Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
335/11.7TBVNC-C.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CONTRA-CRÉDITO
COMPENSAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. A invocação da compensação por parte do embargante com base em contracrédito sobre o exequente [artº 729º, al. h), do CPC] pressupõe a existência desse contracrédito, em termos de ser exigível judicialmente.
2. Tal não sucede se o invocado crédito a compensar foi já declarado prescrito por decisão judicial transitada em julgado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Apelante: AA (exequente);
Apelado: BB (executados);

*****
Nos presentes autos de oposição à execução, pediu o executado, aqui apelante, que se julgasse procedente a oposição, absolvendo-o do pedido exequendo, e se declarasse extinta a execução contra si movida.
Fundamentou a oposição deduzida com base na alínea h) do artigo 729º do Código de Processo Civil (doravante CPC), alegando a existência de um contra-crédito de honorários.
Contrapôs que tal contra-crédito foi objecto da acção com o n." 292/08.7TBVNC, a qual correu termos neste Tribunal e findou com sentença que absolveu o réu - aqui exequente - do pedido formulado pelo autor - aqui executado - com base na prescrição do crédito, sentença essa que já transitou em julgado, e da qual foi junta a estes autos certidão (fls. 18 e seguintes).
Mais alegou que a prescrição do seu crédito não podia ter sido invocada no momento em que o foi.
Por seu turno, o exequente BB intentou a acção executiva, a que os presentes autos se encontram apensos contra o executado AA, fundada em sentença transitada em julgado que condenou o executado a pagar ao exequente € 2.314,10, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados por aquele pela violação dos deveres de zelo e diligência na condução do mandato forense, quantia acrescida de juros à taxa legal.


Tal oposição foi indeferida liminarmente por se entender que os embargos de executado deduzidos eram manifestamente improcedentes, ao abrigo do disposto no art. 732º, n.º1, al. c), do CPC.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs o executado o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulam as seguintes conclusões:
1ª- O valor da causa deve ser fixado no montante, indicado na causa, de € 6.000,00.
2ª- A decisão de fixação do valor da causa não dá cumprimento ao estatuído no artigo 154º do Código de Processo Civil, sendo, por isso, nula nos previstos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.
3ª- A instância executiva esteve parada, desde a penhora realizada no dia 13 de Dezembro de 2013, até ao dia 2 de Julho de 2014, data em que o exequente promoveu a citação do executado para a acção executiva.
4ª- O exequente negligenciou culposamente a promoção da citação do executado que nela tinha interessa para a sua defesa.
5ª- A instância executiva, na data da citação promovida pela Senhora Agente de Execução no dia 2 de Julho de 2014 já se encontrava deserta.
6ª- A deserção constitui causa da extinção da instância e consequente absolvição do executado, como se prevê na alínea c) do artigo 277º do Código de Processo civil.
7ª- A deserção da instância operou por falta de impulso do exequente durante mais de seis meses, independentemente de qualquer despacho, em face do disposto do n.º 5 do artigo 281º do CPC.
8ª- A execução deve ser declarada extinta.
9ª- O recorrente tem crédito de honorários sobre o recorrido.
10ª – Os créditos do recorrente e do recorrido devem ser decididos como sendo de igual valor, porque originários do mesmo contrato, e por um princípio de igualdade de prestações.
11ª- O crédito do recorrente nasce com a revogação da procuração forense, no dia 4 de Janeiro de 2010.
12ª- O recorrente pode exercer o seu direito, entre 4 de Janeiro de 2010, e 3 de Janeiro de 2012.
13ª- O direito do recorrido nasce no dia 19 de Setembro de 2009.
14ª- O recorrido pode exercer o seu direito a partir de 4 de Setembro de 2010 e até 18 de Setembro de 2029.
15ª- Os créditos do recorrente e do recorrido reúnem os necessários requisitos da compensação.
16ª- Os créditos do recorrente e do recorrido compensaram-se no dia 4 de Janeiro de 2010, nos previstos termos do artigo 850º do Código Civil.
17ª- A declaração de compensação, seja ela da acção declarativa do processo n.º 335/11.7TBVNC, ou da oposição à execução da respectiva sentença, retroage a 4 de Setembro de 2010.
18ª- Os créditos do recorrido e do recorrente extinguem-se, no dia 4 de Janeiro de 2010, por compensação.
19º -A douta sentença deixou de pronunciar-se sobre a retroactividade da declaração de compensação do recorrente, prevista no citado artigo 850º do Código Civil, que devia conhecer para boa decisão da causa, incorrendo na nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.
20ª- A decisão de indeferimento da petição da oposição, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 732º do CPC, constitui erro de julgamento
21ª- Os embargos são tempestivos, ajustam-se ao fundamento da alínea h) do artigo 729º do CPC, e são manifestamente procedentes.
22ª- Os embargos suspendem a execução, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 733º do CPC, dado que o executado prestou caução.
23ª- A douta sentença viola, além de outras disposições legais, as normas dos artigos 1º, alínea b) do n.º 3 do artigo 10º, 154º, 277º alínea c), 281 n.º 5, 296º,297º n.º 1 segunda parte, 300º, 615º n.º 1 alínea d), 729º alínea h), 732 n.º 1 alínea c), 733 n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil; 306º, 309º, 317º, 847º, 848º e 850º do Código Civil.
Pede que seja revogada a douta sentença, e substituída pela douta decisão que fixe o valor atribuído à oposição, declare deserta a instância, e, em alternativa, admita os embargos, atribua efeito suspensivo aos embargos, ordenando o prosseguimento dos embargos, promovendo a notificação do exequente para contestar, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo.

