Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | GOMES DA SILVA | ||
Descritores: | DIVÓRCIO LITIGIOSO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/28/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
Sumário: | a)A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir, como é óbvio, a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar de alguma forma o cônjuge lesado pelos desgostos e sofrimentos provocados pela dissolução do casamento em cuja manutenção confiava, para além de sancionar a conduta da lesante. b) Sendo as condições sociais aproximadamente semelhantes e algo inferior a económica da recorrente, tanto que só dispõe de ajuda pouco mais que simbólica contribuição de 63 €/mês da parte do recorrido para a educação, sustento, vestuário, saúde e mais despesas do Simão, criança de quase três anos de idade, devendo considerar-se o fracasso do casamento algo de não muito surpreendente, nos tempos hodiernos, e sendo o profundo desgosto sofrido pelo A. rapidamente ultrapassável por um homem jovem, desportista, de trinta anos, muito dado a reuniões frequentes com amigos, tendo sido o recorrido a requerer primeiro a dissolução do casamento e a não muito elevada censurabilidade social da conduta da recorrente (abandonou o lar conjugal para dar início a comunhão de vida com outro homem), não deixa de representar um valor indemnizatório adequado ao sobredito circunstancialismo a quantia de 500 €, capaz de ressarcir, em termos razoáveis, o apelado daqueles prejuízos de ordem não patrimonial sofridos pela extinção do vínculo conjugal por exclusiva culpa da apelante. | ||
Decisão Texto Integral: | P. Nº 798/2003-2ª T. J. VIANA DO CASTELO-2ªV (233/2002) APELAÇÃO ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: I – RELATÓRIO 1. Aos 2002.04.04, "A" intentou contra "B" acção declarativa e condenatória de divórcio litigioso. 2. Pretendia obter sentença que: a) decretasse o divórcio entre A. e R., b) declarasse esta única culpada e c) condenasse a mesma a pagar ao A. a quantia de 7.482 €, a título de indemnização por danos morais. 3. A R. contestou e deduziu reconvenção, pedindo: a) que se decretasse o divórcio entre os cônjuges, mas com culpa exclusiva do A., e b) que este fosse condenado a pagar à R., a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 7.484 €, acrescida de juros de mora a contar da notificação do pedido reconvencional. 4. Replicou o A., contestando a pretensão da R.. 5. Prolatado o saneador e fixada a base instrutória, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido lavrada sentença que, tendo a acção parcialmente procedente por provada, em consequência: a. decretou o divórcio entre o A. "A" e a R. "B", declarando-se dissolvido o seu casamento; b. declarou a R. única culpada do divórcio; c. condenou a R. a pagar ao A., a título de indemnização pela dissolução do casamento, a quantia de 1.500 €; d. absolveu a R. do pedido de condenação como litigante de má fé e e. julgou improcedente, por não provada, a reconvenção, dela absolvendo o A.. 5. Irresignada, dela apelou a R., no concernente ao sector da condenação referido supra em c., tendo elencado conclusões. 6. O apelado não respondeu. 7. Cumpre apreciar e decidir. II – A MATERIALIDADE Vem tida por provada a seguinte factualidade: 1. A. e R. contraíram casamento em 9 de Novembro de 1996, sem precedência de convenção antenupcial. 2. Na constância do casamento, nasceu em 26 de Junho de 2000 o menor Simão .... 3. No mês de Julho de 2001, a R. saiu da casa onde vivia com o A., levando consigo o filho do casal. 4. A partir dessa data, a R. passou a residir com Carlos Pereira. 5. A R. e o Carlos comportam-se como se de marido e mulher se tratasse, encontrando-se a R. grávida, em Março de 2002. 6. O A. sente um profundo desgosto por o seu casamento ter fracassado. 7. Todas as sextas-feiras, o A. ia jogar futebol com os amigos. III – A JURISDICIDADE 1. a) Tendo em conta o desenho das conclusões da apelante, o recurso está restrito à matéria da quantificação dos danos não patrimoniais pela dissolução do casamento (arts. 684º-nº3 e 690º-nº1 CPC). b) Como se colhe da sentença apelada, a R. foi condenada a pagar danos no valor de 1.500 €, pela dissolução do seu casamento. É pretensão da recorrente a sua fixação em 300 €, valor este aproximado ao quíntuplo da prestação alimentícia paga mensalmente à condenada pelo apelado, a título de prestação alimentícia devida ao folho de ambos, de nome Simão. 