Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
618/14.1T8VRL-F.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO CUNHA
Descritores: INSOLVÊNCIA
NULIDADE
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
DESTITUIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. No âmbito do incidente de destituição do Administrador de Insolvência previsto no art. 56º do CIRE, no caso de não existir Comissão de Credores no Processo de Insolvência em causa, não tem o Juiz, antes de proferir decisão sobre a existência de justa causa de destituição do Administrador de Insolvência, de proceder à audição prévia de todos os credores, em substituição daquela Comissão;
II. Não se verifica a nulidade de uma decisão judicial – que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) – quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou;
III. O conceito de justa causa legitimadora da destituição do Administrador de Insolvência num processo de insolvência preenche-se e concretiza-se: i) com a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo; ii) ou com a conduta traduzida na “inobservância culposa” dos seus deveres, “apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado” (art. 59, nº1 do CIRE); iii) exigindo-se cumulativamente a qualquer dos requisitos anteriores, que tal conduta, pela sua gravidade justifique a quebra de confiança, inviabilizando, em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado”;
IV. Constitui justa causa de destituição, por inobservância culposa dos seus deveres, apreciada de acordo com um juízo que um Administrador de Insolvência medianamente diligente e criterioso efectuaria, a situação em que um Administrador de Insolvência deveria ter declarado a resolução em benefício da massa insolvente dos actos jurídicos praticados pelo Insolvente, quando esses actos jurídicos, praticados em período suspeito, manifestamente prejudicam a satisfação dos interesses dos credores e foram realizados com a intervenção de terceiros que integram o leque das “pessoas especialmente relacionadas com o insolvente" ( art. 120º , nº 4; cfr. art.º 49º do CIRE ), o que faz presumir aquela mesma intenção.
Decisão Texto Integral:  Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): -B.;
-C.;
Recorrido(s): Ministério Público;
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Vieram os representantes da herança aberta por óbito de D. requerer a destituição da Srª. Administradora da Insolvência B. (fls. 295-302), o que suscitou a oposição desta (fls. 313-329) e do insolvente C. (fls. 307-310), observado o respectivo contraditório – cfr. Artigo 56.º, n.º 1, do C.I.R.E.
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Foram realizadas as diligências probatórias pertinentes.
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De seguida, foi proferida a decisão que constitui o objecto do presente Recurso, onde o Tribunal de 1ª Instância conclui com a seguinte decisão:
“…V- DECISÃO:
Termos em que, considerando o exposto, se julga procedente o incidente suscitado a fls. 295-302 pelos representantes da herança aberta por óbito de D., e, consequentemente, decide-se:
a) Destituir a Srª. Drª. B. do exercício das funções de Administradora da Insolvência nestes autos – cfr. artigo 56.º, n.º 1, do C.I.R.E.
b) Nomear para o exercício de funções de Administradora da Insolvência, atendendo ao resultado da escolha aleatória efectuada pelo sistema informático, a Srª. Drª. E., com domicílio profissional na Rua …- cfr artigos 52.º, n.ºs 1 e 2, do C.I.R.E. e 13.º, n.º 2, da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro;
c) Substituir a Fiduciária designada a fls. 223-229, nomeando em sua substituição a Srª. Administradora da Insolvência E., de forma a facilitar a ulterior tramitação processual do incidente de exoneração do passivo restante - cfr artigos 17.º, 56.º, n.º 1 e 240.º, n.º 2, do C.I.R.E. e 547.º do C.P.C.
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Comunique de acordo com o disposto no artigo 21.º, n.º 1, da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, para os fins tidos por convenientes.
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Sem custas o incidente, por estas estarem englobadas nas custas do processo de insolvência – cfr. artigo 303.º do C.I.R.E. “.
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Recorreu desta decisão a Sra. Administradora de Insolvência, B. concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
A- nos termos do n.º 1 do art.º 56.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas permite-se a destituição do administrador da insolvência a todo o tempo, por decisão do juiz, precedendo justa causa e DEPOIS DE OUVIDA A COMISSÃO DE CREDORES QUANDO A MESMA EXISTA;
B- Nos autos presentes, não existe Comissão de Credores nomeada, razão pela qual a notificação se substitui nos credores da massa insolvente os quais não foram ouvidos pelo Tribunal ou, pelo menos, de tal audição não foi notificada a recorrente. De facto,
C- Concatenando o disposto no n.º 1 do art.º 56.º do CIRE com o disposto no art.º 59.º, n.º 1 do mesmo dispositivo e em que se decreta que a Administradora da Insolvência responde perante todos os credores da massa bem assim como o próprio devedor, fácil é concluir que na ausência de comissão de credores nomeada são os credores na sua globalidade os destinatários da notificação a que responde o art.º 56.º, n.º 1 do CIRE;
D- Logo, a decisão é NULA por preterir formalidades essenciais prévias à tomada da decisão recorrida, já que o Tribunal não cuidou de ouvir, previamente, os membros credores sobre a intenção de destituir a recorrente/Administradora da Insolvência;
E- Na esfera processual do CIRE é IMPERATIVA a audição dos credores na decisão de destituição da Administradora da Insolvência nomeada e tal omissão integra irregularidade processual relevante por influir na decisão a tomar, substanciando nulidade que ora se argui nos termos do disposto no art.º 201.º do CPCivil;
F- A não audição dos Credores CONSTITUI UMA OMISSÃO DOS DEVERES DO TRIBUNAL e CONSTITUI, ainda, a DENEGAÇÃO DO DEVER DE DEFESA E DE CONTRADITÓRIO;
G- os termos imperativos do CIRE a Administradora da Insolvência inicia as suas funções logo que nomeada e cessa as suas funções depois de transitada em julgado a decisão que aprove as contas da liquidação da massa insolvente e só pode ser destituída, justificadamente, pelo Tribunal, ouvida previamente a comissão de credores e, na falta deles, os credores inquiríveis pela omissão do órgão que os representa;
H- A falta de audição de credores, que têm, além do mais, poderes de fiscalização da atividade da Administradora da Insolvência constitui uma manifesta irregularidade processual relevante, influenciadora da decisão a tomar quanto à destituição;
I- Razões pelas quais pretende a recorrente arguir NULIDADE processual insanável por se encontrar preteridos nos autos passos e formalidades essenciais que, omitidas, constituem nulidades insanáveis;
J- Tendo sido omitido o processualismo em causa, anular-se-á todo o processado após tal omissão - cfr. art.º 201.º, n.º 1 do CPCivil - já que a lei obriga a tal formalismo e a preterição deste reveste irregularidade que influirá na decisão da causa, na medida em que obstaculiza à aqui recorrente/arguente bem assim como aos credores fiscalizadores da atuação da Administradora Judicial, o exercício do direito de se pronunciarem nos termos do disposto no art.º 56.º, n.º 1 do CIRE;
K- A invocada nulidade é insanável, na medida em que obstaculizou à recorrente a possibilidade de defender os seus interesses em juízo e aos Credores o direito de pronunciar como a lei o exige e encontra-se tempestivamente arguida, mormente, pelo facto de a decisão recorrida ser passível de recurso ordinário;
L- Constitui consequência da invocação da supra desenvolvida nulidade a anulação de todo o processado posterior à omissão dos atos processuais imprescindíveis, designadamente, no que se refere à notificação dos Credores para o exercício dos seus direitos legais e enquanto elementos essenciais do processo destituitório;
M- De acordo com a decisão proferida em 04 de Maio de 2016, do qual ora se recorre:
• “Conclui-se, assim, pela verificação dos pressupostos para ser decretada a destituição da Sra. Administradora da Insolvência, ficando deste modo prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas nos articulados no âmbito do incidente desencadeado a fls. 295-302”.
• “Termos em que, considerando o exposto, se julga procedente o incidente suscitado a fls. 295-302 pelos representantes da herança aberta por óbito de Domingues Valente Rodrigues, e, consequentemente, decide-se:
N- Destituir a Sra. Dra. B. do exercício das funções de Administradora da Insolvência nestes autos – cfr. artigo 56.º, n.º 1 do CIRE.
O- Nomear para o exercício de funções de Administradora de Insolvência, atendendo ao resultado da escolha aleatória efectuada pelo sistema informático, a Sra. Dra. E., com domicílio profissional na Rua….
P- Substituir a Fiduciária designada a fls. 223-229, nomeando em sua substituição a Sra. Administradora de Insolvência E., de forma a facilitar a ulterior tramitação processual do incidente de exoneração do passivo restante”.
Sendo que, para fundamentar tal decisão, o Tribunal a quo referiu que: • “Tratando-se da constituição de uma hipoteca, nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, que onera o bem de maior valor patrimonial que integra o património do insolvente (de acordo com as avaliações disponíveis, realizadas para efeitos tributários), estamos perante um acto que dificultou a satisfação dos demais credores do insolvente, mormente o crédito reconhecido no apenso C) à herança aberta por óbito de D., uma vez que confere aos beneficiários da hipoteca o direito de serem pagos pelo valor do imóvel respectivo, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (cfr. artigo 686.º, n.º 1, do Código Civil). Por outro lado, como a hipoteca foi constituída para a garantia do crédito de irmãos do insolvente, presume-se a má fé destes, por serem pessoas especialmente relacionadas com o devedor (cfr. artigos 49.º, n.º 1, al. b) e 120.º, n.º 4 do CIRE). Por esse motivo, era dever da Sra. Administradora da Insolvência proceder à resolução em benefício da massa insolvente desse ato de constituição de uma garantia real, por reporte ao disposto nos artigos 49.º, n.º 1, al. b), 120.º, n.ºs 1,2 e 4 e 123.º, n.º 1 do CIRE, pelo que, não o tendo feito, e deixando decorrer o prazo previsto neste último preceito, do CIRE, incorreu numa violação grave dos seus deveres funcionais, que consubstancia a ocorrência de justa causa para ser destituída, por tornar insustentável a sua permanência no exercício de funções nestes autos, pela relevância dessa atuação omissiva na prossecução das finalidades do processo de insolvência, identificadas no artigo 1.º, n.º 1, do CIRE”. • “Paralelamente, as alienações dos imóveis realizadas pelo insolvente através das escrituras públicas outorgadas em 26/07/2013, 14/08/2013 e 22/10/2013, a favor da sua mãe F. e dos seus irmãos G. e H. (cfr. factos provados n.ºs 10 e 12 a 14), são suscetíveis de diminuírem a possibilidade de satisfação dos demais credores do insolvente, por não estar evidenciada a suficiência do demais património apreendido para a massa insolvente, para além de se tratar de atos praticados nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e se presumir a má-fé dos adquirentes, por serem pessoas especialmente relacionadas com o devedor (cfr. artigos 49.º, n.º 1, al. b) e 120.º, n.º 4 do CIRE). Deste modo, era também dever da Sra. Administradora de Insolvência proceder à resolução em benefício da massa insolvente desses negócios dispositivos, por referência ao preceituado nos artigos 49.º, n.º 1, al. b), 120.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 123.º, n.º 1 do CIRE, pelo que, não o tendo feito, e deixando decorrer o prazo previsto neste último preceito, incorreu numa violação grave dos seus deveres funcionais, que consubstancia a ocorrência de justa causa para ser destituída, por tornar insustentável a sua permanência no exercício de funções nestes autos, pela relevância dessa atuação omissiva na prossecução das finalidades do processo de insolvência.”
Q- O tribunal a quo decidiu pela destituição da Administradora Judicial B., nomeada à massa insolvente de C..
R- Por ser dever daquela o de proceder à resolução em benefício da massa insolvente de atos alegados depreciadores do património do insolvente, por reporte ao disposto nos artigos 49.º, n.º 1, al. b), 120.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 123.º, n.º 1 do CIRE.
S- Uma vez que a Administradora Judicial não procedeu assim, deixando decorrer o prazo previsto no artigo 123.º, n.º 1 do CIRE, entendeu o Tribunal ter havido violação grave dos deveres funcionais que sobre aquela recaíam, o que consubstancia a ocorrência de justa causa para a sua destituição, por tornar insustentável a sua permanência no exercício de funções nos autos de insolvência.
T- Por outro lado, afirma ainda o Tribunal que era também dever da Administradora Judicial o de proceder à resolução em benefício da massa insolvente dos negócios dispositivos celebrados entre o insolvente e a sua mãe e os seus irmãos, por referência ao preceituado nos artigos 49.º, n.º 1, al. b), 120.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 123.º, n.º 1 do CIRE, pelo que, não o tendo feito, e deixando decorrer o prazo previsto neste último preceito, incorreu numa violação grave dos seus deveres funcionais, que consubstancia a ocorrência de justa causa para ser destituída, por tornar insustentável a sua permanência no exercício de funções nos autos de insolvência, mercê da relevância dessa atuação omissiva na prossecução das finalidades do processo de insolvência.
U- Ora, salvo diferente opinião, as coisas não poderão ser entendidas desse modo, devendo a decisão de que ora se recorre ser revogada. Com efeito,
V- No requerimento inicial que deu origem ao incidente de cuja decisão ora se recorre, veio o credor “HERDEIRO DE D.” requerer a destituição da Administradora Judicial nos termos e para os efeitos no artigo 56.º do CIRE.
W- Avançando como fundamento, entre outros, o facto de o insolvente ter, nos quatro anos anteriores ao processo de insolvência, praticado atos prejudiciais para massa insolvente, vendendo aos seus irmãos e à sua mãe diversos imóveis por um valor um pouco superior ao valor patrimonial, através dos quais, alegadamente, favoreceu os demais credores em relação à requerente.
X- indicou alguns negócios cuja resolução deveria ter sido levada a cabo pela Administradora Judicial, sendo o primeiro dos negócios indicado datado de 26 de Julho de 2013, e não tendo feito o Requerente qualquer outra referência a outro negócio anterior a esse.
Y- Não obstante alegar que nos últimos quatro anos outros negócios foram praticados pelo insolvente.
Z- O que significa que, tendo sido o requerimento, que deu início ao incidente, junto no dia 08 de Março do presente ano de 2016, o Requerente estaria, supostamente, a referir-se a negócios celebrados a partir do dia 08 de Março de 2012.
AA- Não concretizando e/ou especificando que outros negócios foram celebrados antes daqueles que, de facto, alega, ou seja, daqueles anteriores ao ano de 2013.
BB- Nem indicando o competente preceito legal que obrigaria a Administradora Judicial a resolver os referidos negócios.
CC- Apenas se tendo limitado a fazer a referência genérica a negócios celebrados nos “4 anos anteriores à data do início do processo de insolvência”.
DD- Ora, tendo em conta que o requerimento da credora HERDEIROS DE D. deverá ser considerado como uma verdadeira petição inicial, na medida em que deu início a um incidente que trouxe aos autos a discussão de uma questão nova - a destituição da Administradora Judicial e a sua consequente substituição,
EE- como se retira, aliás, do sentido seguido por alguma jurisprudência (assim decidiram, por exemplo, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, datados de 07 de Fevereiro de 2002, processo n.º 528/02, 6ª Secção, e de 21 de Dezembro de 2009, processo n.º 542/08.0TBVFX-A. L1-6),
FF- Ao requerimento dos credores supra identificados não deverá ser aplicado outro regime que não aquele constante dos artigos 552.º e seguintes do Código de Processo Civil.
GG- Isto é, o regime dos articulados, concretamente da petição inicial, cujos requisitos se encontram previstos, justamente, no artigo 552.º daquele diploma.
HH- Deste modo, o Requerente, no requerimento com o qual deu início ao incidente, deveria e ter exposto “os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação” (artigo 522.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil).
II- O que não fez!!!!
JJ- Tendo-se limitado a dizer que a Administradora Judicial deveria ter resolvido determinados negócios. Não tendo sequer precisado quais, pois ao mesmo tempo que discrimina um determinado número de negócios, refere que “o insolvido, nos 4 anos anteriores à data do início do processo de insolvência, praticou atos prejudiciais à massa insolvida, vendendo a irmãos e à mãe, diversos imóveis por um valor pouco superior ao valor patrimonial”.
KK- Quanto muito, com a referência aos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência, poderia o requerente ter querido convocar a redação do artigo 120.º do CIRE.
LL- Acontece que, se assim fosse, estaria a convocar não a redacção actual do mesmo diploma, mas a redação anterior à Lei n.º 16/2012 de 20 de Abril.
MM- Ou seja, uma lei já REVOGADA!
NN- Nos termos da qual, se que “podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência” (anterior redação do artigo 120.º, n.º 1 do CIRE).
OO- Ora, tendo o requerente deixado a sua pretensão desamparada de qualquer explícito suporte legal, e tendo lançado mão de palavras, pelo menos exatamente coincidentes, com as de uma lei desatualizada, supõe-se que tenha sido o mencionado artigo 120.º, n.º 1 do CIRE, na sua anterior redação, o preceito que, ainda assim, visava fundamentar o pedido de destituição da Administradora Judicial, resultado da não resolução de determinados negócios.
PP- O Requerente apenas indicou negócios datados a partir do ano de 2013, quando antes havia feito referência a negócios datados de, pelo menos, 2012.
QQ- Sendo pelo menos essa a ideia que deixou antever com a sua referência a negócios celebrados quatro anos antes do início do processo de insolvência.
RR- O Requerente terminou a sua exposição, pedindo a destituição da Administradora Judicial com fundamento na não resolução de negócios, os quais não discrimina, e não fazendo referência a qualquer preceito legal (atual) que suportasse essa pretensão. Face ao exposto, há que dizer que dizer que a causa de pedir é o facto concreto de que deriva o direito invocado, isto é, o efeito jurídico pretendido.
SS- Pelo que não poderão ser alegadas meras conclusões vagas – mesmo quando utilizados conceitos jurídicos – e das quais não emergem factos que não possam fundamentar o pedido formulado.
TT- Ou seja: quando se diz que a causa de pedir é o ato ou o facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, tem-se em vista não o facto jurídico abstrato, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto cujos contornos se enquadram na definição legal.
UU- Motivo pelo qual a causa de pedir tem de ser especificada, concretizada ou determinada, ou seja, tem de consistir em factos ou circunstâncias concretas e individualizadas.
VV- Porquanto o requerente articulou meras conclusões, utilizando conceitos (supostamente) jurídicos – bastante vagos –dos quais não emergem quaisquer factos que possam fundamentar o pedido de destituição da signatária.
WW- Com efeito, pergunta-se: a que negócios cuja resolução supostamente era exigida à Administradora Judicial se queria o requerente referir?
XX- É que o requerente discriminou alguns datados a partir do ano de 2013, mas referiu-se a negócios praticados nos quatro anos anteriores ao início do processo de insolvência.
YY- Em que normas fundamentou a sua pretensão?
ZZ- Certamente não terá sido nos artigos que invocou, entre os quais se conta o 56.º do CIRE, porquanto tal preceito nada tem a ver com a obrigação que recai sobre a Administradora Judicial de resolver negócios jurídicos.
AAA- Terá sido assim no artigo 120.º do CIRE? Ainda que na versão desatualizada do mesmo?
BBB- É que apenas era esse preceito que permitia a resolução de negócios jurídicos celebrados quatro anos antes da data da declaração da insolvência.
CCC- Resulta claramente do exposto que a causa de pedir se mostra pouco clara, não auxiliando de modo algum a correta resolução da questão: é que uma boa decisão de mérito supõe sempre um pedido e uma causa de pedir que se mostrem inteligíveis, pois só dentro desses parâmetros se pode mover a atividade decisória. Não alegando uma só norma que sustentasse a sua pretensão, mas sim factos de cuja prova nunca fez, por serem falsos, tal como é o de que a Administradora Judicial omitiu “atos que só beneficiam o devedor e os seus (familiares) credores [do insolvente]” e o de que supostamente protelou a venda dos bens.
DDD- O que significa que a Administradora Judicial veio a ser destituída com base num pedido suportado por uma causa de pedir que não se encontrava suficientemente densificada, fundamentada e, sequer, ancorada, num suporte legal (pelo menos explícito).
EEE- Mas antes em factos falsos e/ou, pelo menos, duvidosos.
FFF- Tendo, apenas, o Requerente, fundado a sua pretensão de destituição da Administradora Judicial nos artigos 56.º do CIRE e no artigo 21.º do EAI. lançando mão de normas que explicitamente, apenas se reportam à justa causa de destituição.
GGG- Com efeito, é necessário alegar os factos e as normas em que essa justa causa se consubstancia.
HHH- O que não foi feito!
III- Motivo pelo qual deverá ser a petição inicial que deu origem ao incidente considerada inepta, nos termos do artigo 186.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil.
JJJ- E, em sua consequência, determinada a nulidade de todo o processo, neste caso, do incidente (artigo 186.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
KKK- Acontece, no entanto, que tal nulidade deveria ter sido apreciada até ao momento em que foi proferido despacho que pôs termo ao incidente, nos termos do artigo 200.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
LLL- O que não sucedeu.
MMM- Pelo que a sentença deverá ser considerada nula, porquanto a falta de inteligibilidade, clareza e concretização fáctico-legal da causa de pedir do Requerente deveria ter sido apreciada pelo Mmo. Juiz, enquanto questão que, salvo melhor entendimento, deveria apreciar.
NNN- Tudo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, segundo o qual “É nula a sentença quando (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
OOO- Ora, diferente entendimento, deveria o Mmo. Juiz ter-se pronunciado até à decisão final acerca da insuficiência da causa de pedir, e consequente ineptidão da petição inicial.
PPP- Face à natural influência que a causa de pedir sempre terá na decisão final.
QQQ- Não o tendo feito, tem a Recorrente legitimidade para vir arguir a nulidade da decisão, pois o artigo 615.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, estabelece o seguinte: “as nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades”.
RRR- Assim, deverá a sentença de que ora se recorre ser considerada nula e, em consequência, a Administradora Judicial deverá permanecer em funções no processo de insolvência de C..
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Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que vem a sentença de que ora se recorre repetidamente dizer que a Administradora Judicial violou gravemente os seus deveres ao não resolver uma série de negócios que deveria ter resolvido, nos termos dos artigos 120.º e seguintes do CIRE.
SSS- Contudo, não lhe assiste, salvo o devido respeito, qualquer razão. Porquanto,
TTT- No início de cada processo de insolvência em que é nomeada, a Administradora Judicial diligencia sempre junto da Conservatória do Registo Comercial, Predial e Automóvel e do Serviço de Finanças, no sentido de apurar o património susceptível de apreensão para a massa insolvente e quando consegue confirmar a existência de algum património, apenas lhe é comunicado o património atual, não lhe sendo facultada qualquer lista de património que já foi detido pelo insolvente.
UUU- Apenas teve conhecimento dos imóveis sobre os quais haviam sido celebrados os negócios invocados pelo credor HERDEIROS DE D., em sede de embargos à insolvência deduzidos no mês de Abril de 2015.
VVV- Por seu lado, a sentença proferida nos embargos à insolvência, determinou que “os embargantes não lograram carrear para os autos qualquer documento que se assumisse como um princípio de prova da desconformidade entre a vontade declarada e a vontade real, ao contrário do que se lhes impunha (cfr. artigo 342.º, n.º1, Código Civil).
“Aliás, as cópias dos cheques de fls. 154-156 e 199 vêm credibilizar a convergência entre a vontade declarada e a vontade real nos identificados atos notariais de alienação de bens, pela correspondência dos montantes neles apostos e os valores discriminados nas escrituras públicas.” “verifica-se que não decorre da factualidade provada que os referidos G., I, e J. não tivessem concedido ao embargado um empréstimo no montante de 150.000,00 €, ao contrário do que declararam, e que tivessem actuado com o intuito de enganarem terceiros”.(…) “Por outro lado (…) também aqui não ficou evidenciada a propalada desconformidade entre a vontade declarada de alienação dos imóveis identificados nos factos provados n.ºs 10, 12, 13, e 14 e a vontade real dos intervenientes nos respectivos atos notariais, e que estes tivessem agido com a intenção de enganarem terceiros.”
WWW- O que significa que, ainda que lhe tivesse sido concedido mais tempo para levar a cabo a resolução dos negócios jurídicos, a Administradora Judicial não viu como fundamental tal resolução.
XXX- Isto porque, não estando verificada uma verdadeira má fé, na aceção do artigo 120.º do CIRE, seria sempre conveniente aguardar ordens concretas do Tribunal para resolver os ditos negócios.
YYY- Com efeito, parece decisiva a afirmação segundo a qual os intervenientes nos negócios não agiram nunca “com a intenção de enganarem terceiros”.
ZZZ- Não se tendo assim verificado o preenchimento dos requisitos exigíveis para o preenchimento do conceito de simulação, vertido na lei civil.
AAAA- Ora, se por um lado é certo que a prova da má-fé sai facilitada no n.º 4 do artigo 120.º do CIRE, certo é também que deverá deixar de ter em conta os indícios concretos do caso.
BBBB- Ou seja, que má-fé pode existir num negócio celebrado entre duas pessoas que não quiseram mais do que, respetivamente, comprar e vender?
CCCC- Falha, na decisão de destituição, a verificação de que a Administradora da Insolvência/recorrente não detinha o poder/dever de resolver atos jurídicos de transmissão patrimonial pata os quais falhava o pressuposto da prejudicialidade. Assim,
DDDD- Cabe sempre à Administradora da Insolvência apreciar a verificação das condições passíveis de sustentar/fundamentar a resolução de atos jurídicos nos termos dos art.ºs 120.º, 121.º e 123.º do CIRE,
EEEE- Sob pena de, avançando arbitrariamente para a resolução de atos jurídicos sem cuidar da aferição/análise da verificação dos pressupostos que sustentam tal resolução, onerar a massa insolvente com ações impugnatórias permitidas pelo art.º 125.º do CIRE ou com as ações de reconhecimento da verificação dos pressupostos das resoluções previstas no art.º 126.º, n.º 2 do mesmo dispositivo,
FFFF- carreando ao processo despesas de patrocínio forense, tributação judicial e de administração da massa cujo retorno ficaria sempre dependente do vencimento das ações judiciais, a que acresce o inevitável decurso de anos para o julgamento dessas mesmas ações judiciais, onerando temporalmente a massa insolvente e a conclusão do processo de insolvência;
GGGG- No que tange à verificação do critério PREJUDICIALIDADE, os quais, no caso concreto dos atos dados na decisão recorrida enquanto resolúveis, sequer são passíveis de serem dados enquanto inilidíveis por força da inverificação dos fatores temporais e fatores-índice elencados no art.º 121.º, n.º 1 do CIRE,
HHHH- A eventual resolução de tais atos encontrar-se-ia dependente da sustentação – que caberia inexoravelmente à massa insolvente – fáctica dos elementos essenciais da resolução,
IIII- Porquanto compete à massa insolvente alegar os factos que a lei, eventualmente, considera fazerem presumir a prejudicialidade tipificada no art.º 121.º do CIRE, competindo-lhe, ainda, articular os factos essenciais e concretos, que se inserem na previsão normativa que acolhe o direito, e alegar os factos constitutivos desse mesmo direito. De facto, limitar-se a Administradora da Insolvência a invocar a venda, a data e o seu objecto, omitindo quaisquer factos integradores da presunção de prejudicialidade, veria naufragar o direito de resolução eventualmente invocável;