Não houve contra-alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questão a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

As questões suscitadas pelo recorrente podem sintetizar-se no seguinte:

a) Valor da causa;
b) Extinção da execução por deserção da instância;
c) Falta de fundamento para a rejeição liminar da oposição à execução;


Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade descrita no Relatório I) supra, cujo teor se dá por reproduzido.

O teor da certidão judicial de fls. 18 a 25 dos autos.

*****

2. De direito;

a) Valor da causa;

Começa o recorrente por questionar, por um lado, a falta de fundamentação na sentença, quanto ao valor atribuído à causa e, por outro, quanto ao valor em si aí fixado de € 2.444,65, devendo sê-lo de € 6.000,00.
Acerca da invocada nulidade da sentença nessa parte, por falta de fundamentação, assiste razão ao apelante, uma vez que a sentença se limitou a enunciar as razões de direito que alicerçaram a decisão de determinação do valor, sem enumerar os fundamentos de facto que presidiram a essa fixação.
Tal omissão torna nula a sentença nesse segmento, à luz do disposto na alínea b) [e não alínea d) assinalada], do nº 1, do artº 615º, do CPC.
Ainda assim, atento o disposto no artº 665º, nº1, do CPC, conhece-se do objecto da apelação também nessa vertente, uma vez que os autos contêm todos os elementos necessários para decidir.
Mutatis mutandis quanto ao não conhecimento da questão atinente à retroactividade da declaração de compensação (infra analisada).

O recorrente põe em causa o referido valor dado à causa - de € 2.444,65 – contrapondo o de € 6.000,00 com o argumento de que é esse o valor do seu prejuízo na acção executiva: perde mais de 3.000,00 na acção executiva, ais os seus honorários de outro tanto de € 3.000,00.
Porém, além de não justificar tais valores, entende-se que “o valor dos embargos de executado é o da acção executiva ou outro inferior consoante se destinem a opor-se total ou parcialmente ao pedido exequendo, devendo atender-se ao momento de proposição da acção executiva, sendo irrelevante a atribuição arbitrária de outro valor pelo embargante” Neste sentido vide Acórdão do TRP de 18-05-1995, proc.TRP00016993, in dgsi.pt.
E o valor dado à execução obedece aos critérios estabelecidos nos artºs 296º, nº1, 297º, nºs 1 e 2 e 716º, do CPC.
Assim, por sentença já transitada em julgado, tendo sido condenado o executado a pagar ao exequente a quantia de € 2.314,10, acrescida de juros à taxa legal, desde 18.12.2012, e, enquadrando-se o pedido exequendo no âmbito desta condenação, adicionado das quantias vencidas e calculadas de € 105,05, a título de juros vencidos, moratórios e compulsórios, mais despesas judiciais (€ 25,50), a quando do momento de apresentação do requerimento executivo, o que tudo perfazia então € 2.444,65, tal liquidação mostra-se conforme o estatuído no citado artº 716º, nº 1, do CPC – sendo este o valor da causa a considerar. Isto, sem prejuízo do que dispõe o nº2 deste preceito.

