Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
15/03.7PEGMR-B.G1
Nº Convencional: JTRG000
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: LEGITIMIDADE PARA RECORRER
INTERESSE EM AGIR
ASSISTENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: O assistente tem legitimidade para recorrer do despacho que declarou extinta a pena de prisão de dois anos e oito meses aplicada ao arguido, pena essa, cuja execução havia sido declarada suspensa, por inexistência de motivos que pudessem conduzir à revogação da suspensão.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

*

I- Relatório

Nos presentes autos por acórdão condenatório transitado em julgado a 23/04/2008, o arguido Armando O... foi condenado na pena única de dois anos e oito meses de prisão, suspensa pelo período de dois anos, com a condição de demonstrar, no prazo de dois anos, o pagamento ao BCP da quantia de € 6.449,95, acrescida dos juros vencidos desde 13/02/2004 até integral pagamento.

Posteriormente, foi proferido despacho a 25/5/2011 que declarou extinta a pena em causa por inexistirem motivos que pudessem conduzir à revogação da suspensão.

Por não se conformar com tal despacho veio o assistente BCP, S.A. interpor o presente recurso, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

1- De acordo com o disposto no artigo 403.º do Código de Processo Penal, o recorrente impugna todo o despacho proferido em 25.05.2011, através do qual foi determinada pelo Tribunal a quo a extinção da pena de prisão de dois anos e 8 meses suspensa na sua execução condicionada ao pagamento ao Banco Comercial Português do montante de € 6.449,95, acrescido de vencidos e vincendos, na qual foi condenado o arguido Armando O....

2- Conforme vertido no despacho proferido em 25.05.2010 e ora impugnado pelo Banco assistente, o Tribunal a quo determinou “(…) ao abrigo do disposto no artigo 57.º/1 do Código Penal, por inexistirem motivos que possam conduzir à revogação da suspensão, declara-se extinta a pena”, entendendo “(…) não ser culposo o não cumprimento da condição da suspensão”.

3- Do relatório social elaborado consta que o arguido Armando O... se encontra (esperemos que somente por coincidência) desempregado da actividade que desempenhava na sociedade do seu cunhado desde Abril de 2008, mês em que transitou em julgado o Acórdão que condenou o arguido em pena de prisão suspensa na sua execução e condicionada ao pagamento do mencionado montante de € 6.449,95 ao Banco Comercial Português.

4- Da situação familiar do arguido Armando O... ressalta ainda, de acordo com o relatório social elaborado, que a esposa do arguido aufere o salário mínimo, que ambos vivem numa casa arrendada e que a filha se encontra a estudar no ensino superior beneficiando de uma bolsa de estudo.

5- Da análise feita pelos serviços da Direcção-Geral de Reinserção Social não resulta que o arguido seja tido em boa conta junto do seu meio social ou que lhe seja conhecida uma qualquer tentativa de conseguir uma actividade lícita que lhe confira o rendimento para que possa proceder ao pagamento em que foi condenado.

6- Sendo sempre de salientar que o arguido Armando O... não procedeu sequer ao pagamento de parte daquele montante.

7- Salvo o devido respeito, dos autos não resulta, por um lado, que o arguido Armando O..., apesar de auferir somente subsídio de desemprego, tenha procurado activamente emprego, uma vez que, apesar de consultado o Centro de Emprego de Guimarães, o relatório social que serviu de base à presente decisão não refere que o arguido Armando O... haja procurado activamente emprego.

8- Por outro lado, resulta, salvo melhor opinião, que o arguido Armando O... terá contribuído para a situação de desemprego em que se colocou, uma vez que se encontrava empregado numa sociedade de um cunhado, tendo sido “dispensado”, conforme já referido supra, precisamente no mês em que transitou em julgado o Acórdão condenatório proferido nos presentes autos.

9- Assim, ao invés da extinção da suspensão da pena de prisão em que condenou o arguido, o Tribunal a quo poderia e deveria ter determinado a prorrogação do prazo de suspensão e/ou a redução do montante que o arguido ficaria obrigado a entregar ao Banco demandante.