JJJJ- Tal como defende Fernando Gravato Morais in Resolução em Beneficio da Massa Insolvente, Almedina, 2008, pp. 47 “Os actos resolúveis não se configuram, nem são havidos, como actos inválidos, seja do ponto de vista formal, seja sob o prisma substancial, atendendo, naturalmente, à inexistência de vícios que os afectem.”;
KKKK- Apenas se só se encontrarem em questão actos enquadráveis em alguma das alíneas do nº 1 do art.º 121.º do CIRE é que o Administrador Judicial / Insolvência se encontra dispensado da alegação de tais fundamentos – da prejudicialidade e da má-fé do terceiro, que se presumem juris et de jure -bastando-lhe, nesses casos, a indicação precisa do negócio que é objecto do acto resolutivo – cfr., neste sentido, Carvalho Fernandes, in Efeitos Substantivos Privados da Declaração de Insolvência, Colectânea de Estudos sobre a Insolvência, 2009, pp. 203-207, Gravato Morais, in Resolução em Beneficio da Massa Insolvente, Almedina, 2008, pp. 164 e Acórdãos do STJ de 12.07.2011 e de 17.09.2009, Acórdão da Relação do Porto de 17.01.2012, Acórdão da Rel. de Lisboa de 15.04.2010, Acórdão da Relação de Coimbra de 24.05.2011, e Acórdão da Relação de Guimarães de 26.03.2009, todos encontráveis in www.dgsi.pt
LLLL- É que os fundamentos subjacentes às eventuais resoluções comunicadas pela Administradora da Insolvência não podem ser dados a conhecer à contraparte que a pretende impugnar apenas no decurso da acção de impugnação dessa resolução por ela interposta no articulado de contestação nesta apresentado pela massa insolvente, ao invés, antes têm de chegar ao conhecimento da contraparte/destinatária da resolução antes da propositura de tal ação de impugnação, ou seja, através da carta resolutiva, pois, só assim a impugnante poderá esgrimir em tal ação de impugnação os seus argumentos por forma a demonstrar a insubsistência do acto resolutivo;
MMMM- Nos termos da jurisprudência maioritária, “…a acção de impugnação da resolução prevista no art. 125º do CIRE é uma acção de simples apreciação negativa, visando a demonstração da inexistência ou a não verificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo AI na carta resolutiva, cabendo, por isso, à massa insolvente o ónus da prova da verificação dos pressupostos da resolução operada pelo AI e não ao impugnante a prova de que tais pressupostos não se verificam, em consonância com plasmado no nº 1 do art. 343º do CCiv.” – cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 27.11.2012, in, Apelação nº 4694/08.0TBSTSO.P1 encontrável em http://www.trp.pt/
NNNN- No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Justiça proferido em 25.02.2014 no âmbito do Processo n.º 251/09.2TYVNG-H.P1.S1 relatado pela Egrégia Juíza Conselheira Ana Paula Boularot e encontrável em http://www.trp.pt/, tomou-se posição sobre a questão (vide o referido supra).
OOOO- In casu, nenhuma das transações operadas pelo insolvente permitiam à aqui recorrente concluir pela prejudicialidade de tais atos, a qual, no contexto temporal apurado, não se presumia.
PPPP- Por outro lado, parece claramente desproporcionada a decisão da qual ora se recorre, segundo a qual, a Administradora Judicial deverá ser destituída.
QQQQ- Isto porque, desde o primeiro momento em que começou a trabalhar no processo, sempre desempenhou as suas funções de maneira empenhada e dedicada. Com efeito, desde a data da prolação da sentença de insolvência nos presentes autos, tomou as seguintes providências tendentes à liquidação do ativo, a. No dia 15 de Setembro de 2015, juntou ao processo o auto de apreensão de bens imóveis, no qual elencou os prédios inscritos nas respectivas matrizes prediais sob os artigos 337.º (urbano), 1134.º (urbano), 739.º (urbano), 524.º (rústico), 315.º (rústico), 788.º (rústico), 2594.º (rústico), 5176.º (rústico), 5171.º (rústico), 5173.º (rústico), 5174.º(rústico), 5175.º (rústico), 5172.º (rústico), tendo igualmente requerido a emissão da certidão judicial para efeitos de registo predial;
b. No mesmo dia 15 de Setembro de 2015, deu conhecimento, por carta registada, ao Serviço de Finanças de… de que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de … se encontram em desconformidade com as respetivas matrizes, apresentando-se estas em nome de terceiros, motivo pelo qual a titularidade dos mesmos deveria ser alterada para o nome do insolvente;
c. No dia 06 de Outubro de 2015, deu conhecimento ao Ilustre Mandatário do insolvente de que tentou, sem sucesso, averbar os prédios rústicos supra indicados, dado que, segundo informação veiculada pelo mencionado Serviço de Finanças, as matrizes em questão já não correspondem às matrizes actuais, em resultado de alteração havida no anode 1988. Pelo que solicitou ao Ilustre Mandatário que o insolvente se deslocasse aos ditos préditos e procurasse descobrir, com a ajuda dos proprietários dos prédios vizinhos, os números das matrizes prediais actuais. Em resposta, foi dito à Administradora Judicial que o insolvente desconhecia a existência dos prédios, não sabendo onde os mesmos se situam ou até se foram verbalmentevendidos a terceiros, motivo pelo qual não lhe seria possível colaborar com a Administradora judicial;
d. No dia 10 de Novembro de 2015, deu a Administradora Judicial cumprimento ao artigo 164.º, n.º 1 do CIRE, tendo remetido e-mail à mandatária do credor com hipoteca constituída sobre o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 180.º, a fim de se pronunciar sobre a modalidade de venda do mesmo;
e. No dia 30 de Novembro de 2015, a Administradora procedeu à junção, ao processo de insolvência, das certidões comprovativas do registo da declaração de insolvência sobre os prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números 160 e 4437 e sobre o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1230;
f. No dia 02 de Dezembro de 2015, em face da ausência de resposta da Ilustre Mandatária do credor hipotecário do prédio com a descrição n.º 160 na Conservatória do Registo Predial, voltou a Administradora a insistir no sentido de obter pronúncia nos termos do artigo 164.º, n.º1 do CIRE;
g. No dia 11 de Dezembro de 2015, foi enviado e-mail ao Exmo. Sr. Eng. Rui, no sentido de se obter o relatório de avaliação dos prédios rústicos cujas matrizes já não têm correspondência com as actuais;
h. No dia 08 de Janeiro de 2015, a Administradora Judicial contactou o Instituto de Financiamento de Agricultura e Pescas, I.P., a fim de ser concretizada a transferência do montante de 868,81 € para o NIB da massa insolvente, valor esse que se encontrava retido no mencionado Instituto;
i. No dia 19 de Janeiro de 2016 requereu ao Tribunal a marcação de assembleia de credores para efeitos de aprovação de um acordo judicial dependente do consentimento dos credores da massa insolvente no processo n.º 68/14.2T8VRL, em que o insolvente é reu, tudo nos termos do artigo 161.º do CIRE; tal acordo foi aprovado em assembleia de credores realizada no dia 01 de Fevereiro de 2016.
j. Por diversas vezes, a Administradora Judicial informou os autos de insolvência das diligências de liquidação que levou a cabo, sempre que assim foi solicitado pelo Mmo. Juiz, sendo certo que nessas diligências se incluem tanto aquelas que foram enumeradas, como outras de menor relevo, tais como abertura de conta bancária da massa insolvente, ou as várias comunicações acerca destino a dar ao valor das rendas pagas ao insolvente, bem como a respectiva apreensão, e as quais, por questões de economia de exposição, se opta por não se descrever de modo exaustivo;
k. No decurso do processo de insolvência deu-se ainda sistemático cumprimento ao preceituado nos artigos 129.º, 153.º, 154.º, 155.º e 188.º, n.º 3 do CIRE.
RRRR- Todas estas diligências podem revelar tudo, menos incumprimento de qualquer dever que seja, ou falta de vontade em resolver rapidamente o processo Não se pode afirmar que a Administradora Judicial teve como propósito o de atrasar o rumo normal do processo e/ou o de favorecer determinadas pessoas em detrimento de outras.
SSSS- Pois todos os atrasos verificados na apreensão de bens e liquidação do ativo prenderam-se, sobretudo com as dificuldades encontradas pela Administradora Judicial em registar imóveis para o acervo da massa insolvente. Dificuldades essas relacionadas com o facto de não dispor de matrizes corretas e atuais de certos prédios. Por isso mesmo, e não por qualquer outra razão, é que a Administradora Judicial foi forçada, inclusivamente, a solicitar junto do Serviço de Finanças, o competente averbamento dos prédios, de modo a poder efetivar o registo, em obediência ao artigo 28.º do Código do Registo Predial, já que de outra maneira lhe é vedado fazê-lo.
TTTT- Tendo inclusivamente solicitado a ajuda do insolvente para descobrir com exatidão o número dos artigos matriciais, tendo-lhe aquele afirmado não estar em condições de colaborar por desconhecimento. Por outro lado, tal colaboração foi solicitada, até, por um outro motivo: uma vez que os prédios rústicos em questão se situam, segundo sabe a Administradora Judicial, em zonas de difíceis acessos e deficientemente delimitadas, pretendia aquela saber também do insolvente o estado atual dos prédios.
UUUU- O que significa que a colaboração do insolvente – que era, em teoria, a única pessoa que estaria em condições reais de conhecer as características dos imóveis – se mostraria indispensável não só para que se procedesse ao registo dos mesmos a favor da massa insolvente, mas também para se aferir, a curto/médio prazo, das possibilidades reais de venda.
VVVV- Diga-se ainda que a Administradora Judicial tem sempre observado o disposto no artigo 55.º do CIRE, nos termos do qual, tem preparado o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, tendo vindo a prover pela conservação e frutificação dos direitos do insolvente, garantindo, designadamente, a manutenção de um contrato de arrendamento até ao último momento possível.
WWWW- Tendo em tais tarefas sido sempre coadjuvada por técnicos e outros auxiliares – como é o caso do Perito Avaliador dos prédios rústicos –, incluindo o próprio devedor, solicitando-lhe a necessária colaboração sempre que necessário, tudo nos termos conjugados no disposto nos artigos 55.º, n.º 3 e 83.º, n.º1, al. a), todos do CIRE.
XXXX- Acresce que, no decurso da realização de tais tarefas, tem sido também o desempenho da Administradora Judicial, salvo melhor entendimento, sempre fiscalizado no decurso do processo de insolvência pelo Mmo. Juiz, que, nos termos do artigo 58.º do CIRE, tem periodicamente solicitado informações sobre o estado da liquidação do ativo, as quais sempre têm sido prestadas pela Administradora Judicial.
YYYY- Por outro lado, é certo que o artigo 109.º do CIRE foi igualmente observado pela Administradora Judicial, porquanto o contrato de arrendamento mediante o qual têm vindo a ser apreendidas rendas para o acervo da massa insolvente, não foi suspenso.
ZZZZ- Tendo sido assim respeitado um princípio basilar em sede da liquidação do ativo: o dos efeitos sobre os negócios em curso (artigos 102.º e ss. do CIRE).
AAAAA- Bem como todos os outros princípios inerentes a essa fase processual: desde o facto de logo a partir do trânsito em julgado da sentença de insolvência (e ainda antes) ter a Administradora Judicial diligenciado, com prontidão para a venda dos bens apreendidos para a massa insolvente (artigo 158.º, n.º 1 do CIRE), até à solicitação de consentimento para a elaboração de um acordo judicial em processo no qual o insolvente foi réu (artigo 161.º do CIRE).
BBBBB- Por fim, diga-se também que os prazos da liquidação não se encontram esgotados. De acordo com o artigo 169.º do CIRE: “a requerimento de qualquer interessado, o juiz decretará a destituição, com justa causa, do administrador de insolvência, caso o processo de insolvência não esteja encerrado no prazo de um ano contado da data da assembleia de apreciação do relatório, ou no final de cada período de seis meses subsequente, salvo havendo razões que justifiquem o prolongamento”.
CCCCC- O preceito é claro: apenas haverá destituição do Administrador Judicial, caso o processo não esteja encerrado no prazo de um ano a contar da data da assembleia de credores, ou no final de cada período de seis meses subsequente! E a assembleia de credores, seguramente, não foi realizada há um ano, mas há bem menos tempo (14 de Julho de 2015).
DDDDD- E a norma acrescenta um requisito cumulativo, que é o da existência de “justa causa” da destituição. Mas o que se entende por justa causa?
EEEEE- Melhor refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23 de Outubro de 2014 que “A justa causa é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do administrador que, pela sua gravidade, inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções”, devendo ser “apreciada em concreto, face à factualidade que se provar, tendo em conta os vários aspetos relacionados com o exercício das suas funções”.
FFFFF- Referem ainda Luís Carvalho Fernandes e João Labareda que esta disposição cobre aqueles casos em que se “verifica a inaptidão ou incompetência para o exercício do cargo, traduzidas na administração ou liquidação deficientes, inapropriadas ou ineficazes da massa e, segundo o entendimento que temos por correcto, aqueles que traduzam uma situação em que, atentas as circunstâncias concretas, é inexigível a manutenção da relação com ele e infundada a possível pretensão do administrador de se manter em funções”.
GGGGG- Salienta o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto do dia 04 de Fevereiro de 2014, proferido no processo 197/09.4TYVNGAY. P1, vai mais longe, concretizando: “a dita gravidade [fundamentante da justa causa] deve ser aferida perante o circunstancialismo concreto em que se insere a conduta a avaliar, tendo presente aquilo que, nesse contexto, seria objectivamente exigível a um gestor de bens alheios leal, criterioso, isento e cooperante quer com todos os demais órgãos da insolvência, quer com o tribunal”.
HHHHH- Resulta da leitura de tais acórdãos que, de modo algum, o seu teor se pode aplicar ao caso concreto. Porquanto, IIIII- Nunca houve da parte da Administradora Judicial qualquer motivação de protelar injustificada e dolosamente o apenso da liquidação do activo ou qualquer outro apenso do processo de insolvência.
JJJJJ- Nunca teve qualquer intenção de exercer as suas funções de modo parcial, beneficiando quem quer que fosse, e materializando tal intenção no entorpecimento do andamento da causa.
KKKKK- Nunca recusou cooperar com o tribunal,
LLLLL- Sempre justificando devidamente aqueles casos em que, pura e simplesmente, não o pôde fazer.
MMMMM- E sempre observado escrupulosamente os seus deveres plasmados no CIRE e no EAI.
NNNNN- Indexando estes factos ao direito os termos imperativos do CIRE – cfr. art.º 56.º, n.º 1 do CIRE – a Administradora da Insolvência APENAS pode ser destituída, justificadamente;
OOOOO- Na conjugação dos factos supra narrados e do direito aplicável, não sobrevém justa causa para a destituição da Administradora da Insolvência, mormente, emergente da FUNDADA razão exigida pelo art.º 56.º, n.º 1 do CIRE, falando, ainda, pela signatária, os anos e o rol de processos em que, intervindo enquanto Administradora da Insolvência, sempre desempenhou as suas funções com zelo, diligência, profissionalismo e reconhecimento de tal trabalho por parte dos diversos intervenientes processuais. É que, dispõe o art.º 56.º do CIRE que o Juiz pode a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência se fundadamente existir justa causa;
PPPPP- O fundamento invocado – justa causa – constitui-se enquanto conceito indeterminado, cuja interpretação passa pela consideração dos deveres e funções que o administrador da insolvência é chamado a exercer no processo de insolvência;
QQQQQ- A Administradora da Insolvência tem a seu cargo a função de administrar, gerir e praticar atos de disposição de bens, que pertencem a um património autónomo, com o fim exclusivo de satisfazer as dívidas dos credores e tais funções devem ser exercidas com a máxima transparência e isenção e é o carácter funcional dos poderes que são atribuídos ao Administrador da Insolvência que condiciona o regime de destituição;
RRRRR- Na jurisprudência produzida sobre a matéria em causa podem ler-se entre outros os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 29.04.2009 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 16.04.2009 encontráveis em www.dgsi.pt, mostrando-se determinado, neste último acórdão, a interpretação da expressão “justa causa”,
SSSSS- Neste contexto a requerida destituição da Administradora da Insolvência não encontra justificação suficiente;
TTTTT- Os procedimentos da Administradora da Insolvência não revestem a gravidade que inviabilize em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções e por isso, não se pode concluir que exista “justa causa” para a destituição das funções para as quais foi nomeada ;
UUUUU- Dispondo o Estatuto do Administrador Insolvência –actual Lei n.º 22/2013 de 22 de Fevereiro – que o Administrador da Insolvência deve 1. no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidor da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se digno de honra e das responsabilidades que lhe são inerentes – cfr. art.º 12.º, n.º 1 da citada Lei – 2. manter sempre a maior independência e isenção, não prosseguindo quaisquer objectivos diversos dos inerentes ao exercício da sua actividade – cfr. art.º 12.º, n.º 2 da citada Lei – razões pelas quais a Administradora da Insolvência colocada em causa tem a seu cargo a função de administrar, gerir e praticar actos de disposição de bens, que pertencem a um património autónomo, com o fim exclusivo de satisfazer as dividas dos credores e tais funções devem ser exercidas com a máxima transparência e isenção, é neste quadro normativo que tem de ser avaliada, em concreto a eventual justa causa de destituição da Administradora da Insolvência;
VVVVV- Na jurisprudência sobre a matéria em causa distinguem-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.04.2009 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16.04.2009, aresto do qual se extrai a interpretação da expressão “justa causa” quando ali é referido - encontrável em www.dgsi.pt –
WWWWW- Logo, a destituição da Administradora da Insolvência/respondente está relacionada com o bom desempenho das funções que lhe são atribuídas no âmbito do processo de insolvência, enquanto servidora da Justiça e do Direito. E, ponderados os argumentos do respondente da decisão, outra conclusão se não tira que a da não justificação da destituição da Administradora da Insolvência, aqui recorrente.
XXXXX- A decisão recorrida, sem embargo do julgamento da nulidade invocada, violou o disposto nos art.ºs 56.º, n.º 1, 120.º, 121.º e 123.º do CIRE, no art.º 3.º, n.º 3 do NCPCivil e os princípios da cooperação e da observância dos deveres de actuação em boa-fé e de correcção processual contidos nos artigos 266.º, 266.º-A e 266.º-B, todos do NCPCivil
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Recorreu da decisão também o Insolvente Eugénio Augusto Pinto, concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
1ª O recorrente interpõe o presente recurso da decisão judicial que antecede, na parte relativa à destituição da Sra. Administradora Judicial.
2ª Incorreu o douto tribunal em violação do princípio do contraditório, porquanto não permitiu que os credores se pronunciassem relativamente ao requerimento apresentado pelos credores Herdeiros da herança aberta por óbito de D., nos termos do disposto nos artigos 3º, n.º 3 do CPC ex vi do artigo 17º do CIRE.
3ª O douto Tribunal proferiu o despacho do qual ora se recorre sem ter notificado os restantes credores, G., I. e marido … e J. do requerimento de destituição apresentado pelos credores Herdeiros da herança aberta por óbito de D..
4ª É certo que no presente processo não existe comissão de credores, porquanto aquando da prolação da sentença de insolvência entendeu o douto tribunal a quo que atendendo à dimensão da massa insolvente, não se procederia, por ora, à nomeação da comissão de credores, nos termos do disposto no artigo 66º, n.º 2 do CIRE.
5ª Todavia, apesar de nos presentes autos não existir comissão de credores, entende o Recorrente que deveriam os restantes credores ter sido notificados do requerimento apresentado nos presentes autos onde foi requerida a destituição da AI para exercerem o direito ao contraditório, tudo nos termos do disposto nos artigos 3º, n.º 3 do CPC ex vi do artigo 17º do CIRE.
6ª In casu, consideram-se os restantes credores como partes no presente processo de insolvência, uma vez que são sujeitos processuais, com intervenção no processo, uma vez que reclamaram os seus créditos e os mesmos lhe foram reconhecidos.
7ª Além disso, se o legislador quis assegurar que a comissão de credores fosse ouvida, pressupõe-se que quando ela não exista dada a dimensão da massa insolvente e ao reduzido número de credores, devam ser estes ouvidos nos mesmos termos em que o seria a comissão de credores.
8ª A função da comissão de credores é precisamente representar todos os credores no processo de insolvência, fiscalizando a atividade do administrador de insolvência e prestar-lhe colaboração – vide artigo 68º, n.º 1 do CIRE.
9ª Por maioria de razão, não existindo comissão de credores compete também aos próprios credores por si, exercerem essa atividade de fiscalização e dever de colaboração com o AI.
10ª Pelo que, entende o Recorrente que nunca poderia ter sido preterido o direito de exercício do contraditório por parte dos credores relativamente a uma questão tão importante como esta – máxime – a destituição da Administradora de Insolvência.
11ª Por outro lado, ditam os princípios gerais do direito processual civil, que deve ser sempre dada a oportunidade à parte contrária ou interveniente processual de exercer o direito ao contraditório, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 3º, n.º 3 do CPC, aqui com aplicação em virtude do disposto no artigo 17º do CIRE que remete subsidiariamente para a lei processual civil.
12ª De tal forma, entendemos que deveria o douto tribunal ter cumprido com o princípio do contraditório e nesses termos deveria ter notificado os credores G., I. e marido … e J. do requerimento de destituição da Administradora de Insolvência apresentado pelos credores Herdeiros da herança aberta por óbito de D..
13ª Ora, não o tendo feito, incorreu o douto tribunal em violação do disposto no artigo 3º, n.º 3 do CPC, aqui com aplicação em virtude do disposto no artigo 17º do CIRE, o que configura uma nulidade processual nos termos do disposto no artigo 195º do CPC, que expressamente se argui, com as necessárias consequências legais daí advenientes, designadamente a anulação do ato bem como dos termos subsequentes que dele dependam absolutamente.
14ª Pelo exposto, o presente despacho deverá ser anulado por violação do disposto no artigo 3º, n.º 3 do CPC, aqui com aplicação em virtude do disposto no artigo 17º do CIRE, e 195º do CPC.
15ª Entende o tribunal a quo que deveria a Sra. Administradora de Insolvência ter procedido à resolução em benefício da massa dos negócios feitos pelo Insolvente, designadamente da escritura de mútuo com hipoteca outorgada em 26.07.2013 no Cartório Notarial de ….
16ª O tribunal a quo fundamenta a justa causa de destituição no facto de não ter a Administradora de Insolvência procedido à resolução em benefício da massa insolvente desse ato de constituição de uma garantia real, por reporte ao disposto nos artigos 49º, n.º 1, al. b), 120º, n.º 1, 2 e 4 e 123º, n.º 1 do CIRE.
17ª Ora, salvo o devido respeito nenhuma razão assiste ao tribunal a quo, conforme iremos explicar.
18ª Ora, conforme se explicou a justa causa para a destituição do AI constitui um conceito vago e indeterminado que abrange naturalmente a violação grave dos deveres do administrador, mas também quaisquer outras circunstâncias que tornem objetivamente insustentável a sua manutenção no cargo – vide Código de Insolvencia anotado por Luís Manuel Teles Menezes Leitão.
19ª In casu, considerou o douto tribunal que existe justa causa para a destituição da AI, em virtude de esta não ter resolvido o ato de constituição de garantia real sobre o imóvel do Insolvente.
20ª Entendemos que não existe justa causa para a destituição da AI, porquanto não existiu a violação de quaisquer normas legais, de quaisquer prazos ou de quaisquer formalidades a que a AI estivesse obrigada.
21ª O que sucedeu, foi que, entendeu o tribunal a quo que deveria a AI ter resolvido o negócio nos termos do disposto nos artigos 49º, n.º 1, al. b), 120º, n.º 1, 2 e 4 e 123º, n.º 1 do CIRE.
22ª Com o devido respeito, nenhuma razão assiste ao tribunal a quo porquanto a Sra. AI nenhuma razão tinha para resolver o contrato de mútuo com hipoteca porquanto o mesmo não evidencia que seja prejudicial à massa na medida em que, é pelo contrário, uma dívida da massa, e não uma dissipação de património.
23ª O facto de a hipoteca ter sido registada no prazo de dois anos anteriores à apresentação do devedor à insolvência não demonstra a prejudicialidade para a massa uma vez que na própria escritura de mútuo com hipoteca constitui uma dívida do insolvente e uma hipoteca sobre um imóvel da massa e não uma compra e venda ou doação.
24ª Além disso, a questão da má fé dos terceiros por serem pessoas especialmente relacionadas com o devedor não pode ser analisada sem prova em contrário, porquanto trata-se de uma presunção ilidível.
25ª A tudo isto acresce o facto de ter resultado provado nos embargos à insolvência prova bastante que demonstra o contrário.
26ª Ou seja, naquela sentença de Embargos à Insolvência “verificou-se que não decorre da factualidade provada que os referidos G., I.e J. não tivessem concedido ao embargado um empréstimo no montante de € 150.000,00 ao contrário do que declararam, e que tivessem atuado com o intuito de enganarem terceiros – cfr. facto não provado n.º 2 e a respetiva fundamentação.”
27ª Pelo exposto, e contrariamente àquilo que o tribunal a quo agora decidiu, não podemos ignorar os factos provados na sentença de embargos à insolvência e deixar de transmutar para os presentes autos tais factos e conclusões.
28ª Assim sendo, se foi considerado provado que o devedor recebeu a título de empréstimo por parte dos irmãos a quantia de € 150.000,00 sobre a qual constituiu uma hipoteca a favor destes não vemos a razão para que seja considerado um negócio imbuído de má-fé e por isso sujeito à resolução em benefício da massa nos termos dos artigos 49º, n.º 1, al. b), 120º, n.º 1, 2 e 4 e 123º, n.º 1 do CIRE.
29ª Pelo exposto, inexistindo razões à AI para resolver o negócio em virtude da sentença proferida no processo de embargos à insolvência, não vemos razão para que o tribunal a quo considere existir justa causa para a destituição da AI no presente processo.
30ª Porquanto, não foi essa a conclusão retirada da sentença de embargos à insolvência, mas antes foi a de que não se provou que as escrituras de compra e venda efetuadas pelo Insolvente e o contrato de mutuo com hipoteca tivessem sido realizadas com o intuito de enganarem terceiros, inexistindo assim má-fé de terceiros que pudesse motivar a resolução dos contratos.
31ª Ainda assim, mesmo que se entendesse que o negócio era prejudicial à massa e que o mesmo deveria ser resolvido, o que só por mera hipótese académica se coloca, nunca a Administradora de Insolvência poderia resolver o contrato de mútuo com hipoteca, pelo seguinte.
32ª Dispõe o artigo 432º, n.º 1 do C.C. que “É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convecção”.
33ª Dispõe ainda o n.º 2 daquele preceito que “ A parte, porém, que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em condições de restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato”.
34ª Sabendo ainda que os efeitos da resolução do contrato são os previstos para a nulidade ou anulabilidade – vide artigo 433º do CC.
35ª Dispõe o artigo 289º, n.º 1 do CC “ Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.
36ª Em adição, dispõe também o artigo 126º do CIRE sobre os efeitos da resolução remetendo para as regras do Código Civil, designadamente as normas supra citadas.
37ª Pelo exposto, sabendo dos efeitos da resolução dos negócios, como é que a Administradora de Insolvência iria restituir aos credores, irmãos do Insolvente, tudo quando emprestaram ao Insolvente, mais precisamente € 150.000,00.
38ª Acresce que segundo o disposto no n.º 2 do artigo 432º do CC a parte que não puder restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato, o que significa que não pode o Insolvente, nem a Sra. Administradora de Insolvência resolver o contrato de mútuo com hipoteca, uma vez que não pode o Insolvente nem a AI restituir aos credores aquilo que recebeu.
39ª Pelo exposto, também por este motivo, nunca poderia a Sra. AI proceder à resolução dos negócios.
40ª Pelo exposto, ao assim decidir violou o tribunal a quo o disposto nos artigos 56º, 49º, n.º 1, al. b), 120º, n.º 1, 2 e 4 e 123º, n.º 1 do CIRE.


Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser julgado procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, seguindo-se os demais termos legais, assim se fazendo a costumada e boa JUSTIÇA.
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Foram apresentadas contra-alegações pelo Exmo. Magistrado do Ministério Público, onde concluiu que.
1- Nos termos do art.º 56.º, n.º1, do CIRE, o Juiz pode, a todo o tempo, destituir o Administrador da Insolvência e substituí-lo por outro, se ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio Administrador da Insolvência, fundamentadamente considerar existir justa causa.
2- Não existe qualquer nulidade derivada da não audição individual dos demais credores, ou do não cumprimento do contraditório - o qual não se aplica na situação em apreço.
3- O credor Herdeiros de D., através de requerimentos consecutivos insistiu de forma veemente para que fossem resolvidos a favor da massa insolvente os negócios jurídicos celebrados entre o insolvente e seus familiares.
4- No entanto, a administradora da insolvência não o fez.
5- Importa saber se tal constitui justa causa de destituição nos termos do art.º 56.º, n.º1, do CIRE.
6- A AI tinha o poder-dever de resolver a favor da massa os referidos negócios jurídicos celebrados entre o insolvente e os seus familiares, nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência (art.º 120.º, n.º1, do CIRE).
7- E a tal não o impedia a decisão proferida nos embargos à insolvência.
8- Os negócios jurídicos em causa, celebrados nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, sobretudo o contrato de empréstimo (no valor de €: 150 000) com hipoteca, celebrado em 26/07/2013, entre o insolvente e G., I. e J., são prejudiciais à massa e comprometem a possibilidade de satisfação dos restantes credores face ao escasso valor do património apreendido para a massa.
9- Acresce que se presume a má-fé dos adquirentes, por serem pessoas especialmente relacionadas com o devedor (cfr. artigos 49.º, n.º 1, al. b) e 120.º, n.º 4, do C.I.R.E.).
10- Qualquer que seja a doutrina ou a jurisprudência adoptada, não há como contornar a violação grave dos deveres da administradora da insolvência nos presentes autos.
Pelo exposto, deverá ser negado provimento aos recursos, mantendo-se a decisão recorrida como é de inteira Justiça!
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Sustentou a decisão quanto às nulidades invocadas, o Tribunal de primeira Instância da forma que consta de fls. 2 e ss.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, os Recorrentes colocam as seguintes questões que importa apreciar:
I)-saber se a decisão que constitui o objecto do Recurso é nula por preterir formalidades essenciais prévias à tomada da decisão recorrida, já que o Tribunal não cuidou de ouvir, previamente, os membros credores sobre a intenção de destituir a recorrente/Administradora da Insolvência- ambos os recorrentes colocam esta questão;
II) saber se a decisão que constitui o objecto de recurso é nula porquanto a falta de inteligibilidade, clareza e concretização fáctico-legal da causa de pedir do requerimento inicial do incidente deduzido pelo Requerente e portanto a ineptidão daquele requerimento deveria ter sido apreciada pelo Mmo. Juiz (cfr. arts186.º, n.º 2, alínea a), 186.º, n.º 1 e 200, nº2 do Código de Processo Civil )- tudo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, segundo o qual “É nula a sentença quando (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
III) saber se existe fundamento para decretar a destituição da Administradora de Insolvência, nomeadamente, se os fundamentos invocados pelo Tribunal de Primeira Instância são fundados em justa causa;
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
“A) Factos provados:
1. Por sentença proferida em 16/03/2015, C. foi declarado insolvente.
2. Nos autos que correram termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, sob o n.º 1198/09.8TBVRL, por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 06/05/2013, transitado em julgado, foi o insolvente, no que agora releva, condenado a pagar à herança aberta por óbito de D. o montante a liquidar, com o tecto máximo de € 93.111,51, a título de lucros deixados de auferir pela pensão Mondego entre 30/11/2007 e 30/07/2009 e o quantitativo a liquidar, com o tecto máximo de € 3.740,00, a título de lucros deixados de auferir pela pensão Mondego entre 23/07/2009 e o dia em que se iniciarem as obras em que aquele foi condenado.
3. Corre termos na Instância Central de Execução de Chaves, sob o n.º 15/15.4T8CHV, acção executiva instaurada pela herança aberta por óbito de D. contra o insolvente, para cobrança coerciva do montante de € 3.367,91.
4. Encontra-se registado a favor do insolvente o direito de propriedade, pleno ou em compropriedade, relativamente aos seguintes imóveis sitos no concelho de …:
N.' Art. Mat. Desc. Pred. Freg. Data do reg.
I 315º - R 33 14/05/1987
II 739º- U 288 30/05/1975 e 14/05/1987
UI 788º- R 14/05/1987
255
IV 2594,º - R 109 14/05/1987
V 188º-U 160 14/05/1987
VI 5176,º-R 162 14J05/1987
VII 5171,º-R 163 14/05/1987
VIII .5173.º-R 164 14/05/1987
IX 5174,º-R 165 14/05/1 987
------
X 5175.º-R 166 14/05/1987
XI 5172,º-R 167 14/05/1987

