Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
247/13.0TBAVV-A.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: ARRESTO
OPOSIÇÃO
GRAVAÇÃO DA PROVA
NULIDADE
ARGUIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE\
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - É obrigatória a gravação da prova produzida em sede de oposição à decisão que decretou providência cautelar;
II- A omissão desta obrigação constitui nulidade a ser arguida nos termos do disposto no art.º 205.º do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO
A requerente A…, Lda., intentou o presente procedimento cautelar contra os requeridos B… e mulher, C…, pedindo o arresto dos saldos de contas bancárias que os mesmos têm no Banco …, SA.
Sem que houvesse audiência prévia dos requeridos, foi proferida sentença que decretou o arresto do saldo das contas bancárias que os Requeridos têm no Banco …, SA, até ao montante de € 8.302,50.

Notificados os requeridos de tal decisão, vieram estes deduzir oposição, alegando a inexistência do direito de crédito invocado pela requerente na providência cautelar, alegadamente resultante do incumprimento de um contrato de mediação imobiliária, uma vez que, nunca aqueles celebraram com esta qualquer contrato, mais invocando que, de qualquer forma o contrato seria nulo.

Relativamente à aludida factualidade constante da oposição, foram ouvidas as testemunhas indicadas pelos requeridos, decidindo-se, a final julgar a oposição deduzida por B… e mulher, C…, contra A…, Lda., parcialmente procedente, por provada, ordenando-se a revogação da providência cautelar decretada e, consequentemente, o levantamento do arresto determinado nestes autos (artigo 388°, n.º 2, do CPC), improcedendo a oposição quanto ao remanescente.

Inconformada, a requerente interpôs recurso de apelação da decisão, apresentando alegações com extensas conclusões das quais se extrai o seguinte:
Deve ser alterada a decisão que incidiu sobre a matéria de facto no que concerne aos factos provados sob os números 3, 4, 5, 6, 7 e 8, tendo como consequência a improcedência da oposição por se manterem os pressupostos da decretada providência cautelar.
Abuso de direito dos oponentes, por terem excedido os limites impostos pela boa fé quanto á invocação da nulidade do alegado contrato de mediação imobiliária.

Os requeridos/oponentes responderam às alegações, pugnando pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO
Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, as questões a decidir são as seguintes:
Erro de julgamento relativamente à decisão de facto, e suas consequências;
Abuso de direito dos requeridos/oponentes.

A factualidade provada que fundamentou a decisão recorrida é a seguinte:
1. Os requeridos eram donos e legítimos possuidores dos seguintes imóveis:
A. Uma casa de rés-do-chão e primeiro andar, com rossios, para habitação, com uma área de implantação de 100m2 e uma área descoberta de 600m2, sita no lugar da …, freguesia de …, concelho de Arcos de Valdevez, descrita na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o n.º … e inscrita na respectiva Matriz Predial Urbana sob o artigo …;
B. Metade indivisa de uma casa de rés-do-chão e primeiro andar, com rossios, para habitação, em estado de ruína, com uma área de implantação de 80m2 e uma área descoberta de 460m2, sita no lugar da …, descrita na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o n.º … e inscrita na respectiva Matriz Predial Urbana sob o artigo …;
C. Um terreno de pastagem com a área de 640m2, denominado "Chão do Sil", sito no lugar do …, da freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arcos de Valdevez sob o n.º … e inscrito na respectiva Matriz sob o artigo rústico ….
2. No dia 20 de Março de 2013, no Cartório Notarial da Licenciada Maria Albertina Barbosa Campos, Notária, sito na Rua Cerqueira Gomes, n.º 12, 2° andar, em Arcos de Valdevez, outorgou-se escritura pública, sendo que os requeridos, representados por D…, declararam vender aos Srs. E… e F… os aludidos imóveis, pelo referido preço, tendo estes declarado aceitar tal venda nos termos aí exarados.
3. Foi o comprador, Sr. E…, quem contactou a requerente para que esta diligenciasse pela obtenção de terceiro(s) interessado(s) pela venda de uma casa na freguesia de …, Arcos de Valdevez.
4. No âmbito do acordo aludido em 3., a requerente encetou diligências tendo em vista encontrar uma casa que pudesse ser vendida ao Sr. E…,
5. tendo sido informada por um terceiro (Sr. G…) que os ora requeridos, que se encontravam a residir nos E.U.A., possuíam ali propriedades e podiam estar interessados em vendê-las.
6. Seguidamente, a requerente contactou os ora requeridos, questionando-os sobre o seu interesse em vender os aludidos imóveis ao Sr. E… e esposa.
7. Sendo que os requeridos manifestaram interesse no negócio com o Sr. Vitorino e esposa.
8. Os requeridos, por si ou por intermédio de D…, não acordaram com a requerente no sentido de que esta se obrigasse a diligenciar, através de acções de promoção, pela obtenção de quaisquer interessados na compra dos referidos imóveis.
9. O documento constante de fls. 26 e 27 foi remetido pela requerente aos filhos dos requeridos em 28 de Fevereiro de 2013,
10. sendo que a requerente, em data anterior, não o chegou a entregar a D… para que fosse remetido aos requeridos, por forma a que estes assinassem tal documento.
11. Em Janeiro de 2013, a Sr.ª D… mostrou a casa à requerente, acompanhada do Sr. E… e da Sr.ª F…,
12. os quais se mostraram interessados na sua aquisição.