10- Acresce que, como já aflorado supra, não é suficiente aferir as capacidades económicas do arguido, havendo que averiguar igualmente qual é a sua capacidade de trabalho e de gerar rendimento de modo a que possa reparar o mal patrimonial que causou.

11- Com efeito, considerar, de forma diferente – que basta aferir a condição económica do arguido – seria sempre colocá-lo numa posição confortável e favorável à não reparação: bastaria recusar-se a trabalhar para depois poder alegar que não cumpriu a condição que lhe foi imposta.

12- Acresce ainda que a decisão proferida pelo Tribunal a quo peca por antecipação, já que não foi feita qualquer averiguação quanto aos bens do arguido Armando O..., desconhecendo o Tribunal a quo, por exemplo, se o mesmo, apesar de viver numa casa arrendada, é proprietário de qualquer outro bem imóvel ou de automóvel que pudesse vender para satisfazer a condição que lhe foi imposta para a suspensão da pena de prisão em que foi condenado.

13- Nestes termos, deve ser revogado o despacho proferido em 25.05.2011, sendo proferido outro pelo qual seja determinada a imposição de novos deveres ou regras de conduta e/ou a redução do montante que o arguido Armando O... fica obrigado a pagar ao Banco demandante.

AS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS PELO TRIBUNAL A QUO

14- O recorrente considera que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 55.º, 56.º e 57.º do Código Penal ao determinar que o não cumprimento pelo arguido Armando O... da condição que lhe foi imposta para a suspensão da pena de prisão consubstancia causa de extinção da mencionada pena.

O SENTIDO EM QUE O TRIBUNAL A QUO APLICOU AS NORMAS JURÍDICAS EM CAUSA

15- O Tribunal a quo interpretou as normas jurídicas violadas no sentido de que o não cumprimento, alegadamente não culposo, pelo arguido Armando O... da condição que lhe foi imposta para a suspensão da pena de prisão consubstancia causa de extinção da mencionada pena e não causa de alteração das regras de conduta ou deveres impostos ao arguido.

O SENTIDO EM QUE O TRIBUNAL A QUO DEVERIA TER APLICADO AS NORMAS JURÍDICAS EM CAUSA

16- O Tribunal a quo deveria ter aplicado o disposto nos artigos 55.º, 56.º e 57.º do Código Penal no sentido de que, alegando o arguido Armando O... não poder cumprir a condição que lhe foi imposta para a suspensão da pena de prisão em que foi condenado, deveria ter sido averiguada a sua capacidade económica de gerar rendimento antes de ter sido decretada a extinção da mencionada pena.

*

O MP junto do tribunal recorrido e o arguido responderam ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer a fls. 57, no qual suscita a questão prévia da falta de legitimidade do recorrente por, em seu entender, o despacho recorrido não ter colocado fim aos legítimos interesses do Assistente/recorrente que legalmente tem sempre direito a receber a verba que o arguido lhe deve, na medida em que bastará intentar processo de execução contra o arguido logo que o mesmo disponha de meios económicos para satisfazer essa obrigação, meios que actualmente o Tribunal entendeu que o arguido não tinha e que o Assistente/recorrente igualmente desconhece pois também não os indica.

Conclui, assim, que dispondo o Assistente /recorrente dessa possibilidade legal para satisfazer os seus legítimos interesses que não são de forma alguma afectados com a prolação desta douta decisão, carece o mesmo de legitimidade para interpor recurso, devendo o mesmo ser rejeitado.

O recorrente veio responder defendendo a respectiva legitimidade para recorrer.

*

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

*

II- Fundamentação

A- Teor do despacho

“Nos presentes autos o arguido foi condenado na pena única de dois anos e oito meses de prisão, suspensa pelo período de dois anos, com a condição de demonstrar, no prazo de dois anos, o pagamento ao BCP da quantia de € 6.449,95, acrescida dos juros vencidos desde 13/02/2004 até integral pagamento.

O acórdão condenatório transitou em julgado em 23/04/2008.

Em 4 de Outubro de 2010 o arguido informou nos autos não ter cumprido a condição imposta, alegando que:

- está desempregado, auferindo subsídio social de desemprego de € 302,00;

- vive com a sua companheiro, que aufere um salário de € 475,00 mensais;

- tem uma filha maior, ainda estudante.