5. Encontra-se registada a alienação pelo insolvente do direito de propriedade, plena ou em compropriedade, a favor de F. relativamente aos seguintes imóveis sitos no concelho de …:

N.' Art, Mat. Desc. Pred, Frcg. Data do reg.
I 131."- U 34 01/08/2013
-- 42º R
II 777 01/08/2013

6. Encontra-se registada a alienação pelo insolvente do direito de propriedade, plena ou em compropriedade, a favor de G., relativamente aos seguintes imóveis sitos no concelho de …:

N." Art. Mat. Desc. Pred. Freg. Data do reg.
I 202."- U 1172 02/10/2013
II 207,º - U 1173 02/10/2013
III 1375.º- R 108 29/10/2013


7. Encontra-se registada a alienação pelo insolvente do direito de propriedade, plena ou em compropriedade, a favor de Fernando Manuel Martins Pinto, relativamente aos seguintes imóveis sitos no concelho de Vila Real:

N" Art.Mat. Dese. Pred. Freg. Data do reg.
I 1467.º -I e 733.º -U 199 22/08/2013
II 2690•º - R 564 22/08/2013

8. Encontra-se registada a alienação pelo insolvente do direito de propriedade, plena ou em compropriedade, a favor de J., relativamente ao seguinte imóvel sito no concelho de …:

N." Art.M.at. Dese. Pred. Freg. Data do reg.
I 802.º- R 271 28/08/1991

9. Encontra-se registada a constituição de uma hipoteca pelo insolvente, a favor de G., I, e J., para garantia de um financiamento, no montante máximo assegurado de € 174.000,00, relativamente ao prédio indicado em 4, sob o n.º V, mediante a apresentação n.º 1903, de 01/08/2013.
10. Por escritura pública outorgada em 26/07/2013, no Cartório Notarial de … (sito na …), o insolvente declarou vender a F., pelo preço global, já recebido, de € 2.035,00, os imóveis identificados em 5, tendo esta declarado aceitar comprar esses bens nos termos exarados.
11. Por escritura pública outorgada em 26/07/2013, no Cartório Notarial de … (sito na …), G., I, e J., declararam conceder ao insolvente um empréstimo no montante de € 150.000,00, na proporção de € 50.000,00 para cada um deles, remunerado à taxa de juro anual de 4 % e a amortizar no prazo de 20 anos, a contar daquela data, declarando o insolvente confessar-se devedor de tal quantia, e, para garantia do cumprimento da obrigação por si assumida, constituiu hipoteca a onerar o imóvel identificado em 4, sob o n.º V, o que foi declarado ser aceite por aqueloutros outorgantes.
12. Por escritura pública outorgada em 14/08/2013, no Cartório Notarial de … (sito na …), o insolvente procedeu à justificação notarial da aquisição por via da usucapião dos imóveis identificados em 6, sob os n.ºs I e II, os quais declarou ainda vender a G., pelo preço global, já recebido, de € 4.030,00, tendo este declarado aceitar comprar esses bens nos termos exarados.
13. Por escritura pública outorgada em 14/08/2013, no Cartório Notarial de … (sito na …), o insolvente declarou vender a H., pelo preço global, já recebido, de € 13.745,03, os imóveis identificados em 7, tendo este declarado aceitar comprar esses bens nos termos exarados.
14. Por escritura pública outorgada em 22/10/2013, no Cartório Notarial de … (sito na …), o insolvente declarou vender a G., pelo preço global, já recebido, de € 400,00, o imóvel identificado em 6, sob o n.º III, tendo este declarado aceitar comprar esse bem nos termos exarados.
15. O insolvente é filho de F..
16. O insolvente é beneficiário de um subsídio designado por “manutenção de actividade agrícola em zona desfavorecida” e de um subsídio designado por “regime de pequena agricultura”, atribuídos pelo I.F.A.P., que perfazem o montante global anual de € 1.343,81.
17. O insolvente aufere uma renda anual no valor de € 5.731,77, relativamente ao imóvel identificado em 4, sob o n.º V.
18. O insolvente consta como titular do rendimento respeitante ao prédio urbano sito na união de freguesia de …. e …, concelho de …, inscrito na matriz predial sob o artigo 1379.º, com o valor patrimonial de € 61.360,00.
19. Em 01/02/1990 o insolvente cedeu à sociedade L., Lda., o direito de exploração do imóvel identificado em 18, mediante o pagamento de uma renda anual no montante de cento e cinquenta mil escudos, para estabelecimento de uma pedreira, pelo período de 1 ano, prorrogável por iguais períodos.
20. Por missiva datada de 30/12/2013, a sociedade L., Lda., declarou denunciar o contrato indicado em 19, com efeitos reportados a 01/02/2014.
21. Os prédios identificados em 4, sob os n.ºs II e V, possuem o valor patrimonial de € 4.080,00 e € 30.970,00, respectivamente.
22. Os prédios identificados em 7, sob o n.º I, possuem o valor patrimonial de € 491,88 e € 23.950,00, respectivamente.
23. Os prédios infra identificados possuem o seguinte valor patrimonial:

N." Art.Mat. Freg. Valor PaI. (€)
I 315." - R 22,19
------
IJ 788." - R 1,73
III 2594.° - R 16,89
IV 5176º-R 0,51
V 517JO-R 9,67
VI 5173.0-R 31,44
VII 5174..0-R 1,53
VIII 5175."-1 7,74
IX 5172."-1 0,82
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X 131.° - U 2.830,00
XI 42."- R 1.220,65
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XII 202"- U 6.350,00
XIII 2072 - U 6.670,00
XIV 1375.° - R 6,11.
xv 2690.0 - R 297,12
XVI 802." - R 6,72

24. H., G. e I. são irmãos do insolvente.
25. No ano de 2011, o insolvente declarou ter auferido, para efeitos de I.R.S., € 6.335,96, a título de rendimentos prediais, que compreende € 5.414,07, referente ao imóvel identificado em 4, sob o n.º V, e € 921,89, relativo ao imóvel identificado em 18.
26. No ano de 2012, o insolvente declarou ter auferido, para efeitos de I.R.S., € 6.499,02, a título de rendimentos prediais, que compreende € 5.547,72, referente ao imóvel identificado em 4, sob o n.º V, e € 951,30, relativo ao imóvel identificado em 18.
27. No ano de 2013, o insolvente declarou ter auferido, para efeitos de I.R.S., € 6.715,03, a título de rendimentos prediais, que compreende € 5.731,77, referente ao imóvel identificado em 4, sob o n.º V, e € 983,26, relativo ao imóvel identificado em 18.
28. No ano de 2013, o insolvente declarou ter auferido, para efeitos de I.R.S., € 1.100,00, a título de subsídio à exploração.
29. O insolvente não entregou qualquer montante aos referidos G., I. e J. por conta do contrato indicado em 11.
30. O insolvente instaurou acção declarativa para entrega do imóvel identificado em 18, a qual corre termos sob o n.º 68/14.2T8VRL, na Secção Cível da Instância Central de Vila Real.
31. Em 10/08/2015 foi proferido despacho liminar de exoneração do passivo restante.
32. Foram relacionados pelo Sr. Administrador da Insolvência os créditos constantes da lista de fls. 3-4 do apenso C, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no montante global de € 256.829,60.
33. No apenso C), em 21/01/2016 foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, transitada em julgado, na qual foram reconhecidos os créditos indicados em 32.
34. Deduzidos embargos à insolvência pela herança aberta por óbito de D., os quais correram termos no apenso A), foi proferido sentença de indeferimento a fls. 203-227, transitada em julgado, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
35. Foram apreendidos à ordem do processo de insolvência os bens e direitos descritos nos autos de fls. 3-4 e 26 do apenso B).
36. O insolvente encontra-se inscrito no Serviço de Finanças de … como desenvolvendo a actividade de criação de equinos, asininos e muares, com início em 01/04/2013.
37. Foi proferido em 12/10/2015 o despacho de fls. 237, no qual consta, no que ora releva: “Face à sua inacção, proceda-se à notificação da Srª. Administradora da Insolvência, para, no prazo de 10 (dez) dias, vir aos autos informar do estado das diligências de liquidação em curso, e, bem ainda, para em idêntico prazo vir aos autos juntar a lista a que alude o artigo 129.º, n.º 1, do C.I.R.E., assim como o parecer a que se refere o artigo 188.º, n.º 3, do C.I.R.E.”.
38. Notificado em 12/10/2015 o despacho referido em 37 à Srª. Administradora da Insolvência, veio esta, em 09/11/2015, apresentar o requerimento de fls. 238v-239, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
39. Na sequência do requerimento aludido em 38, foi proferido em 13/11/2015 o despacho de fls. 240, no qual consta, no que ora releva: “Cabendo à Srª. Administradora da Insolvência promover a realização das diligências de apreensão dos bens integrantes da massa insolvente (cfr. artigo 150.º, n.º 2, do C.I.R.E.), bem como a subsequente liquidação do activo (cfr. artigo 158.º, n.º 1, do C.I.R.E.), e inexistindo elementos que evidenciem que os bens em causa já não pertencem ao insolvente, tanto mais que a sua negociação verbal não constituirá uma forma válida de transmissão de direitos sobre imóveis, deverá a Srª. Administradora da Insolvência proceder à sua apreensão, o que se determina.”
40. Notificado em 13/11/2015 o despacho referido em 39 à Srª. Administradora da Insolvência esta nada veio informar os autos.
41. Foi proferido em 11/01/2016 o despacho de fls. 253, no qual consta, no que ora releva:
“Quanto à apreensão em falta dos referidos bens, antes de mais, determina-se que se proceda à notificação da Srª. Administradora da Insolvência, para, no prazo de 10 (dez) dias, vir aos autos informar do estado da liquidação”.
42. Notificado em 12/01/2016 o despacho referido em 41 à Srª. Administradora da Insolvência, veio esta, em 14/01/2016 apresentar o requerimento de fls. 254, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
43. Na sequência do requerimento aludido em 42, foi proferido em 21/01/2016 o despacho de fls. 280, no qual consta, no que ora releva: “Independentemente do ora explanado, não se mostra justificada a posição assumida pela Srª. Administradora da Insolvência, face ao já decidido em 13/11/2015 (fls. 240). Por esse motivo, volvidos que são dois meses desde aqueloutra decisão, decido conceder à Srª. Administradora da Insolvência o derradeiro prazo adicional de 10 (dez) dias para vir aos autos demonstrar ter dado cumprimento ao disposto no artigo 149.º, n.º 1, al. a), do C.I.R.E., relativamente aos demais bens identificados na sentença proferida no apenso A), sob pena de ser promovida a audição das partes, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 56.º, n.º 1, do C.I.R.E.”.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como supra se referiu as questões que importa apreciar e decidir consistem em:
I)-saber se a decisão que constitui o objecto do Recurso é nula por preterir formalidades essenciais prévias à tomada da decisão recorrida, já que o Tribunal não cuidou de ouvir, previamente, os membros credores sobre a intenção de destituir a recorrente/Administradora da Insolvência;
II) saber se a decisão que constitui o objecto de recurso é nula porquanto a falta de inteligibilidade, clareza e concretização fáctico-legal da causa de pedir do requerimento inicial do incidente deduzido pelo Requerente e portanto a ineptidão daquele requerimento deveria ter sido apreciada pelo Mmo. Juiz (cfr. arts186.º, n.º 2, alínea a), 186.º, n.º 1 e 200, nº2 do Código de Processo Civil) - tudo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, segundo o qual “É nula a sentença quando (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
III) saber se existe fundamento para decretar a destituição da Administradora de Insolvência, nomeadamente, se os fundamentos invocados pelo Tribunal de Primeira Instância são fundados em justa causa;
- estes fundamentos são invocados por ambos os Recorrentes.
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Comecemos por analisar a primeira questão apresentada pelo Recorrente como fundamento do Recurso.
I)-saber se a decisão que constitui o objecto do Recurso é nula por preterir formalidades essenciais prévias à tomada da decisão recorrida, já que o Tribunal não cuidou de ouvir, previamente, os membros credores sobre a intenção de destituir a recorrente/Administradora da Insolvência;

Estabelece efectivamente o art. 56º do CIRE que “…O juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substituí-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa”.
A questão que o(s) Recorrente(s) colocam é a de saber se, não existindo comissão de credores, como sucede no caso concreto, o Tribunal não deve ouvir todos os “ membros credores” do Insolvente.
Ora, a resposta a esta questão, adianta-se já, é negativa, ou seja, “… na falta da comissão de credores, ninguém a substituirá na audição, sendo correspondentemente ineficaz a disposição legal… “(1).
Para chegar a essa resposta, importa ter presente as seguintes considerações.
Em primeiro lugar, importa dizer que no CIRE existem três situações distintas.
Umas vezes, a lei expressamente comete à Assembleia de Credores poderes normalmente inseridos na esfera da competência da Comissão de Credores, quando esta não existe (v. por ex. o art. 161º , nº 1 do CIRE).
Noutras a transferência dos poderes dá-se, por directa determinação da lei, para o próprio Juiz (v. por ex. o art. 158º, nº 2 do CIRE).
Nestas hipóteses, obviamente, não há dúvidas sobre como se efectua a substituição de poderes quando não exista Comissão de Credores constituída.
Acontece que em muitas outras situações o CIRE limita-se a prever a intervenção da Comissão de Credores sem contudo esclarecer o que ocorre quando no caso de ela não existir (é o que sucede justamente no art. 56º do CIRE; mas também por exemplo nos arts. 64, nº1 e 156º , nº1 do CIRE).
Poder-se-ia defender nestes casos que, não existindo Comissão de Credores, os poderes transitariam para a Assembleia – cfr. art. 80º do CIRE (entendem os Recorrentes, no entanto, que transitariam para cada um dos credores).
Sucede que “… a análise dos diversos preceitos em causa mostra que, em alguma das situações consideradas, atentas a sua natureza ou circunstâncias e as finalidades visadas pela Lei, os poderes em questão apenas podem, real e eficazmente, ser exercidos pela Comissão. De sorte que quando este órgão não exista, a norma respectiva não é aplicável… “(2).
É esta, também, a conclusão a que aqui chegamos.
Aliás, importa dizer que o parecer da Comissão de credores, quando esta exista, nem sequer é vinculativo, já que constitui um mero contributo para a boa ponderação do Juiz e nessa medida, mesmo que o parecer seja desfavorável, nada impedirá que o Tribunal se decida pela destituição do Administrador de Insolvência (3).
Assim, entendendo-se, como se entende, que quando a Comissão de Credores não existe, a norma respectiva não é aplicável, não sendo de notificar os credores individualmente para se pronunciar, tem que se concluir, sem necessidade de mais alongadas considerações, pela Improcedência deste fundamento de Recurso.

II) saber se a decisão que constitui o objecto de recurso é nula porquanto a falta de inteligibilidade, clareza e concretização fáctico-legal da causa de pedir do requerimento inicial do incidente deduzido pelo Requerente e portanto a ineptidão daquele requerimento deveria ter sido apreciada pelo Mmo. Juiz (cfr. arts186.º, n.º 2, alínea a), 186.º, n.º 1 e 200, nº2 do Código de Processo Civil) tudo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, segundo o qual “É nula a sentença quando (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.

Quanto a esta questão, a primeira coisa que se tem que dizer é que, contrariamente ao alegado pelo(s) Recorrente(s), o que a lei impõe no art. 56º do CIRE é apenas a audição prévia do Administrador de Insolvência.
Assim, como já se referiu no ac. da RG de 15.10.2009 (4) “… ( a lei…) não prevê expressamente que lhe sejam comunicados os factos que fundamentam a projectada destituição…”.
Quando muito como referem Carvalho Fernandes/ João Labareda(5) “… quando… o requerimento provenha de interessado, ele deve indicar o fundamento do pedido e a prova que pretenda produzir… “- o que, no caso concreto, se mostra efectuado- v. requerimento de fls. 104 e ss.
Mas a verdade é que ainda que se entendesse que a concretização do fundamento é imposta pelo princípio do contraditório (art. 3º, nº 3 do CPC), a sua inobservância constituiria mera irregularidade processual ou nulidade arguível nos termos do artigo 195º do Código de Processo Civil(6), na ausência de declaração da lei, a omissão de tal formalidade apenas produzirá nulidade, quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa. Porém, de acordo com o disposto no artigo 199º, n.º 1 do CPC, tal nulidade deveria ter sido arguida no prazo de 10 dias a contar da data em que o recorrente foi notificado para se pronunciar acerca da projectada destituição, uma vez que é nesse momento que ele toma conhecimento da alegada omissão agora arguida, prazo esse que se encontra há muito ultrapassado, aquando da interposição do presente recurso, sendo a respectiva arguição manifestamente extemporânea.
De qualquer forma, importa dizer que, sendo fundamento do recurso a alegada omissão de pronúncia do Tribunal de Primeira Instância por não ter conhecido, oficiosamente, da alegada ineptidão do requerimento inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir ( art. 186º, nº 1 e 2, al. a) do CPC ) que consubstanciava o pedido de destituição da Sra. Administradora de Insolvência, também a invocação dessa nulidade não pode ser acolhida pelo presente Tribunal.
Desde logo, porque não se verifica existir a nulidade invocada, já que, compulsado o requerimento, o pedido nele formulado mostra-se consubstanciado em causa de pedir inteligível que, aliás, quer a Sra. Administradora de Insolvência, quer o Insolvente bem compreenderam, conforme resulta explicito da (extensa e minuciosa) oposição que apresentaram.
De qualquer forma, importa salientar que, mesmo a aplicação do regime processual geral relativo à apreciação liminar do Requerimento inicial de destituição do Administrador de Insolvência deve ser efectuado com cautela, já que, como é bom de ver, nestas situações o impulso processual não se mostra atribuído em exclusividade às partes, podendo o próprio Juiz do Processo de Insolvência oficiosamente e a todo o tempo, destituir o Administrador da insolvência e substituí-lo por outro- o que não deixa de ter a sua relevância no âmbito da questão que aqui se aprecia (não podendo ser exigido às partes aquilo que ao próprio Juiz não seja exigido quando seja ele a impulsionar oficiosamente o incidente).
Independentemente disso, importa dizer que, não tendo tal excepção dilatória sido invocada pelas partes, também o seu conhecimento oficioso ( cfr. arts. 196º e 595º, nº1, al. a) do CPC ) não se impunha ao Tribunal de Primeira Instância, face aos elementos constantes dos autos, e justamente pelo que se acabou de referir.
De qualquer forma, como de uma forma lapidar, se refere no ac. do Stj de 20.3.2014 (7) “... não se verifica a nulidade de uma decisão judicial – que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) – quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou… “
É o que decorre do disposto no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC que refere que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A previsão deste art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC está em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608.º do mesmo Código, em que se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Ora, no caso concreto, o Tribunal de Primeira Instância não omitiu a pronúncia sobre qualquer questão que tivesse sido colocada pelas partes no âmbito do pedido de destituição da Sra. Administradora de Insolvência, nem lhe era imposto que conhecesse de qualquer outra questão cujo conhecimento lhe fosse imposto oficiosamente (já que não se verifica, como se referiu, a ineptidão agora arguida pelo Recorrente como Questão Nova- que aliás, como é sabido, nem sequer poderia constituir objecto do presente Recurso).
Tanto basta, para julgar improcedente esta argumentação do Recorrente e, consequentemente, improcedente a nulidade, ora em apreço, por alegada omissão de pronúncia.
*
III) saber se existe fundamento para decretar a destituição da Administradora de Insolvência, nomeadamente, se os fundamentos invocados pelo Tribunal de Primeira Instância são fundados em justa causa;