DECICINDO
QUESTÃO PRÉVIA
Da admissibilidade dos documentos juntos aos autos com as alegações de recurso.

A requerente juntou com as suas alegações de recurso, vários documentos que pretende sejam relevados por este tribunal para fundamentar a alteração da decisão de facto na primeira instância.
Por regra, os documentos que se destinam a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado respectivo, podendo sê-lo posteriormente até ao encerramento da audiência de julgamento, devendo, neste caso ser condenado em multa se não demonstrar que não foi possível juntá-los anteriormente (art.º 523.º do CPC).
Não obstante, em casos excepcionais, permite a lei junção de documentos posteriormente ao encerramento da audiência.
Decorre do disposto nos art.ºs 693-B e 524.º do CPC, actualmente do art.ºs 651 e 425.º do NPC, que as partes podem juntar documentos com as alegações de recurso, que não se afigurem impertinentes ou desnecessários (cfr artº 543º do CPC) apenas quando:
Não tenha sido possível juntá-los até ao encerramento da discussão em 1ª instância, ou por a parte não ter conhecimento da sua existência ou, conhecendo-a, por lhe não ter sido possível fazer uso deles, ou ainda porque os documentos se formaram ulteriormente;
Quando a sua junção se tenha tornado necessária em virtude de ocorrências posteriores a esse encerramento e ainda aquelas de que a parte só tenha tido conhecimento depois deste momento, designadamente os destinados a comprovar factos supervenientes que não sejam constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se pretende fazer valer;
No caso de a sua junção se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, isto é, quando o documento se destine à prova de factos cuja relevância a parte, razoavelmente, não podia ter em consideração antes de proferida a decisão, não se abrangendo a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância.
Como se refere no Acórdão do STJ de 27/06/2000, a junção não pode ser admissível se a parte, já sabedora da necessidade de produzir prova, ou contraprova, sobre certos factos, obtém decisão que lhe é desfavorável e pretende, mais tarde, infirmar o juízo já proferido. Se neste quadro a parte dispunha ou podia dispor, se para tanto diligenciasse, de prova documental que entendeu não necessitar de usar, é vítima da sua própria negligência, já que não usou a possibilidade de a apresentar em devido tempo; se o resultado havido a surpreende, tal só poderá resultar de ter errado nas previsões feitas a respeito de questão que estava abertamente em discussão.

