Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1442/10.9TBFLG-B.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: PROCESSO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA HABITUAL
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Tendo a requerida, por motivos profissionais, passado a ter residência alternada em Felgueiras e em Itália, não deixou de continuar a residir naquela cidade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I
É… instaurou, por apenso ao processo que correu termos na comarca de Felgueiras, a presente acção de alteração das responsabilidades parentais relativamente à menor J…, contra A…, pedindo que "a menor seja confiada ao requerente e a ele deferido o exercício das responsabilidades parentais" e que "a requerida deverá contribuir com uma prestação de alimentos adequada às necessidades da menor."
Alega, em síntese, que a requerida já não reside em Portugal, mas sim em Brindisi, Itália, e que não lhe comunicou a sua alteração de residência. "Como consequência, devido a esta ausência voluntária da requerida e com oposição do requerente, não lhe é possível, à requerida, exercer os poderes/deveres inerentes às responsabilidades parentais" e "este comportamento da requerida determina a paralisia da vida da menor."
A requerida respondeu dizendo, em suma, que "a sua residência, onde tem instalado o seu agregado familiar continua a ser a mesma", mas, por motivos profissionais tem que se ausentar de casa "por alguns períodos de tempo." Conclui dizendo que "deverão ser rejeitados todos os pedidos formulados pelo Requerente (…) mantendo-se as responsabilidades parentais nos termos constantes dos autos."
Realizou-se julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu:
"Nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal, julgar improcedente a presente acção especial de alteração da regulação das responsabilidades parentais."
Inconformado com esta decisão, o requerente dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata e efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
1.ª A circunstância da recorrida se encontrar a residir em Itália por estar a trabalhar para uma companhia aérea irlandesa é motivo para a alteração das responsabilidades parentais – artigo 182.º, n.º 1, 2.ª parte da OTM.
2.ª Por esse motivo a menor J… deixou de residir com a apelada.
3.ª Na Acta de Audiência de Julgamento de 12 Setembro de 2011 não ficou estipulado, que a menor passaria a residir com a sua avó e bisavó maternas e que estas seriam as figuras cuidadoras.
4.ª A apelada, no que concerne aos actos da vida corrente da menor, não pode exercer as responsabilidades parentais, nos termos em que foi estabelecido o regime do exercício das responsabilidades parentais, porque deixou de cuidar da menor no seu dia-a-dia.
5.ª Tal comportamento afecta o superior interesse da menor J…, porque esta vê-se privada da figura materna.
6.ª Ficou estabelecido que a residência da menor é com a apelada e a circunstância da apelada passar a residir em Itália, sem o cumprimento prévio do dever de informação ao apelante desse facto, sem a sua participação nessa decisão e sem intervenção judicial, é um acto ilícito e representa uma frustração dos objectivos delineados no reformulado artigo 1906.º do Código Civil, porque o estabelecimento da residência permanente ou habitual da criança é uma questão de "particular importância para a sua vida".
7.ª Compete aos pais e não aos avós e bisavós, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação – artigo 1878.º do Código Civil e Ac. RL, de 14.01.99, CJ, 1999, I, p. 78-81.
8.ª O apelado tem maior disponibilidade para acompanhar a menor, do que a apelada.
9.ª No ordenamento jurídico português, qualquer dos progenitores pode ter o filho à sua guarda e cuidado, sem tratamento diferenciado – V. Ac. RL, de 13-03-2008, in www.dgsi.pt.
10.ª Toda a criança precisa vitalmente de figuras parentais que a confortem, a estimulem e a amem de um modo especial.
11.ª A menor J… tem um pai que quer e pretende exercer essas responsabilidades.
12.ª "O mundo da J… é a sua mãe, a sua avó e bisavó maternas, a habitação onde reside em Felgueiras e a escola que frequenta", porque não foi permitido ao apelante uma reaproximação gradual entre ele e a menor, sua filha.
13.ª Com efeito, não obstante a lei reconhecer hoje, que a co-responsabilidade de ambos os pais será sempre preferível, havendo acordo entre eles (art.º 1906.º do Código Civil), está igualmente consagrado o direito da criança a manter uma relação de grande proximidade com o progenitor que não detém a guarda, caso não tenha sido possível a responsabilidade partilhada (art.º 1905.º do Código Civil).
