Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1088/10.1TTGMR.2.P1.G1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
JUNTA MÉDICA
LAUDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: A tabela médica tem um valor indicativo, importante, mas não único na fixação do valor da incapacidade, decorrente das lesões sofridas pela vítima por causa de acidente de trabalho, podendo o juiz afastar-se do laudo dos peritos médicos.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
Apelante: A… (sinistrado)
Apelado: A…, Companhia de Seguros, SA (responsável).
Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Braga, Guimarães, Instância Central, 3.ª secção de trabalho, J2
1. Em 03.06.2014, foi proferida a seguinte sentença:
O sinistrado, A…, no dia 31/10/2013, veio requerer a revisão da incapacidade que nestes autos lhe fora fixada, alegando ter sofrido um agravamento da mesma - cfr. fls. 48 a 50.
Submetido à requerida perícia, o Sr. perito médico foi de parecer que o sinistrado se encontra afetado de uma incapacidade permanente parcial de grau superior - cfr. fls. 56-59.
Inconformados quer o sinistrado quer a seguradora requereram perícia por junta médica, a qual, por unanimidade dos Srs. peritos, foi de parecer que o sinistrado se encontra afetado de uma incapacidade permanente parcial de grau superior – cfr. fls. 80-81.
Cumpre decidir.
Nos presentes autos, com base na retribuição de € 454 por 14 meses, acrescida de € 181,60 por 14 meses a título de subsídio de turno, de € 16 por 14 meses a título de outros subsídios, de € 25 por 12 meses a título de prémio de assiduidade e de € 59,64 por 11 meses a título de subsídio de alimentação, na transferência da responsabilidade para a seguradora quanto à totalidade dessas retribuições e na IPP de 10%, foi fixado e pago, com início em 17/12/2010, o capital de remição da pensão anual vitalícia de € 705,49 a cargo da “A…, S.A.” – cfr. fls. 37-38 e 42.
Ora, considerando o teor da junta médica de fls. 80-81 (aqui dado por reproduzido) e o disposto na Tabela Nacional de Incapacidades (aprovada pelo D.L. n.º 352/2007, de 23-10) em conjugação com o art.º 145.º n.º 5 do CPT, altero o grau da incapacidade permanente parcial para 12,50 % e, consequentemente, a respetiva pensão anual vitalícia é aumentada para € 881,86 desde o dia 31/10/2013.
Porém, atenta a remição da pensão inicial, o sinistrado, apenas, terá direito à diferença entre ambos os valores, o que perfaz a quantia anual de € 176,37 acrescida de juros desde aquele dia.
Oportunamente, proceda ao cálculo do capital de remição e juros do valor da diferença acima referido (€ 176,37), desde aquela data (31/10/2013) e segundo a Tabela para pensionistas de ambos os sexos, anexa à Portaria nº 11/2000, de 13-1.

2. Inconformado, veio o sinistrado interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
Consta dos presentes autos, que:
- derivado a sinistro, por sentença de 06/07/2011, tinha sido fixada a incapacidade permanente parcial de 10%;
- o sinistrado, no dia 31/10/2013, veio requerer a revisão da incapacidade que nestes autos lhe fora fixada, alegando ter sofrido um agravamento da mesma (fls. 48 a 50), juntando relatório médico que lhe atribuía uma incapacidade de 18%;
- submetido a perícia pelo gabinete do INML, O Sr. Perito médico foi de parecer que o sinistrado se encontra afetado de uma incapacidade permanente parcial de grau superior (fls. 56 a 59), atribuindo o valor de 15%;
- sinistrado e segurado não concordando com tal valor, requereram perícia por junta médica, que conclui que o sinistrado sem encontra afetado de uma incapacidade permanente parcial de grau superior (fls. 80-81), mormente o valor de 12,5%;
Ora, salvo melhor opinião, e, comparando os três relatórios médicos junto aos autos (relatório junto com a P.I., relatório do INML, e, relatório da perícia médica), dos mesmos verifica-se que os médicos/peritos concordam com a existência do agravamento de lesões face ao anteriormente fixado, e, bem ainda da existência de sua extensão.
Em concreto, refere o documento n.º 1, junto com a PI: “(…) ao exame neurológico tem atrofia muscular, deficite de força na flexão da perna sobre a coxa hipostesia pelo território L3 e L4 esquerdo e diminuição do reflexo rotuliano e aquiliano esquerdo. Fez EMG que revelou sinais severos de atrofia neurogenea crónica de L3 e L4 esquerdo e sinais mais moderados de atrofia neurogenea subaguda L4 direita e L5 bilateral.”
