Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1725/12.3TBBRG.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
DIREITOS
CONSUMIDOR
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos no nº 1 do artº 4º do DL 67/2003, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito nos termos gerais, não estabelecendo a lei uma hierarquização dos direitos do comprador, exigindo em primeira linha que lance mão do direito à reparação/substituição, e apenas, em segunda linha, do direito à redução do preço/resolução do contrato.

.Não age em abuso de direito ao requerer a resolução do contrato de compra e venda, o comprador que, desde Agosto de 2010, se vem queixando de sucessivos problemas com a embraiagem do veículo que adquiriu novo e que é de gama média/alta e que as duas substituições da embraiagem e reprogramação, levadas a cabo pela vendedora não conseguiram eliminar, não estando obrigado a aceitar uma terceira substituição da embraiagem.

.A desvalorização do veículo ocorrida entre a data da citação e a data da sentença corre por conta do vendedor, não podendo o A. ser penalizado pela demora inerente a um processo judicial, que implica o cumprimento de diversas fases processuais, a instrução, o julgamento e a interposição e decisão de recursos. A 1ª R. há muito que poderia ter procedido à restituição do preço ao A., evitando uma maior oneração, e não o fez.

Afigura-se adequada a indemnização no montante de 1.000,00 euros por danos morais arbitrada ao comprador que, em virtude da desconformidade do veículo que adquiriu com o contrato de compra e venda, se sente desgostoso por ter amealhado dinheiro para adquirir um veículo que apresenta anomalia que não era expectável atento o valor que o mesmo custou e a marca do mesmo que é divulgada como marca de qualidade e que se sente agastado com a situação pelas visitas, telefonemas e emails para as RR. com vista a resolver uma situação que 4 anos volvidos se mantém.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
S… intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra T…, S.A e B…, Lda.”, pedindo que:

- se declare resolvido o contrato de compra e venda do veículo automóvel celebrado entre o autor e a 1.ª ré, desde 15.03.2010;

- se condenem as rés a restituir-lhe 41.000,00 Eur. (quarenta e um mil euros), acrescida de juros desde 15.3.2010, correspondente ao preço do veículo que adquiriu à 1ª R. até integral pagamento;

- se condenem as rés a pagar-lhe uma indemnização no valor de cinco mil euros (5.000,00 Eur.), a título de danos não patrimoniais.

Caso assim não se entenda, subsidiariamente, requer que se condene a 1.ª ré a substituir o veículo por outro com as mesmas características, no estado de novo, ou a entregar-lhe o veículo devidamente reparado e em perfeitas condições de funcionamento, apto a circular em segurança, sem qualquer avaria, tudo sem prejuízo de serem as duas rés condenadas no pagamento da indemnização referida de cinco mil euros.

Alega, em síntese, que a 15 de Março de 2010, adquiriu à 1.ª ré, concessionário da 2.ª ré, o veículo automóvel da marca BMW, modelo X1 sdrive 18 d, de matrícula 36-IV-57, no estado de novo pelo preço de 41.000,00 Eur. (quarenta e um mil euros), que pagou em numerário.

Sucede que o veículo logo a partir dos seis mil quilómetros, uns meses após a compra, nomeadamente em inícios de Agosto de 2010, começou a ter falhas de aceleração e na embraiagem, o que se foi reiterando ao longo do tempo, sendo que apesar das suas sucessivas colocações nas oficinas da 1.ª ré para reparação, nunca tais problemas foram sanados, o que o levou a reclamar, por escrito, por telefone e pessoalmente quer junto da 1.ª quer junto da 2.ª ré.

Entre as reclamações o carro ficou nas instalações da 1.ª ré pelo menos em 15.11.2010, 23.2.2011, 7.6.2011, 30.8.2011 e 29.11.2011, sendo substituída a embraiagem, feitas diversas actualizações do sistema e substituído o motor.

Porém, manteve-se o problema da embraiagem, pelo que o carro ao fazer-se ponto de embraiagem treme, por vezes fumega e arranca a velocidade mínima, não desenvolve de forma a fazer um arranque seguro, dando a sensação que vai desligar-se.

Desde a última tentativa de reparação o veículo é utilizado para situações pontuais na vida do autor, face ao receio que ele e a esposa sentem ao conduzir o mesmo, desde logo porque o mesmo causa distúrbios na circulação, tendo de ser imobilizado de forma repentina.

O autor e a esposa circulam agora diariamente num veículo de dois lugares, cedido por familiar, o que os obriga a sujeitar-se a favores quando precisam de fazer viagens longas ou se for necessário transportar outros familiares ou amigos, a todo o transtorno causado acresce o desgosto do autor, que amealhou dinheiro para comprar o veículo que idealizou e obteve um veículo como o descrito.

Citada a 2.ª ré contestou de fls. 66 e seguintes, por excepção, alegando ser o autor parte ilegítima por estar a demandar relativamente a um bem comum do casal sem o cônjuge ou o seu consentimento.

Por impugnação alega inexistir qualquer desconformidade. O veículo dos autos tem um motor N47TU, que optimiza o consumo do combustível e o comportamento do motor a baixa rotação, implicando uma condução ligeiramente adaptada, que implica que o uso da embraiagem seja feita doseando o acelerador e o curso daquela, de forma gradual e progressiva, em todos os arranques, e sobretudo em casos em que há subidas de forte inclinação. O autor tem conhecimento destas recomendações da marca.