Foi solicitada a elaboração de relatório social e a prestação de informações pela autoridade policial, dos quais resulta que:

- o arguido está desempregado desde Abril de 2008;

- recebeu o respevtivo subsídio, no montante de € 302,00, até Fevereiro de 2011, altura em que cessou;

- vive em casa arrendada;

- a mulher do arguido aufere o salário mínimo;

- a filha frequenta o ensino superior, o qual é custeado através de uma bolsa, que foi entretanto reduzida para metade.

Foi junto ao autos CRC do arguido, do qual resulta não ter praticado qualquer crime durante o período da suspensão.

O Ministério Público promoveu se declare extinta a pena, por não se verificarem os pressupostos da revogação da suspensão.

Cumpre decidir.

*

O artigo 55º do Código Penal enuncia as medidas de que o Tribunal se pode socorrer se, durante o período de suspensão, o condenado culposamente deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos.

O artigo 56º/1/a) do mesmo Código determina que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.

Das normas em apreço afere-se com clareza que qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação de deveres ou regras de conduta impostos na sentença, pressupõe a culpa no não cumprimento da obrigação.

E no caso de revogação, a culpa há-de ser grosseira (neste sentido, cfr, a título meramente exemplificativo do que é jurisprudência pacífica, AcRP, 12/01/2011, in http//www.dgsi.pt).

No caso concreto, para que se possa afirmar que o condenado agiu com culpa ao não pagar a quantia a que ficou subordinada a suspensão, é assim necessário demonstrar que tinha condições económicas para o fazer, ou então que se colocou voluntariamente na situação de não poder pagar, nomeadamente não usando a sua força de trabalho.

Ora, dos elementos probatórios coligidos pelo Tribunal resulta de forma inequívoca que o condenado vive uma situação económica extremamente precária; de facto, nunca auferiu, durante o período de suspensão, quantia mensal superior a € 302,00 mensais (valor do subsídio de desemprego), sendo que, dos restantes membros do agregado familiar, a mulher aufere o salário mínimo e a filha é ainda estudante, custeando os estudos através de uma bolsa.

Concluímos assim não ser culposo o não cumprimento da condição da suspensão.

Por outro lado, do CRC junto aos autos resulta que o arguido não praticou qualquer crime durante o período da suspensão.

Face a todo o exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 57º/1 do Código Penal, por inexistirem motivos que possam conduzir à revogação da suspensão, declara-se extinta a pena”.

*

Apreciando

1- Importa analisar, antes de mais, a questão prévia relativa à legitimidade do recorrente (assistente) para o presente recurso.

Esta matéria há muito que vem sendo discutida na doutrina e na jurisprudência. Contudo, o Ac. STJ nº. 5/2011, de 9-2-2011 (publicado no DR, 1.ª série, de 11-Março-2011) veio de alguma forma aclarar tal temática e contribuir para uma mais correcta definição do papel do assistente nesta sede.

Ali se escreveu, entre o mais:

“… Os assistentes, no processo penal, são configurados como «colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei», nos termos do n.º 1 do artigo 69.º do Código de Processo Penal. Como se vê, previne desde logo esta norma, ao ressalvar excepções, que nem sempre os assistentes subordinam a sua actuação no processo à actividade do Ministério Público, a significar que, na prática de determinados actos processuais, detêm poderes autónomos, poderes esses que, permitindo-lhes «co -determinar, dentro de certos limites e circunstâncias, a decisão final do processo», sustentam o seu estatuto de sujeitos processuais (cf. Figueiredo Dias, Sobre os Sujeitos Processuais no Novo Código de Processo Penal, Jornadas de Processo Penal, 1988, p. 11).

