facto (constante do despacho de fls. 155 e 156) para facilmente se constatar que, nesta decisão, a Mmª Juìza a quo não tomou posição expressa sobre nenhum dos factos alegados pelos réus na sua contestação e integradores de matéria de excepção nem sobre os factos constantes da resposta dos autores sobre tal matéria.
E, em nosso entender, tratam-se de factos essenciais à boa decisão da causa.
Senão vejamos.
No caso dos autos, pretendem os autores exercer o seu direito de preferência, previsto no art. 1380º, nº1 do C. Civil e no art. 18º, nº1 do DL nº 384/88, de 25.10, na compra do prédio rústico, denominado “Adegas”, de cultura e pinhal, sito no lugar de Leiroinha, freguesia de Roriz, Barcelos, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número trezentos e um/Roriz e que, através de escritura pública celebrada em 17 de Julho de 2008, no Cartório Notarial de Barcelos, foi vendido pela Ré, Ana de M... ao R. marido, Manuel M..., pelo preço de € 5.000,00.
Todavia, o que ficou provado e resulta dos documentos juntos a fls. 16 a 22 é que, pela dita escritura pública, a ora Ré, Ana de M... declarou vender ao R. marido, Manuel M..., que declarou comprar, pelo preço de 55.000,00 €, “o prédio misto, composto por casa de rés-do-chão, andar, logradouro e lavradio, sito no lugar de Leiroinha, freguesia de Roriz, deste concelho, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 678 e na matriz predial rústica sob o artigo ... (…), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número trezentos e um/Roriz (…). A parte urbana vendida tem o valor de cinquenta mil euros e a rústica de cinco mil euros (…)”.
Mas se assim é, a primeira questão que se coloca é a de saber se o “terreno de lavradio” inscrito na matriz rústica sob o artigo ... e relativamente ao qual os autores pretendem exercer o direito de preferência é um prédio autónomo ou se faz parte deste prédio mais amplo, descrito na Conservatória do Registo Predial como prédio misto composto por casa de rés-do-chão, andar logradouro e lavradio, o que passa, essencialmente, por averiguar se o prédio vendido reveste a natureza de prédio rústico ou urbano.
É que o conceito de prédio misto dado pelo artigo 5º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis , respeita a uma definição fiscal, assente num critério de predominância da parte principal.
De acordo com este critério, um prédio é considerado misto sempre que nenhuma das partes rústica e urbana que dele fazem parte puder ser classificada como principal ( cfr. nº2 do citado art. 5).
A verdade, porém, é que a nossa lei civil não só não reconhece a categoria de prédio misto como um tertium genus nem aceita o critério de predominância da parte rústica ou urbana, como também não atende ao tipo de inscrição matricial nem ao tipo de descrição predial, pelo que, para qualificar um prédio como sendo rústico ou urbano, há que recorrer à definição dada pelo artigo 204º do C. Civil.
Segundo o nº2 deste artigo, “Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”.
De entre as várias teorias propostas pela doutrina com base neste preceito, como critério de distinção entre prédio rústico e urbano , julgamos, na esteira dos Acórdãos do STJ de 31.01.1991 e 28.02.2008 , que tal distinção deve assentar, numa avaliação casuística, tendo subjacente um critério de destinação ou afectação económica.
Assim, de acordo com este critério, “ um prédio será rústico ou urbano conforme a habitação for fundamentalmente um meio de ligação à terra cultivada ou antes a terra constituir apenas um complemento da habitação e não um fim essencial da ocupação da habitação” .
Um prédio com parte rústica e parte urbana, qualificado, no seu conjunto, como misto para efeitos fiscais, será qualificado, para efeitos civis, designadamente do disposto no nº1 do art. 1380º do Código Civil, “ como prédio rústico quando, essencialmente utilizado para cultura ou cultivo agrícola, a parte urbana estiver ao serviço da parte rústica desse prédio, não gozando de autonomia funcional” .