3. a) O cônjuge declarado único ou principal culpado deve reparar os prejuízos de ordem não patrimonial causados pelo outro cônjuge pela dissolução do casamento (art. 1792º CC). O correspondente pedido indemnizatório, que deve ser deduzido na própria acção de divórcio, abrange tão somente os danos causados pelos factos ilícitos imputáveis a esse cônjuge, que também fundamentem esse divórcio. A obrigação ressarcitória não inclui nem os danos patrimoniais nem os não patrimoniais emergentes dos factos que geraram o divórcio; estes devem ser reparados nos termos das regras gerais sobre a responsabilidade por factos ilícitos (cfr. art. 483º CC e P. Lima e A. Varela, CC Anot., 4º/568), ainda que não necessariamente pela via processual comum, desde que peticionados cumulativamente (cfr. arts. 31º, 174º e 470º CPC, reformados pelo DL nº 329-A/95); ou seja, não é o divórcio em si que dá causa à indemnização, mas os danos causados pelo mesmo no lesado-cônjuge (cfr. Heinrich Horster, “A Respeito da Responsabilidade Civil entre os Cônjuges”, Scientia Jurídica, XLIV, pág. 252). Por outro lado, a indemnização a que alude o art. 1792º CC pressupõe a concreta existência de prejuízos sindicados, provocados pelo próprio divórcio, cujo ónus probatório incumbe ao peticionante respectivo (art. 342º CC e Ac. R. Lisboa, de 1981.05.05, in CJ 1981-3/21). b) A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir, como é óbvio, a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento, mas sim compensar de alguma forma o cônjuge lesado pelos desgostos e sofrimentos provocados pela dissolução do casamento em cuja manutenção confiava, para além de sancionar a conduta da lesante. Assenta no pressuposto de que tais danos revistam gravidade tal que mereça tutela jurídica, não bastando que sejam vulgares ou naturais em situação equiparada. As circunstâncias a convocar para a dosimetria do quantum indemnizatório (arts. 496º-nº3 e 494º CC) são: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e as demais atendíveis, entre elas a intensidade da lesão e o dolo da agente. Mas a equidade impõe que se considere, primordialmente, as especificidades do caso concreto, aferidos em função de padrões de dignidade humana, e não que se opte pela arbitrariedade. c) Os factos com relevo para a decisão são os seguintes: 1. O A., com cerca de trinta anos de idade, sente um profundo desgosto por o seu casamento, efectuado aos 1996.11.09, ter fracassado. 2. Aos 2000.06.26, nascera-lhe da R. o filho Simão. 3. A demandada abandonou o domicílio conjugal comum, com o filho, em Julho de 2001; é cabeleireira de profissão. 4. Apelada e apelado litigam com apoio judiciário, por patronos nomeados. 5. O A. peticionou a considerada indemnização no valor de 7.482 €; e a Reconvinte, 7.484 €. 6. A apelada requereu, aos 2002.05.17, o arrolamento dos bens comuns do então casal; e, na mesma data, fez instaurar acção para regulação do poder paternal sobre o menor Simão. 7. O recorrido entrega mensalmente à recorrente 63 €, a título de contribuição para o sustento, alojamento, educação e guarda do menor Simão, fixados na dita acção de regulação do pátrio poder. Como se depreende dos factos reproduzidos nos items nºs 1 e 3, é aproximadamente semelhante a condição económica e social das partes; mas, mantém-se em condições algo inferiores a recorrente, tanto que só dispõe de ajuda pouco mais que simbólica contribuição do seu ex-marido para a educação, sustento, vestuário, saúde e mais despesas do Simão, criança de quase três anos de idade. Por outro lado, o fracasso do casamento é algo de não muito surpreendente, nos tempos hodiernos, sobretudo perante as consabidas taxas de insucesso matrimonial (à roda de 1/3 nos primeiros cinco anos e de 2/3 ao cabo de uma década); o profundo desgosto sofrido pelo A. não deixará de ser rapidamente ultrapassado por um homem jovem, desportista, de trinta anos, muito dado a reuniões frequentes com amigos; veja-se, ainda, que foi o recorrido a requerer primeiro a dissolução do casamento. Finalmente, a culpabilidade da recorrente incide sobre o seu abandono do lar conjugal para dar início a comunhão de vida, como se casada fosse, com outro homem, de quem já terá o menor André. Impressivamente, considerar-se-á o rácio valor do dinheiro/condição económico-social que, traduzindo embora quantia para ele já significativa (pois que de tal convenceu o julgador), não deixa de representar, objectivamente, assaz miúda prestação alimentícia. Tudo permite concluir que a quantia de 600 € representa um valor indemnizatório adequado ao sobredito circunstancialismo, capaz de ressarcir, em termos razoáveis, o apelado daqueles prejuízos de ordem não patrimonial sofridos pela extinção do vínculo conjugal por exclusiva culpa da apelante. IV – DECISÃO FINAL Em função do exposto, em nome do Povo, acordamos em: 1. reduzir a quantia indemnizatória por danos não patrimoniais devidos pela R. ao A. para a quantia de 500 €, 2. assim parcialmente provendo à apelação. Custas, na medida das sucumbências, por cada uma das partes, em ambas as instâncias. Guimarães, 2003. 05.28, |