Ora, no caso concreto não se afigura que a requerente não pudesse juntar tais documentos antes do encerramento da audiência de julgamento, não se vislumbrando qualquer ocorrência posterior que justificasse a junção neste momento. O argumento invocado para só agora apresentar o email que a apelante diz ter sido enviado pelo filho dos requeridos também não colhe, pois que, a avaria do disco rígido do computador não impede o acesso à caixa de email, à qual poderia aceder a esta através de outro computador, pois tudo o que é enviado e recebido por email está no servidor respectivo.
Acresce que, não está em causa qualquer decisão surpresa pois que, a sentença recorrida não se fundamentou em factos cuja relevância a parte, razoavelmente, não podia ter em consideração antes de proferida a decisão: efectivamente, na decisão apenas se analisaram os factos alegados pelas partes, não constituindo a mesma uma decisão surpresa, sendo certo que, como já referimos, não se abrangendo a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância.

Termos em que não se admitem os documentos juntos ás alegações.

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Pretende a apelante que seja alterada a matéria de facto provada fixada na primeira instância.
A modificabilidade da decisão de facto pelo Tribunal da Relação, está prevista no art. 712º nº 1 do CPC, (actualmente, no NCPC, no art.º 662.º).
Nos termos desta disposição legal, na versão em vigor, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) “Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 685º-B, a decisão com base neles proferida;
b) “ Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
c) “ Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

No caso a apelante impugnou os factos provados sob os números 3, 4, 5, 6, 7 e 8.