E uma parcela de terreno, contígua a casa de habitação, será qualificada de prédio rústico ou logradouro de um prédio urbano , consoante se destine, ou não, a proporcionar utilidade a este prédio .
Ora, aceite este critério de distinção e sendo, no caso dos autos, o prédio vendido composto por casa de rés-do-chão, andar, logradouro e lavradio, evidente se torna nem sequer se poder admitir que a parte rústica, constituída por este terreno de lavradio, possa ser utilizada como logradouro da casa.
Acresce que, pretendendo o autor exercer o seu direito de preferência apenas sobre esta parte rústica, sobre ele recai, nos termos do disposto no art. 342º, nº1 do C. Civil, o ónus de provar, para além da verificação dos demais requisitos enunciados no citado art. 1380º, nº1 , que este terreno de lavradio tem autonomia física em relação à parte urbana.
Por outro lado, é sobre os réus que recai, nos termos das disposições conjugadas dos art. 342º, nº2 e 1381º, nº1 al. a) do C. Civil e por essa ser a sua defesa no caso dos autos, o ónus de provar factos dos quais se possa concluir que esta parte rústica não tem autonomia em relação à parte urbana do prédio em causa, servindo apenas como complemento da casa e/ou que se destina a fim diverso da cultura.
Ou seja, tal como se afirma na sentença recorrida “impunha-se que alegassem, por exemplo, que a casa é utilizada para habitação, que o terreno agrícola não é cultivado ou é cultivado apenas com produtos destinados ao consumo de quem habita a casa ou que tal terreno é utlizado como espaço adjacente à casa, para servir as necessidades desta e de quem nela mora, ou seja, como seu quintal ou logradouro”.
Mas, conforme se vê dos artigos 5º, 7º, 11º, 12º, 13º, 18º da contestação, a verdade é que, contrariamente ao também afirmado na sentença recorrida, os réus alegaram que instalaram-se na casa, estabelecendo aí a sua residência; procederam ao abate de diversos pinheiros existentes no terreno, nele pretendendo edificar um pequeno barracão para guardar automóveis e servir de arrumos do material têxtil produzido na confecção têxtil da ré Isabel Jacinta e que nunca exerceram nem pretendem exercer neste terreno qualquer actividade agrícola.
O que aconteceu, conforme resulta do despacho de fls. 155 e 156 e actas de julgamento de fls. 150, 151, 153 foi que a Mmª Juíza a quo, para além de não se ter pronunciado sobre a factualidade supra mencionada não deu aos réus José M... e mulher, Maria da C..., a possibilidade de fazerem a prova da factualidade por eles alegada nos artigos 11º, 12º, 13º e 18º nem deu aos autores a oportunidade de a infirmarem através dos factos alegados na resposta à contestação (designadamente nos artigos 4º, 5º e 10º), pois que não inquiriu as testemunhas oferecidas sobre essa factualidade.
Acresce que não tendo havido gravação da prova produzida, não está esta Relação em condições de poder suprir as denunciadas deficiências da decisão sobre a matéria de facto.
Por tudo isto e por se entender que nenhuma das partes pode ser penalizada pelo uso de uma técnica processual incorrecta e por se considerar manifestamente deficiente a decisão da matéria de facto e que este Tribunal não dispõe dos elementos que permitam suprir a denunciadas deficiências da decisão sobre a matéria de facto impõe-se, nos termos do artigo 712° n.° 4 do C.P.C., a sua anulação e, consequentemente, da sentença, para que se proceda a novo julgamento para responder aos indicados factos constantes da contestação e da resposta.

Daí ficar prejudicado o conhecimento da questão suscitada pelos autores/apelantes.


DECISÃO:

Nos termos do artigo 712° n.° 4 do C.P.C, acorda-se em anular a decisão da matéria de facto e, consequentemente, a sentença, para que se proceda a novo julgamento com vista a responder aos indicados factos constantes da contestação e da resposta.
Custas pela parte vencida a final.

Guimarães, 8 de Novembro de 2011