Um desses poderes dos assistentes, e que importa aqui analisar por se lhe referir a divergência a dirimir, é o previsto na alínea c) do n.º 2 daquele preceito: o de «interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito». Mas, mesmo nos casos em que actua autonomamente, o assistente é sempre um colaborador do Ministério Público, no sentido de que, com a sua actuação, contribui para uma melhor realização dos interesses cometidos ao Ministério Público, a quem, em conformidade com o disposto no artigo 53.º, n.º 1, do código citado, compete, no processo penal, «colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito». Valem neste ponto as palavras de Damião da Cunha: «O conceito de colaboração e de subordinação não significa obviamente que a intervenção do assistente não possa entrar em directo conflito com as decisões do MP. O que se pretende dizer é, isso sim, que o interesse que o assistente eventualmente corporize (que tem de ser um interesse particular, autónomo) tem que estar subordinado ao interesse público, pelo que a actuação do assistente, fundada no interesse particular, só assume relevância (processual) na medida em que contribua para uma melhor realização da administração da justiça (ou, no caso concreto, um melhor exercício da ‘acção penal’). O que significa, pois, que colaboração e subordinação se referem aos ‘interesses’ em jogo» (RPCC, 1998, p. 638).

É a esta luz que deve definir -se o alcance do poder do assistente de interpor recurso das decisões que o «afectem», previsto no artigo 69.º, n.º 2, alínea c), que se identifica com a legitimidade para recorrer das decisões «contra ele proferidas», conferida pelo artigo 401.º, n.º 1, alínea b). O assistente, sendo imediata ou mediatamente atingido com o crime, adquire esse estatuto em função de um interesse próprio, individual ou colectivo. Porém, a sua intervenção no processo penal, sendo embora legitimada pela ofensa a esse interesse, que pretende afirmar, contribui ao mesmo tempo para a realização do interesse público da boa administração da justiça, cabendo -lhe, em função da ofensa a esse interesse próprio, o direito de submeter à apreciação do tribunal os seus pontos de vista sobre a justeza da decisão, substituindo o Ministério Público, se entender que não tomou a posição processual mais adequada, ou complementando a sua actividade, com o que, por isso, se não desvirtua o carácter público do processo penal.

O assistente só tem legitimidade para recorrer das decisões contra ele proferidas, mas dessas decisões pode sempre recorrer, haja ou não recurso do Ministério Público. A circunstância de haver ou não recurso do Ministério Público não aumenta nem diminui as possibilidades de recurso do assistente. A única exigência feita pela lei ao assistente para poder recorrer de uma decisão é que esta seja proferida contra ele. Não há que procurar outras a coberto do chamado interesse em agir, a que alude o n.º 2 do artigo 401.º De facto, sendo a legitimidade, no processo civil, a posição de uma parte em relação ao objecto do processo, justificando que possa ocupar-se em juízo da matéria de que trata esse processo (cf. Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, Faculdade de Direito de Lisboa, Lições, 1973 -1974, p. 151), em processo penal, a legitimidade do assistente para recorrer significa que ele só pode interpor recurso de decisões relativas aos crimes pelos quais se constituiu assistente (cf. Damião da Cunha, ob. cit., p. 646). Já o interesse em agir do assistente, em sede de recurso, remete para a necessidade que ele tem de lançar mão desse meio para reagir contra uma decisão que comporte para si uma desvantagem, que frustre uma sua expectativa ou interesse legítimos, a significar que ele só pode recorrer de uma decisão com esse alcance, de acordo com Figueiredo Dias, que conclui, citando Roxin: «Aquele a quem a decisão não inflige uma desvantagem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na sua correcção, não lhe assistindo, por isso, qualquer possibilidade de recurso» (RLJ, ano 128, p. 348).

Sendo assim, deve concluir-se que o texto da alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º já abrange o interesse em agir, ao exigir, para além da qualidade de assistente, que a decisão seja proferida contra ele, ou seja, que lhe cause prejuízo ou frustre uma expectativa ou interesse legítimos. O assistente tem interesse em pugnar pela modificação de uma decisão que não seja favorável às suas expectativas…”.

Perante o acabado de expor, afigura-se-nos inequívoco que a decisão aqui em causa frustra manifestamente as expectativas e o interesse legítimo do assistente em ver ressarcidos de imediato os respectivos danos.