Como é sabido, a finalidade do processo de insolvência é liquidar o património do devedor e repartir o seu produto pelos credores – art.º 1º, nº 1, do CIRE.
Por isso, uma vez declarada a insolvência, o Juiz decreta a apreensão imediata de todos os bens do insolvente existentes no seu património à data de tal declaração e os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (massa insolvente), nomeia administrador, a este passando a estar cometidos os poderes de administração e disposição dos bens daquela integrantes e de representação do próprio devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência – art.º 36º, alíneas d) e g), art.º 46º, nº 1 e 52º, nº 1, art.º 81º, nºs 1 e 4, e art.º 149º, nº 1.
Como é sabido, porque tal resulta evidentemente do regime em vigor e é proclamado no próprio preâmbulo (nº 10) do DL 53/2004, de 18 de Março, intensificou-se a desjudicialização do processo, cometeu-se aos credores e ao administrador o grosso das tarefas e decisões tendentes à realização daquele desiderato e, reconhecendo o fracasso das tentativas de ir mais longe nessa privatização, reservou-se ao tribunal apenas o papel quase exclusivo de promotor da celeridade e de controlo da legalidade de certos actos, assim emprestando ao processo um carácter público que, na sua essência primordial, ele não tem.
De acordo com o art. 55º, nº 1, do CIRE, são funções da competência do administrador:
“… a) Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram;
b) Prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica.
2 - Sem prejuízo dos casos de recurso obrigatório ao patrocínio judiciário ou de necessidade de prévia concordância da comissão de credores, o administrador da insolvência exerce pessoalmente as competências do seu cargo, podendo substabelecer, por escrito, a prática de atos concretos em administrador da insolvência com inscrição em vigor nas listas oficiais.
3 - O administrador da insolvência, no exercício das respectivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão.
4 - O administrador da insolvência pode contratar a termo certo ou incerto os trabalhadores necessários à liquidação da massa insolvente ou à continuação da exploração da empresa, mas os novos contratos caducam no momento do encerramento definitivo do estabelecimento onde os trabalhadores prestam serviço, ou, salvo convenção em contrário, no da sua transmissão.
5 - Ao administrador da insolvência compete ainda prestar oportunamente à comissão de credores e ao tribunal todas as informações necessárias sobre a administração e a liquidação da massa insolvente.
6 - A requerimento do administrador da insolvência e sempre que este não tenha acesso directo às informações pretendidas, o juiz oficia quaisquer entidades públicas e instituições de crédito para, com base nos respectivos registos, prestarem informações consideradas necessárias ou úteis para os fins do processo, nomeadamente sobre a existência de bens integrantes da massa insolvente.
7 - A remuneração do administrador da insolvência referido na parte final do n.º 2 é da responsabilidade do administrador da insolvência que haja substabelecido, sendo deste a responsabilidade por todos os atos praticados por aquele ao abrigo do substabelecimento mencionado no mesmo número.
8 - O administrador da insolvência dispõe de poderes para desistir, confessar ou transigir, mediante concordância da comissão de credores, em qualquer processo judicial em que o insolvente, ou a massa insolvente, sejam partes.”
Exercendo pessoalmente as competências do seu cargo, além da cooperação e fiscalização da comissão de credores (se esta existir) e do recurso à colaboração de técnicos (como advogados para o exercício do patrocínio) ou outros auxiliares e trabalhadores, sujeita-se ainda à fiscalização do juiz, que pode a todo o tempo exigir-lhe informações sobre quaisquer assuntos ou a apresentação de um relatório da actividade desenvolvida e do estado da administração e da liquidação – art.º 58º.
O Administrador goza de Estatuto legal próprio – Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro, ressaltando do respectivo art.º 12º o rol de deveres cometidos.
Nos termos do art. 56º, nº 1, “O juiz pode, a todo o tempo, destituir o administrador da insolvência e substituí-lo por outro, se, ouvidos a comissão de credores, quando exista, o devedor e o próprio administrador da insolvência, fundadamente considerar existir justa causa”.
Ora, colhem-se da Jurisprudência e da Doutrina produzidas sobre a matéria alguns pontos de referência necessários à interpretação e boa aplicação daquele conceito de “justa causa” no quadro do processo, das funções e específico estatuto do Administrador de Insolvência.
Assim:
“I - Existe justa causa de destituição nos termos do n.º 1 do art.º 56.º do CIRE quando o administrador cria uma situação, concorre para ela ou permite a sua manutenção, de tal modo que, com elevada probabilidade, objectivamente, dela pode advir desvantagem considerável para a tutela dos interesses a proteger.
II - Tal situação deve ser avaliada em função das circunstâncias de cada caso, considerando o grau de culpa do administrador.
III - Normalmente, aquela justa causa resulta da prática de actos ou omissões graves e intencionais ou reveladores de inaptidão ou incompetência para o exercício das funções de administrador, não sendo de excluir as condutas que se mostrem gravemente violadoras dos deveres inerentes ao cargo e que conduzam a uma quebra justificada da sua confiança.” (8)
*
“I- O administrador da insolvência está investido de verdadeiros poderes funcionais cujo exercício isento e zeloso é condição imprescindível da consecução da finalidade da insolvência.
II- A sua independência e isenção são determinantes para poder prosseguir os objectivos do processo, defendendo os interesses do insolvente e, principalmente, dos credores, com respeito pelo princípio da igualdade destes e na defesa genérica dos seus interesses.
III- Por isso, deve ser destituído quando ocorra uma situação que não conduza à conveniente tutela dos interesses a proteger.” (9).
*
“I - Mesmo que a actuação do administrador de insolvência seja susceptível de causar prejuízos à massa insolvente ou aos credores, não gera incompatibilidade que o impeça de continuar no exercício do seu cargo se não revelar falta de qualidade ou de preparação técnica adequada do administrador nem consubstanciar conduta negligente ou dolosa
II - A reclamação de um crédito fora do prazo previsto no artigo 128º do CIRE não afasta a possibilidade de o mesmo vir a ser reconhecido pelo administrador da insolvência, ao abrigo do disposto no artigo 129º, nº 1, in fine, do mesmo código
III - O reconhecimento pelo administrador do crédito emergente de um contrato-promessa de compra e venda, como garantido por direito de retenção, pressupondo o incumprimento definitivo daquele por parte do insolvente, não constitui sem mais uma actuação imputável a incompetência, falta de preparação, negligência ou culpa sua, desse modo o incompatibilizando para a continuação em tais funções, fundamentando a sua destituição com justa causa, nos termos do artigo 56º, nº 1, daquele diploma.” (10)
Do texto deste, respiga-se, ainda, esta parte da fundamentação:
“A propósito dos poderes e deveres do administrador da insolvência e da conexa responsabilidade que sobre ele impende, pronunciam-se Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2008, pág. 259:
«Os poderes do Administrador têm em vista a satisfação de interesses que não são próprios: corresponde-lhe, por isso, a natureza de verdadeiros poderes funcionais, que ele não só pode, como, sobretudo, deve desempenhar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado (cfr. artigo 59º, in fine). Mesmo quando a lei lhe atribui a possibilidade de opção entre várias alternativas, o administrador deve agir de acordo com aquela que, segundo as circunstâncias concretas e ao olhar de um gestor criterioso e ordenado, se evidenciar como a mais favorável e proveitosa para a melhor tutela dos interesses dos credores. É a esta luz que têm sempre que ser avaliadas as faculdades múltiplas que cabem ao administrador, bem como os deveres que sobre ele impendem. E a essa mesma luz será apreciado o seu procedimento e, correspondentemente, medida a sua responsabilidade.»
No que concerne ao alcance da norma que prevê a sua destituição, referem os mesmos autores, ibidem, pág. 263, que se «cobrem todos os casos de violação de deveres por parte do nomeado, aqueles em que se verifica a inaptidão ou incompetência para o exercício do cargo, traduzidas na administração ou liquidação deficientes, inapropriadas ou ineficazes da massa, e, segundo o entendimento que temos por melhor, aqueles que traduzam uma situação em que, atentas as circunstâncias concretas, é inexigível a manutenção das relações com ele e infundada a possível pretensão do administrador de se manter em funções».
Desse modo, a conduta do administrador deve ser também aferida, negativamente, por eventuais sequelas desta que possam gerar incompatibilidade com os interesses dos credores e da massa insolvente.
No entanto, há no acto de destituição do administrador uma imanente e indissociável natureza sancionatória que não pode ser ignorada. O que nos relança para um critério complementar definidor dessa incompatibilidade, que só deverá relevar sob duas formas.
Por um lado, quando o comportamento do administrador for sinal de incompetência para o exercício do cargo. Neste particular, se afastando tendencialmente a qualificação como incompatibilidade qualquer insucesso que não resulte de falta de qualidade ou de preparação técnica adequada do administrador.
Além disso, já no plano da imputação subjectiva e apelando ao conceito de justa causa de destituição, poderá também gerar essa incompatibilidade uma actuação culposa ou marcadamente negligente do administrador. É apenas com este alcance que se adere à conclusão do acórdão da Relação do Porto de 13.07.2011 (Filipe Caroço), in dgsi.pt (tal como todos os arestos a que infra se alude), de que «existe justa causa de destituição nos termos do nº 1 do artigo 56º do CIRE quando o administrador cria uma situação, concorre para ela ou permite a sua manutenção, de tal modo que, com elevada probabilidade, objectivamente, dela pode advir desvantagem considerável para a tutela dos interesses a proteger». Como, aliás, aí significativamente se complementa, com a afirmação de que «tal situação deve ser avaliada em função das circunstâncias de cada caso, considerando o grau de culpa do administrador» e que «normalmente, aquela justa causa resulta da prática de actos ou omissões graves e intencionais ou reveladores de inaptidão ou incompetência para o exercício das funções de administrador, não sendo de excluir as condutas que se mostrem gravemente violadoras dos deveres inerentes ao cargo e que conduzam a uma quebra justificada da sua confiança». No mesmo sentido, o acórdão da Relação do Porto de 11.01.2010 (Ana Paula Amorim).
Realçando aquelas duas facetas, o acórdão também da Relação do Porto de 9.06.2009 (Carlos Moreira), quando frisa que «a destituição do administrador da insolvência, ao abrigo do artigo 56°, n°1, do CIRE, apenas pode ocorrer quando se prove cabalmente a sua inaptidão ou incompetência para o exercício do cargo ou a violação pelo mesmo, de forma culposa e injustificada, dos deveres que lhe são legalmente impostos e de que resulte um relevante prejuízo para a massa insolvente”. Na mesma linha, mais defendendo que a justa causa de destituição deva ser apreciada em concreto, o acórdão da Relação de Guimarães de 16.04.2009 (Amílcar Gonçalves) – “a destituição do administrador da insolvência só pode ter lugar se existir justa causa, revelada nos factos alegados e provados no processo; a justa causa é sempre alguma circunstância ligada à pessoa ou a uma conduta do administrador que, pela sua gravidade inviabilize, em termos de razoabilidade, a manutenção das suas funções e terá sempre de ser apreciada em concreto, face à factualidade que se provar, tendo em conta os vários aspectos relacionados com a sua gestão».
Enfatizando que a simples constatação do cometimento de um erro por parte do administrador não legitima a destituição, o acórdão da Relação do Porto de 30.04.2009 (Maria Catarina Gonçalves), no passo em que conclui que o “reconhecimento indevido ou errado de um crédito (que se constata, posteriormente, não existir) não configura, só por si, uma violação culposa dos deveres inerentes às funções de administrador de insolvência, susceptível de determinar a respectiva destituição”.
*
“I – Ocorrendo justa causa, o administrador judicial deve ser destituído pelo juiz, pois que o poder de destituição a este conferido é de exercício legalmente vinculado.
II – O conceito de justa causa, sendo embora vago e indeterminado, pressupõe sempre a prática pelo administrador judicial de uma falta funcional grave, seja ela de ordem técnica ou relacional.
III – A dita gravidade deve ser aferida perante o circunstancialismo concreto em que se insere a conduta a avaliar, tendo presente aquilo que, nesse contexto, seria objectivamente exigível a um gestor de bens alheios leal, criterioso, isento e cooperante quer com todos os demais órgãos da insolvência, quer com o tribunal.
IV – Ocorrendo uma falta de cooperação dolosa e reiterada para com o tribunal, deve ter-se por verificada a justa causa legitimadora da destituição do cargo de administrador judicial, posto que é objectivamente insustentável a manutenção nesse cargo de uma pessoa em relação à qual houve uma quebra irreversível no elo de confiança que legitimou a sua investidura em tal cargo.” (11)
Por fim:
“I - O conceito normativo de ‘justa causa’ referido no n.º 1 do artigo 56.º do CIRE tem margens fluidas como todos os conceitos indeterminados, devendo ser recortado e densificado a partir da definição dos valores e princípios que a norma visa tutelar.
II - Importando para o processo de insolvência, mais especificamente para a interpretação do n.º 1 do artigo 56.º do CIRE, o conceito doutrinário de ‘justa causa’, tal como foi densificado e concretizado no direito civil, concluímos que o integrará toda a conduta do Administrador Judicial susceptível de pôr em causa a relação de confiança com o juiz titular do processo e com os credores, dificultando ou inviabilizando o objectivo ou finalidade do processo, enunciado no artigo 1.º do CIRE: «liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente».
III - O conceito de ‘justa causa’ legitimadora da destituição do Administrador Judicial num processo de insolvência preenche-se e concretiza-se: i) com a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo; ii) ou com a conduta do administrador traduzida na “inobservância culposa” dos seus deveres, “apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado” (art. 59/1 CIRE); iii) exigindo-se cumulativamente a qualquer dos requisitos anteriores, que tal conduta, pela sua gravidade justifique a quebra de confiança, inviabilizando, em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado.” (12)
Na respectiva fundamentação, refere-se o seguinte:
“O conceito normativo em apreço tem margens fluidas como todos os conceitos, devendo ser recortado e densificado a partir da definição dos valores e princípios que a norma visa tutelar. Tal definição tem, necessariamente, como ponto de partida, a lei.
O n.º 1 do artigo 16º do Estatuto do Administrador de Insolvência, aprovado pela Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, define genericamente os deveres do administrador da insolvência, preceituando que o mesmo «deve, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se um servidor da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se digno da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes».
Em sede de definição da responsabilidade do Administrador de Insolvência, prescreve o n.º 1 do artigo 59.º do CIRE: «O administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem; a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado».
Em anotação ao artigo 56.º do CIRE, referem Carvalho Fernandes e João Labareda, que a ‘justa causa’ legitimadora da destituição do administrador se cobrem “todos os casos de violação de deveres por parte do nomeado, aqueles em que se verifica a inaptidão ou incompetência para o exercício do cargo, traduzidas na administração ou liquidação deficientes, inapropriadas ou ineficazes da massa, e, segundo o entendimento que temos por melhor, aqueles que traduzam uma situação em que, atentas as circunstâncias concretas, é inexigível a manutenção das relações com ele e infundada a possível pretensão do administrador de se manter em funções”.
Traçando a fronteira entre as vertentes objectiva e subjectiva do conceito de ‘justa causa’, Pires de Lima e Antunes Varela referem o facto de, na doutrina italiana, ser “unanimemente reconhecida como causa justa não a causa subjectiva - a falta de confiança, superveniente, do mandante no mandatário - mas a causa objectiva, considerando-se como tal toda a circunstância que torne contrário aos interesses do mandante o prosseguimento da relação jurídica”.
Em sede de análise dos pressupostos da resolução por incumprimento, o Professor Baptista Machado recorta o conceito em apreço a partir da vertente objectiva de prossecução do fim que a relação pressupõe, aferindo da sua verificação, em função da resposta à questão sobre se uma determinada conduta, se revela ou não susceptível de pôr em causa o fim do contrato.
Escreve o Insigne Professor: “Pode dizer-se, em síntese, que nos contratos de que decorre uma relação particularmente estreita de confiança mútua e de leal colaboração (…) todo o comportamento que afecte gravemente essa relação põe em perigo o próprio fim do contrato, abala o fundamento deste, e pode justificar, por isso, a resolução”.
A partir da ideia enunciada, de adequação da conduta de cada um dos contraentes à boa realização do fim visado com a celebração do contrato, Baptista Machado concretiza lapidarmente nestes termos o conceito de ‘justa causa’:
“O conceito de «justa causa» é um conceito indeterminado cuja aplicação exige necessariamente uma apreciação valorativa do caso concreto. Será uma «justa causa» ou um «fundamento importante» qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade”.
Importando o conceito doutrinário de ‘justa causa’ para o processo de insolvência, mais especificamente para a interpretação do n.º 1 do artigo 56.º do CIRE, tal como foi densificado e concretizado no direito civil, concluímos que o integrará toda a conduta do Administrador Judicial susceptível de pôr em causa a relação de confiança com o juiz titular do processo e com os credores, dificultando ou inviabilizando o objectivo ou finalidade do processo, enunciado no artigo 1.º do CIRE: «liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente».
Como refere Lebre de Freitas, com o actual regime da insolvência privilegiou-se a “garantia patrimonial dos credores”, desígnio expressamente assumido pelo legislador no preâmbulo, nestes termos: “O objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores”.
Face a tal objectivo do legislador, faz sentido erigir o interesse dos credores como subordinante da actividade (e aferição da competência) do administrador judicial, como o fazem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda: “Mesmo quando a lei lhe atribui a possibilidade de opção entre várias alternativas, o administrador deve agir de acordo com aquela que, segundo as circunstâncias concretas e ao olhar de um gestor criterioso e ordenado, se evidenciar como a mais favorável e proveitosa para a melhor tutela dos interesses dos credores. É a esta luz que têm sempre que ser avaliadas as faculdades múltiplas que cabem ao administrador, bem como os deveres que sobre ele impendem. E a essa mesma luz será apreciado o seu procedimento e, correspondentemente, medida a sua responsabilidade”.
De todo o exposto se poderá, em síntese, concluir que o conceito de ‘justa causa’ legitimadora da destituição do Administrador Judicial num processo de insolvência se preenche e concretiza:
i) com a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo;
ii) ou com a conduta traduzida na “inobservância culposa” dos seus deveres, “apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado” (art. 59/1 CIRE);
iii) exigindo-se cumulativamente a qualquer dos requisitos anteriores, que tal conduta, pela sua gravidade justifique a quebra de confiança, inviabilizando, em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado.” (13)
Como exemplos de situações que foram configuradas como justa causa de destituição do Administrador de Insolvência podem-se respigar os seguintes:
- “…Existe justa causa se dos factos se extraem circunstâncias de violação grave dos deveres do administrador que não se ficam pela consideração de um mero cumprimento pouco ortodoxo de deveres formais e adjectivos, por apenas não ser modelar sua conduta, e antes quebra o indispensável vínculo de confiança que tem de existir entre ele e os credores e o Tribunal.”- ac. da RG de 11.9.2012 (relator: Eduardo Azevedo)
- “Comete uma falta deste género o administrador de insolvência que se recusa reiteradamente a pronunciar-se perante o tribunal sobre uma atitude que lhe é imputada, praticada no exercício das respectivas funções, bem como dilatou a junção aos autos de documentação que tinha em seu poder, apesar de interpelado para o fazer, por mais de uma vez”.- ac. da RP 2.4.2014 (relator: João Rodrigues)
- “A circunstância de ser TOC de uma sociedade em que o insolvente é detentor de uma quota, objectivamente afecta a aparência de imparcialidade e isenção e a omissão dessa função constitui violação grave do dever de lealdade para com o tribunal e afecta a sua posição enquanto órgão executivo isento e imparcial, pelo que tal conduta integra o conceito de justa causa para a destituição nos termos do n.º 1 do art.º 56.º do CIRE”- ac. da RP de 7.11.2012 (relator: Leonel Serôdio );
- “a gestão do processo na parte de competência funcional exclusiva do recorrente é um verdadeiro caos: a Assembleia de Credores para apreciação do relatório realizou-se em 29.11.2011; a relação dos créditos apresentada dois meses depois (26.01.2012) não dizia, sequer, respeito a este processo; a nova relação apenas foi apresentada em 26 de Maio de 2013 (um ano e meio depois da realização da assembleia!); apesar de se tratar de um processo urgente, a liquidação da massa insolvente não se mostra concluída, não tendo sido junto instrumento válido de transmissão de propriedade por negócio particular; instado a diligenciar pelo andamento do processo, por despachos proferidos nos autos, designadamente a fls. 4, 6, 29, 34, 36, 40, 51 e 55 do apenso B, o recorrente não o fez nos prazos assinalados, nem apresentou razões justificadoras para as suas sucessivas omissões; perante a queixa de uma credora, de que o recorrente não respondia aos seus sucessivos emails, nem aos telefonemas (e por isso a credora teve necessidade de reclamar junto do M.º Juiz), o recorrente admitiu que “assiste parcial razão à Ilustre Mandatária (…) na parte relativa aos contactos por e-mail, mas quanto aos telefonemas invocados o AJ tem por prática retribuir/atender…”; tendo-lhe sido concedida a possibilidade de se pronunciar relativamente à eventualidade de destituição, o recorrente invocou razões que não constituem justificação – intervenção cirúrgica (em 2008 e 2009, sendo a sentença de insolvência, de Julho de 2011), divórcio, remodelação do escritório e complexidade dos processos que lhe estão confiados.- ac. da RP 3.2.2014 (relator: Carlos Querido);
- Constitui justa causa de destituição do administrador de insolvência a não apresentação do relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE, passados mais de três anos após a sua nomeação e apesar de sucessivas prorrogações de prazo.- ac da RL 12.5.2016 (relator: Maria Correia)
- Existe “justa causa” de destituição do administrador da insolvência que reiteradamente não satisfaz as notificações do tribunal para prestação de informações sobre o exercício das suas funções, o que, constituindo violação grave dos deveres do administrador, tornam objectivamente insustentável a sua manutenção no cargo. ac. da RE de 26.2.2015 (relator: Alexandra Moura Santos)
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Como exemplos de situações que não foram configuradas como justa causa de destituição do Administrador de Insolvência podem-se respigar os seguintes:
-“ O reconhecimento pelo administrador do crédito emergente de um contrato-promessa de compra e venda, como garantido por direito de retenção, pressupondo o incumprimento definitivo daquele por parte do insolvente, não constitui sem mais uma actuação imputável a incompetência, falta de preparação, negligência ou culpa sua, desse modo o incompatibilizando para a continuação em tais funções, fundamentando a sua destituição com justa causa, nos termos do artigo 56º, nº 1, daquele diploma.” – ac. da RP de 28.2.2013 (relator: Araújo de Barros)
-Não constitui justa causa de destituição a fundada invocação de indisponibilidade para comparência na assembleia de credores para apreciação do relatório e, posteriormente, para discussão e votação da sua proposta do plano de insolvência, se o administrador oferece logo data alternativa, razoável e compatível com a natureza urgente do processo, e apresenta, entretanto, o relatório e o plano de insolvência, ainda que a sua conduta contribua para a ocorrência de vicissitudes que prejudiquem o adequado andamento do processo.- ac da RP 13.7.2011 (relator: Filipe Caroço)
- “A destituição do administrador da insolvência é medida desajustada e excessiva para sancionar violação do dever de urbanidade – que, para aquele efeito, não consubstancia justa causa –, num contexto em que não lhe é apontada concomitante incompetência funcional ou preterição dos fins primários das atribuições do administrador da insolvência.”- ac. da RP de 16.12.2009 (relator: Pedro Lima Costa)
- O reconhecimento indevido ou errado de um crédito (que se constata, posteriormente, não existir) não configura, só por si, uma violação culposa dos deveres inerentes às funções de administrador de insolvência, susceptível de determinar a respectiva destituição. ac. da RP de 30.4.2009 ( relator: Maria Catarina)
- “O atraso de pouco mais de dois meses na apresentação de uma das listas de credores a que alude o art. 129º do CIRE, determinado por razões que se desconhecem, não constitui justa causa para a destituição do administrador de insolvência. ac. da RL 12.2.2013 (relator: Rosa Coelho)
- “…o único facto que indicia deficiente cumprimento das funções por parte do administrador é a não apresentação do plano de insolvência de que fora incumbido, circunstância que não constitui justa causa suficiente de destituição.” -ac. da RE de 14.4.2010 (. relator: Ribeiro Cardoso)
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Aqui chegados, importa aplicar estas considerações ao caso concreto.
São duas as situações que o Tribunal de Primeira Instância imputa à Sra. Administradora de Insolvência como fundamentadoras da justa causa de destituição de funções da Sra. Administradora de Insolvência:
1. era dever da Srª. Administradora da Insolvência proceder à resolução em benefício da massa insolvente do acto de constituição de hipoteca, constituída nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência para garantia do crédito de irmãos do insolvente- o que faz presumir a má-fé destes, por serem pessoas especialmente relacionadas com o devedor (cfr. artigos 49.º, n.º 1, al. b) e 120.º, n.º 4, do C.I.R.E.)- hipoteca essa que onera o bem de maior valor patrimonial que integra o património do insolvente, tudo por reporte ao disposto nos artigos 49.º, n.º 1, al. b), 120.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 123.º, n.º 1, do C.I.R.E., pelo que, não o tendo feito, e deixando decorrer o prazo previsto neste último preceito, do C.I.R.E., incorreu numa violação grave dos seus deveres funcionais, que consubstancia a ocorrência de justa causa;
2. era também dever da Srª. Administradora da Insolvência proceder à resolução em benefício da massa insolvente das alienações dos imóveis realizadas pelo insolvente através das escrituras públicas outorgadas em 26/07/2013, 14/08/2013 e 22/10/2013, a favor da sua mãe F. e dos seus irmãos G. e H., tudo por referência ao preceituado nos artigos 49.º, n.º 1, al. b), 120.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 123.º, n.º 1, do C.I.R.E., pelo que, não o tendo feito, e deixando decorrer o prazo previsto neste último preceito, incorreu numa violação grave dos seus deveres funcionais
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Ora, visto o historial do processo acima referido e de onde deflui a actividade nele levada a cabo pela Sra. Administradora de Insolvência, afigura-se ao presente Tribunal que efectivamente a Sra. Administradora de Insolvência ao agir da forma como agiu, não só agiu de uma forma passiva e negligente perante os actos aqui questionados, como essa sua conduta quebrou a confiança que o Tribunal nela depositava, sendo certo que decorre da matéria de facto apurada que se verifica uma violação culposa dos deveres inerentes ao exercício das suas funções por parte da Sra. Administradora de Insolvência.
Como se disse, o conceito de ‘justa causa’ legitimadora da destituição do Administrador Judicial num processo de insolvência se preenche e concretiza:
i) ou com a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo;
ii) ou com a conduta traduzida na “inobservância culposa” dos seus deveres, “apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado” (art.º 59º, nº 1 CIRE);
iii) exigindo-se cumulativamente a qualquer dos requisitos anteriores, que tal conduta, pela sua gravidade justifique a quebra de confiança, inviabilizando, em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado.
Ora, no caso concreto, sendo inequívoca a legitimidade (exclusiva (14)) da Sra. Administradora de Insolvência para declarar a resolução em benefício da massa insolvente (art.º 123º do CIRE), afigura-se ao presente Tribunal que essa declaração, dentro do circunstancialismo apurado, e tal como defende o Tribunal de Primeira Instância, constituía um dever da Sra. Administradora de Insolvência, dever esse que, como iremos ver, a mesma não cumpriu de uma forma injustificada.
Na verdade, como vem sendo assinalado pela Doutrina o exercício da resolução em benefício da massa insolvente consiste um “… dever (para o Sr. Administrador de Insolvência) sempre que ela seja necessária ou conveniente para a massa insolvente…”(15).
Assim, “ … caso o Administrador a ela não proceda em casos em que devesse fazê-lo, pode incorrer na responsabilidade perante os credores, prevista no art. 59º e pode mesmo, se tal se justificar, ser destituído pelo Juiz de acordo com o art. 56º… “ (16).
Na verdade, “…essa omissão do administrador de Insolvência, para além de implicar a sua responsabilização perante os credores (art. 59º), poderá determinar a sua substituição por outro (art. 56º) que concretize a resolução…” (17).
A questão que se coloca, pois, é a de saber se, no caso concreto, tendo em conta as circunstâncias dos actos jurídicos praticados, a Sra. Administradora de Insolvência não tinha o dever de declarar a resolução daqueles actos jurídicos praticados pelo Insolvente em benefício da massa insolvente.
Ora, a resposta a esta questão, julga-se, tem que ser necessariamente positiva.
Com efeito, analisados os actos jurídicos invocados e a omissão imputada à Sra. Administradora de Insolvência, conclui-se que os mesmos potencialmente são prejudiciais à massa insolvente no sentido exigido pelo nº 2 do art.º 120º do CIRE, já que, de uma forma evidente, são actos que afectam o interesse dos credores na satisfação dos seus créditos.
Não se pode esquecer aqui que, como já se referiu, o “…objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores… “.
Como é sabido, a resolução em benefício da massa insolvente é um instituto especifico do processo de Insolvência que permite, de uma forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais à massa insolvente com vista a apreender para a massa insolvente, não só aqueles bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos prejudiciais para a massa insolvente.
Esta resolução pode ser condicional ( art.º 120º do CIRE ) ou incondicional (art.º 121º do CIRE ).
No caso, interessa-nos os casos de resolução em benefício da massa insolvente condicional.
Nos termos do art.º 120º, nº1 do CIRE podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa que tenham sido praticados ou omitidos dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo, com terceiro de má-fé.
Esclarece o legislador no nº 2 do art.º 120º do CIRE que por actos prejudiciais à massa devem entender-se aqueles actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
Ora, no caso concreto, não há dúvidas que os actos jurídicos que deveriam ter sido questionados (leia-se, resolvidos em benefício da massa insolvente) pela Sra. Administradora de Insolvência são actos prejudiciais à massa no sentido expressamente consagrado neste preceito legal.
Por outro lado, exige ainda a lei que o acto tenha sido praticado com terceiro de má-fé.
Ora, esclarece o legislador que entende-se que o terceiro está de má-fé quando tenha conhecimento, no momento em que o acto é praticado, de alguma das seguintes circunstâncias:
- conhecimento da situação de insolvência do devedor ( al. a) do nº 5 );
- conhecimento do carácter prejudicial do acto e simultaneamente da iminência da situação de insolvência ( al. b) do nº 5 )
- conhecimento do inicio do processo de insolvência ( al. c) do nº 5 ).
No caso concreto, no entanto, verificava-se uma circunstância específica que facilitaria a ponderação da Sra. Administradora de Insolvência que era o facto de em qualquer um dos actos jurídicos questionados se poder presumir a má-fé dos terceiros em consideração a que esses terceiros intervenientes naqueles actos integrarem o leque das “pessoas especialmente relacionadas com o insolvente ( art. 120º , nº4; cfr. art.º 49º do CIRE ).
Aqui chegados, a ponderação que tem que ser efectuada é a de saber se, dentro do circunstancialismo apurado, tendo em conta o referido objectivo subjacente ao processo de insolvência e os fundamentos que se acabam de expor que permitem a resolução em benefício da massa insolvente, um Administrador de Insolvência deve necessariamente declarar a resolução dos actos jurídicos praticados pelo Insolvente.
Ora, essa ponderação, como se disse em cima, deve ser efectuada “de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado”.
Ora, a verdade é que, apelando a esse critério, tem que se concluir necessariamente que, perante o circunstancialismo apurado, um Administrador de Insolvência medianamente diligente e criterioso optaria por resolver em benefício da massa insolvente os actos jurídicos praticados pelo Insolvente, não só porque os actos jurídicos, praticados em período suspeito, manifestamente prejudicam a satisfação dos interesses dos credores, mas principalmente porque, atenta a qualidade dos terceiros Intervenientes é de presumir que tenha sido essa mesma a intenção.
Nessa medida, respondendo, de uma forma definitiva, à pergunta que inicialmente se formulou, ou seja, à questão de saber se, no caso concreto, tendo em conta as circunstâncias dos actos jurídicos praticados, a Sra. Administradora de Insolvência não tinha o dever de declarar a resolução daqueles actos jurídicos praticados pelo Insolvente em benefício da massa insolvente, a resposta que tem que ser dada é afirmativa.
Aqui chegados, resta, pois, ponderar o preenchimento do requisito cumulativo atrás enunciado.
Ora, não pode haver dúvidas, que a violação do dever assinalado por parte da Sra. Administradora de Insolvência, assume especial gravidade, o que conduz a que também se possa concluir que se justifica considerar que existe uma situação de quebra de confiança que inviabiliza, em termos de razoabilidade, a manutenção da Sra. Administradora de Insolvência nas funções para que havia sido nomeada.
A esta conclusão não constitui óbice a argumentação apresentada pelos Recorrentes (principalmente, o Recorrente C.), nomeadamente quando alegam que:
-não se podem ignorar os factos provados na sentença de embargos à insolvência e deixar de transmutar para os presentes autos tais factos e conclusões;
-e, por outro lado, não se pode ignorar que nunca a Administradora de Insolvência poderia resolver o contrato de mútuo com hipoteca sabendo dos efeitos da resolução dos negócios, pois que importa saber como é que a Administradora de Insolvência iria restituir aos credores, irmãos do Insolvente, tudo quando emprestaram ao Insolvente na sequência da resolução.
Decorre desta argumentação dos Recorrentes que consideravam que, por estes fundamentos, a Sra. Administradora de Insolvência não poderia/deveria declarar a resolução dos actos jurídicos em benefício da massa insolvente praticados pelo Insolvente por não estarem reunidos os respectivos requisitos.
Ora, como se disse, esta argumentação não constitui obstáculo a que a Sra. Administradora de Insolvência declarasse, conforme se julga seria o seu dever em face do contexto em que os actos jurídicos foram praticados, a resolução dos actos jurídicos aqui questionados.
Na verdade, fácil será de entender que os pressupostos que fundamentam a resolução em benefício da massa insolvente e a situação fáctica que se discutiu nos Embargos à Insolvência são totalmente diferentes, como bem refere o Tribunal de Primeira Instância.
E são totalmente diferentes, seja em termos substantivos, seja em termos processuais.
Na verdade, a finalidade dos Embargos à Insolvência é “… o afastamento dos fundamentos da declaração de insolvência, mediante a alegação de factos ou o requerimento de meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo Tribunal… “(18) - Art. 40.º, n.º 2, do CIRE.
Já na resolução em benefício da massa insolvente, como se disse, visa-se a destruição de actos prejudiciais à massa insolvente com vista a apreender para a massa insolvente, não só aqueles bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos prejudiciais para a massa insolvente.
Ora, face aos diferentes pressupostos de que depende a sua apreciação e as finalidades diferentes apontadas, fica claro que nenhuma influência pode ter o que se decidiu em termos de matéria de facto naqueles autos de Embargos à Insolvência, sobre o juízo de ponderação que a Sra. Administradora de Insolvência teria que ter tomado no âmbito da resolução dos actos jurídicos em benefício da massa insolvente.
Esta conclusão decorre, obviamente, do facto de a decisão que foi proferida em sede de Embargos à Insolvência apenas ter força obrigatória dentro do próprio processo (de Embargos) e fora dele dentro dos limites fixados pelo caso julgado (cfr. arts. 580 e 581 do CPC) - art. 619º do CPC ( não se verificando, no caso concreto, como é bom de ver, a identidade de causa de pedir e de pedido exigível em termos do caso julgado ).
Aliás, na doutrina há quem defenda que o caso julgado, ressalvados casos muito excepcionais, se forma apenas no âmbito da parte decisória(19).
Outros, por seu turno, defendem que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo” já que “o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”. Daí que “os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado” (20).
O que fica referido é, tanto quanto cremos, suficiente para demonstrar, de uma forma clara a total falta de razão do(s) Recorrente(s) neste ponto concreto.
Na verdade, a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se, sobretudo, ao nível da decisão, da sentença propriamente dita, e quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela.
Os fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente: prova evidente do que acaba de ser dito é o que está estipulado no nº 2 do artigo 91º do Código de Processo Civil – “ A decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia” (21).
Precisamente por esta razão, o Prof. Teixeira de Sousa(22) afirma que “os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado”. É que – justifica – “esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta”.
Ora, em face do que fica exposto, torna-se evidente que não tem razão o Recorrente quando invoca essa factualidade dada como não provada em sede de Embargos à Insolvência como influente no juízo a formular em sede de resolução em benefício da massa insolvente.
Acrescente-se, aliás, que isso é manifesto, também, em termos dos meios de prova admissíveis e das regras do ónus da prova que em cada uma das situações se aplicam.
Nesse sentido, veja-se o próprio teor da sentença proferida em sede de Embargos à Insolvência na parte em que se pronuncia sobre a (in)admissibilidade da produção de meios de prova no âmbito da prova documental- art.º 393º do CC- e, por outro lado, o que aí ficou dito quanto à nulidade do contrato de mútuo por simulação- tudo situações que não contendem com o dever da Sra. Administradora de Insolvência de declarar a resolução do contrato em benefício da massa insolvente.
Finalmente, não se pode deixar de esclarecer que, independentemente de tudo o que já ficou dito -e que só por si seria suficiente para considerar improcedente a argumentação do(s) Recorrente(s)- não se pode retirar de um facto considerado não provado em sede Embargos à Insolvência qualquer ilação positiva no sentido de considerar que em sede de Resolução dos actos jurídicos praticados em benefício da massa insolvente o facto contrário está provado(23) (ou seja, dos factos não provados em sede de Embargos à Insolvência - não se provou a divergência de vontades inerente à alegada simulação dos actos jurídicos praticados – não se pode retirar a conclusão de que os terceiros actuaram de boa-fé), tanto mais que em sede de Resolução em benefício da massa insolvente se presume “juris tantum” que, tendo em conta a qualidade de pessoas especialmente relacionadas com o Insolvente, os terceiros intervenientes nos actos jurídicos que deveriam ter sido postos em causa pela Sra. Administradora de Insolvência, agiram de má-fé (art. 120º, nº4 do CIRE)- tal como se disse, além dos pressupostos do exercício do direito de resolução serem diferentes, as próprias regras probatórias são diferentes daquelas que foram convocadas para a decisão dos Embargos à Insolvência (o que se compreende atentas as finalidades diferentes subjacentes à ponderação de cada uma das situações processuais).
Não tem, assim, o presente Tribunal dúvidas sobre a improcedência da argumentação do Recorrente com este fundamento.
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Finalmente, quanto à questão dos efeitos da resolução (que constituía o outro obstáculo invocado), o que tem que dizer, de uma forma sintética, é que a questão colocada tem a sua solução legal no próprio processo de insolvência (CIRE), devendo o alegado direito de crédito dos alegados mutuantes ser ponderado enquanto crédito sobre a massa insolvente (art.º 48º, als. a) e e) do CIRE).
Improcede, pois, também esta argumentação dos Recorrentes.
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Em conclusão:
À questão de saber se, no caso concreto, tendo em conta as circunstâncias dos actos jurídicos praticados, a Sra. Administradora de Insolvência não tinha o dever de declarar a resolução daqueles actos jurídicos praticados pelo Insolvente em benefício da massa insolvente, a resposta que tem que ser dada é afirmativa.
Na verdade, perante o circunstancialismo apurado, um Administrador de Insolvência medianamente diligente e criterioso optaria por resolver em benefício da massa insolvente os actos jurídicos praticados pelo Insolvente, não só porque os actos jurídicos, praticados em período suspeito, manifestamente prejudicam a satisfação dos interesses dos credores, mas principalmente porque, atenta a qualidade dos terceiros Intervenientes fazem presumir que tenha sido essa mesma a intenção.
É que, no caso concreto, verificava-se uma circunstância específica que facilitaria a ponderação da Sra. Administradora de Insolvência que era o facto de, em qualquer um dos actos jurídicos questionados, se poder presumir a má-fé dos terceiros em consideração a que esses terceiros intervenientes naqueles actos integrarem o leque das “pessoas especialmente relacionadas com o insolvente (art. 120º , nº4 ; cfr. art.º 49º do CIRE).
Nesta conformidade, e por todo o exposto, bem andou o Tribunal de Primeira Instância em considerar que existia justa causa de destituição da Sra. Administradora de Insolvência, o que conduz à conclusão de que os Recursos apresentados se devem considerar improcedentes.
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Sumário ( elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC ):