Quem conduz habitualmente este veículo é o autor, porém a sua esposa também o usa, sendo que esta conduz habitualmente um veículo de caixa automática que determina dificuldades acrescidas de condução de um veículo como o dos autos.

A não utilização daquele método de arranque implica o desgaste da embraiagem, devido à fricção provocada e consequente aumento de temperatura do disco, volante do motor e prato de embraiagem. Este desgaste anormal provoca os descritos “tremores” e “repelões”, porém tal não limita a capacidade de deslocação do veículo, nomeadamente a realização de viagens de longo curso, pelo contrário será no pára-arranque citadino que tal poderá suceder. E tal vibração não põe em causa a segurança dos passageiros ou do condutor, pelo que não estão reunidas as condições do art. 2.º, n.º 2 do D.L n.º 67/2003.

Em Janeiro de 2012 foi proposto ao autor a substituição da embraiagem do veículo por uma nova versão daquele componente (desenvolvido pelo fabricante no final do ano de 2011), sem custos, o que o autor recusou.

Uma vez que o contrato que o autor pretende seja resolvido foi celebrado entre ele e a 1.º ré, mesmo a ser resolvido, não pode ser a 2.ª ré condenada a restituir-lhe o preço, mesmo considerando as excepções ao princípio da relatividade dos contratos, já que a responsabilização do produtor, prevista como excepção aquele principio no art. 6.º do D.L n.º 67/2003, se limita à “reparação ou substituição” da coisa defeituosa. E ainda que se considerasse poder a 2.ª ré ser assim condenada nunca o seria pela totalidade do preço, já que tem de ser contabilizado e deduzido do valor a restituir o benefício que o veículo proporcionou ao autor desde a venda até à entrega à 1.ª ré, por eventual resolução, sob pena de o autor ter uma vantagem económica injustificada, ao usar o veículo por mais de dois anos e com o mesmo ter percorrido cerca de 40.000 Kms.

Segundo dados da Eurotax de Abril de 2012 o valor do veículo dos autos é de 31.300,00 Eur. (trinta e um mil e trezentos euros), tendo sofrido desvalorização de 9.700,00 Eur. (nove mil e setecentos euros), valor que sempre deve ser abatido ao preço que eventualmente se decida condenar as partes a restituir ao autor.

Concluiu ainda pela improcedência do pedido de condenação das rés em juros que só serão devidos a partir da eventual resolução do contrato.

Quanto aos danos não patrimoniais além destes não merecerem tutela face ao que foi alegado é excessivo o valor peticionado quanto aos mesmos.

Quanto aos pedidos subsidiários não existindo qualquer desconformidade, e face ao disposto no art. 2.º, n.º 2 do D.L n.º 67/2003, não podem proceder, porém, ainda que se aplique o disposto no art. 6.º, n.º 1 a exigência ao produtor da reparação ou substituição do bem só pode ocorrer se não se manifestar desproporcionada. Ora, tendo facultado ao A. uma solução alternativa – substituição da embraiagem por outra de última geração, apta a eliminar o efeito de “vibração” produzido pela técnica de não utilização de arranque recomendada -, não pode proceder o pedido de substituição, por manifestamente desproporcionado.

Também a 1ª R. contestou, defendendo-se por excepção e impugnação, invocando os mesmos factos e argumentos da 2ª R.

O A. replicou. Quanto à excepção de ilegitimidade invocou que o veículo é um bem próprio dele, porquanto adquirido em 15.3.2010, com dinheiro seu, antes do casamento que apenas foi celebrado em 27 de Julho de 2010.

Quando adquiriu o veículo, não lhe foi dada qualquer explicação sobre a necessidade de uma condução especial, nem foi alertado para qualquer especificidade da embraiagem.

Relativamente ao abuso do direito, alegou que o recurso à via judicial foi o último recurso já que andou a tentar resolver o assunto extra-judicialmente junto da 1.ª ré, aceitando sucessivas intervenções, recusando sim a última proposta por entender que não está obrigado a aceitar sucessivas e eternas intervenções num veículo que adquiriu novo, nem tão-pouco tinha de acreditar que a proposta substituição pelo novo modelo de embraiagem ia resolver a situação, já que isso foi feito antes.

Por fim, quanto à dedução do valor da desvalorização da viatura no preço a restituir, deverá a mesma ser equitativamente fixada pelo tribunal, sem uso a tabelas de mercado, atendendo a que o veículo não proporcionou ao autor uma utilização normal.

Foi dispensada a realização da audiência preliminar, tendo sido proferido despacho saneador, onde se conheceu a excepção de ilegitimidade activa, que se julgou improcedente, bem como foi feita a selecção dos factos assentes e da matéria controvertida. – v. fls. 130 a 141.

Foi requerida perícia ao veículo que foi admitida, tendo sido junto o relatório pericial a fls. 253 a 259.

Autor e 2.ª ré requereram a comparência dos Peritos na audiência para esclarecimentos, o que se deferiu a fls. 266.