E desde que o assistente se tenha por afectado pela decisão penal por ela não corresponder, segundo o seu juízo de valor, à justiça do caso concreto, em que ele, como ofendido, é interessado directo, então também não pode colocar-se em dúvida o seu “interesse em agir”, o seu “interesse processual”, no caso, visando, através do recurso, a reapreciação da decisão que, segundo ele, não fez a aplicação mais ajustada do direito ao caso, assim dando a sua contribuição ao mesmo tempo para a realização do interesse público na melhor administração da justiça.

Daí que, salva melhor opinião, tenha o mesmo legitimidade e interesse em agir para recorrer na presente situação, independentemente da lei lhe facultar qualquer outro meio alternativo de ressarcimento, sempre mais longínquo no tempo e jamais dotado das mesmas garantias.

*

2- Cumpre apreciar agora do mérito do recurso do assistente.

Como já vimos, insurge-se este contra o despacho que declarou extinta a pena aplicada ao arguido estribando-se, em síntese, nas seguintes razões:

- não resulta das informações recolhidas nos autos que seja conhecida uma qualquer tentativa do arguido de conseguir uma actividade lícita que lhe confira o rendimento para que possa proceder ao pagamento em que foi condenado, maxime que tenha procurado activamente emprego.

- não é suficiente aferir as capacidades económicas do arguido, havendo que averiguar igualmente qual é a sua capacidade de trabalho e de gerar rendimento de modo a que possa reparar o mal patrimonial que causou. Com efeito, considerar, de forma diferente – que basta aferir a condição económica do arguido – seria sempre colocá-lo numa posição confortável e favorável à não reparação: bastaria recusar-se a trabalhar para depois poder alegar que não cumpriu a condição que lhe foi imposta.

- não foi feita qualquer averiguação quanto aos bens do arguido Armando O..., desconhecendo o Tribunal a quo, por exemplo, se o mesmo, apesar de viver numa casa arrendada, é proprietário de qualquer outro bem imóvel ou de automóvel que pudesse vender para satisfazer a condição que lhe foi imposta para a suspensão da pena de prisão em que foi condenado.

A presente questão cifra-se na adequada articulação e interpretação dos arts. 55º. a 57º. do Código Penal, com especial destaque para o disposto no primeiro deles, no qual se estipula o seguinte:

Artigo 55º

Falta de cumprimento das condições da suspensão

Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:

a) Fazer uma solene advertência;

b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;

c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;

d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no nº 5 do artigo 50º.

Resulta de tal dispositivo que a partir de apreciação cuidada e criteriosa o julgador dispõe de uma ampla panóplia de possibilidades de evitar quer a falta de cumprimento puro e simples dos deveres ou das condições da suspensão, quer a revogação da suspensão, devendo proceder, antes de mais, à escolha da adequada atitude sancionatória em face do disposto no art. 55º. CP se a situação ali for subsumível.

Importa por isso ter presente que tal como o “esforço para se adaptar” que está contido no melhor entendimento a dar ao vocábulo “corresponder” ao plano de reinserção, assim também para aferir do carácter culposo, ou não culposo, do não cumprimento dos deveres impostos será preciso apreciar do esforço em concreto efectuado pelo condenado para corresponder ao que lhe foi imposto. Se o arguido tem um concreto dever para cumprir, que preocupações teve com a respectiva satisfação? Que diligências concretas efectuou para o respectivo cumprimento?

Cabendo-lhe, naturalmente, a ele, antes de mais, demonstrar (provando-o) o que efectuou pela positiva e as impossibilidades com que se deparou, que se lhe apresentaram, não podendo nunca o Tribunal bastar-se com simples atitudes de manifesta inércia, de “tanto faz como fez”, de “tanto se me dá”, ou de meras alegações “papagueadas” sem quaisquer provas que as sustentem, com o que corre o risco de contemporizar com manifestas ausências de qualquer esforço para cumprir, desautorizando implicitamente as suas próprias decisões e o papel das mesmas na sociedade, ao mesmo tempo que não garante a mais conveniente e adequada realização das finalidades da punição.