A apelante começa por sustentar que as testemunhas arroladas pelos apelados, H… e I…, cujos depoimentos foram relevadas pelo tribunal recorrido não tinham conhecimento directo de factos que atestaram. Mas, também referiu que a primeira testemunha tinha conhecimento do acordo entre a requerente e os requeridos.
Mais fundamentou a impugnação da matéria de facto com os documentos que juntou com as suas alegações, que não podem ser relevados por não ser admissível a sua junção como já decidido.
Caso ocorresse gravação de toda a prova testemunhal, concluiríamos desde logo que os ónus impostos na citada norma do art.º 685-B do CPC, não haviam sido cumpridos: não foram indicados os concretos meios probatórios constantes do processo e muito menos se teria cumprido o estatuído nos n.ºs 2 e 4 do citado artigo 685-B.
Contudo, o que resulta dos autos é que a prova testemunhal produzida em sede de oposição não foi gravada, pois nenhuma referência nesse sentido é feita na acta de inquirição, não estando nos autos qualquer registo daquela prova.
A gravação da prova indicada em sede de oposição não foi pedida pelo requerido, como também não foi ordenada por despacho judicial em audiência de julgamento.
Prescreve o art.º 386.º n.º 4 do CPC, aplicável às providências cautelares comuns e, subsidiariamente, às providências nominadas (artº. 392.º do CPC) que, na audiência final, “São sempre gravados os depoimentos prestados quando o requerido não haja sido ouvido antes de ordenada a providência cautelar.”
A questão que se coloca é a de saber se, em sede de oposição à providência decretada, a gravação é ou não obrigatória, só tendo lugar a requerimento das partes.
Conforme se escreve no Acórdão desta Relação proferido recentemente no Proc. nº 671/10.0TGCBT-A.G1, subscrito pela presente relatora na qualidade de adjunta, e relatado pelo Desembargador António Sobrinho “…ainda que possa ser defensável uma interpretação literal do artº 386º, nº 4, do CPC, no sentido de que apenas é obrigatória a gravação da prova indicada na oposição quando o requerido formule tal pedido, entende-se que tal preceito legal não afasta o entendimento contrário, de que tal gravação deve ocorrer, independentemente de ser requerido por quem deduz a oposição.
“Tal entendimento justifica-se por razões de igualdades das partes e reforço duma efectiva e global reapreciação do julgamento da 1ª instância, já que a gravação de todos os depoimentos prestados no processo pelas testemunhas acautela uma maior e melhor sindicância do julgamento da matéria de facto, seja em relação ao requerido, seja em relação ao próprio requerente (quando o juiz decide reduzir ou revogar a providência anteriormente decretada).
Ademais, o citado nº 4 do artº 386º, que consagra que são sempre gravados os depoimentos prestados, está inserido em norma cuja epígrafe é “audiência final”, ou seja, em audiência que decorre após já ter sido realizada a inquirição das testemunhas do requerente, nas situações em que o requerido não foi ouvido antes de ordenada a providência cautelar.
Em suma, essa obrigação de gravação não se cingirá restritivamente aos depoimentos prestados nessa inquirição e antes do contraditório do requerido.”
A falta de gravação deve pois ser imputável ao próprio Tribunal, constituindo omissão geradora de nulidade nos termos do disposto no art.º 201.º n.º 1 do CPC, sujeita no entanto ao prazo de arguição previsto no n.º1 do art.º 205º, isto é, no caso concreto, até ao final do acto de inquirição das testemunhas, onde estava presente o ilustre mandatário do requerido, a quem era possível verificar a absoluta omissão da gravação “dada a sua prática judiciária e o normal formalismo do acto de gravação (utilização do equipamento respectivo, colocação dos microfones, interrupções, verificações, reinícios, etc…)”.
Deve pois considerar-se que a parte esteve presente, por via de mandatário, no momento em que a nulidade foi cometida, devendo tal nulidade ter sido arguida até final do acto, sob pena de se ver precludido tal direito.
Não tendo sido arguida tal nulidade, que não é de conhecimento oficioso, nem no acto da inquirição, nem posteriormente, ficou a mesma sanada nos termos do art.º 205º, n.º1 do CPC.
Assim sendo e não constando dos autos todos os elementos de prova que serviram de base à decisão recorrida, não pode este tribunal proceder á reapreciação da matéria de facto.
Acresce que, os documentos que constam dos autos juntos oportunamente, por si só, não podem sustentar a impugnação em causa, pois carecem de força probatória plena força probatória plena, sendo certo que, a interpretação que deles fez o tribunal a quo, não favorável á tese da requerente, se afigura correcta em nosso entender.
Nestes termos, deve permanecer intacta a decisão de facto proferida na primeira instância, mantendo-se também a sentença recorrida, cuja alteração pretendida pelos apelantes estava dependente da alteração da matéria de facto, que não se operou.
Ora, em nosso entender a sentença deve ser confirmada, por ter aplicado correctamente o direito aos factos provados.
Quanto ao invocado abuso de direito, de conhecimento ofícioso, sempre se dirá que, dos factos provados, não resulta a existência dos seus pressupostos.
A dada altura das alegações a requerente refere que o tribunal a quo não se pronunciou sobre a nulidade do eventual contrato de mediação, invocada pelos oponentes.
Não lhe assiste razão.
Efectivamente, se o juiz não conhecer das questões que as partes sujeitam à sua apreciação, a sentença é nula por omissão de pronúncia (cf. art.º 668.º n.º 1 al d) primeira parte do CPC, actualmente, no NCPC, art.º 615.º n.º 1 al d).
Tal nulidade decorre do que dispõe o art.º 660.º n.º 2 do CPC, onde se impõe que o juiz resolva todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excepto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
No caso concreto, concluindo-se pela inexistência de qualquer contrato de mediação imobiliária, quer válido, quer inválido, ficou prejudicada a questão de saber se um eventual contrato era ou não nulo.

Pelo exposto, deve improceder totalmente o recurso, confirmando-se a sentença apelada.

Em conclusão:
I - É obrigatória a gravação da prova produzida em sede de oposição à decisão que decretou providência cautelar;
II- A omissão desta obrigação constitui nulidade a ser arguida nos termos do disposto no art.º 205.º do CPC;


DECISÃO:
Por tudo o exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão apelada.
Custas pela apelante

Guimarães, 10 de Outubro de 2013
Isabel Rocha
Moisés Silva
Jorge Teixeira