Procedeu-se à realização do julgamento e a final foi proferida sentença que decidiu:

“- declarar resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre o autor e a 1.ª ré a 15.3.2010 e que teve por objecto o veículo de matrícula 36-IV-57;

- condenar a 1.ª ré “T…, S.A” a restituir ao autor a quantia de 28.000,00 Eur. (vinte e oito mil euros), correspondente ao preço deduzido da desvalorização entretanto sofrida pelo veículo, a acrescer de juros caso não entregue a 1.ª ré o valor fixado ao autor após o trânsito da decisão, contando-se desde aí juros à taxa civil, e contra a restituição do veículo pelo autor à mesma 1.ª ré, também após o trânsito da decisão;

- condenar solidariamente as 1.ª e 2.ª rés a pagar ao autor a quantia de 1.000,00 Eur. (mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos, absolvendo-as do restante valor peticionado.”
A R. B… veio a requerer a reforma da sentença, a qual foi julgada parcialmente procedente, quanto ao segmento de condenação em custas.
O A. não se conformou e interpôs recurso de apelação, tendo oferecido as seguintes conclusões[1]:
(…)
A R. B… contra-alegou, tendo oferecido as seguintes conclusões:
(…)
Também a R. T… contra-alegou tendo apresentado as seguintes conclusões:
(…)
A R. T… igualmente não se conformou e interpôs recurso de apelação, tendo oferecido as seguintes conclusões:
(…)
O A. respondeu ao recurso.
II – Objecto do recurso

Considerando que:

. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

As questões a decidir são as seguintes:

Da apelação do A

.se a resposta aos quesito 23º e 51º da base instrutória, deve ser alterada de “não provado”para “provado”;

. se o valor a deduzir ao montante a restituir, em consequência da resolução, deverá ser alterado para 41.000,00 correspondente ao preço que o A. pagou pelo veículo e no máximo para 34.092,14, deduzindo-se 6.907,86, correspondente ao valor da desvalorização até à data da entrada da petição inicial, abatido o valor correspondentes aos extras do veículo;

. se a indemnização por danos não patrimoniais deve ser aumentada de 1.000,00 para 2.500,00 euros.

.Da apelação da 1ª R.T…

. se os factos 16 a 28 dos factos não provados deveriam ter sido considerados provados com base no relatório pericial, assim como nos depoimentos das testemunhas J…, V…, J… e J… deveriam ter sido dados como não provados os factos constantes dos pontos 4, 7, 12, 19, 20, 21, 26, 31, 32, 33, 34.

. se deverá rectificar-se, por enfermarem de lapsos materiais, os pontos 1, 2 e 8 dos factos provados na sentença.

. se a acção deve improceder por não se ter provado qualquer factualidade que permita concluir pela existência de desconformidade entre o bem vendido e o contrato celebrado entre o A. e a 1ª R.;

. em caso de assim não se entender, se ao pedir a resolução do contrato o A. age em abuso de direito por não ter aceite a proposta de substituição da embraiagem do seu carro do A. por uma embraiagem de última geração;

e, caso assim não se entenda, se a indemnização deve ser reduzida para uma quantia correspondente ao valor da viatura à data da sua efectiva restituição;

. se deve ser absolvida do pagamento de uma quantia a título de danos morais, uma vez que o A. nunca se viu privado da utilização do veículo.

III – Fundamentação:

Na 1ª instância foram declarados provados os seguintes factos:

1. A 15 de Março de 2012 o autor adquiriu à 1.ª ré “T…”, concessionária da 2.ª ré “B…”, um veículo automóvel da marca “BMW”, modelo X1 sdrive 18 d, de cor preto saphir metalizado, com a matrícula 36-IV-57, com o n.º de quadro WBAVN1104AVN2199, novo, pelo preço de 41.000,00 Eur. (quarenta e um mil euros).

2. O veículo do autor foi colocado nas instalações da 1.ª ré pelo menos em 15.11.2010, 24.02.2011 e 30.08.2011.

3. A 15.11.2010, aos 17.127 Km, foi substituída a embraiagem e o volante do motor; a 24.02.2011, aos 23.174 Km, foi trocada a embraiagem; e a 30.08.2011, foi actualizado o software do veículo, tendo em vista a optimização do motor.

4. Na sequência de uma reclamação de Janeiro de 2012, foi sugerida uma nova substituição de embraiagem, sem custos, que o autor não autorizou.

5. O veículo em análise tem um motor N47TU, o que optimiza o consumo de consumo de combustível e o comportamento do motor a baixa rotação.

6. Tais características diminuem as emissões de gases pelo veículo, garantindo o cumprimento dos requisitos para a homologação de viaturas e redução do impacto fiscal do imposto automóvel.

7. O condutor habitual do veículo é o autor, mas aquele é também utilizado pela mulher do autor.

8. O autor usou o veículo até 29.11.2011 e percorreu cerca de 40.000 Kms.

9. Segundo dados da Eurotax de Abril de 2012, o valor do veículo dos autos é de 31.300,00 Eur., tendo sofrido desvalorização de 9.700,00 Eur..

10. Nas ocasiões referidas em 3., permanecendo o veículo nas instalações da “T…”, foi facultado ao autor um veículo de substituição.

11. A 15.11.2010, com 17.127 Kms percorridos, o veículo levado para as instalações da 1.ª ré, apresentava a seguinte anomalia: “carro patina ao arrancar e não desenvolve”, procedendo aquela como referido em 3..

12. Em 23.02.2011, com 23.174 Kms percorridos o veículo levado de novo para as instalações da 1.ª ré, apresentava a seguinte anomalia: “carro patina ao arrancar, não corresponde nums 5 segundos.”, procedendo a 1.ª ré à substituição do desacoplador da embraiagem.