Não se esqueça, também, que o carácter culposo da omissão da satisfação dos deveres impostos admite quer o incumprimento doloso quer o simplesmente negligente, uma vez que a versão final do CP foi menos exigente do que o projecto de Eduardo Correia que requeria um incumprimento doloso ou gravemente culposo do agente, tal qual se apreende das respectivas Actas Código Penal. Vd., a propósito, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, nota 1 ao art. 55º., pág. 200

Como escreve Maia Gonçalves Maia Gonçalves, Código Penal anotado e comentado, 18ª. ed., 2007, nota 4 ao art. 55º., pág. 231

“Só mediante a ponderação das particularidades de cada caso concreto o Juiz poderá decidir se alguma sanção deve ser aplicada e, caso positivo, qual a que melhor se molda à situação. Assim, se o condenado deixou de cumprir uma condição devido a caso fortuito ou de força maior que definitivamente o inibe de lhe dar cumprimento, não deve ser aplicada qualquer sanção. Se o caso fortuito ou de força maior o inibiu tão somente de cumprir dentro do prazo inicialmente estabelecido, parece quadrar-se bem uma pror­rogação do prazo, como é permitido pela alínea d). Se a falta de cumprimento é devida a culpa leve, parecem mais adequadas as medidas das alíneas a) e b), isoladas ou em conjunto. Para os casos da falta de cumprimento dolosa ou com culpa grave afigura-se mais ajustada a medida da alínea d) in fine, ou mesmo a revogação (art. 56º).

Os casos que a vida real fornece são os mais diversificados, este é só um maleável critério de orientação”.

Descendo agora à análise do presente caso, facilmente se constata da razão que assiste ao recorrente.

Na verdade o Tribunal, em situações como a dos autos, não pode nunca bastar-se com simples alegações do arguido (os próprios relatórios sociais ou policiais a pouco mais do que isso se resumem) que nada de concreto comprovam, nem sequer relativamente ao que o mesmo afirma; deixando, por outro lado, toda uma importante parte da sua vida e das suas preocupações (ou das que deveria ter tido) envoltas numa perfeita nebulosa misteriosa (que bens e rendimentos possui efectivamente; que diligências em concreto levou à prática quer para angariar rendimentos, quer para pagar o que lhe foi determinado, que esforço sério levou a cabo para demonstrar que considerou da máxima importância a condenação penal de que foi alvo ou das razões fundadas por que não conseguiu cumprir).

De facto, os pontos síntese a que resumimos as razões de discordância do recorrente não se mostram devidamente investigados, nem por conseguinte ponderados, não resultando das informações recolhidas nos autos que seja conhecida uma qualquer tentativa do arguido de conseguir uma actividade lícita que lhe confira o rendimento para que possa proceder ao pagamento em que foi condenado, maxime que tenha procurado activamente emprego.

Não é suficiente aferir as capacidades económicas do arguido, havendo que averiguar igualmente qual é a sua capacidade de trabalho e de gerar rendimento de modo a que possa reparar o mal patrimonial que causou. Com efeito, considerar, de forma diferente - que basta aferir a condição económica do arguido - seria sempre colocá-lo numa posição confortável e favorável à não reparação: bastaria recusar-se a trabalhar para depois poder alegar que não cumpriu a condição que lhe foi imposta.

Não foi feita qualquer averiguação quanto aos bens do arguido Armando O..., desconhecendo o Tribunal a quo, por exemplo, se o mesmo, apesar de viver numa casa arrendada, é proprietário de qualquer outro bem imóvel ou de automóvel que pudesse vender para satisfazer a condição que lhe foi imposta, como não se averiguou também acerca de quaisquer tipos de depósitos bancários (dinheiro ou títulos) de que o mesmo possa ser titular.

Assim sendo, importa concluir que não se encontrava o Tribunal a quo em condições de proferir de modo devidamente fundado o despacho recorrido, importando, pois, revogar o mesmo, a fim de que, antes de mais, sejam levadas a cabo as diligências tidas por convenientes com vista a debelar a omissão de dados concretos que se detectam, essenciais à decisão a tomar.

*

III- Decisão

Termos em que acordam os Juízes desta Relação em revogar o despacho recorrido nos termos supra-expostos.

Sem custas.

*

Guimarães,27/02/2012