“I. No âmbito do incidente de destituição do Administrador de Insolvência previsto no art. 56º do CIRE, no caso de não existir Comissão de Credores no Processo de Insolvência em causa, não tem o Juiz, antes de proferir decisão sobre a existência de justa causa de destituição do Administrador de Insolvência, de proceder à audição prévia de todos os credores, em substituição daquela Comissão;
II. Não se verifica a nulidade de uma decisão judicial – que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) – quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou;
III. O conceito de justa causa legitimadora da destituição do Administrador de Insolvência num processo de insolvência preenche-se e concretiza-se: i) com a conduta do administrador reveladora de inaptidão ou de incompetência para o exercício do cargo; ii) ou com a conduta traduzida na “inobservância culposa” dos seus deveres, “apreciada de acordo com a diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado” (art. 59, nº1 do CIRE); iii) exigindo-se cumulativamente a qualquer dos requisitos anteriores, que tal conduta, pela sua gravidade justifique a quebra de confiança, inviabilizando, em termos de razoabilidade, a manutenção nas funções para que foi nomeado”;
IV. Constitui justa causa de destituição, por inobservância culposa dos seus deveres, apreciada de acordo com um juízo que um Administrador de Insolvência medianamente diligente e criterioso efectuaria, a situação em que um Administrador de Insolvência deveria ter declarado a resolução em benefício da massa insolvente dos actos jurídicos praticados pelo Insolvente, quando esses actos jurídicos, praticados em período suspeito, manifestamente prejudicam a satisfação dos interesses dos credores e foram realizados com a intervenção de terceiros que integram o leque das “pessoas especialmente relacionadas com o insolvente ( art. 120º , nº 4; cfr. art.º 49º do CIRE ), o que faz presumir aquela mesma intenção;”
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III-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
-o Recurso interposto pelo Recorrente B. totalmente improcedente;
- o Recurso interposto pelo Recorrente C. totalmente improcedente,
com a consequência, de se confirmar, assim, integralmente a Decisão recorrida.
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Custas pelos Recorrentes (artigo 527.º nº 1 do CPC );
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Guimarães, 3 de Novembro de 2016
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(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)
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(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
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(Dra. Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente)