13. A 7.06.2011, com 27.607 Kms percorridos, o autor apresentou à 1.ª ré outra reclamação: “carro tem ruído estranho ao relanti.”.

14. Em 30.08.2011, com 30.110 Kms percorridos, o autor denunciou à 1.ª ré que “o carro vibra ao arrancar.”, fazendo esta uma actualização do software do veículo.

15. A 29.11.2011, com 34.383 Kms percorridos, o autor voltou a referir à 1.ª ré que “carro vibra ao arrancar”.

16. Aquando do referido em 4. a 1.ª ré explicou ao autor que a marca BMW desenvolveu uma solução, que consistiu na colocação de um amortecedor no disco, destinada a eliminar qualquer tipo de trepidação.

17. A 24.02.2012 o autor deslocou-se às oficinas da 1.ª ré, para efectuar a revisão periódica da mesma, tendo esta percorridos 37.639 Kms.

18. A 17 de Julho de 2010 ao autor contraiu casamento católico, sem convenção antenupcial, com M…. – cfr. certidão do assento de casamento de fls. 122 e 123.

(alíneas A) a R) da matéria assente no despacho-saneador)

19. Cerca de Agosto de 2010, aos 6.000 Kms, o autor começou a notar falhas na embraiagem e na aceleração do veículo.

20. Deslocou-se de imediato às instalações da 1.ª ré “T…”, onde foi atendido por V…, a quem explicou que o veículo não tinha o desenvolvimento normal no arranque e apresentava problemas de embraiagem.

21. Nessa ida à “B… Braga”, o mecânico da mesma, acompanhou o autor num curto trajecto, que não permitiu detectar o problema.

(resposta aos quesitos 1.º a 3.º)

22. Já em Setembro de 2010, o autor voltou de novo à 1.ª ré reclamando e alertando para o referido em 20. (resposta ao quesito 4.º)

23. A 1.ª ré agendou o dia 29 de Outubro de 2010, pelas 17.30 horas, a verificação do veículo.

24. O veículo ficou nas instalações da 1.ª ré, tendo sido facultado um veículo de substituição ao autor.

25. O veículo foi entregue uma semana depois.

26. Mas continuou a apresentar os mesmos problemas.

27. O autor reclamou junto das rés, por escrito, por telefone e pessoalmente.

28. O autor reclamou por escrito à “B…”, via email, nos termos aí consignados e que se são por reproduzidos nas seguintes datas: 3 e 4.11.2010, 15.12.2010, 24, 27 e 31.10.2011 (docs. 3 a 12 da pi de fls. 22 a 29).

29. O autor reclamou por escrito à “B…”, por carta registada datada de 7.12.2011, nos termos aí consignados e que se são por reproduzidos (doc. 17 da pi de fls. 35 a 37).

30. O veículo do autor foi colocado nas instalações da 1.ª ré, além das ocasiões referidas em 3., em 07.06.2011 e 29.11.2011.

(resposta aos quesitos 6.º a 13.º)

31. Apesar referido em 3. os problemas referidos mantiveram-se.

32. Por vezes, ao fazer ponto de embraiagem o carro começa a tremer.

(resposta aos quesitos 15.º e 16.º)

33. Arranca a velocidade mínima.

34. E não desenvolve dando a sensação que vai desligar-se.

(resposta aos quesitos 18.º e 19.º)

35. Sendo o autor ou a mulher obrigados a imobilizar o veículo, sendo que em Dezembro de 2010 a mulher do autor foi obrigada a chamar a assistência da BMW.

(resposta ao quesito 21.º)

36. O autor recusou a substituição referida em 4., porque já foram efectuadas várias intervenções e em que mexeram com componentes essenciais do veículo.

37. Sente-se desgostoso por ter amealhado dinheiro para adquirir o veículo.

38. Entre visitas, telefonemas e emails para a “B…” e “B…” a reclamar os problemas do veículo, sente-se agastado com a situação.

39. O autor e a esposa sempre fizeram a manutenção do veículo.

(resposta aos quesitos 28.º a 30.º)

40. Por norma desloca-se de férias ao Algarve, anualmente, em Agosto.

41. Numa das vezes em que o carro ficou nas oficinas da “B…”, após entrega do mesmo ao autor, começou a fumegar, poucos metros após entrar em circulação.

42. Após nova deslocação para à 1.ª ré verificou-se que, por lapso, não foi efectuada a ligação entre o motor e o tubo condutor ao cano de escape, o que fez com que o fumo saísse pelo capô e pelas entradas do ar condicionado do veículo.

(resposta aos quesitos 31.º a 34.º)

43. O referido em 19.º e de 23.º a 25.º não limita a capacidade de deslocação do veículo, nem a realização de viagens de longo curso, sendo no “pára-arranca” que se sente mais “vibração” do veículo.

(resposta conjunta aos quesitos 41.º e 42.º)

44. Tal também não põe em causa a segurança dos passageiros.

45. A nova embraiagem referida em 4., que foi desenvolvida pelo fabricante no final do ano de 2011, fará com diminua o “tremor” ao fazer ponto de embraiagem.

46. Aquando do referido em 13. a 1.ª ré detectou que a origem do ruído estava no próprio motor, que substituiu.

47. Após o referido em 15. a 1.ª ré propôs ao autor a substituição da embraiagem por outra de última geração (recentemente desenvolvida pela marca BMW).