14.ª Como uma das consequências do alegado na 6.ª conclusão, nem a apelada, nem a sua família permitem, que a menor tenha uma relação de grande proximidade com o apelante.
15.ª Esta situação acarreta sérias consequências no desenvolvimento da menor, visto que, não só cresce sem a presença e os cuidados do apelante e se vê afastada, por isso, de metade da sua família paterna.
16.ª Entende o apelante, que foram violadas normas jurídicas fundamentais – artigo 182.º, n.º 1, 2.ª parte da OTM, artigos 1878.º, n.º 1, 1885.º e 1906, n.º 3, e n.º 5 todos do Código Civil.
A requerida contra-alegou sustentando que deve ser mantida a decisão recorrida.
O Ministério Público pronunciou-se igualmente no sentido de que se deve manter a decisão do tribunal a quo.
As conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:
a) a regulação das responsabilidades parentais relativamente à menor J… deve ser modificada por a "recorrida se encontrar a residir em Itália" e "por esse motivo a menor (…) [ter deixado] de residir com a apelada" [1].
b) verificando-se estes pressupostos, a menor deve passar "a ter residência habitual com o apelante e a ele seja deferido todos os actos da sua vida corrente"[2].
II
1.º
Foram considerados provados os seguintes factos:
a) O progenitor da menor é solteiro, exerce a profissão de gestor profissional; reside em Santarém na casa de uma tia, com essa tia e um primo (filho da tia); aufere uma remuneração fixa mensal de € 300,00 e, uma remuneração variável que orça os € 1.200,00; como despesas gasta a quantia de € 220,00 para ajudar a irmã; entrega a quantia mensal de € 300,00 à tia para ajuda das despesas da casa; no local onde reside actualmente existe um infantário a cerca de 500 metros da residência; existe também A.T.L.; a tia e o primo ajudarão na educação da menor e tem uma governanta para limpar e cozinhar (declarações prestadas pelo progenitor da menor em sede de audiência de discussão e julgamento).
b) O Requerente vive com uma tia, de 53 anos de idade, médica, em Santarém, numa vivenda que é propriedade desta. Da observação directa do imóvel, constatámos tratar-se de uma vivenda geminada, composta por dois pisos e aproveitamento de sótão. No piso inferior situa-se a sala de estar e de jantar, cozinha e casa de banho; no piso superior existem três quartos (sendo um deles do Requerente) e uma casa de banho e no sótão encontram-se mais dois quartos. Na globalidade, o imóvel encontrava-se organizado e bem cuidado higienicamente, quer no interior quer no exterior. Caso a menor venha a residir com o progenitor, um dos quartos que é contíguo ao seu poderá ser adaptado para a criança (conforme relatório da Segurança Social junto aos autos de fls. 86 a fls. 90).
c) O pai da menor afirmou trabalhar como consultor técnico para a empresa H… em Santarém, auferindo um vencimento base de € 600,00, ao que acrescem comissões cujo valor não especificou. Consultada a nossa base de dados, o Requerente não se encontra a fazer descontos para a Segurança Social. Despesas mensais mais significativas: pensão de alimentos - € 125,00. O Requerente adiantou ainda que se encontra a terminar o pagamento da habilitação para obter carta de condução e que as despesas inerentes à alimentação e habitação são suportadas pela tia (conforme relatório social elaborado pela Segurança Social de fls. 86 a fls. 90).
d) O Requerente afirma ter pouco conhecimento do quotidiano da filha, afirmando que apenas sabe que aquela frequenta o Jardim de Infância da Santa Casa da Misericórdia de Felgueiras, sendo uma criança com 3 anos de idade, que do que é do seu conhecimento, tem sido uma criança saudável e com um desenvolvimento adequado à sua idade. Caso a criança venha viver consigo, e uma vez que se encontra também profissionalmente activo, o Requerente antecipa que a filha venha também a ser integrada numa unidade de infância em Santarém, contando também com o apoio efectivo da parte da sua tia, com quem vive e que se mostrou disponível para o apoiar. A tia também tem uma empregada a tempo inteiro, que estava presente na visita domiciliária, e que se prontificou a apoiar o Requerente no que fosse necessário (conforme relatório social elaborado pela Segurança Social junto aos autos de fls. 86 a fls. 90).