(1) Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, em “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado”, página 264 (anotação ao art. 56º);
(2) Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado, página 258;
(3) Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado, página 263;
(4) In Dgsi.pt (relator: Carvalho Guerra); concordando com este Acórdão, v. Ana Prata/ Jorge Morais/ Rui Simões, in “CIRE anotado”, pág. 185;
(5) CIRE anotado, pág. 265;
(6) Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado, página 263 assim o consideram, nos casos de total falta de audição das entidades mencionadas no artigo
(7) in Dgsi.pt (relator: Maria dos Prazeres Beleza)
(8) Ac. da RP de 13-07-2011, (relator: Filipe Caroço), in Dgsi.pt.
(9) Ac. da RP de 11-07-2012, (relator: Leonel Serôdio), in Dgsi.pt.
(10) Ac. da RP de 28-02-2013 (relator: José Manuel Araújo de Barros), in Dgsi.pt.
(11) Ac. da RP, de 04-02-2014 (relator: João Diogo Rodrigues), in Dgsi.pt.
(12) Ac. da RP de 03-02-2014 (relator: Carlos Querido), in Dgsi.pt.
(13) Seguiu-se até aqui de perto o ac. da RP de 4.6.2015 (relator: José Amaral), proferido no proc. nº 799/12.1TBPVZ-H.P1.– 3.ª;
(14) Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência”, pág. 218 onde refere que: “ relativamente à legitimidade activa para o exercício do direito de resolução, o art.º 123º é muito claro no sentido de que a mesma compete exclusivamente ao administrador de insolvência…”
(15) Ana Prata/ Jorge Morais/ Rui Simões, in “CIRE anotado”, pág. 370;
(16) Ana Prata/ Jorge Morais/ Rui Simões, in “CIRE anotado”, pág. 370;
(17) Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência”, pág. 218;
(18) Maria do Rosário Epifânio, in “ Manual de Direito da Insolvência”, págs. 54 e 55;
(19) Lebre de Freitas, in “Revista da Ordem dos Advogados”, nº 66, Dezembro 2006, página 1514;
(20) v.Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre O Novo Processo Civil”, página 577 e seguintes
(21) v. a anotação de Lebre de Freitas/ Isabel Alexandre, in “CPC anotado”, Vol I, págs 176 e ss. onde referem que: “ … independentemente do fundamento da sentença ser indiscutível como pressuposto da decisão proferida, entendemos que ele não é invocável como fundamento de outras decisões, ainda que dependente dos mesmos pressupostos…”;
(22) in “Estudos Sobre O Novo Processo Civil”, página 580;
(23) Como diz Abrantes Geraldes, in “ Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. II, pág. 214 “… são inúmeros os arestos dos Tribunais Superiores que têm realçado aquilo que nos parece uma constatação lógica: a resposta negativa a um determinado facto (ou quesito) apenas tem o significado de não se ter provado tal facto; não significa que se tenha que dar por provado o facto inverso…” (e mais à frente, pág. 236) “… a resposta negativa a um quesito não significa a prova do contrário; apenas significa não se ter provado o facto controvertido, quer porque nenhuma prova foi produzida, quer porque a produzida se mostrou insuficiente para convencer o Tribunal da veracidade do facto…”; cfr., entre outros, o ac. do Stj de 4.6.1974, in Bmj págs. 211 e de 5.6.1973, in Bmj 228, pág. 195 e ss.;