(resposta aos quesitos 43.º a 46.º)

Factos não provados:

(…)

Da apelação do A. quanto à alteração da matéria de facto

(…)

Não há qualquer incoerência na fundamentação das respostas à base instrutória inserta na sentença, que impusesse resposta diferente, pelo que sempre seria de manter as respostas dadas.

Da apelação da R. T… quanto à alteração da matéria de facto:

(…)

Mantém-se assim inalteradas as respostas dadas.

Rectificação por lapso material dos pontos 1, 2, e 8

(…)

Concluindo, a matéria de facto a considerar é a que foi fixada pelo tribunal de 1ª instância com as seguintes alterações:

Ponto 1.A 15 de Março de 2010 o autor adquiriu à 1ª R. T…, concessionária da 2ª R. B…, um veículo automóvel da marca BMW, modelo X1 sdrive 18 d, de cor preto saphir metalizado, com a matrícula 36-IV-57, com o nº de quadro WBAVN1104AVN2199, novo, pelo preço de 41.000,00 euros.

Ponto 2. O veículo do autor foi colocado nas instalações da 1ª ré, pelo menos em 15.11.2010, 23.02.2011 e 30.08.201

Ponto 8. O autor usou o veículo até 29.11.2011 e percorreu 34.383 kms.

Do Direito

Entende o apelante que o Tribunal a quo andou mal ao deduzir ao valor da compra do X1, 13.000,00 euros, valor correspondente ao que considerou constituir a desvalorização do veículo desde a sua aquisição até à data da sentença e correspondente às vantagens retiradas pelo autor do veículo.

Em seu entender, o custo da desvalorização do veículo deverá ser imputado à recorrida, uma vez que ele desde Agosto de 2010 que tudo tem feito para que o defeito ou desconformidade seja eliminado. Se assim não se entender, requer que, subsidiariamente se fixe o valor da desvalorização de forma equitativa, ou ainda, se deduza apenas o valor correspondente à desvalorização do veículo, à data da propositura da acção (9.700,00 euros) e se abata a essa valor a quantia que despendeu pelos extras que o veículo detém e que foram por si pagos, no valor de 2.792,14, por não lhe dever ser imputável a demora do processo judicial, devendo, no mínimo, serem-lhe devolvidos 34.092,14 euros (41.000,00 – 9.700,00 + 2.792,14).

Não concorda também o apelante com a quantia que foi fixada pelo tribunal a quo a título de danos não patrimoniais que considera insuficiente.

As RR. defendem que não se aplica ao caso a previsão do artº 913º do CPC, uma vez que o veículo não padece de qualquer defeito, cumprindo o fim que se destina. E também não se poderá subsumir à previsão da alínea d) do artº 2º do DL 67/2003, de 8/04, alterado e republicado pelo DL 84/2008, de 21/3, na medida em que o veículo adquirido pelo A. tem as qualidades e o desempenho habitual de bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar.

Mas mesmo que se entenda que o veículo padece de desconformidade, o A. age em abuso de direito ao pedir a resolução do contrato de compra e venda, porquanto as RR. propuseram ao A. uma solução para as suas reclamações e ele não quis aceitá-la. Ainda que assim não se entenda, ao valor a restituir ao A., terá sempre que ser abatido o valor que o veículo tiver à data da sua efectiva entrega à T… e não na data da prolação da sentença condenatória.

A R. B… defende também que não há lugar a indemnização por danos não patrimoniais por não revestirem gravidade e que não responde pelo pagamento desses danos.

Vejamos as diversas questões:

Se o bem vendido enferma de desconformidade

A nosso ver a questão não deve ser perspectivada à luz do artº 913º do CC, como também não o foi na sentença recorrida. É feita uma referência ao regime da venda de coisa defeituosa no CC, mas conclui-se pela aplicabilidade do disposto na alínea d) do nº 2 do artº 2º do DL 67/2003, de 8 de Abril.

Estamos no contexto das relações de consumo pois que o A. adquiriu o veículo automóvel com fins não profissionais à 1ª R. que profissionalmente lho vendeu no exercício da sua actividade económica.

No âmbito das relações de consumo rege a Lei 24/96, designada de Lei da Defesa do Consumidor, que foi alterada pelo artº 13º do DL 67/2003, de 8/04 e o DL 67/2003 que, além de ter alterado a Lei 24/96, regula certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores, tal como definidos no nº 1 do artº 2º da Lei nº 24/96, de 31/07.

O DL 67/2003 veio proceder à transposição para o direito interno da Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Maio, relativa a determinados aspectos de venda de bens de consumo e das garantias a elas relativas, visando assegurar a protecção dos interesses dos consumidores, afirmando que o vendedor deve entregar ao consumidor os bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda, n.º1 do art.º 2 e consigna no nº 2 do mesmo artigo presunções ilidíveis de não conformidade.

Sendo a LDC uma lei especial em relação ao Código Civil, deverá prevalecer o seu regime, a menos que a disciplina da venda de coisa defeituosa do art. 913º do Código Civil, se revele mais favorável para o comprador/consumidor[2]. O mesmo se diga relativamente ao DL 67/2003.

Com este diploma legal pretendeu-se proteger o consumidor relativamente à aquisição de bens de consumo ( móveis ou imóveis), em que o bem entregue padece de desconformidade face ao contrato de compra e venda.

De acordo com o disposto no art. 2º nº 1 do DL 67/2003, o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda, presumindo-se a desconformidade dos bens com o contrato nas seguintes situações: a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado; c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem

Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato – art.º4 nº 1.