e) Do que nos foi possível avaliar, na globalidade a situação do Requerente sugere estabilidade habitacional e económica que lhe permite assumir a residência e guarda da menor. Ao longo do contacto mantido com o mesmo, pareceu-nos ter conhecimento e consciência do que é cuidar de uma criança da idade da menor, apresentando-se motivado para exercer na prática as responsabilidades parentais. Contudo, e caso venha a ser decidido que a menor passe a ficar aos cuidados do pai, consideramos que numa fase inicial será importante uma reaproximação gradual, por aumento da duração dos períodos de tempo que passam juntos, previamente a eventual mudança de residência da criança, com a salvaguarda da necessidade posterior do estabelecimento de um regime de visitas entre a menor e a mãe e avós maternos, pois têm sido, estes últimos, efectivamente as figuras cuidadoras e presentes no quotidiano da J… (conforme relatório social elaborado pela Segurança Social junto aos autos de fls. 86 a fls. 90).
f) Desde sempre a menor – actualmente com três anos de idade – residiu com a progenitora, mantendo contactos com o progenitor, embora não muito regulares. Os convívios entre ambos dão-se através de visitas na residência e na presença de A… ou de outro elemento do agregado. Desde Dezembro de 2011 que a Requerida exerce funções como assistente de bordo na companhia irlandesa "Ryanair". Ausenta-se do país por alguns períodos de tempo, uma vez que está sediada em Itália. Com base neste desígnio, o progenitor requer a alteração do exercício das responsabilidades parentais, alegando que, nesse momento, a menor se está a provar de referências parentais (conforme relatório social elaborado pela Segurança Social junto aos autos de fls. 115 a fls. 121).
g) Após, a separação, a progenitora voltou a reintegrar o núcleo familiar de origem. O agregado materno é, então, constituído pelos seguintes elementos: a progenitora, M… (mãe da Requerida); e M… (avó da Requerida). A habitação da progenitora reúne boas condições habitacionais. Está adaptada às necessidades da menor, tanto ao nível de organizações dos espaços, como ao nível do vasto conjunto de materiais lúdicos e didácticos existentes. Por motivos profissionais actualmente encontra-se transitoriamente subdividida entre Portugal e Itália (conforme relatório social elaborado pela Segurança Social junto aos autos de fls. 115 a fls. 121).
h) Desde Dezembro de 2011 que a Requerente se encontra a exercer funções de assistente de bordo na empresa "Rynair". Não concluiu o mestrado integrado de Ciências de Educação na Universidade de Braga, nem tem grandes expectativas em terminá-lo, pois as suas expectativas futuras não passarão por esse campo. A mãe da Requerida exerce a actividade como monitora de actividades no Centro de Actividades Ocupacionais da Cercifel há cerca de vinte anos; aufere ainda a pensão de sobrevivência desde 2004. M… é pensionista do sistema de protecção social de França. O total de rendimentos do agregado familiar da Requerida orça em € 3.435,82 (conforme relatório social elaborado pela Segurança Social junto aos autos de fls. 115 a fls. 121).
i) Desde sempre A… tem-se revelado uma mãe equilibrada, conscienciosa, atenta, preocupada e carinhosa. Reúne todas as competências para assumir o exercício da parentalidade, com a mais valia de integrar um agregado familiar que lhe presta um importante suporte. Avó e bisavó materna da menor mostram-se totalmente disponíveis para apoiar a progenitora na satisfação das necessidades básicas e prestação de cuidados e assistência a esta. Prevalecem relações de afecto e harmonia no seio deste núcleo familiar que se constitui como o principal mundo social e afectivo da menor. Vendo-se em situação de desemprego e sem perspectivas de integração do mercado de trabalho em Portugal, a Requerida alargou o leque de procura ao âmbito internacional com o objectivo de auferir um salário que proporcionasse à própria e à descendente um nível de vida equilibrado e lhes potenciasse um futuro promissor e autónomo do restante agregado. A própria refere que, muito embora a sua família a apoie, deseja a sua própria autonomia. Desta forma, foi recrutada para trabalhar como assistente de bordo na Ryanar, tendo ficado colocada em Itália. Inicialmente ainda ponderou abandonar o posto de trabalho, face à nostalgia e saudades que sentia da J… e vice-versa. Contudo, sabe que a sua situação em Itália não é definitiva e que nos seus períodos de ausência a menor se encontra devidamente cuidada pela sua mãe e avó. Embora ainda sem data prevista já pediu transferência para a sede do Porto, no sentido de se poder deslocar diariamente a casa. Nesse momento vem a Portugal de dois em dois meses – excluindo os períodos de férias – onde permanece cerca de quinze dias. Embora consciente do tempo que se ausenta da companhia da descendente, aproveita o tempo que está junto dela com qualidade, esgotando a totalidade do tempo possível. Existe uma forte ligação afectiva entre ambas e mesmo longe, continua a ser a principal figura de referência para a filha menor. Comunicam diariamente via internet ou telemóvel; a menor já foi passar um período de férias junto da mãe. A relação entre os dois progenitores continua a ser altamente tensional. Normalmente comunicam por mail; de outra forma a interacção é inexequível. A progenitora declarou que as visitas do pai à menor são pouco regulares, em número inferior ao previsto no acordo em vigor. Contudo, actualmente, têm decorrido sem conflitos e atritos (conforme resulta do relatório social elaborado pela Segurança Social junto aos autos de fls. 115 a fls. 121).