Também em concreto, resulta o seguinte do documento do INML junto aos autos: (…) EXAME OBJETIVO (…) - Ráquis: cicatriz mediana de natureza cirúrgica na região lombar com 6,5 cm de comprimento; raquialgia residual moderada com radiculargia esquerda; manobra de Lasègue positiva à esquerda; DDS: 30 cm; rigidez raquidiana global marcada com contratura lombar; (…) - Membro inferior esquerdo: reflexos osteotendinosos (rotuliano e aquiliano) diminuídos; hipostesia termo-álgica (face anterior da coxa e terço superior da perna)
O relatório da Junta Médica, considerou em resposta ao quesito 1 formulado a fls. 70 dos autos – que lesões permanentes apresenta o sinistrado atualmente? - que o sinistrado apresenta “radiculopatia L3 esquerda e dor a nível da face anterior da coxa esquerda”, e, em resposta ao quesito 4 formulado a fls. 62 dos autos – quais as atuais sequelas, consequência direta do acidente dos autos? – que o sinistrado apresenta “agravamento das queixas álgicas da raiz nervosa L3 esquerda e agravamento a nível eletromiográfico da referida lesão L3”.
O sinistrado apresenta lesões resultantes do acidente na região lombar e no membro inferior esquerdo, facto que a junta médica reconhece, mas não atribui claramente um fator de bonificação para a extensão das lesões e para o aumento da incapacidade.
Verifica-se uma clara divergência entre o relatório médico junto com a P.I., a perícia médica e a junta médica quanto ao valor da percentagem do coeficiente de incapacidade. Como é possível, usando todos a mesma rubrica da tabela (capitulo III – 7, com coeficiente de 0,10-0,20, um relatório atribuir 18%, outro 15% e o outro 12,5%?
Aliás, verificando-se lesões resultantes do acidente na região lombar e no membro inferior esquerdo, e, dada a gravidade das mesmas, e, da forma como afetam o dia-a-dia do sinistrado, que se encontra claramente demonstrado no relatório do INML, nunca poderia o valor da percentagem ser fixado na metade inferior dos valores admissíveis previstos na tabela.
Mais, não obstante a existência das perícias médicas, o tribunal não está limitado pelas mesmas, deverá apreciar livremente tal prova e enquadrá-la com as demais existentes nos autos. Tal também é o entendimento da jurisprudência, senão vejamos: “I - Os laudos da junta médica, mesmo os emitidos por unanimidade, enquanto prova pericial, não são vinculativos para o tribunal. Atua aqui o princípio da livre apreciação pelo tribunal, que se baseia na sua prudente convicção sobre a prova produzida, isto é, em regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência. (…)” (acórdão Relação Lisboa, de 11/10/2000: Col. Jur. 2000, 4º -167)
“I – o exame pericial tem por fim a perceção, ou apreciação de factos pelos peritos, sempre que sejam necessários conhecimentos especiais para o efeito, a fim de se habilitar o julgador, a pronunciar-se sobre uma dada realidade. II – porém, as asserções e conclusões dos peritos não se sobrepõe ao princípio da livre apreciação da prova, não se impondo, sem mais, ao julgador, que sobre elas tem a faculdade de exercer o seu juízo crítico, podendo até delas divergir e concluir diversamente, desde que motive/fundamente a sua dissenção. III – existindo nos autos elementos que habilitam a concluir que no exame feito em junta médica os peritos não levaram em conta todo o quadro clinico relevante que os deveria habilitar a responder de forma precisa aos quesitos apresentados, pode o julgador afastar-se do conteúdo desse laudo pericial e aderir ao parecer de um perito singular, desde que precise as razões dessa sua conduta. (acórdão Relação Coimbra, de 16/06/2005: BTE 2ª série n.º 10-11-12/2006, pagina 1158).
Ou seja, o tribunal a quo, poderia face aos elementos constantes dos autos, e, supra referidos, proferir outra decisão, mormente a fixação à Recorrente/Sinistrada de uma IPP de 18%.
Sem prescindir, caso o supra exposto, não seja aceite, o que não se atende, nem se concede, verifica-se, nos autos a discrepância entre relatórios médicos, pelo que, deveria a sentença ter justificado a opção que tomou, ora, não o fez. Assim, a sentença é nula por falta de fundamentação, e, está em clara violação dos artigos 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e, dos artigos 154.º e 607.º do Código de Processo Civil.
NESTES TERMOS e nos demais em direito aplicável, que V.Ex.ª mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso de apelação ser julgado totalmente procedente por provado, devendo a douta sentença ora recorrida ser revogada e substituído por outra que fixe como IPP ao sinistrado/recorrente o valor de 18%.

3. Não foi apresentada resposta.
4. O Ministério Público, neste tribunal da relação, apresentou parecer no sentido de que a apelação não merece provimento e que não deve ser conhecida a arguida nulidade da sentença, por não ter sido invocada em separado.
5. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.
6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir residem em apurar se o grau de incapacidade permanente parcial do sinistrado deve ser aumentado para 18%, em vez dos 12,5% resultantes do laudo da junta médica e se ocorre a nulidade da sentença.

A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a considerar são os que resultam da sentença, alegações e dos autos.

B) APRECIAÇÃO
As questões a decidir são aquelas que já elencamos:
Apurar se o grau de incapacidade permanente parcial do sinistrado deve ser aumentado para 18%, em vez dos 12,5% resultantes do laudo da junta médica, e se ocorre a nulidade da sentença.