b) Extinção da execução por deserção da instância;

Suscita ainda o recorrente a extinção da execução por deserção da instância, uma vez que esta esteve parada mais de seis meses: desde a realização da penhora - 13.12.2013 – até à data da citação efectuada em 02.07.2014.
Neste ponto, decidiu-se na sentença que “A este propósito, diga-se apenas que a instância executiva fica deserta, ao abrigo da referida norma, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. Ora, não se tendo nos autos principais de execução verificado qualquer comportamento negligente do exequente e não tendo sido em virtude desta negligência que a execução não avançou, não tem razão o executado ao defender nos preditos termos a extinção da instância executiva”.
Sufraga-se tal entendimento.
O artº 281º, nº5, do CPC, exige, para que haja deserção da instância no processo de execução, que este esteja parado há mais de seis meses por negligência das partes.
No processo executivo não se descortina qualquer comportamento negligente do exequente, a saber no referido período de 13.12.2013 a 02.07.2014, em termos de ónus de impulso processual a si imputável, em sede de citação do executado.
Falece, pois, a invocada argumentação.

c) Falta de fundamento para a rejeição liminar da oposição à execução;

É ainda fundamento da alegação de recurso o facto de o artº 729º, al. h), do CPC, se ajustar aos presentes embargos de executado, uma vez que o crédito deste, relativo a honorários forenses, é compensável com o crédito exequendo, provindo do mesmo contrato, os efeitos da declaração de compensação retroagem ao momento em que esses créditos são compensáveis e a prescrição do crédito do executado não impede a compensação invocada.

Apreciando.
Como começa por se afirmar na sentença recorrida, o título executivo dado à execução nos presentes autos é uma sentença judicial que se encontra transitada em julgado.
Segundo o preceituado no artº. 729º, do CPC, fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos previstos nas suas várias alíneas, sendo que, a al. h) refere o “contracrédito sobre o exequente com vista a obter a compensação de créditos”.
Como esclarece José Lebre de Freitas, in A Ação Executiva, à luz do CPC de 2013, 6ª ed. Pág. 201, “ A nova qualificação processual que se pretendeu dar à compensação no art. 266-2-c levou à sua autonomização como fundamento de embargos de executado”.
Isto porque no citado artº 266º, nº2, al. c), passou a estatuir-se que a reconvenção é também admissível quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
De outro modo, “ excedendo a reconvenção a função defensiva dos embargos (…), a caracterização adjectiva da compensação como reconvenção levaria a negar a sua invocabilidade na dependência da ação executiva, o que seria contrário ao seu regime substantivo.
(…) A consideração do fundamento da compensação em alínea separada da dos restantes factos extintivos da obrigação exequenda liberta o executado do ónus de provar através de documento, quer o facto constitutivo do contracrédito e as suas características relevantes para o efeito do art. 847º do CC, quer a declaração de querer compensar (art. 848 CC), no caso de esta ter sido feita fora do processo” (opus cit. págs. 201-202).
Assim, da conjugação da alínea g) do apontado artº 729º com a previsão normativa ora introduzida pela alínea h) do mesmo preceito, não será obstáculo à compensação o facto de o contracrédito que o embargante invoque não se encontrar ainda reconhecido judicialmente.