j) Desta forma e após avaliação da situação, somos do parecer que a A… continua a reunir condições para assumir o exercício da parentalidade, tal qual definido actualmente. A sua situação laboral, para além de não ser definitiva, tem ainda como objectivo prover as necessidades materiais da J…. Existe uma forte ligação afectiva e emocional entre mãe e filha e os laços entre ambas não se fragilizaram com as ausências temporárias da primeira. Uma alteração da situação seria potenciadora de um desequilíbrio emocional e harmonioso na menor, pelo afastamento de todas as suas referências afectivas e familiares. Nas ausências da progenitora de Portugal estão salvaguardadas todas as necessidades e afectos da menor pela avó e bisavó, a quem tem uma forte identificação e pertença familiar. Existe uma vinculação à família materna que não se assemelha à família paterna, à qual possui poucas referências. Contudo, deverão ser salvaguardados os contactos e convívios entre a menor e o progenitor, tal como acontece na actualidade (conforme relatório social elaborado pela Segurança Social junto aos autos de fls. 115 a fls. 121).
k) J… é uma criança saudável e com um desenvolvimento normal para a faixa etária onde se insere. É comunicativa e extrovertida, embora tímida nos contactos iniciais. Exprime-se fluentemente e interioriza as regras incutidas. Frequenta o jardim-de-infância da Santa Casa da Misericórdia de Felgueiras. Segundo informações de A…, Educadora de Infância responsável pela sala onde a menor se insere, a J… é uma criança muito activa e com um desenvolvimento cognitivo superior à média (por comparação com as restantes menores da sala). Assimila muito bem as aprendizagens. Apresenta-se sempre limpa e cuidada. Considera que muito contribui para o seu bom desenvolvimento, a estimulação de que é alvo em casa. A mãe é extremamente preocupada, mostrando-se sempre disponível para as solicitações, mesmo ausente do país; sempre que vem a Portugal é quem trata de todos os assuntos da filha. Nunca estabeleceu qualquer contacto com o progenitor; a menor não se sente à vontade em se exprimir sobre a figura paterna, tentando distanciar-se quando o assunto é tratado em actividades diversas. Considera que é fundamental para a estabilidade emocional da educanda que esta permaneça junto da mãe e restante agregado. No período que se seguiu imediatamente à ausência de A…, notou na J… alguma instabilidade, uma vez que não compreendia o porquê de não ter a mãe junto a si diariamente. Desde que a menor foi visitar a progenitora a Itália que a sua postura alterou, ficando com uma outra percepção da situação. Actualmente, está adaptada à situação, embora sinta necessidade de falar muito da mãe (conforme relatório social elaborado pela Segurança Social junto aos autos de fls. 115 a fls. 121).