A nulidade da sentença invocada devia tê-lo sido em separado no requerimento de interposição do recurso, como decorre do art.º 77.º n.º 1 do CPT.
Todavia, como estamos em presença de direitos absolutamente indisponíveis, conheceremos dela (art.º 74.º do CPT).
É bem verdade que a sentença não apreciou as três perícias juntas aos autos, as quais concluem de modo diferente quanto ao grau de incapacidade.
É nosso entendimento que as perícias médicas não constituem a decisão sobre o grau de incapacidade a fixar, mas somente um elemento de prova. Trata-se de uma prova que exige especiais conhecimentos na matéria. Por isso, o laudo pericial deve conter os factos que serviram de base à atribuição de determinada incapacidade de modo a que o tribunal possa controlar o raciocínio lógico empreendido pelos peritos médicos de forma a valorá-lo.
No caso dos autos, o sinistrato requereu a revisão da incapacidade, apresentou quesitos e um relatório médico subscrito por médico da especialidade de neurocirurgia, o qual concluiu que ocorreu agravamento das lesões que situou em 18% de IPP (fls. 48 a 52.
O Gabinete Médico Legal e Forense do Ave, a fls. 54 a 58, elaborou um relatório completo e exaustivo sobre a história do evento, dados documentais, antecedentes, estado atual, queixas, exame objetivo, discussão e concluiu que ocorreu um agravamento da incapacidade do sinistrado para 15%.
A junta médica, a fls. 80 e 81, respondeu aos quesitos apresentados pelas partes, refere que ocorreu agravamento das queixas álgicas da raiz nervosa L3 esquerda e agravamento a nível eletromiográfico da referida lesão L3 e concluem pela atribuição de uma incapacidade de 12,5%.
Havendo nos autos duas perícias médicas que indicam agravamento superior ao indicado pela junta médica, competia a esta deixar claro qual foi o critério que usou para fixar o agravamento em 2,5%, em vez do agravamento de 5% do Gabinete médico legal e do agravamento de 8% do médico a que recorreu o sinistrado.
Quando ocorrem divergências como a dos autos, entre os diversos laudos, a última perícia, a da junta médica, deve expor as razões pelas quais diverge dos laudos anteriores, de forma a que o juiz possa seguir o raciocínio lógico empreendido pelos peritos médicos e sindicá-lo em face de outros laudos ou provas. O juiz não se pronúncia sobre a doença em si, apenas controla se o raciocínio seguido pelos médicos é lógico e conduz ao resultado a que chegaram. O juiz só pode apreciar criticamente as perícias médicas se estas contiveram os factos referentes ao caminho seguido pelos médicos com vista a atribuir uma incapacidade.
Em face dos diferentes raciocínios apresentados pelos peritos médicos, assim o juiz pode apreciá-los criticamente e proferir uma decisão diferente quanto ao grau da incapacidade, se for o caso.
Os peritos médicos devem apoiar-se nos elementos recolhidos para avaliarem as incapacidades com rigor.
Por seu turno, os juízes, como não têm os conhecimentos especiais requeridos e não podem substituir-se aos peritos médicos no seu juízo científico, ficam em condições de exercer o seu munus e apreciar jurisdicionalmente a avaliação efetuada por aqueles, a qual está sujeita à livre apreciação pelo julgador, nos termos do artigo 489.º do Código do Processo Civil.
Na verdade, no julgamento da matéria de facto, correspondente à fixação da incapacidade, o juiz pode afastar-se do laudo unânime dos peritos médicos, uma vez que tem acesso aos elementos de facto que levaram à formação da convicção dos peritos e, assim, pode controlar o raciocínio que os levou àquela conclusão .
Nesta conformidade, decidimos julgar procedente a apelação e anular a sentença recorrida, devendo repetir-se a junta médica, com os mesmos peritos, se possível, de modo a que estes fundamentem claramente as razões pelas quais divergem dos resultados das perícias anteriores, de tal modo que o juiz possa controlar o raciocínio lógico dos peritos e apreciar a prova na sua globalidade, criticamente, e concluir de forma justa pela real incapacidade do sinistrado.
Sumário: a tabela médica tem um valor indicativo, importante, mas não único na fixação do valor da incapacidade, decorrente das lesões sofridas pela vítima por causa de acidente de trabalho, podendo o juiz afastar-se do laudo dos peritos médicos.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e anular a sentença recorrida, devendo repetir-se a junta médica, com os mesmos peritos, se possível, de modo a que estes fundamentem claramente as razões pelas quais divergem dos resultados das perícias anteriores, de tal modo que o juiz possa controlar o raciocínio lógico dos peritos e apreciar a prova na sua globalidade, criticamente, e concluir de forma justa pela real incapacidade do sinistrado.
Custas pelo vencido, a final deste incidente, sem prejuízo do apoio judiciário do sinistrado.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Guimarães, 11 de junho de 2015.
Moisés Silva
Antero Veiga
Manuela Fialho