Pode, ainda, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa, e sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante vendedor, optar por exigir directamente do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor. Ao produtor é concedida a faculdade de se opor à reparação ou substituição nas situações descritas no nº 2 do artº 6º.

No caso em apreço, considerando que o carro ao fazer o ponto de embraiagem por vezes começa a tremer, arranca a velocidade mínima e não desenvolve, dando a sensação que vai desligar-se, obrigando o A. e a sua mulher a imobilizarem a viatura, atenta a circunstância da viatura ter sido comprada em estado de nova, inserindo-se num segmento médio/alto, conclui-se pela ocorrência da referida presunção de não conformidade que as RR. não ilidiram.

Face ao disposto no art. 3º nº2 do DL nº 67/2003, presume-se que a falta de conformidade que se verifique no prazo de dois anos a contar da data da entrega do bem móvel já existisse nessa data, excepto se a presunção for incompatível com a natureza do bem ou com as características da falta de conformidade, presunção essa que opera, também, no presente caso por inexistir fundamento para a afastar.

O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos no nº 1 do artº 4º, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito nos termos gerais (nº 5 do artº 4º).

Na directiva transposta, embora não expressamente, está prevista uma hierarquização dos direitos do comprador: em primeira linha deve lançar mão do direito à reparação/substituição, em segunda linha assiste-lhe o direito à redução do preço/resolução do contrato. É o que resulta da conjugação do nº 3 da Directiva com o nº 5 e o considerando 10[3].

Mas essa hierarquização não foi transposta para o DL 67/2003, nada tendo sido consagrado com esse fim. Pelo contrário, do nº 5 do artº 4º ressalta que o comprador pode optar por qualquer dos direitos, a não ser que tal se revele impossível ou constitua abuso de direito[4].

Ainda que assim não se entendesse, no caso o apelante A. bem tentou antes de enveredar pela resolução do contrato, obter a reparação do X1, pelo que sempre teria obedecido à hierarquização.

Se o A. age em abuso de direito ao exercer o direito de resolução do contrato

Entendem as RR. que o A. não tem direito à resolução do contrato porque lhe foi proposta uma solução para o problema e ele não aceitou, pelo que age em abuso de direito.

O A. tentou por diversas vezes a reparação do veículo, com vista à eliminação do defeito.

Note-se que o veículo do A. foi colocado nas instalações da 1ª R. por diversas ocasiões, aos 17.127 kms foi substituída a embraiagem e o volante do motor, aos 23.174 kms foi trocada a embraiagem e em 30.08.2011 foi actualizado o software do veículo, tendo em vista a optimização do motor.

O A. por diversas vezes tentou a eliminação da desconformidade, sem exercer o direito à resolução.

O A. recusou a substituição pela 3ª vez da embraiagem porque já tinham sido efectuadas várias intervenções em que mexeram com componentes essenciais do veículo, tendo já sido substituído o motor e a embraiagem por duas vezes, num curto período de tempo.

Não aceitou a proposta de nova substituição da embraiagem na sequência de mais uma reclamação em 2012, nem estava obrigado a aceitá-la. Desde logo, porque não está demonstrado que essa nova embraiagem resolvesse totalmente a desconformidade que até ao momento, apesar das várias tentativas, não tinha sido eliminada. Deu-se apenas por provado que a nova embraiagem fará com que diminua o tremor (ponto 34). Por outro, há muito que se mostrava excedido o prazo de 30 dias para a reparação do defeito prevista no nº 2 do artº 4º do DL 67/2003, na redacção introduzida pelo DL 84/2008.

O abuso de direito exige o exercício de qualquer direito por forma anormal quanto à inten­sidade ou à sua execução, de modo a poder comprometer o gozo dos direitos de terceiros e a criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as con­sequências que os outros têm que suportar. Só haverá abuso de direito se o seu titular exceder ostensivamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Ora, o A. por várias vezes, como já referimos, tentou a reparação do veículo e só em Abril de 2012 instaurou esta acção com vista à resolução do contrato, pelo que não age manifestamente em abuso de direito.

Se ao valor da compra do veículo, deve ser abatido o valor correspondente à desvalorização do veículo e em caso afirmativo a que data deve ser reportado esse valor

Na sentença recorrida condenou-se a 1ª R. a restituir ao A. a quantia de 28.000,00 euros, correspondente ao preço deduzido da desvalorização entretanto sofrida pelo veículo até à data da sentença.

Defende o A. que não deve ser efectuada qualquer dedução e a sê-lo dever-se-á ter em consideração o valor de extras que pagou e que não são tomados em consideração nos valores constantes dos sítios de cotações de automóveis e aos quais recorreu a Mma Juíza a quo, e ainda no máximo deverá apenas atender-se à desvalorização sofrida pelo veículo até à data da entrada da acção, 9.700,00 euros.

Não se desconhece jurisprudência no sentido defendido pelo A., que entende que não deve ser descontada qualquer valor ao preço, por o não abatimento não constituir enriquecimento ilegítimo da 1ª R.[5].

No entanto, no Ac. do STJ de 30.09.2010[6] entendeu-se que não sendo possível ao autor restituir o automóvel tal como lhe foi entregue (nº 1 do artigo 289º do Código Civil), a vendedora só podia ser condenada a restituir o valor que o veículo tiver à data do trânsito em julgado desta decisão. Defendeu-se que embora a regra da resolução tenha eficácia retroactiva (nº 1 do artigo 434º), sendo equiparada, quanto aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade (artigo 433º), “tem de ser conjugada com diversos preceitos que se destinam justamente a evitar que, por essa via, uma das partes enriqueça, injustificadamente, à custa da outra”.