l) A… é a principal figura de suporte para a J…, sendo evidente o importante suporte que representa na vida da menor. É notório o conhecimento pelas rotinas da descendente (mesmo estando ausente por alguns períodos de tempo), bem como todo o carinho e afeição. Conta com o apoio da sua mãe e avó na prestação de cuidados à J…, tanto do ponto de vista financeiro, como na partilha de bens e recursos. A emigração foi uma condicionante da situação de desemprego, no sentido de se organizar financeiramente para proporcionar um bom nível de vida à filha. Espera que o esforço significativo que está a fazer, nomeadamente por ter de estar afastada da filha por alguns períodos de tempo, seja compensador a médio prazo. Já pediu transferência para o pólo da empresa do Porto, aguardando resposta. Face ao exposto, avaliamos de forma segura que A… continua a reunir condições para assumir o exercício da parentalidade, mostrando-se responsável ao nível das práticas parentais e oferecendo estabilidade financeira, emocional e afectiva à menor. Está a ultimar para conseguir vir para Portugal, pois a J… constitui-se como seu principal sujeito do interesse tal como do restante agregado familiar, que lhe presta uma importante retaguarda. Um afastamento das suas figuras de referência não seria uma mais valia para a menor (conforme relatório social elaborado pela Segurança Social junto aos autos de fls. 115 a fls. 121).
Deve ainda ter-se por assente [3] que:
m) no processo de regulação das responsabilidades parentais, a que estes autos estão apensos, ficou estabelecido que:
"1 – O exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da menor J… é atribuído a ambos os progenitores É… e A….
2 – O exercício das responsabilidades parentais no que concerne aos actos da vida corrente da menor é atribuído à progenitora da menor.
3 – Fixa-se a residência habitual da menor na Rua …, Felgueiras, ou seja, a residência da progenitora da menor."
n) a menor J… nasceu a 3 de Abril de 2009.
2.º
O requerente pretende que se altere a regulação das responsabilidades parentais relativas à sua filha J… por, no essencial, a requerida ter deixado de viver com a menor, ao passar a residir em Itália. Nessa medida, a requerida, "no que concerne aos actos da vida corrente da menor, não pode exercer as responsabilidades parentais, nos termos em que foi estabelecido (…) porque deixou de cuidar da menor no seu dia-a-dia." [4] E esse "comportamento afecta o superior interesse da menor J…, porque esta vê-se privada da figura materna." [5]
Aquando da regulação das responsabilidades parentais estabeleceu-se que o exercício destas, "no que concerne aos actos da vida corrente da menor", ficava atribuído à aqui requerida, em cuja residência se fixou a daquela.
O que segundo o requerente surgiu de novo, e na sua perspectiva é verdadeiramente relevante, é o facto de, por causa da requerida entretanto ter passado a trabalhar como assistente de bordo na companhia de aviação "Ryanair", esta já não residir com a sua filha (em Portugal), pois tem agora residência em Itália.
É nesta nova realidade que o requerente, ao abrigo do disposto no artigo 182.º n.º 1 da OTM, funda o seu pedido.
Relativamente a esta matéria provou-se [6], designadamente, que:
- depois do requerente e da requerida se terem separado esta "voltou a reintegrar o núcleo familiar de origem (…) constituído (…) [por] M… (mãe da Requerida); e M… (avó da Requerida)";
- "desde sempre A… tem-se revelado uma mãe equilibrada, conscienciosa, atenta, preocupada e carinhosa";
- a "avó e bisavó materna da menor mostram-se totalmente disponíveis para apoiar a progenitora na satisfação das necessidades básicas e prestação de cuidados e assistência a esta";
- "prevalecem relações de afecto e harmonia no seio deste núcleo familiar que se constitui como o principal mundo social e afectivo da menor";
- "vendo-se em situação de desemprego e sem perspectivas de integração do mercado de trabalho em Portugal, a Requerida alargou o leque de procura ao âmbito internacional com o objectivo de auferir um salário que proporcionasse à própria e à descendente um nível de vida equilibrado e lhes potenciasse um futuro promissor e autónomo do restante agregado";
- "desde Dezembro de 2011 que a Requerida exerce funções como assistente de bordo na companhia" Ryanair;
- presentemente "vem a Portugal de dois em dois meses – excluindo os períodos de férias – onde permanece cerca de quinze dias";
- nesses dois meses está em Itália;[7]
- a requerida "já pediu transferência para a sede do Porto, no sentido de se poder deslocar diariamente a casa";
- "aproveita o tempo que está junto dela [a menor] com qualidade, esgotando a totalidade do tempo possível";
- "existe uma forte ligação afectiva entre ambas e mesmo longe, continua a ser a principal figura de referência para a filha";
- "comunicam diariamente via internet ou telemóvel";
- a requerida "é extremamente preocupada" e "sempre que vem a Portugal é quem trata de todos os assuntos da filha";
- a menor "está adaptada à situação, embora sinta necessidade de falar muito da mãe";
Como é sabido, o n.º 1 do artigo 82.º do Código Civil dispõe que "a pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles."
