Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1677/15.8T8VCT-A.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
TÍTULO EXECUTIVO
ESCRITURA PÚBLICA
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica.

2 A escritura pública na qual se fixou cláusula penal não constitui título executivo relativamente ao montante estabelecido nesta cláusula pois o credor só pode fazer-se valer da mencionada cláusula em caso de incumprimento culposo da obrigação e a verificação desse incumprimento apenas poderá ocorrer no âmbito de uma ação declarativa.

2 - Deste modo, não tendo havido tal verificação prévia à instauração da execução tem de concluir-se que não está constituída qualquer obrigação, não existindo, pois título executivo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

Por apenso aos autos de execução comum n.º1677/15.8T8VCT, veio a executada Freguesia de A. deduzir embargos contra a Exequente J. & Filhos, Lda., peticionando a extinção da execução, alegando que a obrigação exequenda não é exigível nem líquida.
Regularmente notificada, contestou a exequente pugnando pela improcedência dos embargos.
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Foi proferida sentença que julgou procedentes os embargos por entender que não está demonstrada a existência da obrigação exequenda.
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Inconformada veio a Embargada recorrer formulando as seguintes Conclusões:

I. À exequente/embargada não foi oferecida a faculdade de aperfeiçoamento prevista no art. 726.°, nº 4, do Cód. de Proc. Civil, como haveria de ter sido, face a não ser manifesta a falta ou insuficiência de título.
II. A sentença da qual se recorre encontra-se, assim, ferida de nulidade, nos termos do art. 615.°, n º1, al. d), do Cód. de Proc. Civil, por referência ao art. 6.°, nº2, do mesmo diploma legal.
III. O art. 707.°, do Cód. de Proc. Civil foi, sem prejuízo de melhor entendimento, erroneamente aplicado pelo Tribunal a quo, uma vez que no título não se convencionam prestações futuras, nem a constituição de obrigações futuras, antes se constitui uma obrigação presente dependente de prestação, isto é a obrigação constitui-se no momento da outorga da escritura de permuta, por bens eles próprios, sim, futuros, pelo que ao caso em apreço deveria ter sido aplicado o disposto no art. 715.°, do Cód. de Proc. Civil.
IV. Todavia, os requisitos de exequibilidade do referido art. 707.°, do Cód. de Proc. Civil, encontram-se verificados, pelo que é manifestamente errada a conclusão de que o título executivo inexiste.
V. Através da prova documental, designadamente a primeira parte da escritura de permuta - aqui título executivo dado à execução - outorgada pelos representantes das aqui Recorrente e Recorrida, a qual afirma que: A representada dos primeiros outorgantes, J. e Filhos, Lda., dá nesta data a representada dos segundos outorgantes, Freguesia de A., o seguinte imóvel (...)" e da prova testemunhal prestada pelos outorgantes da referida escritura de permuta, provou-se que "alguma prestação foi realizada para a conclusão do negócio".
VI. Assim, deve constar do elenco dos factos provados que:

"A J. e Filhos, Lda., aqui exequente/embargada, deu em 18.03.2009 uma parcela de terreno para construção, sita no lugar de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o número …, da freguesia de A..
• Nessa parcela de terreno entregue pela J. e Filhos, Lda., exequente/embargada, à Freguesia de A., no âmbito do contrato de permuta celebrado entre ambas, encontra-se construída, através de protocolo celebrado entre a Freguesia de A., aqui Embargante, e a SCM, uma unidade de apoio social."
VII. Encontra-se de igual modo verificado o requisito previsto no art. 707º, do Cód. de Proc. Civil, segundo o qual se tem de provar "que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes", desde logo, a obrigação sempre se constituiria pelo envio da missiva - cfr. doc. 2 junto aos autos com o requerimento executivo - a interpelar o devedor a cumprir.
VIII. Mais, as partes, na escritura de permuta, estipularam um prazo para o cumprimento da obrigação, designadamente 31.12.2013, bem como, determinaram de forma bem definida o modo de cumprimento da obrigação.
IX. Concorre para o preenchimento do requisito supra referido a prova testemunhal dos outorgantes da escritura de permuta, enquanto representantes da aqui Recorrida, em manifestação das suas declarações de vontade.
X. Assim, deverá constar do elenco dos factos provados que os lotes não foram entregues até ao prazo de 31.12.2013 como havia ficado estipulado, que a obrigação de pagamento de indemnização se encontra constituída desde o dia 01.01.2014, e, portanto, o contrato não foi devida e pontualmente cumprido, designadamente - "A executada/embargante não entregou até ao dia 31.12.2013, nem até à data os lotes à Embargada, como não entregou a quantia estipulada, pelo que o contrato de permuta não se encontra, nesta data cumprido".
XI. Decidindo o Tribunal que, nos termos do art. 707.°, do Cód. de Proc. Civil, o título dado à execução existe e é nesta data exequível.
XII. O entendimento segundo o qual a exequibilidade do título tem de ser apreciado no âmbito de ação de processo comum claudica quando confrontado com o título executivo, com a Lei, com o princípio da economia processual e com a doutrina.
XIII. As partes, numa clara manifestação do princípio da autonomia privada e sem qualquer vício das suas vontades estipularam um prazo verdadeiramente essencial para que as partes aceitassem o referido negócio.
XIV. Resulta igualmente claro, quer das declarações de vontade apostas na escritura de permuta pelos outorgantes, quer das declarações que prestaram em sede de audiência de julgamento, que as partes quiseram constituir uma obrigação pelo decurso do prazo que conscientemente estipularam, como quiseram conferir à escritura de permuta força executiva.
XV. Pese embora, a decisão proferida encontre abrigo no facto de se tratar de uma questão de conhecimento oficioso, sempre se perguntará até que ponto a oficiosidade se pode e deve sobrepor à vontade declarada e confirmada das partes.
XVI. Ao caso em apreço deve ser aplicado o disposto no art. 715.°, do Cód. de Proc. Civil, admitindo-se a prova documental - e outros meios de prova - de que o credor efetuou a prestação que lhe cabia, designadamente a 1ª parte da escritura de permuta ao determinar que "A representada dos primeiros outorgantes, J. e Filhos, Lda., dá nesta data à representada dos segundos outorgantes, Freguesia de A., o seguinte imóvel (...)': sendo certo, nos termos do art. 408.°, nº 1, do Cód. Civil, que a transferência de direitos reais sobre coisa determinada se dá por mero efeito do contrato.
XVII. Concorre igualmente a prova testemunhal prestada pelos outorgantes da escritura de permuta, enquanto representantes da aqui Recorrida, termos pelos quais, do elenco dos factos provados deverá constar que "A obrigação de entrega dos lotes de terreno, nos termos do referido acordo, que cabia à executada /embargante não foi até à data de hoje cumprida; e a obrigação que cabia à exequente/embargada foi pontualmente cumprida no dia da outorga da escritura de permuta, designadamente, a J. e Filhos, Lda. deu em 18.03.2009 uma parcela de terreno para construção, sita no lugar de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o número .., da freguesia de A..".
XVIII. E, consequentemente determinar que a obrigação da aqui Recorrida é nesta data exigível, nos termos do art. 715.°, nº1, do Cód. de Proc. Civil, assim se determinando a existência do titulo executivo e a exequibilidade da escritura de permuta dada à execução.
Termos pelos quais deve ser dado provimento ao presente recurso, determinando-se a exequibilidade do título dado à execução por estarem verificados os pressupostos do disposto no art. 707°, do Cód. de Proc. Civil, ou caso assim não se entenda o disposto no art. 715º, nº1, e, em consequência, condenar a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia peticionada em sede de requerimento executivo, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal.
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A embargante apresentou contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
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Questões a decidir:
- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- Análise do recurso de impugnação da matéria de facto;
- Da existência e exigibilidade do título executivo.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

A matéria considerada provada na 1ª instância é a seguinte:

a) Nos autos de execução apensos aos presentes deu a exequente à execução um acordo, celebrado em 18 de Março de 2009, entre si e a executada, por escritura pública e apelidada por ambas de permuta, cuja cópia se encontra junta a esses autos de fls. 3 a 7 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

b) Nos termos do referido acordo, a J. & Filhos, Lda. deu à Freguesia de A. um prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção, sito no lugar de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima, sob o número …, da freguesia de A., “e, em troca, a J. & Filhos, Lda., recebe da Freguesia de A., (…) os dois lotes de terreno seguintes, devidamente infraestruturados e que irão ser constituídos no polo industrial, a aprovar em sede do Plano de Urbanização (…): Um) prédio urbano, designado por lote número dezassete, com a área aproximada de seis mil oitocentos e oitenta e oito metros quadrados, (…) ; Dois) prédio urbano, designado por lote número dezoito, com a área aproximada de oito mil trezentos e trinta e oito metros quadrados (…)”;

c) Mais se afirmou que “estes lotes serão constituídos em terreno a ser “desafetado” do baldio, ao abrigo do disposto na alínea a), do artigo 26º, da Lei número 68/93, de 4 de Setembro, atualmente administrado pela Junta de Freguesia de A., do concelho de ponte de lima, situado no lugar …, da referida freguesia de A. (…)”;

d) Nos termos do supra referido acordo, pelos outorgantes foi dito ainda que “1) Que os primeiros, em nome da sua representada (J. & Filhos, Lda.), reconhecem que é condição essencial para a freguesia de A. que o imóvel dado à freguesia de A. tenha e mantenha um índice construtivo mínimo de acordo com o Plano de Urbanização de Ponte de Lima, atualmente em vigor. (…) “) Que a entrega dos dois lotes por parte da Freguesia de A. à sociedade J. & Filhos, Lda. será efetuada logo que os mesmos estejam concluídos e com todas as autorizações legais que permitam o início do funcionamento do polo industrial; (…) 3) Que a entrega dos lotes terá de ser efetuada até ao dia trinta e um de Dezembro de dois mil e treze; (…) 4) Que, no caso da dita Freguesia de A. optar por não fazer a entrega dos lotes em questão à sociedade J. & Filhos, Lda. ou não o faça até àquela data de trinta e um de Dezembro de dois mil e treze, as partes desde já estipulam que, a título de ressarcimento de todos os danos que a sociedade J. & Filhos, Lda. possa vir a ser prejudicada em consequência da não entrega dos indicados lotes por parte da citada Freguesia de A., esta pagará à sociedade J. & Filhos, Lda. a quantia de quatrocentos e cinquenta mil euros, pagamento que poderá ser efetuado, em singelo, na data em que se verificar a não entrega dos lotes ou, alternativamente e caso a Freguesia de A. assim o pretenda, de forma faseada, pelo seguinte modo: (…)”;

e) A executada/embargante enviou à exequente/embargada, em 24 de Fevereiro de 2014, a missiva cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 11v a 12 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

f) A exequente/embargada enviou à executada/embargante, em 7 de Abril de 2014, a missiva cuja cópia se encontra junta aos autos principais de fls. 7v a 8 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

g) Os dois lotes de terreno a receber pela exequente situam-se na área do Polo Industrial, freguesia de A., concelho de Ponte de Lima, loteamento em fase de aprovação na Câmara Municipal;

h) Os dois lotes de terreno a receber nos termos do referido acordo pela exequente estão, desde 13 de Dezembro de 2013, descritos na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima, sob os números … (Parcela X) e … (Parcela W), da freguesia de A., e a aquisição do seu direito de propriedade encontra-se inscrita a favor da executada/embargante, mediante a Ap. 2518 de 13.12.2013, conforme se retira da cópia da certidão de fls. 12 e 13 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

i) Na presente data, o referido Pólo não se encontra aprovado pela Câmara Municipal, faltando, ainda, o parecer do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas;

j) Na presente data, as infraestruturas do loteamento não se encontram construídas, designadamente, não foram construídos os arruamentos, não há saneamento, nem ligações para água e eletricidade;

k) A exequente dedica-se à extração, exploração, transformação e venda de granitos;

l) No concelho de Ponte de Lima, a extração e exploração de granitos, de acordo com o ordenamento urbano do concelho, apenas poderá ser feita na área do Pólo Industrial;

m) Na presente data, na área do referido Pólo encontram-se a laborar duas empresas/sociedades, sendo que uma é a exequente.

2 – Factos não provados

- Art. 4º e 5º da p.i..


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Cumpre apreciar e decidir:

Da alegada nulidade por omissão de pronúncia:

O vício de omissão de pronúncia está previsto no art. 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável à 2ª instância por via do preceituado no art. 666º do mesmo Código.
O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina as questões a resolver e que é a prevista no art. 608º nº 2 do Código de Processo Civil.
Resulta do regime previsto neste preceito que o Juiz na Sentença “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
A Recorrente diz que a sentença sofre do vício acima referido por o juiz não a ter convidado a sanar a falta de pressupostos, ao abrigo do disposto nos arts. 726º, nº 4 por referência ao art. 6º, nº 2, ambos do C. P. Civil.
Salvo o devido respeito, tal não configura tal vício pois não se trata de questão que o juiz deveria resolver na sentença.
Com efeito, tal como resulta do disposto no art. 726º mencionado pela Apelante o convite aí previsto é efetuado no despacho liminar.
Por outro lado, no caso, segundo o que decidiu a sentença impugnada, o requerimento executivo não padece de irregularidades e falta de pressupostos supríveis mas sim de falta de título, sendo pois uma deficiência insuprível, pois esta não é sanável com a mera correção.
Carece, pois de razão a Recorrente.


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A Recorrente vem impugnar a matéria de facto considerada assente.

Ora, resulta do que abaixo se exporá é irrelevante para a decisão a proferir, a alteração ou não da matéria de facto, já que as questões em discussão são apenas questões de direito.

Conforme se refere no Ac. da Relação de Coimbra de 24/04/2012 e ainda no Ac. desta Relação de 15/12/16 se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.

Assim, por falta de utilidade, não se conhece do recurso de impugnação da matéria de facto apresentado pela Apelante.


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Da existência e exigibilidade do título:

O título executivo é um documento que constitui o meio legal de demonstração da existência do direito da exequente ou que estabelece, de forma ilidível, a existência daquele direito (v. José Lebre de Freitas in A Acção Executiva depois da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, Abril de 2004, pág. 70.).
O título executivo constitui a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites daquela (art. 10º, nº 5 do C. P. Civil).
No caso, o documento apresentado como título executivo é uma escritura pública que as partes intitularam de “Permuta” e portanto um documento autêntico (v. art. 363º, nº 2 do C. Civil e 35º, nº 2 do Cód. do Notariado).
Esse documento, na parte com interesse para o caso em apreço tem o seguinte conteúdo:
No referido acordo, a J. & Filhos, Lda. deu à Freguesia de A. um prédio urbano, composto de parcela de terreno para construção, sito (…)“e, em troca, a J. & Filhos, Lda., recebe da Freguesia de A., (…) os dois lotes de terreno seguintes, devidamente infraestruturados e que irão ser constituídos no polo industrial, a aprovar em sede do Plano de Urbanização;
Mais se afirmou que “estes lotes serão constituídos em terreno a ser “desafetado” do baldio, ao abrigo do disposto na alínea a), do artigo 26º, da Lei número 68/93, de 4 de Setembro, atualmente administrado pela Junta de Freguesia de A., do concelho de ponte de lima, situado no lugar de …, da referida freguesia de A. (…)”;
Foi dito ainda que “1) Que os primeiros, em nome da sua representada (J. & Filhos, Lda.), reconhecem que é condição essencial para a freguesia de A. que o imóvel dado à freguesia de A. tenha e mantenha um índice construtivo mínimo de acordo com o Plano de Urbanização, atualmente em vigor. (…) “) Que a entrega dos dois lotes por parte da Freguesia de A. à sociedade J. & Filhos, Lda. será efetuada logo que os mesmos estejam concluídos e com todas as autorizações legais que permitam o início do funcionamento do polo industrial; (…) 3) Que a entrega dos lotes terá de ser efetuada até ao dia trinta e um de Dezembro de dois mil e treze; (…) 4) Que, no caso da dita Freguesia de A. optar por não fazer a entrega dos lotes em questão à sociedade J. & Filhos, Lda. ou não o faça até àquela data de trinta e um de Dezembro de dois mil e treze, as partes desde já estipulam que, a título de ressarcimento de todos os danos que a sociedade J. & Filhos, Lda. possa vir a ser prejudicada em consequência da não entrega dos indicados lotes por parte da citada Freguesia de A., esta pagará à sociedade J. & Filhos, Lda. a quantia de quatrocentos e cinquenta mil euros, pagamento que poderá ser efetuado, em singelo, na data em que se verificar a não entrega dos lotes ou, alternativamente e caso a Freguesia de A. assim o pretenda, de forma faseada(…)”;


O art. 703º, nº 1 - b) do Cód. Proc. Civil confere exequibilidade aos documentos exarados ou autenticados por notário que importem a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação, isto é, que sejam fonte de um direito de crédito, ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída (v. Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil anotado, vol. 1º, pág. 92).
O artº 707.° do Cód. de Proc. Civil, sob a epígrafe “Exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados”, alarga a exequibilidade dos documentos exarados ou autenticados por notário àqueles em que “se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras, podem servir de base á execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes, ou sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para a conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes".
O Recorrente refere que o Sr. Juiz a quo entendeu que a situação se enquadrava neste último preceito mas tal não ocorreu, tendo o Sr. Juiz apenas citado as disposições legais acima mencionadas e que referem títulos executivos exarados ou autenticados por notário, sem que tenha optado pelo enquadramento num ou noutro preceito, por concluir pela inexistência de título executivo.
Com efeito, no caso em apreço não estamos perante qualquer obrigação futura ou em que se convencionem prestações futuras mas sim perante uma obrigação que abrange bens futuros, sendo pois inaplicável o disposto no art. 707º do C. P. Civil, sendo, pois inadmissível a apresentação da prova complementar aí prevista.
Por outro lado, o que o Exequente vem executar é a cláusula do contrato que prevê o pagamento da quantia de 450.000,00€, por a Executada não lhe ter entregue os lotes identificados na escritura até à data aí prevista.
A mencionada cláusula poderá consistir numa cláusula penal em sentido estrito, caso tenha sido estipulada a título sancionatório, ou uma mera liquidação antecipada do quantum indemnizatório, se o seu fim foi facilitar a indemnização, pré-determinando o seu montante (v. António Pinto Monteiro in Cláusula Penal e indemnização, Almedina, pág. 30).
Caso a mesma tenha sido estipulada como mera liquidação antecipada do dano, a prova pelo devedor da inexistência de qualquer prejuízo efetivo, libertá-lo-à do pagamento da mesma (v. António Pinto Monteiro, ob. cit., pág. 30). Se se tratar de uma cláusula penal em sentido estrito, o credor só pode exigi-la nos mesmos termos em que poderia reagir contra o incumprimento, a mora ou o cumprimento defeituoso da obrigação, sendo pois, preciso que o incumprimento ou o atraso sejam imputáveis ao devedor (v. mesmo autor, pág. 87).
Em qualquer caso, o credor só pode fazer-se valer da mencionada cláusula em caso de incumprimento culposo da obrigação.
Ora, não sendo o documento apresentado suficiente para verificação do incumprimento (culposo), tal verificação apenas poderá ocorrer no âmbito de uma ação declarativa, por as regras processuais da ação executiva serem dirigidas à realização coativa da prestação e não a declarar ou constituir direitos.
Deste modo, não tendo havido verificação do incumprimento prévia à instauração da execução a que os presentes embargos se encontram apensos, temos de concluir que não se pode considerar constituída qualquer obrigação, não existindo, pois, título executivo.
Assim, conclui-se, como na primeira instância, pela procedência dos embargos.
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
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Guimarães, 9 de novembro de 2017

(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria de Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)