Também Calvão da Silva entende que no reembolso do preço ao consumidor, por força da resolução potestativa do contrato, na impossibilidade da restituição do veículo no estado em que o mesmo foi entregue ao comprador, a eventual utilização do produto pelo consumidor possa justificar uma redução do valor a restituir pelo vendedor[7].

No Ac. do STJ de 24.03.2011[8] defendeu-se a dedução no preço a restituir, em virtude da anulabilidade do contrato de compra e venda, do valor correspondente à utilização de uma viatura da marca e modelo em causa, com o ano de matrícula e quilometragem que a mesma tinha, entre a data da respectiva entrega e a da propositura da acção, porque a anulação do contrato de compra e venda tem efeitos retroactivos, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado; se a restituição em espécie não for possível, deve ser restituído o valor correspondente (nº 1 do artigo 289º do Código Civil)[9].

Com o devido respeito por opinião contrária, consideramos que deve ser efectuada uma redução do valor a restituir pelo vendedor, mas não mediante o recurso à figura do enriquecimento sem causa. Até ao trânsito em julgado da decisão que declara a resolução não há enriquecimento sem causa do A. na utilização da viatura, porquanto como dono da viatura assiste-lhe o direito de a usar e o enriquecimento sem causa, como o seu próprio nome indica, é para as situações em que não existe causa ou a mesma deixou de existir (artº 473/1/2 do CC). Até à resolução a causa para o uso do veículo pelo A. é o contrato de compra e venda, mediante o qual lhe foi transmitida a propriedade sobre o X1. No entanto, na falta de disposição, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (artº 433º do CC) e o nº 1 do artº 289º do CC dispõe que por força da declaração de nulidade ou anulabilidade deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Ora, a restituição do preço é possível mas a restituição de um carro com 0 kms é impossível. Tendo em conta a impossibilidade do autor devolver o carro no estado em que se encontrava à data da compra e venda, a forma de equilibrar as restituições a realizar por virtude da resolução, à qual se aplicam os efeitos jurídicos da anulação e da nulidade, traduz-se na dedução, no preço a restituir, da desvalorização do preço de uma viatura da marca e modelo da do A., até à data da citação da 1ª R. para a presente acção, momento a partir do qual esta tem conhecimento da pretensão do A. de resolução e poderia ter procedido à restituição do preço. Não podemos olvidar, que o A., ainda que com as vicissitudes que os autos ilustram, ainda assim algum proveito tirou do bem, utilizando-o nas suas deslocações. Note-se que em 29.11.2011, o veículo já tinha percorrido 34.383 kms e actualmente, decorridos mais de 2 anos e meio sobre essa data, mais kms terá, até porque como resultou do depoimento do A. este continua a utilizá-lo. E é um facto notório que não carece de alegação que um veículo automóvel desvaloriza à medida que os anos decorrem, devendo ser considerado a desvalorização do veículo como correspondendo às vantagens que o A. retirou do mesmo.

Deverá assim ser deduzido ao preço a restituir por força da resolução do contrato, o valor que este tiver à data da citação. A desvalorização ocorrida entre essa data e a data da sentença corre por conta do vendedor, não podendo o A. ser penalizado pela demora inerente a um processo judicial, que implica o cumprimento de diversas fases processuais, a instrução, o julgamento e a interposição e decisão de recursos. A 1ª R. há muito que poderia ter procedido à restituição do preço ao A., evitando uma maior oneração, e não o fez. Deverá assim a 1ª R. ser condenada a restituir ao A. a quantia de 41.000,00 – 9.700,00 euros (valor que a viatura tinha em Abril de 2012, sendo que a acção foi interposta em Março de 2012), no total de 31.300,00 euros.

Deduzir ao preço a restituir, o valor que o bem terá à data da restituição, afigura-se-nos constituir uma penalização injusta do comprador que há muito pretende ver o assunto resolvido, desde as múltiplas reclamações que apresentou até à interposição da acção, continuando a ser proprietário forçado de um bem que não se encontra em conformidade.

Não há que deduzir o preço pago pelos extras, pois trata-se de questão nova só colocada em sede de recurso. Ainda que assim não se entendesse, não poderia ser tal valor descontado, porque se desconhece se o valor apurado de 9.700,00 euros corresponde a uma viatura com ou sem extras.

Se o A. tem direito a indemnização por danos morais e em caso afirmativo, qual o valor da indemnização

O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos (art. 12º nº 1 do DL 24/96 de 31/7), sendo que responsabilidade do vendedor final pelos danos emergentes e lucros cessantes resultantes da entrega de coisa defeituosa a consumidor (art. 12º, nº 1) só terá lugar se aquele não provar que o cumprimento imperfeito da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º).

Não se mostra ilidida a presunção de culpa que impende sobre a 1ªré.

Como é sabido, são apenas indemnizáveis os danos morais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (artº 496 nº 1 do CC).

Ora, apurou-se que o A. se sente desgostoso por ter amealhado dinheiro para adquirir o veículo e afinal este apresenta anomalia que não era expectável atento o valor que o mesmo custou e a marca do mesmo que é divulgada como marca de qualidade. E sente-se agastado com a situação pelas visitas, telefonemas e emails para as RR. com vista a resolver uma situação que 4 anos volvidos se mantém. As, RR. embora num primeiro momento tenham procurado resolver a situação, o certo é que acabaram por imputar à imperícia do A. e da sua mulher a responsabilidade pelas tremideiras, vibrações que ocorrem.

O estado de espírito do A. mereceu a tutela do direito, pois não estão apenas em causa as meras contrariedades.

A quantia fixada pela 1ª instância mostra-se adequada a ressarcir os danos sofridos e dentro dos valores fixados em situações semelhantes[10].

Se a 2ª R. é responsável pela indemnização por danos não patrimoniais

Entende a 2ª R. que não pode ser responsabilizada pelo pagamento da indemnização por danos morais, porque não foram provados os pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos, única que poderia estar em causa, pois que não pode haver responsabilidade contratual, por não ter celebrado qualquer contrato com o A. e, ainda porque, o produtor, independentemente de culpa, apenas responde pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado que são aqueles do quais decorre a falta de segurança do produto posto em circulação (DL 383/93), não estando abrangida a simples desconformidade prevista no artº 2º do DL 67/2003.

A 2ª R. foi demandada enquanto responsável pela colocação do veículo em Portugal (artº 49º da petição inicial).

Esta questão só foi suscitada em sede de recurso. Na contestação apenas defendeu não serem ressarcíveis os danos por não terem gravidade suficiente e por ser excessiva a quantia reclamada.

Trata-se de questão nova que não é de conhecimento oficioso, pelo que vedado está ao tribunal de recurso conhecê-la.

Sumário:

. O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos no nº 1 do artº 4º do DL 67/2003, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito nos termos gerais, não estabelecendo a lei uma hierarquização dos direitos do comprador, exigindo em primeira linha que lance mão do direito à reparação/substituição, e apenas, em segunda linha, do direito à redução do preço/resolução do contrato.

.Não age em abuso de direito ao requerer a resolução do contrato de compra e venda, o comprador que, desde Agosto de 2010, se vem queixando de sucessivos problemas com a embraiagem do veículo que adquiriu novo e que é de gama média/alta e que as duas substituições da embraiagem e reprogramação, levadas a cabo pela vendedora não conseguiram eliminar, não estando obrigado a aceitar uma terceira substituição da embraiagem.

.A desvalorização do veículo ocorrida entre a data da citação e a data da sentença corre por conta do vendedor, não podendo o A. ser penalizado pela demora inerente a um processo judicial, que implica o cumprimento de diversas fases processuais, a instrução, o julgamento e a interposição e decisão de recursos. A 1ª R. há muito que poderia ter procedido à restituição do preço ao A., evitando uma maior oneração, e não o fez.

.Afigura-se adequada a indemnização no montante de 1.000,00 euros por danos morais arbitrada ao comprador que, em virtude da desconformidade do veículo que adquiriu com o contrato de compra e venda, se sente desgostoso por ter amealhado dinheiro para adquirir um veículo que apresenta anomalia que não era expectável atento o valor que o mesmo custou e a marca do mesmo que é divulgada como marca de qualidade e que se sente agastado com a situação pelas visitas, telefonemas e emails para as RR. com vista a resolver uma situação que 4 anos volvidos se mantém.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação do A. e improcedente a apelação da T… e, consequentemente, condenam a 1ª R. a restituir ao A. a quantia de 31.300,00 euros, correspondente ao preço deduzido da desvalorização entretanto sofrida pelo veículo, até à data da citação da 1ª R. para a presente acção, confirmando-se no mais a decisão recorrida.

Custas da apelação do A. e em primeira instância pelo A. e pelas RR. na proporção do decaimento.

Custas da apelação da R. T… pela recorrente.

Notifique.

Guimarães, 5 de Junho de 2014

Helena Melo

Heitor Gonçalves

Amílcar Andrade

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[1] As conclusões foram elaboradas de acordo com o novo acordo ortográfico, o que se manteve.

[2] Cfr. se defende no Ac. do STJ de 13.12.2007, proferido no proc. nº 07A4160, o qual embora proferido no domínio da Lei 24/96, antes das alterações, mantém-se actual neste particular.

[3] Cfr. defende João Calvão da Silva, Venda de Bens de Consumo, 3ª edição revista e aumentada, Almedina, p. 82 e 83.

[4] Cfr. se defende nos Acs. do TRL de 01.03.2012, proc.777/09, de 14.02.2012, proc. 111/08 e Ac. do TRC de 18.01.2011, proc. 2129/03 e Ac. do STJ de 30.09.2010, prof. no processo 822/06.

[5] Ac. do TRL de 6.12.2011, proc. 850/10 e voto de vencido no Ac. do STJ de 10.07.2007, proferido no proc.07B374.

[6] Proferido no proc. 822/06, invocado pela apelada BMW Portugal.

[7] Cfr. obra citada, p.85.

[8] Proferido no proc. 52/06.

[9] Neste Ac. proferido no proc. 52/06 foi anulado um contrato de compra e venda defeituosa, tendo sido aplicado o regime da venda de coisa defeituosa previsto no CC.

[10] Ver Ac. do TRL de 6.12.2011, proferido no proc. 850/10 onde igualmente se confirmou a indemnização no valor de 1.000,00 a título de danos não patrimoniais.