A "residência é um sítio preparado para servir de base de vida a uma pessoa singular"[8]. E "tendo a pessoa residência alternadamente em diversos lugares, o domicílio será qualquer um deles"[9].
Neste contexto, parece pacífico concluir que presentemente a requerida tem residência alternada em Felgueiras e em Itália, o que implica que, desde logo, não é verdade que, como afirma o requerente, aquela deixou de residir nessa cidade.
De qualquer modo, quando, ao regular as responsabilidades parentais, se estabeleceu que a mãe e a filha tinham residência em Felgueiras, isto é, que esta viveria com aquela, pretendeu-se, seguramente, mais do que uma conformidade ao disposto no citado artigo 82.º; teve-se, com toda a certeza, em mente que a requerida se manteria próxima da menor de forma a poder acompanhar o seu crescimento.
Ora, os factos apurados mostram-nos, sem margem para dúvidas, que, não obstante a ausência física da requerida por intervalos de dois meses, esta acompanha de próximo a vida da sua filha. E nessas ausências físicas a menor continua a sentir-se segura e acarinhada pelas suas avó e bisavó e, através dos contactos diários "via internet ou telemóvel", sente uma constante presença da mãe. Tem também que se ter em devida conta que foi a situação de desemprego em que se encontrava que levou a requerida a aproveitar a oportunidade profissional que lhe surgiu; isto é, a requerida não optou por se afastar fisicamente da menor, viu-se sim na contingência de ter que o fazer. E os dias difíceis que vivemos obrigam a escolhas ingratas como esta.
Não são, portanto, verdadeiros os pressupostos em que o requerente radica a sua pretensão.
Além disso, regista-se até que este, apesar de residir em Portugal, é certo que a alguma distância de Felgueiras, não conseguiu ainda estabelecer uma relação estável e sentida com a sua filha. Se essa meta não se atingiu, não é na conduta da menor que devemos procurar a causa de tal insucesso. E, contrariante ao que consta na conclusão 14.ª, nada se apurou que aponte no sentido de que "nem a apelada, nem a sua família permitem, que a menor tenha uma relação de grande proximidade com o apelante."
Enquanto que o requerente continuar a afirmar que tem "pouco conhecimento do quotidiano da filha" e "a menor não se (…) [sentir] à vontade em se exprimir sobre a figura paterna" há motivos para preocupações, há razões para pensar que se está longe do que deve ser uma relação entre um pai e uma filha.
Acompanha-se, assim a Meritíssima Juiz a quo quando considera que não há fundamento para se modificar o regime vigente do exercício das responsabilidades parentais.
III
Com fundamento no atrás exposto, julga-se improcedente o recurso pelo que se mantém a decisão recorrida.
Custas pelo requerente.
16 de Janeiro de 2014
António Beça Pereira
Manuela Fialho
Edgar Gouveia Valente
__________________________________________________________________
[1] Cfr. conclusões 1.ª e 2.ª.
[2] Cfr. parte final das alegações de recurso.
[3] Havendo algum facto relevante para a decisão da causa que se encontre assente e que não figure entre os factos provados, nos termos dos artigos 713.º n.º 2 e 659.º n.º 3 do aCPC e dos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.º 4 do nCPC, o tribunal da Relação pode aditá-lo a estes. Neste sentido veja-se Ac. Rel. Coimbra de 29-5-2012 no Proc. 37/11.4TBMDR.C1, em www.gde.mj.pt.
[4] Cfr. conclusão 4.ª.
[5] Cfr. conclusão 5.ª.
[6] Note-se que o requerente não coloca em causa o julgamento da matéria de facto.
[7] Sem prejuízo, evidentemente, das deslocações para outros países que, provavelmente, fará por motivos profissionais.
[8] Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, 1978, pág. 435.
[9] Ana Prata, Dicionário Jurídico, 5.ª Edição, Vol. I, pág. 556.