Mas, coloca-se in casu outra questão: o executado, aqui recorrente, pode fazer valer o seu alegado contracrédito sobre o exequente quando foi já declarado judicialmente por sentença transitada em julgado que esse crédito sobre o exequente se encontra prescrito?
Na decisão recorrida entendeu-se que não.
Sufragamos a mesma posição.
O apontado artº 729º, al. n) do CPC, estatui que, fundando-se a execução em sentença, um dos fundamentos da oposição é o “contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos”.
A compensação é o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que dispunha sobre o devedor.
Ora, no caso em apreço, no momento em que o executado pretende accionar a compensação (note-se que a compensação é uma declaração receptícia – artº 848º, nº1, do Código Civil (CC)) o seu invocado direito de crédito sobre o exequente mostra-se já extinto, por prescrição, declarada judicialmente por sentença transitada em julgado.
Em suma, o devedor/embargante não é credor do seu credor. Não se pode falar já de reciprocidade de créditos, como o exige o artº 847º, nº 1, proémio, do CC.
Assim, decorre deste último preceito que, para o devedor se poder livrar da obrigação por compensação é necessário que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra crédito) que se arroga contra este: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma excepção, peremptória ou dilatória de direito material.
“Tão pouco procederá para o efeito um crédito contra o qual o notificado possa e queira fundadamente invocar qualquer facto que, com base no direito substantivo, conduza à improcedência definitiva da pretensão do compensante (prescrição, nulidade ou anulabilidade, por ex. ou impeça o tribunal de julgar desde logo a pretensão como procedente (v.gr. excepção de não cumprimento do contrato; benefício da excussão, se o notificado for um simples fiador; etc.) Neste sentido, vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol II, 3ª ed. págs. 168 e 169..

Em resumo, no caso em análise, por via da sentença judicial, transitada em julgado, que declarou extinto, por prescrição, o direito de crédito do executado, deixou este de poder obter a compensação de créditos com base nesse crédito anteriormente extinto – artº 847º, nº1, al. a), do CC.
No momento da declaração compensatória exercitada pelo executado, o seu alegado crédito já se encontrava extinto, por cumprimento presuntivo, declarado judicialmente.
Presunção de pagamento essa, com formação de caso julgado, que é incompatível com a invocação da existência ainda de um crédito sobre o exequente.
Até porque “ a prescrição é um instituto de ordem pública por via do qual o decurso de um prazo fixado na lei opera a modificação da obrigação civil em obrigação natural” Vide Acórdão do STJ de 06.07.2000: CJ/STJ, 2000, 2º - 155..
Tudo se reconduz in casu à inexigibilidade judicial do alegado crédito do executado, por força do caso julgado material.
Logo, a pretendida compensabilidade dos créditos não pode sequer operar, por falta de requisitos legais (artº 847º, nº1, al. a) do CC) e, como tal, a produzir quaisquer efeitos, nomeadamente de retroactividade (artº 854º, do CC).
Dito de outro modo, a compensação não pode funcionar porque o dito crédito do compensante não é exigível judicialmente, sendo como tal já reconhecido por decisão judicial, transitada em julgado.
Concluindo, não está verificada sequer a existência do crédito a compensar.
Inexiste, portanto, fundamento para a deduzida oposição, nomeadamente o consignado na referida alínea h), do artº 729º, do CPC.

Pelo que se deixa expendido, fica também, deste modo, prejudicado o conhecimento das questões atinentes à prestação de caução e suspensão da execução.

Não procede, portanto, a apelação.

Sintetizando:
1. A invocação da compensação por parte do embargante com base em contracrédito sobre o exequente [artº 729º, al. h), do CPC] pressupõe a existência desse contracrédito, em termos de ser exigível judicialmente.
2. Tal não sucede se o invocado crédito a compensar foi já declarado prescrito por decisão judicial transitada em julgado.

DECISÃO

Em face do exposto, na improcedência da apelação, acordam os Juízes desta 1ª secção cível em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Guimarães, 09.07.2015
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira